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Departamento de Física Simulação de space weathering de micrometeoritos através da ablação a laser em minerais abundantes na crosta terrestre Aluno: Leonardo Fuks Maron Orientador: Daniele Fulvio Co-orientador: Enio F. da Silveira 1. Introdução Superficies de planetas, asteroides, cometas e satélites do sistema solar são constantemente expostas ao ambiente espacial e gradualmente alteradas em propriedades físicas e composicionais, em algum grau. A definição genérica de space weathering refere-se a esse processo. Em termos simples, o space weathering é a alteração gradual dos materiais quando eles são expostos a uma variedade de processos que ocorrem no espaço. Com isso em mente, fica clara a importância de avaliar o grau em que a superfície acumula os efeitos de space weathering (por exemplo, Morris 1978; Lucey et al., 2000) e o tempo total de exposição, ou seja, a medida quantitativa laboratorial de quanto tempo a superfície foi exposta no espaço (por exemplo: Zinner 1980; Berger e Keller, 2015a). Os processos de space weathering podem ser agrupados em duas categorias relacionadas a (a) impactos por micrometeoritos e (b) irradiação por fótons ou íons do Sol, fontes galácticas ou magnetosfera planetária. No presente estudo, vamos nos concentrar na primeira categoria de fenômenos. Neste contexto, tipicamente, o estudo de impactos de micrometeoritos tem se focado nos processos e efeitos que ocorrem em corpos do sistema solar não dotados de atmosfera (Hapke 2001; Pieters & Noble 2016; Dobrica & Ogliore 2016, Keller & McKay 1993, 1997). Por outro lado, até hoje, poucos estudos foram dedicados ao caso de impactos de micrometeoritos em corpos planetários dotados de atmosfera, tal como a Terra. Quando um meteoroide entra na atmosfera da Terra, os processos de erosão e vaporização podem desempenhar um papel importante, fazendo com que ele perca parte de sua massa. No entanto, para meteoroides com massa de 10 -9 a 10 -1 g (Carrillo-Sanchez et al. 2015 e referências ali contidas) não há consenso geral sobre os efeitos da erosão/vaporização quando eles passam pela atmosfera terrestre. Essas partículas são conhecidas como micrometeoroides e, de acordo com alguns modelos, eles não sofrem taxas importantes de erosão/vaporização (Rogers et al., 1961). Quando chegam à superfície da Terra, são chamadas de micrometeoritos. Por isso, a Terra e outros corpos planetários dotados de atmosfera também podem sofrer bombardeios de micrometeoritos. Estima-se, com base no material coletado por meio do satélite Long Duration Exposure Facility (Love & Brownlee 1993), que a massa total de micrometeoritos atingindo a superficie terrestre seja de 4 x 10 7 kg / ano, enquanto a de meteoritos (massa > 10 -1 g) é de 5 x 10 4 kg / ano (Zolensky et al. 2006). Isso significa

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Departamento de Física

Simulação de space weathering de micrometeoritos através da

ablação a laser em minerais abundantes na crosta terrestre

Aluno: Leonardo Fuks Maron

Orientador: Daniele Fulvio

Co-orientador: Enio F. da Silveira

1. Introdução

Superficies de planetas, asteroides, cometas e satélites do sistema solar são

constantemente expostas ao ambiente espacial e gradualmente alteradas em

propriedades físicas e composicionais, em algum grau. A definição genérica de space

weathering refere-se a esse processo. Em termos simples, o space weathering é a

alteração gradual dos materiais quando eles são expostos a uma variedade de processos

que ocorrem no espaço. Com isso em mente, fica clara a importância de avaliar o grau

em que a superfície acumula os efeitos de space weathering (por exemplo, Morris 1978;

Lucey et al., 2000) e o tempo total de exposição, ou seja, a medida quantitativa

laboratorial de quanto tempo a superfície foi exposta no espaço (por exemplo: Zinner

1980; Berger e Keller, 2015a). Os processos de space weathering podem ser agrupados

em duas categorias relacionadas a (a) impactos por micrometeoritos e (b) irradiação por

fótons ou íons do Sol, fontes galácticas ou magnetosfera planetária. No presente estudo,

vamos nos concentrar na primeira categoria de fenômenos. Neste contexto, tipicamente,

o estudo de impactos de micrometeoritos tem se focado nos processos e efeitos que

ocorrem em corpos do sistema solar não dotados de atmosfera (Hapke 2001; Pieters &

Noble 2016; Dobrica & Ogliore 2016, Keller & McKay 1993, 1997).

Por outro lado, até hoje, poucos estudos foram dedicados ao caso de impactos de

micrometeoritos em corpos planetários dotados de atmosfera, tal como a Terra. Quando

um meteoroide entra na atmosfera da Terra, os processos de erosão e vaporização

podem desempenhar um papel importante, fazendo com que ele perca parte de sua

massa. No entanto, para meteoroides com massa de 10-9

a 10-1

g (Carrillo-Sanchez et al.

2015 e referências ali contidas) não há consenso geral sobre os efeitos da

erosão/vaporização quando eles passam pela atmosfera terrestre. Essas partículas são

conhecidas como micrometeoroides e, de acordo com alguns modelos, eles não sofrem

taxas importantes de erosão/vaporização (Rogers et al., 1961). Quando chegam à

superfície da Terra, são chamadas de micrometeoritos. Por isso, a Terra e outros corpos

planetários dotados de atmosfera também podem sofrer bombardeios de

micrometeoritos. Estima-se, com base no material coletado por meio do satélite Long

Duration Exposure Facility (Love & Brownlee 1993), que a massa total de

micrometeoritos atingindo a superficie terrestre seja de 4 x 107 kg / ano, enquanto a de

meteoritos (massa > 10-1

g) é de 5 x 104

kg / ano (Zolensky et al. 2006). Isso significa

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que os micrometeoritos dominam o fluxo anual de massa de material extraterrestre que

atinge a superfície da Terra e, portanto, os impactos de micrometeoritos ocorrem com

muito mais frequência do que os de meteoritos. Esses impactos podem alterar a

química, a mineralogia e a morfologia da superfície onde o impacto ocorre. Portanto, o

estudo dos processos e efeitos do impacto de micrometeoritos é muito significativo para

a compreensão da evolução da superfície da Terra.

É bastante difícil criar um experimento onde haja uma maneira fácil de

reproduzir o impacto dos micrometeoritos verdadeiros, em particular pela necessidade

de acelerar pequenos projéteis rochosos até vários km/s. Ciente disso, surgiu um método

alternativo para obter resultados comparáveis e entender melhor a física por trás da

formação de crateras de impacto: simular o impacto de micrometeoritos usando laser

nanopulsados. Essa técnica é um caso particular da ablação por laser. Embora o uso de

um laser para simular os bombardeamentos de micrometeoritos não seja intuitivo, a

ablação a laser é de fato uma técnica indireta por meio da qual processos físico-

químicos são induzidos. Isso já foi descrito teoricamente, por exemplo, por Chernyak e

Vekhov (1979) e Kissel e Krueger (1987), enquanto os experimentos de irradiação por

laser começaram a ser amplamente implementados desde os anos 90 para simular os

processos de impacto de micrometeoritos na superfície da Lua e de corpos menores do

sistema solar. Moroz et al. (1996) e Wasson et al. (1998) irradiaram condritos

ordinários, grãos de olivina, grãos de clinopiroxênio, misturas de olivina-clinopiroxênio

e meteoritos de HED com lasers de pulso de microssegundo para estudar as mudanças

espectrais induzidas. Para melhor simular a física de impacto, Yamada et al. (1999) e

Sasaki et al. (2001, 2002) usaram um laser de pulso de nanossegundo (ns) para simular

os processos de bombardeamento de micrometeoritos. Nestas experiências, os grãos de

olivina e piroxena foram irradiados em vácuo (cerca de 10-5

torr) por um feixe de laser

pulsado com um comprimento de onda de 1064 nm. A duração do pulso foi de 6-8 ns.

Brunetto et al. (2006) simularam os efeitos do bombardeamento de micrometeoritos

usando um laser pulsado (pulso: 20 ns) em dois diferentes comprimentos de onda, 193 e

248 nm. Poucos anos depois, Loeffler et al. (2008) usaram um laser com pulsos de 10 ns

de 193 nm para simular o processo de bombardeamento de micrometeoritos em

amostras de olivina e forsterita e examinar os efeitos espectrais induzidos pelo space

weathering e os efeitos devido à redeposição das ejecta produzidas nos impactos.

Recentemente, Wu et al. (2017) usaram um laser pulsado de 6 ns e comprimento de

onda de 532 nm. Eles irradiam 4 tipos de alvos: basalto terrestre, anortosito, um

condrito do tipo H (o condrito ordinário de Huaxi) e um meteorito de ferro (o meteorito

de ferro Gebel Kamil). Além disso, Fazio et al. (2018) irradiou amostras de olivina com

um laser de comprimento de onda de 800 nm e duração de pulso de 100 fs.

Além dos trabalhos experimentais com foco no space weathering na Lua e nos

pequenos corpos sem atmosfera do sistema solar, há poucos trabalhos focando nos

efeitos dos impactos de micrometeoritos na superfície da Terra. Um exemplo é dado

pelos trabalhos de Desai et al. (2008, 2010) onde vários experimentos de irradiação por

laser foram realizados para estudar a formação de crateras simples e complexas

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similares àquelas formadas por impactos de meteoritos na superfície terrestre. Eles

realizaram os experimentos usando o “Prague Astrix Iodine Gas Laser System”,

trabalhando com comprimento de onda de 0,44 µm e duração de pulso de 350 ps. Alvos

de alumínio de 100 μm de espessura foram escolhidos como um proxy (modelo) da

crosta terrestre e a morfologia das crateras neles criadas foi analisada e comparada à das

crateras de impacto na Terra. Embora os resultados destes trabalhos sejam muito

interessantes, não se pode deixar de notar que a escolha do alumínio para simular a

crosta terrestre provavelmente não é a melhor escolha.

No presente estudo, pretendemos elucidar a aplicabilidade da ablação por laser

pulsado (ns) na simulação da formação de crateras de micrometeoritos na Terra. Para

tanto, a técnica de ablação por laser foi usada em amostras de silicatos, sendo eles os

minerais mais abundantes da crosta da Terra. Tanto quanto sabemos, este é o primeiro

relatório deste tipo.

2. Amostras e Metodologia

2.1 Amostras

Para alcançar os objetivos deste trabalho, escolhemos utilizar a técnica de

ablação por laser em amostras de silicatos. Os silicatos são um grupo de minerais que

contém principalmente silício (Si) e oxigênio (O) na sua composição química. Foram

selecionados 3 dos minerais mais abundantes, são eles: Feldspato, Quartzo e Jadeíta. É

bastante conhecido que esses minerais representam cerca de 70% da composição

mineralógica da crosta terrestre (Figura 1).

Figura 1: Distribuição relativa dos minerais na crosta terrestre (Klein and Hurlbut

1993);

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A Jadeíta pertence à família dos piroxênios, que constitui 11% dos minerais da

crosta terrestre. O ponto de fusão da Jadeíta é 1000oC. As propriedades físicas e

químicas da Jadeíta são encontradas na Figura 2.

Figura 2: Mineral Jade e suas propriedades físicas e químicas

O Quartzo constitui 12% dos minerais da crosta terrestre. O ponto de fusão do

Quartzo é 1705oC. As propriedades físicas e químicas do Quartzo são encontradas na

Figura 3.

Figura 3: Mineral Quartzo e suas propriedades físicas e químicas

O Feldspato constitui 51% dos minerais da crosta terrestre. O ponto de fusão do

Feldspato é 1415oC. As propriedades físicas e químicas do Feldspato são encontradas

na Figura 4.

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Figura 4: Mineral Feldspato e suas propriedades físicas e químicas

As amostras de silicato foram preparadas no Laboratório Van de Graaff do

Departamento de Física da PUC-Rio, sendo submetidas a três ciclos de limpeza em

acetona no ultrassom, durando 30 minutos cada, com o objetivo de remover as

potenciais impurezas provindas do manuseio delas. Em seguida, cada uma das amostras

foi pulverizada em um gral (vaso) de ágata. Depois foi utilizado 0,1 g da amostra já

pulverizada para ser incrustada por prensagem em 1 g de índio (In), formando assim

uma pastilha. O suporte de In foi necessário, pois sem ele a pastilha dos silicatos seria

facilmente desintegrável. Foram confeccionadas duas pastilhas de cada uma das três

amostras de silicato, por um total de 6 pastilhas. Dois experimentos de ablação foram

feitos com cada silicato, respectivamente em dois meios diferentes: uma pastilha em ar

atmosférico e outra em água deionizada.

2.2 Aparato experimental

Para simular o processo de impacto dos micrometeoritos e a formação de

crateras, utilizamos a técnica de ablação por laser pulsado em nanosegundo (Zolensky

et al., 2006). O sistema utilizado foi um laser QUANTEL Nd:YAG - BIG SKY com um

comprimento de onda de 532 nm. O procedimento ocorre com as pastilhas tanto no ar

quanto na água. O fluxo de energia do laser utilizado variou entre 67 e 184 J/cm2. Os

valores da frequência, do tempo total de irradiação, do número de pulsos do laser, da

energia total entregue aos alvos e da fluência energética utilizada durante a ablação

foram os mesmos em todos os experimentos e são apresentados na Tabela 1.

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Frequência do laser (Hz) 10

Tempo total (min) 2

Número total de pulsos 1200

Energia (mJ) Fluência energética

(J/cm2)

2,3 67

3,0 88

3,5 102

4,0 117

4,7 137

5,7 167

6,3 184

Tabela 1: Parâmetros utilizados nos experimentos com o laser pulsado

O feixe que sai do laser é focalizado por uma lente, passa por um prisma e incide

no alvo (ver Figura 5). A incidência do feixe de laser causa ablação (remoção) de

material na amostra de interesse, como aconteceria no caso de impacto de

micrometeoritos.

Figura 5: Esquema simplificado do laser Nd:YAG - BIG SKY da QUANTEL usado

nos experimentos

Como já dito na Introdução, a condição mais importante para simular o impacto

de micrometeorito por laser é usar pulsos de nanosegundos para reproduzir a duração do

processo de vaporização induzido pelos impactos. Os efeitos de irradiação a laser

variam muito, dependendo da fluência energética (J/cm2), da duração do pulso, da taxa

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de repetição e das propriedades do alvo. A faixa de valores típicos de fluências usadas

em nossos experimentos (Tabela 1) são próximas aos valores calculados para

micrometeoritos de massa entre 10-9

kg e 10-6

kg (Figura 6), garantindo que o laser

usado neste trabalho simule adequadamente os impactos de micrometeoritos.

Figura 6: Faixa de fluências em função da velocidade para micrometeoritos de massa

entre 10-9

kg e 10-6

kg. As duas linhas pretas contínuas entre 67 e 184 J/cm2

representam

os valores de fluências atingidas com o laser utilizado neste trabalho. A linha vermelha

apresenta o valor mínimo de fluência (= 102 J/cm2) para a qual foi observada a

formação de crateras.

Após a ablação, o diâmetro e a profundidade de cada cratera em cada amostra

foram medidos pelo perfilômetro Dektak XT (figura 7) e analisados pelo software

Gwyddion. O perfilômetro de superfície DektakXT é uma ferramenta de medição de

altura e profundidade de filmes finos e/ou espessos. O sistema DektakXT trabalha na

faixa nanométrica. Ele realiza medições eletromecânicas movendo uma agulha com

ponta de diamante sobre a superfície da amostra, de acordo com um comprimento de

digitalização programado pelo usuário, velocidade e força da agulha. Esta é ligada a um

Transformador Diferencial de Variáveis Lineares (LDVT, em inglês), que produz e

processa sinais elétricos que correspondem a variações de superfície da amostra. Depois

de convertidas para o formato digital, essas variações de superfície são armazenadas

para exibição e análise. O perfilômetro DektakXT trabalha com o software de medição e

análise Vision64. Este permite ajustar a iluminação do sistema, fazer medições de

varredura única ou automatizadas, aplicar análises e filtros e realizar operações

especiais, como a comparação dos resultados analíticos de várias varreduras. Também

calcula e exibe os resultados de funções analíticas selecionadas pelo usuário para medir

a textura da superfície e outros parâmetros para caracterizar os dados do perfil. O

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Vision64 foi utilizado para fazer um mapeamento 3D (X, Y, Z) e análise de dados das

amostras de silicato. Medindo amostras com superfícies irregulares, como no nosso

caso, selecionamos 8 nm de resolução. O tipo de perfil selecionado foi “Hills and

Valleys”. Esta opção é geralmente usada quando a inclinação é desconhecida ou quando

a superfície da amostra é muito irregular. O diâmetro médio das crateras nas amostras é

entre 80 e 900 µm, portanto, para cobrir a maior área possível e obter boas imagens a

partir dos contornos das crateras, foi selecionada uma área de análise total de 1.0 x 1.5

mm2.

Figura 7: perfilômetro de superfície DEKTAK XT no Laboratório Van de Graaff;

3. Análise dos dados e Resultados

Depois de adquirir as imagens do perfilômetro, analisamos os dados em um

programa modular de visualização e análise de dados SPM (Scanning Probe

Microscopy) chamado Gwyddion [http://gwyddion.net/]. Por meio deste software

calculamos a profundidade Z e o diâmetro D das crateras formadas por ablação por

laser. A medida da profundidade foi efetuada usando a ferramenta extract profile.

Usamos uma linha vertical para selecionar a seção da cratera à qual a análise

perfilométrica foi aplicada. Desta forma, selecionamos 2 pontos diametralmente opostos

na borda da cratera (indicando o início e o fim da cratera) e calculamos a altura média

deles, que é h=( h1 + h2) / 2, sendo h1 = ymax do primeiro pico e h2 = ymax do segundo

pico. Logo, podemos calcular a profundidade da cratera, Zh - ymin, em que ymin se

refere ao ponto mais baixo dentro da cratera (figura 8). A análise perfilométrica aqui

descrita foi aplicada no entorno do ponto de mínimo da cratera, em 5 seções vizinhas.

Isso foi feito para analisar uma porção maior da cratera e reduzir eventuais erros

devidos a irregularidades morfológicas dentro da cratera. O mesmo procedimento foi

repetido escolhendo 5 linhas retas horizontais e medindo a profundidade da cratera

também na direção horizontal. Isso foi feito para levar em conta eventuais assimetrias

morfológicas nas crateras analisadas. A medida do diâmetro da cratera é feita

automaticamente pelo software, quando escolhidos os dois pontos na borda da cratera.

Na tabela 2, exibimos a profundidade média e o diâmetro médio de cada cratera,

em relação à respectiva fluência de irradiação e meio onde a amostra foi irradiada (no ar

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ou na água). A última coluna mostra o valor da razão profundidade/diâmetro assim

estimado.

Figura 8: Exemplo de medida usando o software Gwyddion (amostra de Feldspato,

ablação com uma fluência de 184 J/cm2);

Tabela 2: Dimensões das crateras produzidas nas amostras de silicatos

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As crateras de impacto de morfologia “simples” caracterizam-se por depressões

em forma de tigela com paredes lisas em sua maioria. As de morfologia “complexa”,

por outro lado, geralmente apresentam: i) fundo raso liso e plano, ii) montanha ou pico

central e iii) paredes das bordas internas formadas por terraços (como “curvas de nível”

ou “degraus”). Podem ou não apresentar pequenas “crateras secundárias" em sua volta,

criadas pelos materiais ejetados pelo impacto, além de estruturas em torno do anel

externo, criado por materiais escavados pelo impacto (figura 9). A razão

profundidade/diâmetro para crateras simples feitas por micrometeorito é de 1:2 (Love &

Brownlee 1993). A comparação dos resultados experimentais do presente trabalho

(última coluna de Tabela 2: valores entre 1:1 e 1:3, sendo que, na maioria dos casos, a

razão é igual a 1:2) com os valores reportados na literatura indicam que as crateras

produzidas por ablação por laser, tanto no ar quanto na água, se assemelham na

morfologia às crateras que os micrometeoritos fazem na superfície terrestre.

Uma exceção ao que é dito é representada pelo valor profundidade/diâmetro do

Feldspato com fluência 137 J/cm2 na água. Neste caso, o valor encontrado foi de 1/6, o

que é diferente da previsão da literatura. Esta informação nos faz acreditar que algum

tipo de erro surgiu durante esta medição, por exemplo, a amostra poderia ter sido

corroída pela agulha do perfilômetro.

Figura 9: Crateras simples e complexas criadas pós impacto de meteoritos (Fonte:

https://www.psi.edu/epo/explorecraters_spn/background_spn.htm);

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A seguir apresentamos algumas imagens de crateras obtidas por ablação por

laser. As imagens foram geradas usando o software Vision64 e o perfilômetro

DEKTAK XT. A fluência de ablação, a amostra e o meio onde a amostra foi irradiada

são indicados.

FIGURA 10: Imagem gerada pelo software Vision64 da cratera na amostra de

Feldspato pós ablação em H2O deionizada com a fluência de 102 J/cm2

(esquerda) e pós

ablação no ar com a fluência de 184 J/cm2 (direita);

FIGURA 11: Imagem gerada pelo software Vision64 da cratera na amostra de Quartzo

pós ablação em H2O deionizada com a fluência de 184 J/cm2 (esquerda) e pós ablação

no ar com a fluência de 184 J/cm2 (direita);

FIGURA 12: Imagem gerada pelo software Vision64 da cratera na amostra de Jadeíta

pós ablação em H2O deionizada com a fluência de 184 J/cm2 (esquerda) e pós ablação

no ar com a fluência de 184 J/cm2 (direita);

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4. Conclusões

Com este trabalho, conseguimos desenvolver um método experimental para

simular o impacto de micrometeoritos com a superfície terrestre. De fato, os valores de

fluência de energia (em J/cm2) para a qual foi observada a formação de crateras sob

ablação por laser são próximos aos valores calculados pelos micrometeoritos de massas

entre 10-9

kg e 10-6

kg.

Além disso, a superfície das amostras e suas modificações morfólogicas

causadas pela ablação foram analisadas por perfilometria. As crateras provocadas por

ablação se assemelham na morfologia às crateras simples que os micrometeoritos fazem

na superfície terrestre. Em particular, o diâmetro médio (D) e a profundidade média

(ΔZ) foram medidos para cada cratera gerada em cada amostra (tanto no ar como na

água). O valor da razão ΔZ/D das crateras produzidas por laser varia entre 1:1 e 1:3,

sendo que, na maioria dos casos, a razão é igual a 1:2. De acordo com a literatura, o

valor ΔZ/D para crateras feitas por micrometeoritos é igual a 1:2, mostrando que o

método experimental aqui discutido, ablaçao por laser, é bom para a simulação de

impactos dos micrometeoritos com a crosta terrestre.

O presente trabalho deve ser considerado como um ponto de partida para simular

no laboratório os impactos dos micrometeoritos com a superfície terrestre. A

perspectiva futura é, pois, dar continuidade a esta linha de pesquisa, aumentando o

número de experimentos de ablação por laser e estendendo a análise das amostras

irradiadas a outras técnicas analiticas (espetroscopia UV-Vis-NIR, FTIR,...).

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