(1) idade media -- até sec. xiii (apostila - 2006)

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CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA DE HISTÓRIA DA MÚSICA Idade Média (até o século XIII) FIC - Faculdades Integradas Cantareira Escola Superior de Música São Paulo março/2006

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Música Idade Media

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Page 1: (1) Idade Media -- Até Sec. Xiii (Apostila - 2006)

CLÓVIS DE ANDRÉ

APOSTILA DE HISTÓRIA DA MÚSICAIdade Média (até o século XIII)

FIC - Faculdades Integradas CantareiraEscola Superior de Música

São Paulomarço/2006

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – ii

Copyright © Clóvis de André

1ª edição: 2001

6ª edição: 2006

A impressão deste material é destinada apenas ao uso durante as aulas da disciplina de

História da Música ministradas pelo prof. Clóvis de André nesta instituição de ensino.

A impressão ou distribuição (total ou parcial) deste material, fora do âmbito desta disciplina,

poderá ser realizada somente com autorização expressa do autor.

Citações acadêmicas de trechors selecionados da apostila poderm ser realizados,

sem a necessidade de autorização,

desde que a devida refeerência bibliográfica seja apresentada,

sempre incluindo o nome do autor, ano desta edição da apostila e o número das páginas.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 1

IDADE MÉDIA

LITURGIA

* MISSA *

-- Esta é a celebração (ou serviço) mais importante dentro da liturgia romana, nãoapenas por se constituir numa representação da Última Ceia e do Sacrifício de Cristo,mas também por ser uma celebração essencialmente comunitária, da qual todos osiniciados (fiéis) podem participar.

-- Os textos das celebrações litúrgicas públicas eram divididos em dois tipos: os fixos,que fazem parte do ORDINARIUM MISSAE (i.e., Ordinário da Missa), e os mutáveis, quefazem parte do PROPRIUM MISSAE (i.e., Próprio da Missa) -- em outras palavras os textosdo PROPRIUM variam conforme os dias (festas) do ano litúrgico, enquanto os textos doORDINARIUM são invariáveis.

-- Nem todos os textos são cantados, sendo que alguns dos rezados podem também serrecitados, dependendo do tipo de celebração.

-- Inicialmente cantavam-se apenas os cantos do PROPRIUM; sendo o canto doORDINARIUM reservado para festas especiais ou mais solenes, pois era principalmente notexto do ORDINARIUM que se esperava a participação da congregação (assembléia) --aparentemente, não houve preocupação em anotar (ou prescrever) cantos doORDINARIUM antes do sec. X, tendo a maioria dos exemplares sobreviventes sidocomposta nos sec. XI e XII, ou mesmo depois.

-- O ritual da Missa pode ser ainda dividido em 2 duas seções principais: a Liturgia daPalavra (ítens de 1 a 9, na tabela abaixo) e a Liturgia da Eucaristia (ítens de 10 a 20) --esta última pode ainda ser subdividida em 2 outras porções, a Celebração da Eucaristia(ítens de 10 a 16) e a Celebração da Comunhão (ítens de 17 a 20).

-- No item 20 (abaixo), o "Ite, missa est" é substituído pelo "Benedicamus Domino" emmissas seguidas de alguma procissão (e.g., algumas da Semana Santa), ou em missasonde o "Gloria" é omitido (e.g., durante os dias da Quaresma e outros tempospenitenciais).

==> Cabe notar que a descrição apresentada aqui é apenas uma simplificação do ritual,pois este inclui um maior número de ítens que os descritos na tabela. Por exemplo, aLiturgia da Palavra inclui uma oratio communis (oração comum, após o "Credo",originalmente cantada pelo sacerdote) que portanto serve de transição para a Liturgia daEucaristia. Do mesmo modo, a Celebração da Eucaristia termina com o "Libera nos"(que dá seqüência ao "Pater noster", originalmente cantado pelo sacerdote) e aCelebração da Comunhão começa com uma oração (rezada) de 'partição do pão' (rezadaantes do "Agnus Dei").

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – 2

CANTADO FALADO ou RECITADO

PROPRIUM ORDINARIUM PROPRIUM ORDINARIUM

LITURGIA DA PALAVRA

Introitus 1

Kyrie 2

Gloria 3

4 Coleta (oração)

5 Epístola(s)

Gradual 6

Alleluia(ou Tractus)

7

8 Evangelho

Credo 9

LITURGIA DA EUCARISTIA

Offertorium 10

11Orações doOfertório

12 Oração Secreta

13 Prefácio

Sanctus 14

15Canon

(Consagração)

16 Pater noster

Agnus Dei 17

Comunhão 18

19 Pós-comunhão

Ite, missa estou

BenedicamusDomino

20

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 3

ALGUNS TIPOS DE MISSA

* Missa solemnis *

-- Literalmente "Missa solene", refere-se a missas onde todos os ítens são cantados,excetuando-se as leituras (Epístolas, Evangelho e Sermão), embora pudessem existirtambém Epístolas ou mesmo trechos do Evangelho submetidos a fórmulas melódicas(baseadas em tons salmódicos -- cf. abaixo); geralmente, eram as missas de maiorduração.

==> Alternativamente, o termo Missa cantada pode também servir paraindicar uma celebração onde todos os ítens são cantados. Em termospolifônicos, os dois termos indicam a execução de composição musicaissobre os textos do ORDINARIUM.

* Missa privata ou lecta *

-- Refere-se à missa apenas rezada, ou seja, onde nenhuma das partes é cantada. Apalavra "privata" pode ser traduzida tanto como "particular" (ou "privada") quantocomo "isenta" de excessos; já "lecta" pode ser "seleta" (i.e., "selecionada") ou "lida"(i.e., "rezada").

* Missa brevis *

-- Literalmente "Missa abreviada". Nos sécx. XV e XVI, refere-se a obras polifônicassobre cada um dos cantos do ORDINARIUM, porém mantendo proporções breves (i.e.,não muito longas). Nos sécs. XVII e XVIII, refere-se principalmente a composiçõespolifônicas apenas do "Kyrie" e do "Gloria", para uso em serviços Luteranos.

* Missa dominicalis *

-- Literalmente "Missa de Domingo". Dentro da tradição do Cantochão, refere-seespecificamente aos cantos do ORDINARIUM da Missa XI (In Dominicis infra annum,também chamada Orbis factor), que é aplicada genericamente aos domingos nos quaisnão haja outra festa ou prescrição de outro canto — o canto desta missa foi utilizadocomo material melódico para a composições polifônicas principalmente nos sec. XVI.

* Missa pro defunctis *

-- Literalmente, "Missa de (ou, para os) defuntos" ou "Missa de Requiem". Refere-se àmissa (baseada em textos do Missal de 1507) que omite o "Gloria" e o "Credo", masinclui um Gradual ("Requiem aeternam"), um Tractus ("Absolve, Domine") e, logo após,uma Seqüência ("Dies irae, dies illa") — ítens que têm recebido as maiores atenções emcomposições polifônicas. Além disso, esta missa inclui um Introitus cuja antífona tem omesmo texto do Gradual (i.e., "Requiem aeternam"), que serve, portanto, como incipit,de onde deriva a denominação "Missa de Requiem".

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – 4

* OFÍCIO * (HORAS CANÔNICAS) (Grout 1988, 43–44; Grout 2001, 51)

==> Também se aplicam, alternativamente, as denominações: OFÍCIOS

(i.e., o termo no plural, por se referir a diversas horas), ou maisespecificamente OFÍCIO DIVINO (diferenciando dos trabalhos prosáicos,próprios de manutenção do mosteiro e de seus membros, como limpeza,comida, etc.)

HORAS CANÔNICAS (DENOMINAÇÕES ESPECÍFICAS)

Matinas -- após meia-noiteLaudes -- ao nascer do SolPrima -- 6 hs.Terça -- 9 hs. (também denominada Tertia)

==> Missa (muitas vezes realiza-se entre a Hora Terça e a HoraSexta, embora não haja prescrição nesse sentido, variando deacordo com a celebração de diferentes festas litúrgicas)1

Sexta -- 12 hs.Nona(s) -- 15 hs.Vésperas -- ao pôr do sol (ou, no início da noite)Completas -- antes de recolher

-- A exatidão de algumas das horas depende do nascer- e pôr-do-sol, que é naturalmentemodificado com as estações do ano e com diferentes regiões geográficas -- fazendocom que a observância destes eventos naturais seja apenas simbólica (nascer-do-sol =começo das atividades diárias; pôr-do-sol = término das atividades diárias).

1 Não há uma prescrição rigorosa para o horário da Missa, que podia variar de acordo com as

diferentes festas litúrgicas. A celebração entre as horas Prima e Terça pode ser considerada usual,

inclusive por facilitar a quebra do jejum que se impunha àqueles que iriam comungar: 'jejum

eucarístico'. De fato, a Missa (ou melhor, a Comunhão) marcava a quebra do 'jejum eucarístico', dentro

do qual não se permitia nem mesmo a ingestão de água. Antigamente, esse 'jejum' vigorava a partir da

meia-noite até a realização da Eucaristia, que deveria ser o primeiro alimento do cristão, cujo corpo

deveria estar livre das impurezas de alimentos terrenos — ou seja, 'purificado' para a ingestão apropriada

do alimento espiritual simbolizado pela hóstia. No tempo do pontificado de Pio XII (1939–1958), o

'jejum' foi diminuído para um período de três horas anterior à Eucaristia, sendo que a ingestão de água

foi liberada. No Concílio Vaticano II (1962-65), esse período de 'jejum' foi novamente diminuído para

apenas uma hora.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 5

-- O Ofício (e sua divisão básica -- embora levemente diferente da apresentada acima)foi inicialmente descrito/estabelecido na "Regra de São Bento" ("Rule of St. Benedict")- ca. 520 ou 530.

-- Matinas -- Inclue alguns dos cantos mais antigos. (Note que as Matinas podem sesubdividir em Noturnos -- e.g., Matinas de festas importantes podem ser subdivididasem 3 Noturnos.)

-- Matinas, Laudes, Vésperas -- Musicalmente, estas são as mais importantes.

-- Prima, Terça, Sexta, Nona -- Conhecidas como "horas menores" (de menorimportância), têm duração (e portanto texto e/ou música) relativamente curta. (A HoraPrima foi abolida pelo Concílio Vaticano II.)

-- Completas -- Cronologicamente, esta seção foi a última a ser adicionada ao Ofício,possuindo duração levemente mais curta que as Vésperas e as Laudes e comsignificação musical também menos relevante.

-- Existem duas práticas diferentes na celebração do Ofício, variando de acordo com afunção e organização de cada ordem clerical: o monástico (mais rigoroso e elaborado— praticado por ordens enclausuradas ou semi-enclausuradas) e o secular (mais liberale simples — praticado por ordens semi-enclausuradas ou abertas [modernamentechamados de seminários], muitas vezes dedicados à formação de padres seculares, ouseja, padres que atuarão diretamente junto à congregação).

-- As ordens femininas (conventos de freiras) podem ou não manter a observânciadestas divisões do Ofício, mas existe (ou existia) uma tendência a praticá-las dentro dasordens enclausuradas, mais do que dentro das ordens semi-enclausuradas ou abertas.

-- Nas ordens monásticas, atualmente, apenas as Laudes e Vésperas são regularmentecantadas -- as outras horas, raramente.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – 6

ANO LITÚRGICO 2

PRÓPRIO DO TEMPO (resumo)

==> Festas do Senhor -- episódios (acontecimentos ou "mistérios") da vida de Cristo.==> Datas principais: Natal (fixa) e Páscoa (móvel), determinando dois CICLOS

distintos, divididos em três períodos: PREPARAÇÃO, CELEBRAÇÃO e PROLONGAÇÃO.

CICLO DO NATAL ou SEÇÃO DA NATIVIDADE DE CRISTO

PREPARAÇÃO — Advento

--> 4 domingos antes do Natal -- a data o 1º Domingo do Advento pode ocorrer entre27.nov e 3.dez

CELEBRAÇÃO — Natal 3

--> Véspera ou Vigília de Natal (24.dez) -- até as Vésperas do dia 24.dez--> Natal (25.dez) -- desde as Vésperas do 24.dez até as Vésperas do próprio dia 25.dez,incluindo a chamada Missa do Galo--> Circumcisão (1.jan) -- também chamada de "Oitava do Natal"--> Epifania (6.jan) -- também chamado "Dia de Reis"

PROLONGAÇÃO

--> de 1 a 6 domingos após a Epifania -- o número exato de domingos (e portanto aduração deste período) pode variar dependendo da data da Páscoa

2 O ano litúrgico é dividido em dois ciclos independentes (que podem, no entanto,

coincidir): o Próprio do Tempo (Proprium de Tempore) e o Próprio dos Santos (Proprium Sanctorum).

Em caso de coincidência de celebrações, as prevalências são muitas vezes decididas de acordo com uma

hierarquia pré-estabelecida: Simplex, Semi-duplex, Duplex, Duplex Maioris, Duplex I. Classis, Duplex

II. Classis — no Liber usualis e em outros livros litúrgicos, essa hierarquia vêm normalmente indicada

junto ao título do dia litúrgico (embora nem todos recebam tais denominações). As prevalências podem

também ser decididas em função de devoções regionais ou mesmo de acontecimentos eclesiásticos

específicos. O resumo e explicações a respeito do Ano Litúrgico foram elaboradas com base nos dados

fornecidos no Liber usualis e nas análises fornecidas em (HOPPIN, 1978) e (RANDEL, 1986).

3 A semana pós-Natal inclui cinco festas aparentemente mais adequadas ao Próprio dos

Santos: Santo Estevão, Protomártir (26.dez); São João, Apóstolo e Evangelista (27.dez); Martírio

dos santos inocentes (28.dez); São Tomé, Bispo e Mártir (29.dez); São Silvestre, Papa e Confessor

(31.dez). A inclusão de tais festas parece testemunhar uma organização (ou prática) medieval na qual

os dois ciclos não seriam inteiramente separados.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 7

CICLO PASCAL ou SEÇÃO DA PÁSCOA

PREPARAÇÃO — Tempo da Quaresma 4

--> Septuagesima, Sexagesima, Quinquagesima — 3 domingos antes da Quaresma, semqualquer relação numérica precisa--> Quarta-feira de Cinzas — início da Quaresma--> 1º domingo após a Quaresma (Quadragesima)--> 2º ao 4º Domingo da Quaresma--> Domingo da Paixão — início do Tempo da Paixão--> Domingo de Ramos (ou 2º Domingo da Paixão)--> Semana Santa

CELEBRAÇÃO — Tempo Pascal 5

--> Domingo de Páscoa e semana seguinte--> 1º Domingo depois da Páscoa (Dominica in albis, in octava Paschae -- DomingoBranco, oito dias após a Páscoa)--> 2º a 5º domingo depois da Páscoa--> Ascenção de Nosso Senhor — 5ª feira, 40 dias após a Páscoa

4 Quaresma (ou Quadragesima) indica a contagem de 40 dias antes da Páscoa, sendo iniciada

com a 4ª feira de Cinzas, seis semanas e meia antes do Domingo de Páscoa. Na realiadade, a Quaresma

envolve 46 dias, mas na contagem dos 40 dias não são incluídos os Domingos da Quaresma, pois estes

não constituem dias de jejum. Os termos Septuagesima, Sexagesima e Quinquagesima têm pouca ou

nenhuma relação com números de dias (respectivamente, deveriam denotar 70, 60 e 50 dias antes da

Páscoa), seus nomes parecem, no entanto, ter sido concebidos meramente em função de uma extensão

pregressa do período da Quaresma (ou Quadragesima, superlativo em latim para o número 40 — o

número cardinal em latim é Quadraginta). Há também quem considere que o termo Septuagesima é

significante como conotação mística dos 70 anos de Cativeiro Babilônico -- neste caso, o tempo

penitencial começaria no Domingo da Septuagesima e terminaria no Sábado após a Páscoa (chamado

Sabbato in albis, lit. Sábado em branco).

5 A Páscoa (ou Ressurreição de Cristo) é celebrada no 1º Domingo após a 1ª lua-cheia, após

o equinócio vernal (i.e., equinócio da primavera) no hemisfério norte. Desta forma, a Páscoa pode

ocorrer entre 22.março e 25.abril. O Tempo Pascal inclui tanto a Ascensão (40 dias após a Páscoa,

caindo numa 5ª feira) e Pentecostes (50 dias após a Páscoa, ou 7 domingos — celebra a descida do

Espírito Santo sobre os Apóstolos). Durante o Tempo Pascal (ou Celebração do Ciclo Pascal), a

palavra Alleluia é utilizada para concluir todos os mais importantes cantos do Proprium (tanto na Missa

quanto no Ofício), inclusive para festas de devoção que (com datas fixas) podem ou não cair dentro deste

período -- exceção a esta prática se verifica durante os 3 dias de Têmporas após o Domingo de

Pentecostes. A palavra Alleluia só não é adicionada ao Gradual que, no entanto, é muitas vezes

substituído por um novo Alleluia, ou pela repetição do Alleluia existente, ou ainda pela introdução de

uma sequentia após o Alleluia.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – 8

--> Domingo após a Ascenção--> Domingo de Pentecostes — 50 dias após a Páscoa--> Semana após Pentecostes

PROLONGAÇÃO 6

--> Domingo da SS. Trindade — o 1º domingo após Pentecostes--> Corpus Christi — 5ª feira depois do 1º domingo após Pentecostes--> 2º ao 23º Domingo após Pentecostes--> de 1 a 5 domingos adicionais até o Sábado que precede o 1º Domingo do Advento --o número exato de domingos (como no caso do período de PROLONGAÇÃO do Ciclo deNatal) pode variar dependendo em última instância da data da Páscoa

TÊMPORAS

Dentro dos ciclos acima mencionados, observa-se também a particularidade dos diaspenitenciais chamados de TÊMPORAS, destinados à oração e ao jejum.

--> 4ª, 6ª e Sábado após 13.dez (Sta. Lúcia) -- durante o Advento--> 4ª de Cinzas, 5ª e 6ª seguintes -- i.e., os 3 primeiros dias da Quaresma--> 2ª, 3ª e 4ª após Pentecostes -- i.e., os 3 primeiros dias comuns de Pentecostes--> 15, 16 e 17 de set. -- dias seguintes à Festa de Exaltação da Santa Cruz (14.set) 7

6 A celebração em homenagem à Santíssima Trindade foi oficialmente incluída no

calendário litúrgico somente a partir do sec. XIV. Já o dia de Corpus Christi foi instituído oficialmente

no sec. XIII, sendo celebrado sempre na 5ª feira após o Domingo da SS. Trindade (inicialmente referido

apenas como o 1º Domingo após Pentecostes). A festa de Corpus Christi possue tanta importância que

a celebração de sua oitava (i.e., 5ª feira da semana seguinte) também deve ser observada (octava

privilegiata) da mesma forma que a festa inicial — musicalmente, isso significa a repetição de todas os

cantos apropriados da 5ª feira anterior. A oitava de Corpus Christi também serve para marcar o dia

seguinte (6ª feira), no qual se celebra o também importante dia do Sagrado Coração de Jesus

(Sacratissimi Cordis Jesu), que também deve ter sua própria oitava observada (octava privilegiata).

Sendo este período (Prolongação do Ciclo Pascal) o mais extenso de todos, as festas do Próprio dos

Santos (Proprium Sanctorum) encontram aqui maiores possibilidades de proeminência.

7 O dia 15.set celebra a festa das Sete Dores de Nossa Senhora (Festa Septem Dolorem

B.M.V. – i.e., Beata Maria Virginae), sendo da mais alta hierarquia na prevalência de celebrações

(duplex II. classis) e possuindo cantos próprios. O dia 16.set é dedicado aos Santos Cornélio (Papa) e

Cipriano (Bispo e Mártir), tendo hierarquia baixa (semiduplex) e não possuindo cantos próprios. O dia

17.set é dedicado aos Sagrados Estigmas no Corpo de S. Francisco (Confessor), sendo de hierarquia

intermediária (duplex) e possuindo tanto cantos próprios quanto comuns a outras celebrações de

Confessores Comuns não Pontificiais (i.e., que não pertençam aos mais altos escalões da Igreja:

Bispos, Arcebispos, Cardeais, ou Papas). Diferentemente dos outros dias de Têmporas, estes três dias

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 9

==> Além destes dias penitenciais, um jejum moderado devia serobservado também durante a Quaresma, em todas as 6as. feiras.

==> Após o Concílio Vaticano II, a observância das TÊMPORAS foiabolida, sendo observadas como dias penitenciais somente a 4ª feira deCinzas e a 6ª feira seguinte.

EVOLUÇÃO DO RITUAL CATÓLICO

-- Edito de Milão (313) -- Imperador Constantino reconhece a religião Cristã.

-- Concílio de Nicéia (325) -- A este Concílio estabeleceu os chamados primeiros (emais básicos) dogmas da religião Cristã.

-- São Silvestre I, Papa (papa, 314–335) -- S. Silvestre manteve um grupo decantores para atuarem durante os serviços litúrgicos. Este grupo pode ser consideradocomo o núcleo formador da "Schola cantorum".

-- Damaso I, Papa (304–384; papa, 366–384) -- É atribuída a este papa uma dasprimeiras tentativas de organização da Liturgia.

-- Santo Ambrósio, Bispo de Milão (ca. 340–397) -- Sto. Ambrósio está associadoao chamado "Canto Ambrosiano", tendo inclusive composto algumas das melodias (etextos) de exemplares deste tipo de cantochão (principalmente hinos), mas sem dúvidanão de todos os exemplares sobreviventes. O "Canto Ambrosiano" é geralmente maismelismático, embora mais curto e mais simples, que o chamado "Canto Gregoriano". Aprática do "Canto Ambrosiano" sobreviveu, principalmente até o Concílio de Trento,tendo seu texto sido vertido para o Italiano na década de 1970, em virtude daspossibilidades geradas pelo Concílio Vaticano II quanto ao uso litúrgico do vernáculo.

-- São Celestino I, Papa (papa, 422–432) -- Este papa regulamentou do canto dosSalmos.

-- São Leão I, Papa (papa, 440–461) -- Leão I organizou o canto para o AnoLitúrgico.

-- Hilário I, Papa († 468) --É atribuída a Hilário I a fundação da "Schola cantorum",com o objetivo de formar cantores para a divulgação e disseminação do canto litúrgico.A "Schola cantorum" estabeleceu diversos grupos de divulgação por toda a Europa(incl. Inglaterra), dos quais o mais famoso foi sem dúvida o de cantores ligados aoMosteiro dos Beneditinos de Solesmes. A "Schola cantorum" foi desativada ao final dosec. XIV, tendo suas funções assumidas pelo coro da Capela Papal.

incluem o canto de Alleluias.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – 10

-- São Gregório I [ou, São Gregório Magno], Papa (ca. 540–604; papa, 590–604)-- Gregório estabeleceu a estrutura básica de um Sacramentário e compilou umAntifonário. Adicionalmente, ele re-estruturou e aumentou o contingente de cantores da"Schola cantorum", além de regulamentar o posicionamento e uso de diversos textos ecantos dentro da liturgia. Não consta que ele tenha de fato composto qualquer canto,embora tenha escrito textos, sendo que o termo "Canto Gregoriano" deve serconsiderado simplesmente uma homenagem à sua atuação pontifícia.

-- S. Vitalino, Papa (papa, 657–672) -- Vitalino (também grafado Vitaliano)re-organizou a música dentro da liturgia, sendo supostamente responsável pelare-composição de alguns do cantos. Algumas correntes musicológicas defendem que o"Canto Gregoriano", como é conhecido hoje, tenha sido resultado das reformas feitaspor Vitalino. Segundo sugerem estudos e evidências sobre a música ao tempo deVitalino, seu trabalho parece inclusive ter permitido a inclusão de porçõespré-polifônicas (organa ?) dentro do repertório litúrgico.

-- Carlos Magno [ou, Charlemagne] (742–814) -- Como imperador coroado por umpapa em 800, fomentou a homogeneização da liturgia como forma auxiliar na unificaçãodo Império Carolíngeo.

-- Concílio de Trento (1545–1563) -- Este Concílio foi especialmente representativodo período denominado "Contra-reforma", consolidando a unificação (homogeinização)dos rituais litúrgicos da Igreja Católica Romana; um dos principais resultados foi aretirada de diversos excessos litúrgicos (tanto literários quanto musicais -- e.g., na formade "tropi" e "sequentiae", além de estabelecer proibições ao uso de polifonia dentro daliturgia), tendo como objetivo principal o re-estabelecimento (ou re-valorização) dainteligibilidade dos textos (i.e., dos textos literários), que não deveria ser ameaçada pelocrescente uso de polifonia imitativa.

-- Concílio Vaticano II (1962–65) -- Este Concílio extinguiu a obrigatoriedade do usodo Latim em todas as celebrações litúrgicas; deu impulso ao ecumenismo entre asreligiões cristãs e virtualmente possibilitou que os rituais litúrgicos não fosseminteiramente homogêneos em todas as partes do mundo, podendo alguns ítens oudetalhes receberem uma roupagem (texto e música) adaptada às culturas próprias dediferentes povos, embora mantendo a obrigatoriedade de seguir diretrizes prescritas peloVaticano.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 11

SISTEMA MEDIEVAL DE ALTURAS(pós Guido d'Arezzo)

MUSICA RECTA

-- Sistema Medieval de Alturas -- Este sistema (ou Gama de Alturas), apenas com asnotas representadas abaixo, surgiu a partir de uma expansão do Sistema Imutávelherdado da teoria musical da Grécia Antiga, sendo utilizado tanto durante a Idade Médiae Renascença.

-- A mão Guidoniana (palma Guidonis) -- A chamada mão Guidoniana, pode serconsiderada como um meio mnemônico-visual para o aprendizado e realização (ousolfejo, i.e., solmização) de melodias, além de servir também como representaçãoiconográfica do Sistema Medieval de Alturas.

-- O monocórdio -- Instrumento (aparentemente de uso acadêmico, embora tenha sido(aparentemente) utilizado também como instrumento para performance (pelo menos deacordo com o relato de uma apresentação na corte, feito por GUILLAUME DE MACHAUT

em seu Le voir dit)—vide seção abaixo dedicada a MACHAUT. Em seu âmbitoestritamente acadêmico, este instrumento servia principalmente ao cálculo do sistemarepresentado abaixo, baseado em divisões de sua corda.

(designações de alturas: letras)Sistema Moderno (Alfabético)

Sistema Medieval de Alturas— post-Guido d'Arezzo —

(designações de alturas = letras + sílabas de hexacordes guidonianos)

G

Γ

7 G: .6 F: .5 C: .4 G: .3 F: .2 C: .1 G: ut

+)

A

A

.

.

.

.

.

.re

B

B

.

.

.

.

.

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c

C

.

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.

.

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-- Outras organizações do sistema -- Principalmente antes do sec. XI, explicações dosistema também foram apresentadas a partir de uma organização por tetracordes, daseguinte maneira:

--> A-d (tetracorde das graves)--> d-g (tetracorde das finales)--> a-d' (tetracorde das superiores)--> d'-g' (tetracorde das excellentes)--> a nota a' foi tomada como nota adicional

==> Esta divisão denota uma distorção da Teoria Grega, que foideliberadamente utilizada nos tratados enchiriadis e por Hucbald em seu tratadoDe harmonica institutione (ca. 900) para adequar o Sistema, não apenas àsprescrições dos MODOS ECLESIÁSTICOS, mas também porque as designações decada oitava estavam baseadas em traduções não-literais dos nomes gregos ('dasgraves' = 'hypaton'; 'das excellentes' = 'hyperbolaion'.

-- Solmização (solfejo) e os Hexacordes Guidonianos -- O Sistema Guidoniano deHexacordes era formado por três (3) tipos básicos de hexacordes: -hexacordes,

-hexacordes, -hexacordes. Esses hexacordes eram constituídos sempre com base naseguinte estrutura intervalar simétrica: T-T-S-T-T, que era representada através dassílabas ut, re, mi, fa, sol, la. Segundo a proposta de Guido, essas sílabas (extraídas doHino a São João -- vide abaixo), teriam a função de auxiliar no aprendizado e leitura decantos (além de sua posterior memorização).8 (O poema do Hino a São João temorigem em meados do sec. IX; a melodia, porém, não parece ter existido antes de Guido,que é considerado como um de seus possíveis compositores.9

==> Este sistema favorecia a identificação do semitom, pois existia apenas umsemitom na estrutura intervalar do hexacorde Guidoniano. Essa identificação dosemitom era necessária, em vista dos seguintes aspectos:

--> era considerado um intervalo difícil de ser entoado, e difícil de sercalculado, mas que era sempre executado (monofonicamente) nocantochão;

8 A proposta de solmização através de hexacordes, associada a particulares sílabas extraídas

do Hino a São João, foi exposta por Guido naquele que é considerado o seu último trabalho teórico

(ca. 1032), que é, na realidade, uma carta dirigida a seu amigo, o monge Michael, de onde provém o

título Epistola ad Michahelem — mas que é também chamada de Epistola de ignoto cantu, pois nela

Guido proclama a possibilidade de, através dessas sílabas e estrutura de solmização, ser capaz de ensinar,

com relativa rapidez, cantos novos e desconhecidos (e não simplesmente corrigir cantos já conhecidos).

9 A versão que consta da tradução portuguesa do livro-base (GROUT, 2001, p. 80) é apenas

uma tentativa de transmitir o sentido do hino e não deve ser entendida como tradução literal.

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--> além de existir apenas um semitom dentro do hexacorde, exisitatambém apenas um semitom dentro do tetracorde básico(diatonicum) do sistema grego, do qual originava toda a Gamamedieval de alturas.

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!

"Ut queant laxis" (Hino a S.João - modo 2 [Protus autenticus])(PESCE 1999, 466; cf. LU, 1504)

-hexachorde (i.e., hexachorde naturale)

Ut que-ant la – xis re -so-na - re fi-bris Mi – – ra

ges -to – rum fa -mu -li tu – o -rum, Sol – – ve

pol-lu - ti la - bi - i re - a – tum, San – cte Jo-han-nes. -- Designações (nomes) das alturas -- Co-existiram, durante a Idade Média e aRenascença, três tipos de designações de altura (utilizadas para fins de referência emtratados teóricos):

--> Apenas letras: Γ, A, B, C, D, E, F, G, a, , , c, d, e, f, g, aa, , ,cc, dd, ee

--> Letras e suas regiões: Por exemplo: A das Graves (ou A gravis), Adas Acutae (ou A acutae), A das Superacutae(ou A superacutae), e assim para todas asletras.

--> Letras-mais-sílabas: G-ut, A-re, B-mi, C-fa-ut, D-sol-re, E-la-mi,F-fa-ut, G-sol-re-ut, a-la-mi-re, -fa, -mi,c-sol-fa-ut, d-la-sol-re, e-la-mi, f-fa-ut,g-sol-re-ut, aa-la-mi-re, -fa, -mi, cc-sol-fa,dd-la-sol, ee-la.

==> O último tipo de designação (letras-mais-sílabas) foi sem dúvida o maisutilizado na Idade Média a partir do final do sec. XII, e durante toda aRenascença. Aqueles teoristas que utilizavam tal designação podem ser vistos

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como seguidores da tradição Guidoniana, ao passo que aqueles que nãoseguiam tal designação podem ser interpretados como teoristas resistentes àtradição Guidoniana. (O termo em inglês "gamut", equivalente ao português"gama" no sentido um estrutura abrangente, foi aparentemente criado a partir dadesignação da primeira altura do sistema: Γ-ut (lê-se, Gamma-ut).

-- Variedades de b e sinais de solmização (ou sinais de ficta) -- O sistemaapresenta duas variedades de b nas regiões central e aguda: b-fa e b-mi correspondentesao b e b , ou si e si da nomenclatura moderna; bb-fa e bb-mi correspondentes ao b 'e b ', ou si 3 e si 3 da nomenclatura moderna

--> Sinais representantes de cada variedade de b -- Mais tarde, essas duasvariedades de b foram discutidas, descritas e representadas pelos sinais:

(b-rotundum, ou b-molle) (b-quadro ou quadratum, ou

b-durum),

que ganharam uma função especial: indicar mudanças de hexacorde e alteraçõesno sistema através da indicação das sílabas fa ( ) e mi ( ) -- hoje podendo serchamados de "sinais-de-ficta".

--> Sinais de ficta (servindo também à música recta) -- Os sinais , e tambémforam utilizados para designar a sílaba mi. Embora o último deste sinais ( ) sejamais freqüente, tudo indica que sua origem está no primeiro ( ), descrito porMarchetto da Padova em seu Lucidarium (1317/18) -- aparentemente o primeiroteorista a descrever tal sinal, sendo possivelmente o também o primeiro aconcebê-lo. Considerando as evidências documentais (de manuscritos musicaisdescobertos até aqui) e tomando esta correspondência entre estes sinais comoverdadeira, deduz-se que estes só podem ocorrer em manuscritos musicais apartir do sec. XIV.

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MUSICA FICTA

-- Definição -- Quaisquer alturas que não pertençam ao Sistema Medieval de Alturas.--> ex.: FF (F) abaixo do G (G), ff (f") acima de ee (e"), além de quaisqueroutras notas internas, que no sistema moderno chamamos de acidentes -- exceto / e / (correspondentes, no sistema moderno, a b / b e b ' / b ')

-- Necessidade e estética -- Razões para a utilização de musica ficta.

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--> Em virtude da ocorrência ou possibilidade de trítono -- A musica ficta erautilizada (principalmente através de alterações cromáticas) para evitar o trítono (sejaele harmônico, ou melódico direto ou indireto, ou envolvendo falsas relações).

--> Por necessidade de regras de contraponto -- Por prescrição contrapontística,normalmente válida apenas para cadências (que poderiam ocorrer ao final de cadaobra, ou ao final cada verso, ou palavra, ou ainda por razões mais puramenteestéticas):

— devem ser 6as. maiores aquelas que se expandem em direção a 8as.— devem ser 3as. menores aquelas que se contraem em direção ao uníssono

==> À luz das análises tonais modernas, a alteração cromáticacomum em cadências significaria uma utilização da (ou buscapela) sensível ou bordaduras melódicas, embora este não seja ointuito da época, que apresentava apenas razões contrapontísticase de 'gosto' regional ou pessoal.

==> OBS.: Na literatura teórico-musical da época (Idade Média e Renascença),quaisquer dessas razões (ou situações) eram justificadas através das simplesargumentações de causa necessitatis (lit., por causa da necessidade, ou porforça de necessidade) e causa pulchritudinis (lit., por causa da beleza, oupor força de beleza).

-- Notação e criação de novos hexacordes e notas -- Basta indicar o mi ou o fa,através de um dos sinais-de-ficta correspondentes ( ) ou ( ), para possibilitar a deduçãode um determinado hexacorde. Por exemplo, um sinal-de-fa ( ) colocado junto à nota D(d, em notação moderna), obriga essa nota a ser solmizada com a sílaba fa (daí serchamada de D-fa), cujo intervalo deverá ser de um tom em relação à nota superior F,sendo que esse D-fa é virtualmente equivalente ao moderno d . Esse d-fa, porém deveráser solmizado levando-se em conta o contexto de um hexacorde. Assim, o ut dessehexacorde só poderá ser posicionado na nota A, que passará ser designada como A-ut eque (que formará necessariamente um intervalo de 4ª Justa com Dfa). O novohexacorde (chamado de hexacorde-ficta), contará com as seguintes notas medievais:A-ut, B-re, C-mi, D-fa, E-sol, F-la, cujos equivalente moderno são A B , c , d , e , f .

--> Ausência de notação -- Existem situações em que os sinais-de-ficta não sãoutilizados (i.e., não são anotados), ficando a cargo do intérprete implementar assolmizações (e/ou alterações) que existiriam caso esses sinais estivessemdevidamente anotados. Essa ausência de notação normalmente se verifica emvirtude das seguintes razões:

— observância das regras de contraponto acima citadas (principalmenteem cadências);

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— gestos melódicos que denotem claramente o uso de um determinadohexacorde (habitualmente indicado pela tessitura de uma frase ousemi-frase), como por exemplo no caso de uma frase cobrindo atessitura F-d (em notação moderna, f-e'), que denotaria o uso (ecorrespondente solmização) de um hexacorde começando com asílaba ut na nota F (que portanto teria, na posição de b, a utilizaçãodo -fa -- ou b , em notação moderna);

— ocorrência (efêmera) de notas que ultrapassam os limites (grave eagudo) do hexacorde que estiver sendo solmizado — normalmente,este caso se refere à ocorrência de apenas uma (ou no máximo duasnotas) fora dos limites do hexacorde, notadamente seguindo asdeterminações do provérbio "una nota super la semper estcanendum fa" (i.e., "[quando ocorre] uma nota acima da [sílaba] la,[essa nota] sempre deve ser cantada [com a sílaba] fa"), mas quetambém serve quando ocorre uma nota abaixo da sílaba ut, que (emposições cadenciais) deve ser cantada com a sílaba mi.

GUIDO D'AREZZO (ca. 991/2 – post 1033)

Principais contribuições em termos de ensino e conseqüências para a notação musical:

-- Sugestão de um sistema de notação diastemático através da adoção de linhasdemarcando alturas específicas (Aliae regulae [i. 1028–1030] -- prefácio a umAntifonário, aparentemente elaborado por Guido e pelo Ir. Miguel).

==> Guido utilizou duas linhas, cujo uso persistiu até o sec. XII em manuscritosprovenientes da região central da Itália.

--> C (linha amarela); F (linha vermelha)--> servindo para determinar os dois semitons básicos (localizadosimediatamente abaixo das linhas de C e F)

-- Sugestão de grupos de sílabas, que deveriam ser utilizados a fim de facilitar a leitura(solmização / solfejo).

==> Guido sugeriu pelo menos dois grupos diferentes de sílabas, sendo queaquele associado ao "Hino a S. João" foi o que sobreviveu até os nossos dias --vide acima.

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==> Abaixo seguem alguns exercícios para solmização (tanto utilizando musicarecta quanto musica ficta), e um facsimile de duas das páginas da Epistola adMichahelem de Guido d'Arezzo, provenientes do manuscrito conhecido pelaabreviatura F-Pn lat. 7211, copiado no sec. XII, que hoje se encontra na França(daí a abreviatura F), em Paris (daí a abreviatura P), no acervo da BibliothèqueNationale (daí a abreviatura n), na coleção de manuscritos em latim (daí aabreviatura lat.), sob o número 7211. (Esta maneira de indicar manuscritosatravés de abreviaturas [ou, sigla] é proveniente de diretrizes estabelecidas para apublicação do Répértoire Internationale de Sources Musicales (abreviadoRISM), cujo objetivo é servir de guia para todos os manuscritos e impressõesmusicais existentes (teóricos, compilações musicais, etc.), sendo editado pelaSociedade Internacional de Musicologia/International Musicologogical Society(SIM/IMS) há diversos anos.

--> As duas páginas da Epistola ad Michahelem contém um tipode notação musical gráfico, onde as sílabas são colocadas emalturas diferentes, na mesma direção das letras (correspondentesàs diversas alturas musicais) colocadas à margem esquerda de talnotação. Essa é, possivelmente, a notação que Guido teriautilizado, já que suas propostas de linhas e claves para as notas Fe c não foram prontamente adotadas. De fato, a adoção de coresdiferentes não se verifica com qualquer sistematicidade, mas nosec. XII já se verifica a adoção de um pauta de 4 linhas(tetragrama), freqüentemente todas vermelhas (pelo menosquanto apresentadas com repertório de cantochão), além daadoção de duas claves (Fá e Dó, correspondendo às notas F e csegundo a nomenclatura medieval, equivalentes às notas f e c'dentro da nomenclatura moderna, exatamente como Guido haviaproposto, embora o desenho das letras tenha sido paulatinamenteestilizado através dos séculos). A clave de Sol surge apenas aofinal do sec. XIII e início do sec. XIV, em virtude da necessidadede representação de tessituras mais agudas (vocal einstrumentalmente).

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— Exercícios para Solmização —

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45

45

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"Domine qui operati sunt"de acordo com a versão do antifonário de Worcester do sec. XIII

(GB-WO F. 160; MOCQUEREAU, 1922, v. 2, p. 395)

Do-mi -ne qui o -pe -ra -ti sunt ju –

sti-ti – am, ha – – bi-ta-bunt in ta-ber – na – cu-lo tu – – o,

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Trecho da Epistola ad Michahelem (F-Pn lat. 7211, f. 99v)

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Trecho da Epistola ad Michahelem (F-Pn lat. 7211, f. 100r)

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CANTO AMBROSIANO (RANDEL, 1986, p. 33)

-- Documentação sobrevivente e origem -- O Canto Ambrosiano foi preservadoatravés de 300 manuscritos sobreviventes, escritos ao final do sec. XII (ou depois) noNorte da Itália. Santo Ambrósio (ca. 340–397), bispo de Milão, é considerado como aprincipal autoridade a dar incentivo a este tipo de cantochão, além de compositor dealguns exemplares de seu repertório.

-- Exceções ao uso de salmos -- Alguns cantos deste repertório não possuem salmodia(i.e., não incluem o canto de salmos), como se encontra no repertório de cantochãoregistrado na maioria dos livros litúrgicos -- é o caso dos cantos para o Intrórito(Introitus) e Comunhão (Communio), cujos correspondentes no ritual ambrosiano erama Ingressa e o Transitorium.

-- Adequação aos modos eclesiásticos -- Esses cantos nunca foram organizados deacordo com os 8 modos eclesiásticos, nem são submetítveis a eles, além de nãopossuírem as cadências de mediação (mediatio) comum à estrutura salmódica dorepertório tradicional de cantochão.

-- Tratamento melódico característico: Melismático -- Normalmente são cantosmais melismáticos que os correspondentes do repertório praticado em Roma.

-- Jubilus -- O jubilus (longo melisma aplicado sobre a última sílaba da palavraAllelu-ia) é mais extenso em sua repetição que em sua aclamação inicial.

-- Diferenças de ritual -- As diferenças entre os rituais Ambrosiano e Romano, serefletem na utilização de diferentes cantos. Existem antífonas post evangelium (e anteevangelium em importantes festas) sem equivalente no ritual Romano; os cantos doordinarium são apenas o Gloria, o Credo e o Sanctus, embora o Gloria (como tambémacontece com diversos cantos do Ofício) termine com o Kyrie, sendo o Agnus Deisubstituído por um Contrafactorium na Quaresma, e o Gloria substituído por Litanias.(Estas são apenas algumas das diferenças, que podem acontecer em maior ou menorquantidade dependendo do tipo de festa litúrgica à qual os cantos estejam associados.)

-- Cantos do ordinarium -- O número de melodias para os cantos do ordinarium eramenor que para os correspondentes romanos. (No sec. XV, esses cantos foramfreqüentemente substituídos por motteti missales, polifônicos.)

-- Responsórios cum pueris -- Responsórios com a participação de crianças (oujovens — cum pueris) possuem repetições de frases musicais em dísticos (grupos dedois versos) como na Sequentia do repertório tradicional de cantochão.

-- Sobrevivência -- O ritual e o canto Ambrosianos foram virtualmente relegados aoesquecimento (ou reformados para se conformar ao padrão Romano) com as reformashomogeneizadoras do Concílio de Trento (1545–1653), mas foi revitalizado (além de

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vertido para o italiano) na década de 1970, a partir das permissões litúrgicas e musicaisconquistadas com o Concílio Vaticano II (1962–1965).

VELHO CANTO ROMANO (RANDEL, 1986, p. 560–561)

-- Documentação sobrevivente -- Preservado em cinco manuscritos copiados entre osséculos XI e XIII: 3 Graduales e 2 Antiphonarii (vide LIVROS LITÚRGICOS).

-- Origem -- Este tipo de cantochão, segundo atestam manuscritos não musicais, eracorrente em Roma já no sec. VIII (portanto, antes do Império Carolíngeo se estalecersob Carlos Magno [imperador, 800–814]). No entanto, diversas correntesmusicológicas defendem que o VELHO CANTO ROMANO pertence (em origem e práticasistemática) ao tempo do papa Gregório I (ca. 540–604, chamado de São GregórioMagno). Essas correntes se dividem, porém, quanto à origem e prática daquele quepode ser chamado de CANTO GREGORIANO, embora todas concordem que canto seriavirtualmente posterior ao tempo de Gregório I: uma delas acredita ser este um cantoutilizado ao tempo do papa Vitalino I (papa, 657–672); outra corrente acredita ser esteum canto com origem em pouco antes do sec. IX, mas desenvolvido e disseminado soba influência do preponderante Império Carolíngeo (no sec. IX), inclusive sofrendo aingerência de estruturas e padrões musicais impostos à música sacra dentro dos intuitosdaquele Império; ainda outra corrente acredita que tanto o CANTO GREGORIANO quanto oVELHO CANTO ROMANO são duas versões contemporâneas de cantochão, sendopraticados simultaneamente na Roma do sec. VII (portanto posterior a Gregório I econtemporâneo a Vitalino I), sendo o CANTO GREGORIANO considerado o versãopraticada na corte papal e o VELHO CANTO ROMANO uma versão praticada nos Mosteiros.Existe também um razoável acordo em aceitar que o repertório do VELHO CANTO

ROMANO apresenta exemplares pertencentes a uma tradição predominantemente oral(normalmente identificada com o longo período da música cristã anterior ao final do sec.VIII ou início do sec. IX, para o qual não existe documentação conclusiva sobre aexistência de qualquer tipo de notação musical).

-- Característica predominante -- Uso de centonização, ou seja, o uso de fórmulasmelódicas, recorrentes em outros cantos de mesmo tipo litúrgico e dentro do mesmomodo eclesiástico, algumas vezes com repetições internas dentro de um mesmo canto.(Este tipo de recurso é considerado como um sinal de transmissão oral.)

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==> Vide abaixo, cópias de transcrições modernas de exemplares: (A) do CANTO

AMBROSIANO (através do Responsório Tollite portas principis); (B) do VELHO CANTO

ROMANO em comparação com o chamado CANTO GREGORIANO (através de 3Comunhões: Viderunt omnes fines (ex. 1), Dominus virtutum (ex. 2), Redime me, DeusIsrael (ex. 3) — as duas últimas seguindo o modo Deuterus no que concerne ao VELHO

CANTO ROMANO; e (C) finalmente uma comparação entre os três tipos de Cantochão(através do verso SUSCIPIANT proveniente do Gradual Benedictus Dominus).

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(A) –– (TNG 1, v. 1, p. 317)

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(B 1) –– (TNG 1, v. 7, p. 694)

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(B 2) –– (TNG 1, v. 7, p. 695)

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(C) –– (TNG 1, v. 1, p. 316)

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GÊNEROS E ESTRUTURAS DE EXECUÇÃO PARA O CANTOCHÃO

Existem basicamente 3 gêneros de execução diferentes, freqüentemente aplicados acantos litúrgicos: o canto direto, o canto antifonal e o canto responsorial. Cada umdesses gêneros possui uma estrutura particular, que tradicionalmente incluem o canto deum ou mais versos de Salmos (latim, sing. Psalmus; pl. Psalmi), embora não estejamrestritos a estes -- e.g., podem ser utilizados versos de Cânticos ao invés de versos deSalmos, como é o caso de alguns responsórios cantados entre as Epístolas de algumasfestas particulares. Independente da origem do verso, o termo 'Salmodia' (latim,psalmodia) é freqüentemente aplicado na designação desses gêneros e suas estruturas,através dos binômios: salmodia direta, salmodia antifonal e salmodia responsorial.

--> As estruturas melódicas utilizadas na execução dos 'versos' mencionadosaqui (designadas pelo termo TOM SALMÓDICO, ou TOM DE RECITAÇÃO, ouRECITATIVO) serão discutidas brevemente no item apropriado (vide abaixo).

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* CANTO OU SALMODIA DIRETA *

-- O canto é executado sem alternância entre grupos vocais e sem utilização de refrões.

-- Canto típico: Tractus (dentro da prática medieval e renascentista -- cf. cantoresponsorial, abaixo), Sequentia.

-- Na prática moderna, verifica-se que tal estrutura sem alternância de textura e nãorepetitiva foi transformada em um canto com alternâncias responsorial ou antifonal (estefato pode ser verificado mesmo na execução dos Tractus).

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* CANTO OU SALMODIA ANTIFONAL *

-- Forma de execução -- O canto antifonal é executado alternadamente por duasmetades do coro -- cf. item Alteração moderna na forma de execução, abaixo.

-- Cantos típicos --

--> Ofício -- Salmos; Cânticos; Invitatorium (Invitatório); Hinos (pelo menos atéo sec. VIII ou IX -- cf. canto responsorial, abaixo)

--> Missa -- Intróito (Introitus), Ofertório (Offertorium), Comunhão(Communio).

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-- Origem -- O canto antifonal era aparentemente praticado dentro da tradição judáica(hebráica) no Templo, mas segundo Santo Agostinho († 430) sua introdução à tradiçãocristã é creditada a Santo Ambrósio (ca. 340-397) -- portanto, 2. med. sec. IV.

-- Função -- O canto antifonal é geralmente associado a momentos das liturgias ondesão desenvolvidas ações ou movimentações (principalmente no âmbito da Missa).

-- Estrutura --

==> Divisões estruturais (seções) -- A estrutura do canto antifonal pode ser divididaem 3 elementos distintos: Antífona propriamente dita (A); Verso de um Salmo ouCântico (V); Doxologia menor (D) -- existindo pelo menos duas versões estruturais,praticadas em épocas diferentes.

Estrutura clássica A V1 A V2 A ...... Vn A D A

Estrutura prática(moderna)

A V1 V2 ...... Vn D A

--> Estrutura clássica -- Na estrutura clássica, a Antífona exerce(caracteristicamente) o papel de refrão, iniciando o canto, sendo repetidaapós cada um dos Versos e, ao final, repetida após a Doxologia menor.

--> Estrutura prática (moderna) -- Na estrutura prática (ou moderna),apesar de conceitualmente ser mantido o papel de refrão da Antífona, elasó é cantada no início e no final do canto, portanto, sendo omitida suaaclamação após cada um dos Versos, mas preservada após a Doxologiamenor -- cf. ítens Quanto à repetição da Antífona e Quanto aos Versos,abaixo.

==> Quanto ao termo Antífona -- Na designação da estrutura acima descrita, ésempre preferível o uso do termo Canto Antifonal (ou Salmodia Antifonal).Muitas vezes, porém, o termo Antífona foi (e continua sendo) utilizado comosinônimo da estrutura completa, embora tal utilização seja pedagogicamenteinapropriada -- cf. o item ANTIPHONA, abaixo.

==> Quanto à repetição da Antífona -- Note-se que na estrutura clássica, aAntífona (A) assume a função de refrão -- uma função e conceito que parece terse tornado corrente apenas durante o sec. IV. Nos tempos modernos (pelomenos do sec. XVII ao sec. XIX), essa estrutura clássica permanece sendopraticada apenas em dias de festa solene nos Invitatórios do Ofício (cantadosantes da Matinas), tendo caído em desuso (aparentemente por sua extensão ecomplexidade) para os outros cantos antifonais.

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==> Quanto aos Versos -- No início do século XII, cantos como o Offertoriume a Communio haviam perdido tanto os Versos quanto a Doxologia menor,mantendo apenas a Antífona.

==> Quanto à Doxologia Menor -- A Doxologia menor é indicada pelas vogaisE U O U A E (i.e., as vogais de "Seculorum Amen"), ou ainda E V O V A E.Modernamente, essa Doxologia menor é apresentada em duas partes: D1 e D2-- colocadas nos dois últimos versos do Salmo utilizado no canto antifonal egerando a estrutura: A V1 V2 ... D1 D2 A.

-- Tratamento melódico -- Este gênero de canto geralmente recebe um tratamentomais silábico (ou mesmo neumático) do que melismático.

-- Alteração moderna na forma de execução -- Modernamente, a maioria dos cantosacaba tomando uma forma responsorial, onde se cria uma alternância entre solista(s) ecoro, ao invés de dois coros. Neste contexto, o(s) solista(s) canta(m) o início daAntífona, que é continuada pelo coro; além disso, a primeira parte de cada verso tambémé freqüentemente cantada pelo(s) solista(s) e a segunda parte, pelo coro. Este é otratamento típico dado ao Introitus da Missa, que mesmo no passado incluía apenas umou dois Versos.

-- Indicações de modo e terminação salmódica -- Veja explicações quanto àsindicações de modos e terminações salmódicas na seção GUIA PARA USO DO LIBER

USUALIS, parte 2 -- acima.

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* CANTO OU SALMODIA RESPONSORIAL *

-- Forma de execução -- O salmo é cantado com alternância entre solista[s] e coro.

-- Cantos típicos:

--> Ofício -- Grandes Responsórios [Responsoria prolixa] (Matinas)

-- Pequenos Responsórios [Responsoria breves] (Completas /Ofício secular) ou (Laudes e Vésperas / Ofício monástico)

-- Hinos (a partir dos sec. X-XII -- cf. canto antifonal, acima)

--> Missa -- Graduais, Alleluias, Tractus (dentro da prática moderna -- cf. cantodireto, acima).

-- Origem -- O canto responsorial teve sua origem, aparentemente, dentro da tradiçãojudáica (hebráica) da Sinagoga, onde também se realizavam cantos antifonais.

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-- Função -- O canto responsorial é geralmente associado às leituras do Velho e doNovo Testamentos (tanto na Missa quanto no Ofício). Sua função se relaciona, portanto,a momentos das liturgias nos quais normalmente não há ação ou movimentação, massim contemplação ou louvor -- i.e., exerce uma função contemplativa ou laudatória.

-- Estrutura --

==> Divisões estruturais (seções) -- A estrutura do canto responsorial (como nocaso do canto antifonal) pode ser dividida em 3 elementos básicos: Responso (R),Verso (V) e Doxologia menor (D). Esses elementos, porém, estão sujeitos a umtratamento particular do canto responsorial (diferente do que ocorre no cantoantifonal). O Responso pode ser subdivido em duas partes, sendo a segunda dessaspartes assinalada por um asterisco: R (primeira parte), *R (segunda parte) -- talsubdivisão é necessária (como se verificará nos esquemas abaixo) para assinalarrepetições de uma das partes do Responso, ou de ambas, às vezes alterando suaordem. No canto responsorial existe (de modo geral) a aclamação de apenas umVerso (diferente, novamente, do que ocorre no caso do canto antifonal, no qualvários Versos do mesmo Salmo ou Cântico são aclamados). Já a Doxologia menor évirtualmente a mesma tanto no canto antifonal, quanto no canto responsorial --exceto que neste último gênero a aclamação da Doxologia menor praticamente nãosobreviveu dentro da estrutura (vide quadro abaixo), ficando restrita à estruturaclássica. As estruturas apresentadas abaixo variam em função da época e do tipo defesta (i.e., se a festa é mais solene, ou menos solene).

Estrutura clássica R *R V *R D [R] *R

Estrutura mais comum(e.g., em Responsoria breves)

R *R V *R

Estrutura mais solene (e rara)(e.g., em Responsoria prolixa)

R *R V *R R [*R]

==> Note que nas partituras atuais existe um asterisco (*) interno à primeira parte(R) que, à semelhança do que ocorreu na Antífona, marca a entrada do coro. Esseasterisco interno está colocado após as poucas primeiras palavras do Responso --normalmente após a primeira palavra, mas em determinados casos (em função dotexto) aparece após a segunda ou terceira palavra. Esse asterisco não deve serconfundido com aquele que marca o início da segunda parte do Responso, marcadona estrutura acima pela indicação *R.

--> Estrutura clássica -- Na estrutura clássica, canta-se o Responsocompleto (primeira e segunda partes -- R e *R) e o Verso, que éseguido da repetição da aclamação da segunda parte do Responsos(*R), para então ser enunciada a Doxologia menor e, após esta, repete-seo Responso (que dependendo do grau de solenidade da festa poderia ser

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cantado em sua forma completa [R *R], ou apenas a segunda parte[*R]).

==> Em sua forma mais antiga, poderia haver um grande númerode Versos (V) do Salmo (como no canto antifonal), ladeadosindividualmente por repetições do Responso, ou com oResponso sendo repetido somente após a aclamação de todos osVersos. A presença de apenas um Verso (enquadrado peloResponso e sua repetição) é a forma mais comum já a partir dosec. VII.

--> Estrutura mais comum -- Na estrutura mais comum, não é realizada aDoxologia menor (cuja aclamação foi cedo abandonada, aparentementeainda durante a Idade Média). Também não é realizada a repetição daprimeira parte do Responso (R).

--> Estrutura mais solene -- A estrutura mais solene é bastante rara, oumelhor, reservada a Responsórios de importantes dias de festa. Nessaestrutura, que também omite a aclamação da Doxologia menor (D), alémda repetição da segunda parte do Responso (*R) após a aclamação doVerso (V), é realizada também a repetição da primeira parte doResponso (R), podendo no entanto ser encontrados alguns casosespeciais. Por exemplo, nas Matinas de Quinta-feira Santa existem 3Noturnos, cada qual com 3 Responsórios, sendo esta estrutura maissolene utilizada no último Responsório de cada Noturno: ResponsóriosIII, VI, IX, respectivamente. No caso específico destas Matinas deQuinta-feira Santa, porém, o último R do Responsório III deve sertomado como indicação de repetição do Responso completo, não apenasda primeira parte, resultando assim na estrutura R *R V *R R *R (que,salvo a omissão da Doxologia menor, é um dos exemplos mais claros deprática moderna daquela estrutura clássica).

-- Tratamento melódico -- Este gênero de canto geralmente recebe um tratamentomais melismático (ou mesmo neumático) do que silábico. Um dos fatores que contribuipara que isto seja possível é sua estrutura mais enxuta que aquela do canto antifonal,pois não há grande número de versos que impeçam uma elaboração (ou mesmoexcecução) musical mais extensa (demorada). Mesmo o Verso, que poderia permanecerrecebendo tratamento neumático ou silábico (como no canto antifonal), acaba por serelabarado com base nas estruturas melismáticas que impregnam o Responso. Outro dosfatores que ajudam a promover o caráter melismático é a função predominantementecontemplativa ou laudatória dos cantos responsoriais, pois permite maior expressãomusical sem prejuízo ao entendimento do texto (que, aliás, na maioria das vezes é bemmais curto que no caso do canto antifonal).

-- Forma de execução -- Nas estruturas acima, os solistas habitualmente cantam oinício da primeira parte do Responso, o Verso, e a Doxologia menor.

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ANTIPHONA (Latim - pl., Antiphonae; Port. - sing., Antífona)

-- o termo deriva do grego antiphonia, descrito no sec. I D.C. como uma execuçãorealizada por dois coros em alternância

-- este é o gênero (tratamento) mais numeroso

-- tratamento predominantemente silábico

-- melodias (e portanto textos) relativamente curtas

-- a Antífona serve de refrão aos versos de um Salmo ou Cântico que lhe dá seguimento(cf. os ítens GÊNEROS E ESTRUTURAS DE EXECUÇÃO e TOM SALMÓDICO, acima)

-- melodias recorrentes (completas) entre antífonas de dias litúrgicos diferentes

-- antífonas relacionadas a Cânticos são melodicamente mais elaboradas que aquelasrelacionadas a Salmos

-- uso predominante de graus conjuntos (i.e., saltos parecem ser evitados)

-- melodias fazendo uso de fórmulas (pequenas estruturas melódicas recorrentes),portanto demonstrando o uso de centonização

--> a centonização está associada à prática da transmissão oral--> esta prática parece indicar uma origem bastante antiga do material melódico dasantífonas (pelo menos segundo algumas correntes de interpretação musicológicamais influentes)

-- na Missa, utilizada para os cantos do Introitus (Intróito), Communio (Comunhão) eOffertorium (Ofertório)

--> os Intróitos constituem o exemplo mais clássico, preservando (emboramuitas vezes de maneira mais breve) o seguimento dado pelo Verso de umSalmo--> as Comunhões também constituem exemplo típico, embora o Verso já tenhasido eliminado--> os Ofertórios, embora contivessem Antífonas seguidas de Versos, possuemas melodias mais elaboradas e sua real classificação entre as Antífonas édiscutível

==> até o sec. XII todos os Versos de Comunhões e Ofertórios jáhaviam sido eliminados

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TOM SALMÓDICO ou TOM DE RECITAÇÃO ou RECITATIVO

-- Estrutura bipartida (Verso dividido em 2 gestos melódicos complementares)

-- 1ª metade

--> fórmula de entoação: initium ou inchoatio--> tom de recitação: tenor ou tuba--> cadência: mediante ou mediatio

-- 2ª metade--> fórmula de entoação: initium ou inchoatio--> tom de recitação: tenor ou tuba--> cadência final: terminação ou terminatio

-- Habitualmente a recitação (tenor) é basicamente a mesma para as duas partes

CÂNTICOS -- 3 mais importantes (Novo Testamento) cantados diariamente:

--> "Benedictus Dominus Deus Israel" (Laudes -- ao nascer do Sol)--> "Magnificat" (Vésperas -- ao pôr do Sol)--> "Nunc dimitis" (Completas -- após o pôr do Sol)

GRADUAL (Latim - sing., Graduale; pl., Gradualia)

-- canto responsorial

-- a maioria faz uso de modos autênticos

-- modo 5 (utilizado pelo maior grupo de Graduais), com uso freqüente decentonização

-- modo 2 (também utilizado por grupo significante de Graduais, embora menosnumeroso)

-- tratamento predominantemente melismático

-- em lugar de repetição do Responso inicial após o Verso, coro e solistas costumam sejuntar na excecução da(s) última(s) palavra(s) do Verso, obtendo a estrutura R V D R

-- em relação aos Tractus, os Graduais incluem melodias mais ornamentadas

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ALLELUIA(Latim pl., Alleluiae; derivada do Hebráico HALLELU JAH -- Louvemos ao Senhor)

-- Ocorrências habituais -- O ALLELUIA é normalmente cantado antes da Leitura doEvangelho (durante a Missa), salvo exceções abaixo.

-- Exceções de execução -- O ALLELUIA não deveria ser cantado em períodospenitenciais dentro do Ano Litúrgico.

--> Durante o período denominado TEMPO DA QUARESMA (i.e., o tempo dePREPARAÇÃO dentro do Ciclo Pascal), que é o principal período penitencial doAno Litúrgico (vide acima) e abrange desde a Septuagesima ao Sábado Santoantes do Domingo de Páscoa).

--> Durante 3 dos 4 grupos de TÊMPORAS (vide acima) -- o ALLELUIA é cantadonos dias 15, 16 e 17 de setembro, que se seguem à Festa de Exaltação da SantaCruz do 14 de setembro.

-- Outras ocorrências -- A palavra ALLELUIA é, também, adicionada à maioria doscantos litúrgicos durante o TEMPO PASCAL -- geralmente ao final, tanto na Missaquanto no Ofício -- (cf. nota 7 , acima).

-- Gênero de canto -- Canto responsorial.

-- Tipo de tratamento habitual -- O tratamento é predominantemente melismático,embora equilibrando melismas curtos e longos (exceto pelo longo melisma do jubilus).

-- Jubilus -- A palavra ALLELUIA termina com um longo e elaborado melisma sobre asílaba -ia -- esse melisma é chamado de jubilus, podendo conter diversasrepetições melódicas (as quais podem ser entendidas como fórmulasmelódicas).10

-- Estrutura -- Alleluia + Verso + Alleluia

--> Alleluia (1ª parte -- solistas / repetição + jubilus -- coro)--> Verso (a maior parte -- solistas / conclusão -- coro)--> Repetição do Alleluia (solistas / coro apenas no jubilus)

10 Latim, pl. de jubilus = jubili . A designação Jah (do original Hallelu Jah), que deu origem

à sílaba -ia (na atual grafia Alleluia), significa "Senhor", ou "Deus", e serve de raiz a palavras como

Jeová, Jevé, Jefé, etc.

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OBS.: Nem todos os ALLELUIA possuem versos, podendo assim seconstituirem em peças liturgicamente independentes.

-- Repetições de material melódico -- A última frase (conclusão) do verso, cantadapor solista(s) + coro, freqüentemente repete (total ou parcialmente) o material melódicodas partes cantadas pelo coro no Alleluia inicial.

-- Cronologia -- Os Alleluias NÃO estão entre os cantos mais antigos do repertório docantochão, aliás são relativamente tardios (os mais antigos versos de Alleluia datam dosec. VIII e as melodias para a palavra Alleluia em si datam do sec. X, porém há notíciada prática de Alleluias musicais desde ca. sec. IV, ou pouco antes).

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NEUMAS (NOTAÇÃO NEUMÁTICA)

-- Terminologia -- As observações abaixo são válidas tanto para os termos NOTAÇÃO

NEUMÁTICA, quanto para as figuras utilizadas por essa notação musical, os chamadosNEUMAS. Essa terminologia pode ser entendida com dois significados diversos (genéricoe específico):

--> Significado genérico -- Terminologia aplicada a toda a notação musical(diastemática ou não-diastemática) utilizada para a música sacra da Idade Média.

--> Significado específico -- Terminologia aplicada apenas àquela notaçãonão-diastemática, cujos sinais (os neumas) se assemelham a uma escritataquigráfica, normalmente adicionada acima do texto literário. Esses NEUMAS

servem basicamente como 'guias', ou 'gráficos', da melodia a ser realizada, sendouma das primeiras manifestações de notação musical no Ocidente. O grandeincentivo ao desenvolvimento dessa notação se verifica principalmente durante osec. IX, influenciado pelos trabalhos de unificação política durante reinado deCarlos Magno (Rei dos Francos, 768-814; Imperador Carolíngio, 800-814) e deseus sucessores como governantes do Império Carolíngio. No entanto, é possívelque essa notação já existisse (mesmo que embrionariamente) no sec. VIII, oumesmo antes. (Existe a possibilidade de que essa notação tenha tido como umade suas bases a NOTAÇÃO EKFONÉTICA dentro da cultura Bizantina, embora nãoexistam provas concludentes.)

==> N.B.: Neste curso de História da Música, apenas o significadoespecífico será utilizado para entendimento destes termos. Para anotação diastemática (que se realiza sobre uma pauta), com figurasaplicadas a espaços e linhas (neumas quadráticos), será adotado o termoNOTAÇÃO DE CANTOCHÃO -- cf. abaixo.

-- Nas duas páginas seguintes, você encontrará: (A) uma tabela de tipos de NEUMAS;(B) um trecho de uma partitura com transcrição de neumas do sec. X para neumasquadráticos modernos.

--> (A) A tabela de tipos de neumas é organizada da seguinte maneira: coluna a(neumas quadráticos modernizados); coluna b (contornos melódicos em figurasequivalentes de acordo com a notação musical contemporânea — sem valorrítmico); colunas c-d (neumas do sec. X); colunas e-h (neumas do sec. XI);coluna i (neumas do sec. XV, dentro da prática germânica).--> (B) A partitura em questão (um trecho do ofertório Iubilate Deo universoterra) apresenta uma pauta musical (tetragrama, iniciando em clave C-4) comneumas quadráticos modernizados e, entre o texto literário e a pauta musical,neumas aparentemente provenientes do sec. X. (Obs.: Os neumas quadráticossó começam a ser utilizados sistematicamente no sec. XII, embora tenhamexistido diversos formatos, que variaram conforme a região geográfica.)

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(A) –– (RANDEL, 1986, p. 538, s.v. 'Neume')

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(B) –– transcrição de neumas do sec. X p/ neumas quadráticos

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NOTAÇÃO DE CANTOCHÃO (termo mais apropriado que "Notação Quadrática")11

==> As características descritas abaixo são aquelas que vigoram para aNOTAÇÃO DE CANTOCHÃO moderna, que foi sistematizada e publicadadesde o final do sec. XIX. Na realidade, o formato das figuras dessanotação é semelhante àquele dos chamados 'neumas quadráticos', que jáestavam sendo utilizados na Idade Média, pelo menos desde o sec. XIII,embora em forma manuscrita. Baseado nessa origem, alguns estudiososprefiriram utilizar o temo "notação quadrática", que é uma designacãonormalmente evitada neste curso de História da Música, mas se utilizado,deve preferencialmente ficar restrito à descrição exclusiva daquelanotação medieval e renascentista a partir da Ars Antiqua. No entanto,cabe ressaltar que, durante a Renascença, quando do início da imprensamusical (ex. sec. XV-in. sec. XVI), vigoraram vários formatos diferentesde neumas, que variavam com as diferentes regiões onde os livros demúsica eram impressos (seja por causa dos diferentes processos deimpressa utilizados, seja por causa de diferentes tradições de grafiapraticadas desde a Idade Média).

-- Claves dó e fá --

-- A posição dessas claves, em diferentes linhas, pode ser descrita através dainclusão do número da linha logo após a letra indicativa da clave — e.g., C-2 serefere à clave de Dó colocada sobre a 2ª linha, F-3 se refere à clave de Fácolocada sobre a 3ª linha.

-- Tetragrama --

-- Pauta de 4 linhas - Este é número habitual de linhas para a notação decantochão, mesmo quando utilizada (pelo menos nos primeiros séculos) emcomposições polifônicas durante a Idade Média.

-- Sinal de alternância --

-- Um asterisco (*), colocado entre palavras do texto, indica normalmente aseparação entre uma seção executada por solista(s) (aquela que precede oasterisco) e outra seção executado pelo coro (aquela que se inicia logo após oasterisco).

11 Resumo elaborado de acordo com as diretrizes estabelecidas no prefácio (proœmium) do

Liber usualis. A maioria dos ítens apresentados têm origem, usos e funções discutíveis.

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-- Sinais de repetição (colocados junto ao texto) --

-- Este tipo de sinal indica repetições de um determinado trecho melódico (esp.em Kyries), inclusive com repetição da letra, existindo a repetição dupla (ij) e arepetição tripla (iij).

-- Sinais de alteração (parecidos com bemóis) --

-- Normalmente, estes sinais indicam uma alteração na altura das notas às quaisse referem, embora não estejam restritos unicamente a esta função (cf.explicações sobre musica ficta, abaixo).

--> Ocorrem apenas para a moderna nota si (b imediatamente abaixo dodó central — c', normalmente anotada no Liber usualis com um formatoquadrático: , com a barriga levemente inclinada para baixo).

\ --> São válidos até o final da palavra, ou até o final da frase melódica(geralmente marcada por um traço vertical — vide abaixo).

-- Custos --

-- Este sinal é colocado ao final de cada tetragrama, com a função de indicar aprimeira nota do próximo tetragrama. Sua posição em relação ao final dotetragrama e sua forma (seu desenho) variam de manuscrito para manuscrito (deacordo com a época ou com a grafia particular dos copistas). No Liber usualis,ele se parece com um neuma cortado pela metade, com uma leve haste colocada àdireita da cabeça do neuma -- a haste é geralmente ascendente para cabeçascolocadas entre a 1ª linha e o 3º espaço (ou abaixo), mas descendente paracabeças colocadas na 4ª linha ou acima. Este sinal, que parece ter surgido nosec. XI, serviu não apenas ao cantochão, mas à notação musical em geral(aplicada a todos os gêneros e estilos musicais), tendo sido utilizada pelo menosaté o sec. XVIII.

-- Pontos & Traços horizontais --

-- O ponto (denominado punctum-mora) é colocado em frente às cabeças dosneumas e pode ser visto como um precursor do ponto-de-aumento moderno,embora seja tratado de forma diversa (vide abaixo).

-- O traço horizontal (denominado transversum episema), assemelhado ahífens ou travessões, é colocado acima das cabeças dos neumas.

--> Estes sinais representam aumento de duração, da seguinte maneira:- pontos -- dobram o valor.- traços horizontais -- aumentam levemente o valor em relaçãoaos neumas que não os possuem.

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-- Traços verticais ou 'distinções' --

- Existem quatro variedades (tipos) principais: tipo barra-dupla; tipobarra-simples; tipo meia-barra (cortando apenas as duas linhas internas dotetragrama); tipo traço (cortando apenas a 4ª linha do tetragrama). Cada umadessas variedades, por sua vez, pode exercer duas funções distintas: função dedemarcação e função de respiração.

Funções Tipo de 'Distinção'* Significado (o quê indica?)

Função de demarcação

barra-dupla final de seção **

barra-simples final de período

meia-barra final de frase

traço semi-frase

Função de respiração

barra-duplarespiração obrigatória

grande ou final

barra-simplesrespiração obrigatória

grande

meia-barrarespiração obrigatória

pequena

traço respiração optativa

* As designações (barra dupla, simples, etc.) devem ser entendidas apenas comodescrições aproximadas de cada tipo de 'distinção'. Cabe notar, porém, que estas sãodesignações modernas, servindo apenas para facilitar o reconhecimento imediato dessessinais.

** Para efeito das definições desta tabela, a 'seção' marcada pela distinção tipobarra-dupla pode ser equivalente a um canto completo, a uma estrofe, ou mesmo umverso.

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LIVROS LITÚRGICOS — (antes do Concílio Vaticano II)

LIVROS DA MISSA

-- Missale (apenas texto, incluindo os textos cantados, mas sem música)-- Graduale (música) ------------------------------------------------ \ \ \_ Liber usualis

LIVROS DO OFÍCIO / (vide abaixo) /-- Breviarium (apenas texto) /-- Antiphonale monasticum (música) -------------------------- /

==> O Antiphonale monasticum não inclui música para as Matinas (cf.Liber responsorialis, abaixo), que geralmente são observadas apenaspelas ordens monásticas (habitualmente em clausura), ou em isolamento(como os hermitãos).

------------------------------------------------------------

Alguns livros de uso específico

-- Martirologium -- Contém as celerações das vidas dos Santos, lidas normalmentecomo parte do Ofício, organizado de acordo com o ano litúrgico.

-- Pontificale -- Contém as celebrações realizadas por um Bispo ou clérigo de títulomais elevado, e.g.: confirmação, ordenação de Padres, consagração de Igrejas, etc.

-- Rituale -- Contém celebrações utilizadas na administração de Sacramentos, taiscomo: batismo, casamento, extrema-unção (hoje, unção-dos-enfermos), etc.

------------------------------------------------------------

Alguns livros antigos (tentativamente em ordem cronológica de aparecimento)

-- Sacramentarium -- Contém o Canon, proprium da Coleta e Prefácios da Missa -- oexemplar mais antigo data do 1º quartel do sec. VII.

-- Lectionarium ou Liber comicus -- Contém as epístolas e outras leituras dasEscrituras.

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-- Evangeliarium -- É uma separata de leituras, apenas com trechos pertinentes dosEvangelhos.

-- Liber ordinum ou ordinarius -- Contém descrições detalhadas de serviços,celebrações e festas individuais, em localidades específicas -- este livro continha partesposteriormente incluídas nas versões do Pontificiale surgidas após o sec. X.

--> Os mais antigos Libri ordinarii datam do sec. VIII, de origem francesa(aliás, carolíngea ou franca), embora contenham exemplos da prática ritual deRoma.

-- Troparium -- Contém tropi (sing., tropus) e sequentiae (sing., sequentia) -- videabaixo.

-- Sequentiarium -- Contém sequentiae (sing., sequentia; port., seqüência) -- videabaixo.

-- Tonarium (ou Tonarius, ou Tonale) -- Contém cantos (do repertóriopós-Gregório) classificados e organizados de acordo com o Modo eclesiástico ao qualpertencem, podendo incluir Antífonas, Graduais, Responsórios e principalmente TonsSalmódicos -- este livro é freqüentemente incluído em outros livros de maiorabrangência. No caso de exemplares datando de antes do sec. XI, esses "Tonários" (i.e.,Tonarii, ou Tonaria) são especialmente importante pois indicam os tons salmódicos(que dão seguimento às antífonas) muito antes do uso regular de uma notação musicaldiastemática -- os primeiros exemplares datam do final do sec. VIII e início do sec. IX,tendo sua produção continuado até o sec. XVI.

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Compilações mais importantes

==> Estas compilações foram elaboradas (em grande parte) a partir dos livroscitados acima, e são, portanto, cronologicamente posteriores a eles.

-- Kyriale -- Contém os cantos do Ordinarium da Missa.

-- Vesperale -- Contém textos e cantos das Vésperas e, às vezes, das Completas.

-- Liber responsorialis -- Contém cantos responsoriais, especialmente os utilizados nasMatinas.

-- Processionale monasticum -- Inclui cantos utilizado nas procissões que antecedem aMissa.

--> OProcessionale monasticum e o Liber responsorialis são destinadosprincipalmente a comunidades monásticas.

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-- Liber usualis (lit. Livro usual, ou Livro de uso comum) -- Contém seleçõesdos quatro livros principais da Missa e do Ofício: Missale, Graduale, Breviarium eAntiphonale, com ênfase dada às partes musicais, mas sem incluir uma boa parte doscantos utilizados em dias comuns.

--> Abreviatura usual: LU, habitualmente seguida do número da página.(Deve-se observar, porém, na Bibliografia de qualquer texto, qual o ano daedição utilizada, pois existe uma variação significativa entre algumas dasedições.)

--> Este libro é uma compilação moderna de exemplares de cantochão para asprincipais festas cristãs, iniciada ao final do século XIX. Conforme a ediçãooriginal de 1896, o título completo é Liber usualis missae et officii prodominicis et festis duplicibus cum cantu gregoriano ('Livro usual [i.e., da práticacomum] de Missa e Ofício, para domingos e festas duplas, com cantogregoriano'). A compilação segue as determinações para o canto litúrgicoestabelecidas após o Concílio de Trento (1545-1563) e antes do ConcílioVaticano II (1962-1965) -- as últimas edições do Liber foram publicadas antesde 1965. Para maiores explicações quanto à organização interna deste livro,vide o GUIA PARA USO DO LIBER USUALIS, abaixo.

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GUIA PARA USO DO LIBER USUALIS (LU)

(HOPPIN,, 1978, p. 527–529; tradução minha)

PARTE 1 -- AS PRINCIPAIS DIVISÕES E SEU CONTEÚDO

I. Os cantos do Ordinário da Missa [Cantus Ordinarii Missae], p. 11–111

Além dos cantos habitualmente considerados como pertencentes aoOrdinarium da Missa, esta seção inclui os Alleluias do Tempo Pascal evários "tons de recitação" para Epístolas, orações, etc.

II. Os cantos do Ordinário dos Ofícios [Cantus Ordinarii Officii]. p. 112–316

Esta seção começa com "tons de recitação" para os Ofícios, incluindo osutilizados em salmos. A maior parte da seção é destinada a salmos ecânticos para os Ofícios diurnos mais importantes.

III. O Próprio do Tempo (ou seja, do ano) [Proprium de Tempore], p. 317–1110

A seção mais extensa do Liber usualis, o Próprio do Tempo ocupa maisde 1/3 do total de páginas.

IV. O Comum dos Santos [Commune Sanctorum], p. 1111–1302

Esta seção contêm cantos e textos litúrgicos que são comuns a todos osSantos de categorias particulares (apóstolos, bispos, mártires, virgens,etc.). Se não existem cantos especiais para um(a) particular Santo(a), osserviços para o seu dia são baseados no Comum, dentro da categoria àqual ele(a) pertence. O Comum dos Santos também inclui os serviçospara dedicação (i.e., consagração) de uma igreja, para a Virgem Maria epara diversas Missas votivas. (Missas votivas se referem a devoçõesespeciais ou mesmo ocasiões e sacramentos, como casamentos, que nãotêm conexão com o calendário eclesiástico.)

V. O Próprio dos Santos [Proprium Sanctorum], p. 1303–1762

A primeira festa importante desta seção é a de Santo André Apóstolo(30.nov) e a última a de São Silvestre Abade (26.nov).

VI. O Serviço Funerário [Exsequiarum Ordo], p. 1763–1831

Esta seção inclui a Missa de Requiem [Missa pro Defunctis],p. 1807–15.

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Após essas 6 grandes seções do Liber usualis , segue-se uma miscelânea de diferentesítens: diversos cantos para uma variedade de funções, um Índice Alfabético de Cantos,um Índice de Cantos para Bençãos e um Índice de Festas Especiais. A paginaçãodestes ítens varia em diferentes edições do Liber usualis, mas é especialmenteimportante mencionar os índices, pois eles não vêm ao final do livro. De fato, o Liberusualis termina com um Suplemento para certas Congregações Religiosas. É tambémimportante mencionar a organização do Índice Alfabético de Cantos [IndexAlphabeticus]. Organizado por tipos, os cantos do Próprio da Missa vêm primeiro, naordem em que aparecem na liturgia: Intróitos, Graduais, Versos de Alleluias, Seqüências,Tractos, Ofertórios e Comunhões. A seguir, vêm os cantos dos Ofícios: antífonas,hinos, salmos, cânticos e responsórios. Dentro de cada grupo, os cantos sãoorganizados alfabeticamente, de acordo com seus incipits (i.e., as primeiras palavras dotexto). O número que precede cada canto indica o modo.

PARTE 2 -- INDICAÇÕES DAS TERMINAÇÕESA SEREM UTILIZADAS PARA CADA ANTÍFONA

Observe a designação

5. Ant. 1. g

que precede o canto Levate capita vestra (Elevem vossas cabeças, p. 365). A linhasuperior identifica este canto como sendo a 5ª Antífona da série (neste caso, dasPrimeiras Vésperas do Tempo do Natal). Abaixo, o número e a letra indicam,respectivamente, o modo e a terminação do "tom salmódico". [Na designação acima, omodo é Protus autenticus, ou primeiro modo, com tom salmódico terminando em sol.]Desta maneira, o Liber usualis indica o modo de cada canto, mas especifica aterminação somente para antífonas que são cantadas com "tons salmódicos". Para taisantífonas, a indicação nunca é omitida, mesmo para "tons [salmódicos]" com uma únicaterminação, como 2. D [neste caso, segundo modo, ou Protus plagalis, com terminaçãoem ré2]. Devemos notar que o Liber usualis utiliza letras maiúsculas para terminaçõescuja última nota é aquela da final [finalis] do modo. Letras minúsculas, por sua vez,indicam notas que não estão dentre as chamadas finais [finales] dos modos. O Liberfornece, em notação musical, todas as finalizações para cada "tom" às páginas 113–117,indicando ainda a terminação (Doxologia menor) cantada ao final de cada antífona. Emtal terminação, de acordo com a prática medieval, o texto que acompanha a notaçãomusical é apresentado através das letras E u o u a e. Quando é utilizada a letra V nolugar de U (como era usual na grafia medieval), a terminação pode inclusive parecer(aos mais desavisados) com alguma espécie de interjeição grega dechamamento—EVOVAE! Na realidade, porém, trata-se de uma simples indicação daDoxologia menor, baseada nas vogais de suas palavras finais "s(a)eculorum Amen"(baseada em suas vogais). Assim, o Liber deixa duplamente indicada qual a terminaçãocorreta a ser utilizada. A ausência de ambas indicações para uma Antífona aponta que aconexão salmódica foi perdida, ou que o canto se tornou independente.

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PARTE 3 -- CANTOS DO ORDINÁRIO DA MISSA.

Começando à p. 16, há 18 Missas com as designações de estação ou tipo de dialitúrgico ao qual cada uma é apropriada. As primeiras 15 Missas consistem de "Kyrie","Gloria", "Sanctus" e "Agnus Dei", mais o "Ite, missa est" e às vezes o "BenedicamusDomino". As três últimas são para o Ordinário de dias-da-semana dentro de qualquerestação (ferias) e para os Domingos de Advento e Quaresma. Portanto, estas omitem o"Gloria" e consequentemente tem apenas o "Benedicamus Domino". O "Credo" nãoestá incluído em nenhuma dessa Missas, mas 6 possibilidades são apresentadas naspáginas que seguem (64–78). O Liber informa (p. 66) que o primeiro Credo apresentao "tom autêntico", mas que os outros "podem ser usados segundo o costume".Finalmente, achamos uma série de cantos "ad libitum" que não estão agrupados emMissas (pp. 79–94): 11 Kyries, 4 Glorias, 3 Sanctus, 2 Agnus Dei.

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ADENDO DO TRADUTOR

==> Quanto à grafia do latim

No Liber usualis (bem como em alguns dos outros livros editados modernamente)foram colocados sinais de acentuação que não fazem parte da grafia do original dolatim. Num intuito meramente pedagógico, tais sinais foram utilizados para facilitar aleitura desta língua morta, resolvendo eventuais ambigüidades quanto às posições desílabas tônicas (breves e longas). Note que, em transcrições acadêmicas de textos emlatim (sejam estas retiradas do Liber usualis ou outra fonte), as acentuações não devemser reproduzidas -- exceto, é claro, se tal recurso for apropriado ao tema ou objetivos dotrabalho.

==> Quanto à paginação

Através dos anos (ca. 1896-1964), existiram várias edições do Liber usualis, algumascom prefácio em latim, outras com prefácios em francês, inglês, etc. Além disso,existiram também edições com notação musical modernizada, ao invés de notação decantochão. Em conseqüência destas diferenças, os números de páginas citados acimavariam de uma edição para outra. A presente páginação, baseada numa edição latinacom notação de cantochão (publicada em 1960), é válida para a maioria das edições comas mesmas características, embora também seja válida para algumas edições comprefácios em outros idiomas, publicadas na mesma época.

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MODOS ECLESIÁSTICOS

(1) (2) (3) (4) (5) (6)

Denominação variedadenº de

referênciafinalis+ / ‡

ambitus+ / ‡

dominans+ / ‡

Protusautenticus I

ré2 / Dré2-ré3 / D-d lá2 / a

plagalis II lá1-lá2 / A-a fá2 / F

Deuterusautenticus III

mi2 / Emi2-mi3 / E-e dó3 / c

plagalis IV si1-si2 / B- lá2 / a

Tritusautenticus V

fá2 / Ffá2-fá3 / F-f dó3 / c

plagalis VI dó2-dó3 / C-c lá2 / a

Tetrardusautenticus VII

sol2 / Gsol2-sol3 / G-g ré3 / d

plagalis VIII ré2-ré3 / D-d dó3 / c

+ -- Alturas segundo as designações utilizadas no moderno sistema brasileiro,com sílabas fixas (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), sendo dó3 a altura da primeirasuplementar superior da clave-de-fá na 4ª linha (também chamado: dó central).

‡ -- Alturas segundo as designações por letras utilizadas no Sistema Medievalde Alturas (cf. tabela acima), onde o chamado dó central moderno é identificadopela letra c (minúscula).

-- Ítens (1) e (2): Designações dos MODOS ECLESIÁSTICOS -- A designaçãoapropriada a cada um dos 8 MODOS ECLESIÁSTICOS é determinada pela junção de doiselementos (ou termos) em latim: (1) a denominação genérica e (2) variedade particular.Abaixo, estão os 8 binômios que servem à designação desses MODOS.

Protus autenticus Protus plagalisDeuterus autenticus Deuterus plagalisTritus autenticus Tritus plagalisTetrardus autenticus Tetrardus plagalis

--> Esses binômios (ou designações) foram utilizados já em tratados medievais,especialmente com referência à música sacra. Estas não foram, porém, as únicasdesignações utilizadas, apenas as mais utilizadas e que servem de referência

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específica a esses MODOS ECLESIÁSTICOS. As denominações Protus, Deuterus,Tritus e Tetrardus são latinizações do grego, cujos correspondentes emportuguês seriam Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto -- note, porém, queesses correspondentes em português não são, nem deve ser, utilizados.

==> Outras designações: DÓRICO E HIPODÓRICO, FRÍGIO E HIPOFRÍGIO,LÍDIO E HIPOLÍDIO, MIXOLÍDIO E HIPOMIXOLÍDIO. Aparentemente, essasdesignações atingiram grande reconhecimento e utilização nos dias dehoje, devido a uma influência do pensamento humanista característico daRenascença. Apesar de também aparecerem em tratados medievais, essasdesignações eram utilizadas principalmente em textos que versavamsobre a música profana, ou sobre música como disciplina acadêmica (i.e.,sobre música como filosofia e de maneira genérica). Na Renascença autilização desses termos continua sendo seletiva (i.e., com os termosaplicados à música sacra diferenciados daqueles aplicados à músicaprofana), mas é possível verificar uma progressiva profanização dostermos mesmo dentro de tratados destinados à discussão de músicasacra. Outros quatro MODOS (denominados Jônio e Hipojônio, Eólio eHipoeólio) são invenções teóricas renascentistas, cuja origem tem sidotraçada ao tratado Dodecachordon (1547) de Heinrich Glarean(1488-1563). Cabe notar, porém, que o sistema de 12 MODOS propostopor Glarean não obteve aceitação imediata nem irrestrita entre osteoristas, embora alguns dos conceitos tenham sido adotados (semmenção ao nome de Glarean) no influente tratado Le istitutioniharmoniche (1558) de Gioseffo Zarlino (1517-1590), um dos maisimportantes teoristas do final da Renascença.

-- Item (3): Número de referência dos MODOS ECLESIÁSTICOS -- Outra forma dereferência era a numeração dos MODOS (3), com números de I a VIII. Em tratadosmedievais, esses números eram apresentados em algarismos romanos; modernamente,porém, as referências são feitas em algarismos arábicos de 1 a 8. Esses números(romanos ou arábicos) tem especial importância na identificação e designação dosMODOS de cada exemplar de cantochão, pois é utilizada freqüentemente em livroslitúrgicos (cf. o item Guia para uso do Liber usualis - parte 2, acima).

-- Ítens (4), (5) e (6): Análise, determinação e diferenciação dos MODOS

ECLESIÁSTICOS -- Nos tratados medievais, cada MODO é descrito a partir de trêselementos: a nota final do cantochão (lat. finalis), a tessitura (lat. ambitus) e a dominante(lat. dominans) -- na tabela acima, indicados respectivamente pelos números (4), (5) e(6). Esses três elementos devem ser considerados hierarquicamente.

--> Item (4): Finalis do MODO -- A finalis é a nota final do MODO e, portanto,da melodia composta segundo aquele MODO. Em outras palavras, a finalis indicaqual a denominação (1) da melodia -- ou seja, indica o primeiro elemento nadesignação do MODO: protus, deuterus, tritus, ou tetrardus. Assim, melodiascompostas tanto de acordo com o MODO 1 (i.e., protus autenticus) quanto de

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acordo com o MODO 2 (i.e., protus plagalis) deveriam terminar na nota D (i.e.,ré2); também, todas melodias compostas de acordo com o deuterus (autenticusou plagalis) deveriam terminar em E (i.e., mi2); etc.. A finalis é o elementomais importante na determinação do MODO, devendo (pelo menosteoricamente) prevalecer sobre quaisquer outros elementos -- na realidade, ateoria também considerava a possibilidade de alterações da finalis em casosespeciais.

--> Item (5): Ambitus do MODO -- O ambitus é equivalente à tessitura (ouextensão) do MODO; ou seja, indica qual a sua nota mais grave e qual sua notamais aguda. Portanto, o ambitus é especialmente importante na diferenciaçãodas variedades (2) autenticus e plagalis, dentro de uma mesma denominação(previamente definida através da finalis). Por exemplo, é possível identificar (ediferenciar) as duas variedades de MODOS de denominação deuterus em virtudede seus diferentes ambitus: E - e (i.e., mi2 - mi3) para a variedade autenticus; B- b (i.e., si1 - si2) para a variedade plagalis -- ambos com finalis em E (i.e.,mi2). Dentro da teoria medieval, os MODOS autenticus e os MODOS plagales sãodefinidos em função de seus ambitus, da seguinte maneira: um MODO autenticusé aquele que procede uma 5a. acima da finalis e uma 4a. acima daquela 5a; demaneira semelhante, um MODO plagalis é aquele que procede uma 5a. acima desua finalis e uma 4a. abaixo dessa mesma finalis. Cabe estressar, que o ambitusé, hierarquicamente, o segundo elemento de importância nadeterminação do MODO, embora seja essencial nessa diferenciação entre umMODO autêntico (lat. autenticus) e um MODO plagal (lat. plagalis).

--> Item (6): Dominans do MODO -- A dominans é a nota que domina amelodia; ou seja, é a nota que dá sustentação e centro à melodia, sendonormalmente a nota mais freqüente (i.e., que mais se repete) dentro da melodia,ou pelo menos em torno da qual as outras notas gravitam. Assim, melodias nasquais a nota mais freqüente for c (i.e., dó3) pertencerão a um dos seguintes 3MODOS: III (deuterus autenticus), V (tritus autenticus), ou VIII (tetrardusplagalis). A determinação da dominans de cada MODO é descrita na teoria deacordo com sua variedade (i.e., se autenticus ou plagalis). Quando o MODO forda variedade autenticus, a dominans está uma 5a. acima da finalis -- videexceção abaixo. Quando o MODO for da variedade plagalis, a dominans deveestar uma 3a. abaixo da dominans do correspondente autenticus dentro damesma denominação do MODO -- vide exceção abaixo. Em qualquer dos casos(dominans do autenticus ou do plagalis), existe uma exceção às regras acima:quando a dominans cair sobre a nota b (i.e., si2), ela deverá ser alterada para umsemitom acima -- ou seja, para a nota c (i.e., dó3). Desta maneira, a dominans doMODO VII (tetrardus autenticus), com finalis G (i.e., sol2), é a nota d (i.e., ré3 --uma 5a. acima daquela finalis). Já a dominans do MODO VIII (tetrardusplagalis), também com finalis G (i.e., sol2), é a nota c (i.e., dó3) -- se essadominans fosse regularmente calculada uma 3a. abaixo da dominans de seucorrespondente autenticus, então ela seria b (i.e., si2), mas como a regra deexceção proíbe, a dominans deve ser alterada para a nota um semitom acima.

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Cabe lembrar, que a dominans é, hierarquicamente, o terceiro elemento deimportância na determinação do MODO, embora não encontre aceitaçãoirrestrita entre teoristas medievais ou renascentitas quanto a sua validade oumesmo existência como determinante dos MODOS. De fato, a dominans servemuito mais para dirimir eventuais dúvidas que os outros dois elementos (finalise ambitus) podem não esclarecer (normalmente devido a desvios ou alteraçõesnesse dois elementos). Não há dúvida, porém, que a dominans tambémrepresenta uma espécie de elemento precursor (agradável aos positivistas) dafunção de dominante dentro do chamado sistema tonal maior-menor. Noentanto, a dominans não exerce tal função (nem deve exercer), nem mesmomelodicamente, se a melodia tiver sido composta dentro das característicaspróprias dos modos, aqui expostas -- sem submissão à direcionalidade elimitações daquele sistema tonal maior-menor.12

12 O substantivo latino finalis tem plural nominativo em finales, já o substantivo ambitus

tem apenas uma terminação (declinação) para os nominativos singular e plural. O plural nominativo da

designação dominans (que advém do particípio presente ativo) é dominantes. Os termos tenor

(pl. tenores) e tuba (pl. tubæ) também foram utilizados, até com maior freqüência, com o mesmo

sentido de dominans. Apesar de haver uma evidente relação entre esses termos (tenor, tuba, dominans), é

este último termo (dominans) o preferido aqui, evitando confusões terminológicas desnecessárias com

os termos tenor e tuba, reservados nesta apostila para as explicações sobre TOM SALMÓDICO.

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Tropus 1 -- (HOPPIN, 1987, p. 147, Example VI-1)Tropus 2 (HOPPIN, 1987, p. 150, Example VI-2; p. 151, Example VI-3)

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Kyrie fons bonitatis -- Tropus 2I-a (LU, 19 [cantochão]); I-b (HOPPIN, 1987, p. 151 [tropus])

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Eia Syon -- Tropus 3(AMM no. 25)

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TROPUS (Latim - pl., tropi; Port. - sing., tropo; Ingl. - sing., trope)

EM RETÓRICA

-- Genericamente, pode ser chamado de sinônimo de 'figura-de-linguagem'.

-- Especificamente, considera-se como uma alteração ou troca de uma ou mais palavrascom alteração de significado (tanto da palavra quanto da frase), diferenciado deschema (que alteraria apenas a ordem de palavras numa sentença com o intuiro deproporcionar ênfases ou mudanças de sentido, mas sem necessariamente alterar-lheso significado). Ainda dentro deste sentido específico, tanto o tropus quanto oschema (pl., schemata) podem ser incluidos em figuras-de-palavras (envolvendoalterações em pequena escala: uma ou mais palavras, mas sem constituir uma frasecompleta) e "figuras-de-pensamento" (envolvendo alterações de larga escala:normalmente uma frase ou um período inteiro).

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EM MÚSICA

-- Genericamente, se refere à adição de texto e música a cantos litúrgicos.

-- Especificamente, se refere a 3 diferentes categorias de adição.

--> Essas 3 categorias não possuem qualquer hierarquia ou precedênciacronológica entre si, pois parecem ter surgido à mesma época, embora a análisede uma tradição de 'improvisação' possa apontar para uma ou outra categoriacomo 'prática-mais-antiga' ou 'provável-antecessora-das-outras'.

--> Embora falemos de 'adições', cada tropus normalmente operava algumaforma de 'substituição' de frases (musicais e/ou literárias) pré-existentes.

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1 - Apenas melodia

- Trata-se de melismas, normalmente adicionados aos finais de frases de diversoscantos, tanto originalmente neumáticos ou silábicos quanto melismáticos, tais como oIntroitus, Gloria e Alleluia. Destes, os tropi aplicados ao Alleluia foram os maisdifundidos, particularmente os da repetição após o verso -- considerados aqui como

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precursores das sequentiae (discutida abaixo). Esta categoria inclui o uso de repetiçõesestruturais (frases melódicas ou mesmo pequenas fórmulas), verificadas principalmentejunto àquelas localidades que acabaram por manter, durante toda a Idade Média,manuscritos com coleções de melismas alternativos que poderiam ser aplicados (quandonecessário ou permitido) aos cantos pré-existentes.

--> melismas (identificado em tratados medievais pelo termo neuma, ousimplesmente por melodia)

--> Introitus, Gloria, Alleluia (principais cantos da Missa sujeitos a tropagem)

--> tipos especiais: neuma triplex (ver abaixo)

--> uso de repetições estruturais (frases e/ou fórmulas)

==> Alguns musicólogos (cf. HOPPIN, 1978, p. 143–146) defendemque esta primeira categoria (adições predominantemente melismáticas)representa a forma mais antiga de tropus.

Neuma Triplex - O Neuma triplex (Melisma triplo), utilizado em responsórios doOFÍCIO parece ser indicativo da antigüidade desta categoria, pois osmelismas são aplicados às estruturas mais antigas de umResponsório (estruturas clássica: R *R V *R D [R] *R e solene:R *R V *R R [*R]), que contém 3 repetições do responso -- oprimeiro responso enunciado com seu melisma original, tendo cadaum dos 3 responsos subseqüentes melimas diferentes (e individuais),substituindo o original -- cf. Exemplo VI-1: The Neuma Triplex(HOPPIN, 1978, p. 147).

≠s tropi - O segundo e terceiro responsos recebiam melismas nem sempremais longos, nem mais elaborados que o original, mas o quarto(último) responso normalmente tinha proporção bem superior e/ouelaboração mais complexa.

liberdade musical - Manuscritos contendo o mesmo procedimento de neuma triplexpara o mesmo canto, muitas vezes apresentam grandes variações paraos melismas adicionadas, embora o canto e melisma originalcontenham variações insignificantes (em sua maioria) -- tal fato éutilizado como indicativo de uma prática de relativa liberdade musicalassociada aos tropi, que não era possível em relação ao canto originale seu melisma.

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2 - Apenas texto

- Nesta categoria, um texto literário é aplicado (sobreposto) a melismas pré-existentes,normalmente gerando seções silábicas. A prática resultava, de fato, numa alternânciaentre seções silábicas e ornamentadas (neumáticas ou melismáticas), mesmo quandovirtualmente aplicados à totalidade de um canto. De modo geral, os melismas sãooriginais ao canto, mas podem também ser adicionado textos a melismas tropados -- i.e.,aqueles classificados dentro da categoria 1 acima descrita. Os tropi dentro destacategoria eram normalmente adaptados aos melismas de cantos responsoriais (porémnão exclusivamente) — e.g., Graduais, versos de Alleluias, versos de Ofertórios,melismas de Hosannas ou Kyries, etc. — em seções habitualmente destinadas ao coro.Dentro da evolução da categoria, inicialmente utilizavam-se textos em prosa (sem rimaaparente), embora textos poéticos tenham, mais tarde, adquirido predominância. Umtipo especial era denominado pelo termo prosa (pl., prosae), ou por prosula (pl.,prosulae -- diminutivo de prosa) -- raramente, porém, a prosula era adicionada a cantosutilizados no OFÍCIO. Um dos recursos de rima textual, freqüentemente utilizado dentrodesta categoria, era o uso de 'assonâncias' (repetições de vogais, principalmente emposições tônicas), baseadas na vogal do melisma original a ser tropado -- algumas vezesa própria sílaba original era repetida, não somente a vogal.

Original: regna ——————————— vit Prosa: regnant omnia sacra et impera - vit

Os tropi de Kyrie são particularmente úteis na exemplificação desta categoria, pois sãoapresentados tanto em tratamento silábico (cf. Kyrie Cunctipotens genitor Deus -- LU,Ordinarium nº IV, original s/ o tropus) quanto neumático (cf. exemplo VI-2: KyrieAuctor celorum -- HOPPIN, 1978, 150). Diferentemente de outros cantos, porém,podemos dizer que a alternância de seções tropadas (silábicas ou neumáticas) comseções originais (mais ornamentadas -- melismáticas ou neumáticas) não é comum na'tropagem' dos Kyries -- isso, é claro, desconsiderando as repetições (nove aclamações)da estrutura natural de um Kyrie — Christe — Kyrie. De fato, muitas vezes os tropi deKyrie eram aplicados apenas a uma das aclamações melódicas (muitas vezes a primeira)de cada verso; assim a estrutura normal de Kyrie tropado é a seguinte (cf. exemploVI-2: Kyrie Auctor celorum -- HOPPIN, 1978, 150):

Tropus I / Kyrie / KyrieTropus II / Christe / Christe

Tropus III / Kyrie / Kyrie

Outras vezes porém, cada aclamação era submetida a um tropus diferente (individual)(cf. Kyrie Deus Genitor alme -- LU, Ordinarium nº XVIII, original s/ o tropus). Alémdisso, a estrutura (tropagem total ou parcial) à qual qualquer desses cantos (Kyrie ou

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não) era submetido, parece estar ligada também aos diferentes tipos de intervençãoexistentes. Os tropi de Kyrie também denotam pelo menos 2 diferentes tipos de clarosintervenção, também vinculados à sua estrutura particular de repetição textualmenteprescrita. Num primeiro tipo, aparentemente o mais antigo, os tropi operavam umasupressão das palavras "Kyrie" e "Christe", mas mantinham a palavra "eleison" ao final(cf. exemplo VI-3a: Summe Pater -- HOPPIN, 1978, 151; cf. Kyrie Cunctipotensgenitor Deus -- LU, Ordinarium nº IV, original s/ o tropus). Num segundo tipo,aparentemente posterior, os tropi mantiveram todas as palavras do texto original ("Kyrieeleison" e "Christe eleison"), habitualmente fazendo com que fossem integradas aostexto tropado, mantendo ou não suas posições naturais de início e finalização daaclamação (cf. exemplo VI-3b: Kyrie Fons bonitatis -- HOPPIN, 1978, 151; LU, KyrieOrdinarium nº II, original s/ o tropus; cf. Kyrie Deus Genitor alme -- LU, Ordinariumnº XVIII, original s/ o tropus). Havia ainda um terceiro tipo, mais livre e aparentementehíbrido, onde palavras podiam ser omitidas ou mantidas (cf. exemplo VI-2: KyrieAuctor celorum (HOPPIN, 1978, 150) -- talvez dependendo da função assumida pelotropus em ocasiões específicas.

--> adições de texto (poético, ou mais habitualmente em prosa) a seçõesmelismáticas pré-existentes (originais ou tropadas)

--> aplicado principalmente a cantos responsoriais

--> tratamento silábico (resultando em alternância de seções silábicas e'ornamentadas')

--> Gradual, Alleluia, Ofertório, Hosanna, Kyrie

--> tipo especial: prosula

--> uso de 'assonância'

--> podiam se constituir dilatações internas de palavras originais, expansõestextuais entre palavras originais (total ou parcialmente mantidas), substituiçõestotais das palavras originais

==> Nos exemplos mencionados acima, alguns tropi parecem apresentarum tratamento marcadamente neumático. Normalmente, a incidênciadeste tipo de tratamento pode ser vista como uma descaracterização destacategoria, até mesmo no sentido de constituir um exemplo de tropusdentro da categoria 3, ou podendo constituir (minimamente) um exemplohíbrido entre as duas categorias (2 e 3).

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3 - Texto e música

- Estes tropi são os mais numerosos e característicos do gênero. Uma das adições maiscaracterísticas é aquela aplicada aos Introitus, onde podem apresentar um caráter quasedramatúrgico, mas também ocorreram em cantos do Ofertório e Comunhão, além deadições aplicadas a cantos não-melismáticos do Ordinarium (Gloria, Sanctus, AgnusDei). Esta categoria parece ter florescido principalmente em meio a comunidadesmonásticas, como forma de ampliar, interpretar e explicar os textos litúrgicos. De modogeral o gesto melódico era condizente (dificilmente contrastante) com o do cantopré-existente: modo, ambitus, caráter melódico, etc., podendo inclusive utilizar materiaismelódicos do próprio canto. Normalmente esses tropi apresentam um tratamentoneumático, também à semelhança dos cantos aos quais são adicionados. Um tropusdesta categoria era posicionado caracteristicamente antes do canto (assumindo a funçãode 'introdução'), ou inserido entre frases (i.e., operando 'interpolações' músico-textuaiscom função 'explicativa' ou 'enfática') -- cf. o exemplo "Eia Syon" (tropus aplicado aoIntroitus "Ecce advenit" para a Missa da Epifania [dia de Reis]; LU, 459)

--> os mais numerosos

--> tratamento neumático

--> Introitus, Ofertório, Comunhão, Gloria, Sanctus, Agnus Dei

--> uso principalmente monástico

--> tratamento, estilo e material melódico integrado ao original

--> categoria característica de ampliação, interpretação e explicação dos textos

--> tropus inserido entre frases do canto original, ou antes (como introduções)

==> A palavra tropus, como era utilizada em tratados medievais,normalmente fazia referência aos tropi desta categoria 3 aplicadosespecificamente aos cantos do PROPRIUM (Introitus, Offertorium,Communio), reservando o termo laus (pl., laudes) para aqueles aplicadosaos cantos do ORDINARIUM (Gloria, Sanctus, Agnus Dei) -- laus tambémera utilizado para designar apenas o Gloria, mesmo quando nãosubmetido a tropagem, sendo que o termo versus podia seralternativamente utilizado para o Sanctus e Agnus Dei tropados.

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-- De modo geral, a prática da criação de tropi parece ter tido origem no tempo deCarlos Magno (sec. IX), talvez como reação à própria tendência à prescrição eestandardização do canto litúrgico. O florescimento desta prática se deu principalmentedurante os sec. X a XII, onde se distinguem principalmente tendências francesas(incluindo Inglaterra) e alemãs -- ambas dentro do Império Carolíngeo. O florescimentodos tropi parece estar associado a ideais artístico-intelectuais, principalmente osvinculados à ordem dos Cluniacos (uma ordem derivada dos Beneditinos); já os motivosdo declínio parecem estar associados à ascensão de pensamentos conservadores, éticos emorais, principalmente os vinculados à ordem dos Cistercianos (hoje Trapistas). Ostropi, em sua maioria, foram expurgados por decisão do Concílio de Trento(1545–1563), como parte dos trabalhos de renovação do canto litúrgico.

--> origem: durante o sec. IX (Império Carolíngeo)--> florescimento: sec. X a XII--> grande parte expurgada da liturgia pelo Concílio de Trento -- sec. XVI

-- A forma de execução dos tropi é incerta e ainda sujeita a discussão musicológica.Uma das correntes predominantes acredita que a execução seria realizada por um únicosolista, não por um conjunto de solistas, ou mesmo um coro. Dentro destainterpretação, fica praticamente implícito um tratamento responsorial, onde os tropiseriam provavelmente respondidos por um coro dando seguimento ao canto em suaversão original. No caso das prosulae, cujos melismas originais eram muitas vezesdestinados à execução coral, esse entendimento musicológico é ainda mais discutívelembora não se possa comprovar que existia uma única forma de execução.

--> forma de execução discutível--> provavelmente um único solista--> probabilidade de tratamento responsorial para o canto envolvendo tropi

SEQUENTIA (Latim - pl. sequentiae; Port. - sing., seqüência) +

-- No mosteiro de St. Gall, ca. 884, Notker Balbulus (ca. 814–912) escreve um prefácioa um hymnorum (hinário) que continha ainda uma coletânea de sequentiae (cujos textosforam aparentemente escritos por ele).

-- A SEQUENTIA constitui um gênero independente criado a partir de um estímulo de'tropagem'.

--> Não há, no entanto, evidência definitiva de que esse gênero derivou de algumdos tipos ou categorias de TROPUS.

--> Porém, considera-se que inicialmente a SEQUENTIA consistia de melismasadicionados (ou substitutivos de outros melismas), principalmente em meio a umALLELUIA -- portanto, podendo ser relacionada ao TROPUS da categoria 1.

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--> Posteriormente, foram adicionados textos em prosa aos melismas anteriores-- podendo, neste caso, relacionarmos a SEQUENTIA ao TROPUS da categoria 2.

--> Por outro lado, sua real ligação com o TROPUS é ainda hoje objeto de debatemusicológico, seja por suas dimensões (habitualmente muito superior aotamanho de um TROPUS), seja porque se destacou como gênero independentemuito cedo (ainda dentro dos períodos iniciais de florescimento do TROPUS --portanto contemporânea a ele).

-- A estrutura musical da SEQUENTIA segue o seguinte padrão básico: a bb cc dd ... n,onde cada letra corresponde a versos diferentes, sendo que as repetições são apenasmusicais.

-- Victimae paschali laudes (LU, 780) -- Estrutura original a bb cc dd, modernamenteacomodada dentro do padrão básico, resulta na omissão da sexta estrofe (i.e., doprimeiro d), resultando na estrutura: a bb cc d.

-- As SEQUENTIAE foram produzidas em larga escala (aprox. 4500) até o início daRenascença, mas foram expurgadas da liturgia pelas reformas do Concílio de Trento(1545–1563) -- apenas 5 sequentiae sobreviveram dentro do uso litúrgico: Victimaepaschali laudes (para a Páscoa); Veni Sancte Spiritus (para Pentecostes); Lauda Sion(para Corpus Christi); Dies Irae (para a Missa pro defunctis); Stabat Mater(relacionada a Missas votivas da Virgem Maria, foi re-admitida dentro da liturgia em1727 para a festa das "sete dores", a 15 de setembro).

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Genuit puerpera regem (LU, 396) & Psalmus 99 (LU, 397)In Nativitate Domini -- Ad Laudes

(no nascimento do Senhor -- para as Laudes)

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Veni Sancte Spiritus (LU, 880–881)In Festo Pentecostes

(na festa de Pentecostes)

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Seniores populi (LU, 651)Feria V in Cena Domini -- Ad Matutinum in tertio Nocturno

(5ª Feira antes da Ceia do Senhor [i.e., 5ª Feira Santa] -- para o 3º Noturno das Matinas)

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Sanctus & Agnus Dei (LU, 45)In Festis Beata Mariae Virginis(na festa da Beata Virgem Maria)

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Carmina Burana(Canções de Benediktbeuern, mosteiro Beneditino ao sul de Munique)

-- Datação do MS -- Coletânea de cancões compilada ao final do século XIII (ex. sec.XIII) -- cf. item origem e abrangência, abaixo, quanto à datação das canções.

-- Iniciativa -- Aparentemente por iniciativa (inclusive financeira?) de algum nobre rico,ou possivelmente monge ou bispo.

-- Depositário inicial -- A coletânea permaneceu na posse do Benediktbeuern(mosteiro Beneditino existente ao sul de Munique -- i.e., München) até 1803.

-- Atual depositário -- Em 1803, o MS foi confiscado pelo governo e integrado aoacervo da Biblioteca Estatal da Bavária em Munique (Codex latinus 4660).

-- Publicação -- Em 1847, poemas editados e publicados por J.A.Schmeller(bibliotecário) — o título Carmina Burana provém dessa edição.

-- Extensão do MS -- O manuscrito, como sobreviveu até os nossos tempos, estáincompleto (com folios faltando), embora contenha mais de 200 poemas.

-- Uso de vernáculo -- Além de uma grande maioria de canções em latim, o MS incluiaprox. 48 canções em alemão (na realidade, em dialeto bávaro), que auxiliam nadedução de sua origem e data aproximadas.

-- Concordâncias com outros MSS -- Verificou-se a presença de algumas dascanções em latim em MSS franceses e ingleses aparentemente datados de ca. sec. XII,ou mesmo antes.

-- Notação musical -- O MS não possui notação para a maioria das canções, emboraalgumas incluam notação musical em neumas, não-diastemática -- com melodiasvirtualmente impossíveis de precisar. Dentre estas últimas, algumas podem ser lidasatravés de 'concordâncias' com outros MSS que apresentem notação diastemática.

-- Temática (tópicos e conteúdo):

--> canções de moralidade satírica (de caráter sério) -- 55--> dramas sacros -- 6--> canções de 'vagabundos' (jogos, bebida, blasfêmias, etc.) -- 35--> canções de amor (inclusive obscenas) -- 131

==> Numa análise dos textos, torna-se aparente que muitas dessas cançõestiveram uma origem na SEQUENTIA, inclusive por serem preservadas em outrosMSS como parte da liturgia (esp. as "de moralidade satírica", mas tambémalgumas "de amor").

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-- Origem e abrangência -- A presença de canções (ou mesmo finalizações) em latim,colocadas lado a lado com outras em alemão (i.e., no mesmo MS), bem como algumasde suas temáticas, auxiliam na dedução de dois ítens musicológicos fundamentais: aorigem e a abrangência do documento e de seu conteúdo. Na análise destes ítens, devemser considerados os aspectos enumerados abaixo.

(a) A localização geográfica em que as canções teriam sido produzidas:Alemanha, esp. região sul -- sendo esta dedução assegurada para a maioria dascanções.(b) O tipo de instituição dentro do qual essa produção ocorreu, sugerindo aindapúblico-alvo: instituição religiosa e acadêmica.(c) A localização temporal, principalmente em vista da diversidade lingüística(latim e alemão dividindo o mesmo espaço), que indica um tempo onde aprofanização e vernacularização de textos sacros já estava instaurada: períodoque se estende desde o final do sec. XI até o final do sec. XIII.

A partir desta dedução e de outros ítens apresentados acima, é importante notar que agrande importância dessa coletânea está em seu caráter internacional e sua abrangênciatemática e cronológica.

GOLIARDOS

-- Estudiosos-poetas viajantes.

-- Alguns com origem monástica (que possivelmente promoviam ou implementaram umcerto intercâmbio entre mosteiros).

-- O Goliardos floresceram desde o sec. XI ao sec. XIII (Grout menciona apenas até osec. XII).

-- Atuaram na França, Alemanha e Inglaterra.

-- A típica versificação Goliarda (ou Goliárdica) parece conter estrofes de 4 versos de 13sílabas (tridecassílabos) com rimas simples (i.e., a mesma para todos os versos dentro deuma mesma estrofe).

-- A música associada a seus poemas, quando anotada, normalmente existe apenas emnotação neumática (não-diastemática).

-- A coleção CARMINA BURANA é normalmente utilizada como exemplo de sua produção,ou mesmo de seu tipo de poesia (ambientação), embora somente uma pequena partedaquele repertório possa ser atribuído a esses viajantes.

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(AMM no. 40) & (AMM no. 41; partitura + estrofe 1)

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(AMM no. 41; estrofes 2-5) & (AMM no. 42; partitura + estrofe 1)

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(AMM no. 42; estrofes 1-7 + tornada)

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(AMM no. 43; partitura + estrofes 1-6)

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(AMM no. 43; estrofes 6-14)

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(AMM no. 44)

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TROBADORES & TROUVÈRES

QUADRO COMPARATIVO

TROBADORES TROUVÈRES

atuaram na região que hoje compreende oSul da França e Norte da Espanha

(além de outras regiões, principalmente entre1209 e 1229, após a Cruzada Albigensiana[1208–13] -- e.g., Espanha, norte da Itália,

Portugal, Inglaterra, norte da França,Alemanha)

atuaram na região que hoje compreende oNorte da França

(incl. parte da região chamada Bourgogne) --o número de trouvères e mesmo a qualidadede elaboração das obras foi enriquecido a

partir da vinda de Trobadores remanescentesda Cruzada Albigensiana

fl. ca. 1086–1290 fl. ca. 1100–1300

distanciamento da Igreja proximidade com a Igreja

influência da cultura muçulmana, da nobrezalocal, da cultura latina, da opulênciaaristocrática e do estado de paz e

prosperidade que imperava em seu principalterritório de atuação

influência dos trobadores remanescentes,nobreza local, ideais burgueses em ascensão,

ambiente acadêmico e clero

arte feita para o meio aristocrático(predominantemente em conformidade com os ideais da nobreza e/ou da cavalaria medieval])

seus integrantes eram habitualmente nobres (alguns Duques, Condes, e até mesmo Reis),embora tenham existido alguns de origem servil ou semi-servil

(e.g., Bernart de Ventadorn [trobador] era filho de um padeiro a serviço de um castelo; algunstrouvères, princ. dentro do período ca. 1230–1300, eram membros do clero ou mesmo

burgueses, muitos da cidade de Arras e educados em universidades)-- a própria condição de trobador ou trouvère podia significar uma possibilidade de ascensão

social (observadas as restrições naturais da divisão social na sociedade medieval) --

ideal do "amor cortês"("amor cortês" é um termo cunhado no sec. XIX, o termo original em langue d'oc era

"fin'amours")

-- IDEAIS DO FIN'AMOURS ----> cultivo do amor distante--> sofrimento como meio de adquirir habilidade para escrever/compor--> escrever/compor como meio para adquirir conhecimento--> laudatório da moral e dos valores aristocráticos (habitualmente em favor da nobreza)--> desenvolver as qualidades de cortes et enseignatz (cortês e ensinado/erudito)

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língua padrão: langue d'oc

(também chamada provençal, embora estepossa ser interpretado como um idioma

diferenciado -- a denominação langue d'ocparece ter incluído diversos dialetos, inclusive

uma versão ibérica como o Galego)-- hoje em dia, faz parte de estudos sobre a

língua denominada occitan --

nesta língua,a palavra "oc" significa "sim";

já o verbo "trobar" (provençal) normalmentesignifica apenas "achar, inventar", mas

também pode assumir significados como"compor (versos), conhecer (ou achar) a si

mesmo (ou à sua própria identidade)"

língua padrão: langue d'oïl

(serviu de base para o Francês modernosendo chamado, por alguns estudiosos, de

Francês medieval)

nesta língua,a palavra "oïl" significa "sim"(oui, em Francês moderno);

já o verbo "trouver" (Francês moderno), quesignifica "achar, inventar", parece ter sidoutilizado, em grafia muito semelhante, emlangue d'oïl (neste caso, porém, parece terassumido outros significados, como sua

contrapartida em provençal)

MSS apresentam notação musical não-mensural(algumas vezes essa notação também é não-diastemática)

número aproximado de obrassobreviventes em MSS diversos:

2600 poemas260 melodias

número aproximado de obrassobreviventes em MSS diversos:

2130 poemas1420 melodias

tipos básicos de tratamento poético: lírico (ou emocional) e narrativo (ou descritivo)

gêneros poético-musicais mais comuns(sob o termo genérico de vers):

canso(freq.terminam c/ tornada contendo senhal)

sirventes(inclui sub-gêneros como planh e enueg)

tenso(inclui sub-gêneros como

pastorela e joc parti)alba

==> trobadores também cultivaram gênerosmais característicos dos trouvères como lais edescorts, embora com estruturas diferentes

gêneros poético-musicais mais comuns:

chanson de geste (canção épica)

chanson de toile (canção de tela -- pintura ou tapeçaria, decaráter narrativo semelhante à pastourelle)

descortlai

pastourelle(gradualmente foi sendo estandardizada, neste

gênero, a estrutura do RONDEAU:ABaabAB [mais tarde ABaAabAB])

chanson avec refrains

==> o termo laisse significa estrofe

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música e poesia NÃO fazem grandeuso de refrões

(mesmo quando há refrões, com freqüênciaeles não são usados antes e/ou após uma

estrofe, mas internamente a ela)

música e poesia fazemuso freqüente de refrões

(refrões geralmente assumem a posição,habitual dentro da poesia moderna,

de servirem como requadramento para cadaestrofe -- tanto em termos musicais quantopoéticos, os refrões podem ser originais ouaproveitados de obras anteriores, mesmo de

fora da produção dos trouvères)

grande variedade de estruturasmusicais e poéticas

menor variedade e maior regularidadeestrutural nas composições

musicais e poéticas

discrepâncias estruturais entrecomposições musicais e poéticas

maior correspondência (concordância) entrecomposições musicais e poéticas

semelhança de temas em grande parte dos poemas -- AMOR

(em sua maioria, mesmo temas satíricos, morais, políticos, sacros, etc., podem ser interpretadoscomo derivados do tema central de AMOR, ou como alusão a ele)

em muitas obras musicais, mesmo estróficas,há uma tendência a compor de melodias

contínuas dentro de cada estrofe (i.e., existeuma tendência a compor melodias diferentespara cada novo verso, havendo repetição de

grandes frases apenas para novas estrofes) --apesar disso, existe também um uso freqüente

de repetições de pequenas fórmulas ougestos melódicos (mais raramente de frases

completas)

existe uma tendência a compor que preservemestrofes e rimas (tanto musicais quanto

poéticas), com grande uso de repetições defrases e fórmulas -- quando há repetições

poéticas (mesmo fora do âmbito do refrão) deum ou mais versos, habitualmente ocorre umarepetição correspondente de frases musicais

não sabemos se as canções dos trobadoreseram acompanhadas instrumentalmente ou

não (de fato, poderiam ter sido executadas atémesmo por instrumentos solistas)

a música dos trouvères parece ser maisindicativa do uso de instrumentosacompanhantes ou mesmo solistas

como a música dos trobadores foi anotada principalmente em tempo posterior ao declínio desuas atividades, já sob a influência do ambiente dos trouvères,a determinação do uso de instrumentos é ainda mais discutível

==> "A história da poesia lírica nas línguas modernas da Europa ocidentalcomeça com os trobadores" — (HOPPIN, 1978, p. 267; tradução minha).

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(HOPPIN, 1978, p. 269)Mapa da França mostrando a fronteira lingüística entre

langue d'oc e langue d'oïl

- St. Martial (importante centro que contribuiu para a evolução da notação musical e do organum --

ca. sec. XII)

- Ventadorn (cidade natal do trobador Bernart de Ventadorn)

- Albi (uma das principais cidades onde atuaram os Albigenses -- secto de heréges cristãos que vivia

predominantemente naquelas regiões do sul da França -- e também um dos principais palcos da

chamada Cruzada Albigensiana)

- Béziers (cidade onde houve um dos principais massacres, em 1209, ligados à Cruzada Albigensiana)

- Muret (cidade que, em 1213, foi invadida, subjugada e saqueada pelos cruzados, servindo como um

dos marcos do processo de finalização da Cruzada Albigensiana)

- Toulouse (cidade que foi palco, em 1229, do Tratado de Paris, extingüindo os últimos focos de luta

em decorrência da Cruzada Albigensiana -- tratado assinado entre o Rei da França, Louis IX, e

Raymond VII, Conde de Toulouse, sucessor de Raymond VI que havia sido excomungado por

seu apoio aos Albigenses)

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TROBADORES (Engl. e Fr., Troubadours; Port., Trovadores)

OBSERVAÇÕES ADICIONAIS

-- O declínio da atividade trobadoresca (e posterior desaparecimento), pelo menos noque concerne sua principal região (Sul da França) é atribuído em grande parte aosmassacres realizados a partir da Cruzada Albigensiana (1208–1213) contra os heregesdo Sul da França.

==> Cruzada instituída pelo Papa Inocêncio III.==> Alguns trobadores demonstraram simpatia pela Cruzada, enquanto outros não.==> 1209 -- Massacre de Beziers (20.000 habitantes).==> 1213 -- Vitória final em Muret.==> Fuga para o norte da França, para a Sicília, norte da Itália e norte da Espanha.

VIDAS-- As vidas (termo em provençal) são biografias ou referências biográficas a respeitodos trobadores, compiladas ou escritas durante os sec. XIII e XIV, muitas derivadas deseus poemas, mas também de relatos específicos sobre um reino, condado ou gleba,além de menções eventuais em meio a trabalhos sobre outros assuntos.

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4 GÊNEROS BÁSICOS (HOPPIN, 1978, p. 271–283)

VERS -- Termo genérico aplicado a toda a poesia trobadoresca,especialmente aqueles exemplares que incluíam aintenção precípua de serem musicados.

(i)CANSO (ou chanso)

-- Significado -- Termo utilizado para indicar "canção de amor".

-- Status -- Gênero mais importante e mais numeroso em exemplares sobreviventes.

-- Importância -- Gênero básico no estabelecimento das convenções do fin'amours.

-- Estrutura (generalização):

==> As estruturas descritas abaixo não são limitadas ao gênero CANSO,mas podem ser consideradas válidas para qualquer gênero, i.e., qualquerVERS.

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--> Número de estrofes (denominadas 'coblas' ou 'coplas'): 5, 6 ou 7 estrofes--> Número de versos por estrofe: 3 a 9 versos por estrofe

==> Naturalmente, o nº de estrofes ou versos pode ser diferente. Osnúmeros apresentados aqui demonstram apenas as quantidades maisencontradas, com freqüentes exceções, pois a produção trobadoresca éimportante principalmente por sua variedade, não pela regularidade.

--> Última estrofe -- A última estrofe pode se constituir numa 'tornada' (com ou sem apresença de um 'senhal') — habitualmente a 'tornada', que segue a rima dos últimosversos da estrofe anterior, apresenta apenas 3 ou 4 versos (normalmente constituindoum número de versos menor que aquele das estrofes anteriores)

==> TORNADA & SENHAL (Definições) -- O termo 'tornada' se refereao momento em que o poeta se dirige diretamente à amada, ou àquele aquem o poema é dedicado (mecenas, patrão, ou árbitro de uma disputapoética), que é freqüentemente identificado por um 'senhal' (lit., 'sinal').O senhal é, assim, um pseudônimo (nome ou palavra) que representa ouidentifica a pessoa a quem o poema é dedicado, ou a musa inspiradorado poema, ou pode ainda ser utilizado para identificar o próprio poeta,neste caso muitas vezes o pseudônimo utilizado é o nome de algum umente fictício que personifique a busca pelo fin'amours -- e.g., "Tristan"na tornada do poema "Can vei la lauzeta mover" (vide abaixo). Osenhal é raramente encontrado em outras estrofes que não a tornada.Note, ainda, que a tornada representa um momento de abandono do tipode discurso utilizado nas estrofes que a precedem (i.e., fugindo à linhanarrativa ou lírica das estrofes precedentes), podendo adquirir um caráterde conclusões finais ou dedicatória do poema. Embora a 'tornada' sejade utilização mais característica no CANSO, ela pode estar presente emquaisquer dos outros gêneros. Em francês utilizou-se o termo 'envoy'(ou 'envoi') em lugar de 'tornada', embora nem sempre denotando omesmo tipo de abordagem, significado, ou função.

--> Rima -- A rima poética, como na própria estrutura estrófica e métrica, normalmenteapresenta grande variedade -- exemplo hipotético: a b c a d e e f e f e f

==> Apesar dessa variedade, algumas poucas estruturas de rimas podem seridentificadas, notadamente com o intuito de permitir uma organização ao poemacomo um todo.

--> coblas capfinidas e coblas capcaudadas -- ambas envolvem rimasentre o último verso de uma estrofe, e o primeiro verso de outra --exemplo: a b b c c a a a d d d e e f f c c e e e

--> coblas retrogradas -- rimas de uma estrofe invertidas na estrofesubseqüente -- exemplo: a b b c c b b a d c e e c d e f f e

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--> coblas doblas -- cada par de estrofes é submetido ao mesmoesquema de rimas -- cf. abaixo a estrutura poética da pastorela L'autrierjost'una sebissa ("N'outro dia [junto a] um arbusto"), de Marcabru

--> Estrutura musical -- A estrutura mais comum do CANSO pode ser descrita peloesquema A A B, onde B é uma seção freqüentemente mais longa e mais elaborada.

--> Sub-gêneros:

-- descort (de certo modo, significa uma canção 'discordante')13

==> As características abaixo não precisam acontecer simultaneamente.

– Número de estrofes: variável.

– Número de versos por estrofe: desigual.

– Número de sílabas por verso: desigual (alterando o ritmo prosódico).

– Rimas: variadas e desiguais.

13 A respeito deste sub-gênero, os estudiosos Richard Hoppin e John Stevens oferecem

algumas explanações, nem sempre totalmente esclarecedoras ou definitivas, pois a pesquisa sobre ele

ainda necessita de estudos mais precisos.

Um tipo de forma poética e musical completamente diferente é representado pelo lai e

descort. A distinção entre estes termos é incerta e usualmente está baseada em

identificação a partir dos próprios textos. Também é incerta o significado de descort,

um termo que parece ter sido uma invenção dos trobadores. Ele tem sido interpretado

como referência à apresentação de uma discórdia (descort) sentimental, ao uso de

diferentes estruturas de estrofes dentro de um mesmo poema, ou a alguma outra

irregularidade. (HOPPIN, 1978, p. 275; tradução minha)

Em 1356, nitidamente dentro da influência dos trouvères, encontramos um tratado (ou

manual) sobre a produção poético-musical dos trobadores, no qual se lê a seguinte observação sobre

'descort': "as estrofes são geralmente individualizadas, podendo ser variáveis e discordantes em termos de

rima, melodia e idioma" -- Las leys d'Amours, 1356, re-editado por A.F. Gatien-Arnoult (Toulouse,

1841–43); tradução por Clóvis de André a partir da versão em inglês conforme citação por John Stevens

em (TNG 1, v. 19, p. 191, s.v. 'Troubadours, trouvères'). Apesar desse quadro aparentemente rico para

o desenvolvimento de uma pesquisa, parece haver um razoável impedimento, pois "infelizmente, muito

pouco sobreviveu da música desses poemas. De 28 descorts e 4 lais em Provençal, temos acesso a

melodias de apenas 2 descorts e 2 lais" (HOPPIN, 1978, p. 276).

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– Melodia: sem rimas dentro de cada estrofe.

– Composição contínua (ou seja, não-estrófica).

– Estrofes podendo ser escritas em idiomas diferentes dentro do mesmo poema.A respeito deste assunto, Hoppin nos fornece a seguinte informação: "numdescort de Raimbaut de Vaqueiras [título omitido], cada uma das 5 estrofes éescrita num idioma diferente: Provençal, Italiano, Francês, Gascon, Português"(HOPPIN, 1978, p. 275).

-- escondig

– Um canso no qual o poeta (amante) se desculpa por algum comportamentoque tenha ofendido sua amada — e.g. Ieu m'escondisc, domna, que mal nomier de Bertran de Born.

-- balada ou dansa

--> Os dois termos foram utilizados indistintamente para denotar uma canção dedança (que acompanhasse ou representasse estilizadamente uma dança).

--> Foi aparentemente o menos cultivado de todos os gêneros e sub-gênerostrobadorescos.

--> Hoppin (1978, p. 273–274) considera que a balada (ou dansa) constitui umgênero independente, pois não são identificadas muitas das características típicasdo CANSO. Na realidade, as razões para listá-la como sub-gênero de CANSO sãode ordem puramente organizativa e pedagógica, (cf. SIRVENTES eTENSO—PASTORELA, abaixo).

--> A voz do poeta é freqüentemente a voz feminina.

--> Comumente com caráter alegre e convites despreocupados à vida, ao amor,ou mesmo ultrajando e fazendo provocações aos maridos e ao seu ciúme.

--> As ambientações mais freqüentes estão associadas à chegada da primavera esuas festividades (Maio, no hemisfério norte).

--> Exemplos:

-- "A l'entrada del tens clar" ("À entrada do tempo claro" -- i.e., "Àentrada da boa estação do ano, da primavera").-- "Kalenda Maya" ("O primeiro dia de Maio"), poema de Raimbaut deVaqueiras aparentemente escrito sobre melodia que dois Jongleurs(Jograis) franceses apresentarão na corte de Montferrat.

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(ii)SIRVENTES

-- Gênero satírico (em geral com temas pessoais, literários, morais, ou políticos).

-- Este é 2º maior gênero em número de exemplares sobreviventes.

-- Habitualmente consistia numa espécie de CONTRAFACTUM (i.e., a adaptação de umnovo texto literário a um melodia preexistente), especialmente de um CANSO.

-- As sátiras sobreviventes denotam tanto níveis de vulgaridade (principalmente as deâmbito pessoal) como críticas e informações importantes a respeito da moral, doscostumes e de fatos históricos da época (principalmente as de âmbito político).

--> Sub-gêneros:

-- enueg

--> Termo relacionado à palavra francesa "ennui".

--> Expressa incômodo ou aborrecimento de cunho particular, existencial oumoral.

--> Este tipo de poesia proporciona (como nas chamadas 'cantigas de escárnio',dentro da tradição ibérica) um elemento de grande estudo e entendimento devisões pessoais sobre as condições sociais da época.

--> Nas palavras de Richard Hoppin: "o[a] poeta externa seu mau-humor arespeito de aspectos da vida que ele[a] acha particularmente irritantes"(HOPPIN, 1978, p. 272; tradução minha).

-- planh

--> Termo aparentemente derivado do Latim "planctus" (particípio passado deplan-go, -gere, -xi, -nctus = bater (no peito ou na cabeça, como forma delamentação, ou comiseração, ou mesmo num sentido de penitência).

--> Expressa lamento devido à dor, angústia, ou mesmo ao desespero, muitasvezes causado pela perda de alguém (freqüentemente, mas não-exclusivamente,relacionado à morte).

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--> Este tipo de poesia proporciona um entendimento singular devido aoaparente alto grau de "sinceridade e intensidade emocional, que muitos outrospoemas [i.e., gêneros ou sub-gêneros] não foram capazes de atingir [outransmitir]" (HOPPIN, 1978, p. 272; tradução minha).

-- gap

--> Poema (como nas chamadas 'cantigas de mal-dizer', dentro da tradiçãoibérica) algumas vezes em estilo vulgar (obsceno, ou tosco), de auto-promoção,debate ou confronto -- identificado por Topsfield em Troubadours and Love(Cambridge, 1975).

--> Este sub-gênero poético pode também ser interpretado como um híbridoentre o SIRVENTES e o TENSO.

==> O texto de Richard Hoppin (1978, p. 272, 285) deverá servir de ilustração para oentendimento das características genéricas do SIRVENTES, descritas acima.14

________________________________________

14 "O próximo tipo mais importante de canção [depois do CANSO], pelo menos do

ponto-de-vista da quantidade, era o sirventes. Porque o sirventes normalmente adotava a forma poética

-- e melodia -- de um canso preexistente, uma explicação do nome entende a própria canção como um

"servo". Num entendimento geralmente mais aceito, o sirventes era originalmente uma "canção de

serviço" para um senhor nobre, em cuja moradia o trobador era um servidor (sirven). Mais tarde, o

termo foi usado para [indicar] uma canção sobre quase qualquer tema, exceto amor. Muitos sirventes

eram dedicados à sátira pessoal, literária, ou moral. Sátira pessoal e literária muitas vezes caía a nível de

insultos, depreciação e ridicularização de defeitos físicos; mas algumas sátiras morais proporcionam

uma ilustração viva dos costumes e vida contemporâneos. Outros sirventes tratam de assuntos políticos

ou convocam voluntários para as Cruzadas. Até mesmo a infame Cruzada Albigensiana encontrou

defensores, que escreveram algumas dessas peças de propaganda. Mais apaixonados e motivantes são os

sirventes de trobadores tardios, como Peire Cardenal, que deploram os resultados daquela Cruzada. Com

ironia amarga, esses sirventes atacam funcionários [governamentais ou de igrejas], os franceses,

e—acima de tudo—a Inquisição como causas das agonias [sofridas] por eles. O mais famoso autor de

sirventes, no entanto, foi o trobador Bertran de Born, de geração mais antiga, que nos deixou aprox. 25

poemas neste gênero. Talvez a força dos ataques partidários de Bertran tenha sido parcialmente

responsável pela severidade de suas punições infernais, de acordo com o que Dante [1265–1321] lhe

reservou [em sua La Divina Commedia de 1307]" (HOPPIN, 1978, p. 272; tradução minha). "Por

semear a discórdia entre Henry II e seus filhos, Dante condenou Bertran a carregar sua cabeça decepada

como uma lanterna, no oitavo círculo do Inferno, Canto XXVIII, linhas 118–42" (HOPPIN, 1978,

p. 285; tradução minha).

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(iii)TENSO

-- Genericamente, este termo designa uma disputa, debate, desafio.

-- A poesia é freqüentemente estruturada em forma de diálogo.

-- Usualmente para dois poetas (personagens) encarregados de estrofes alternadas(como no chamado "Desafio", comum a certas regiões brasileiras), que muitas vezestrocam ultrajes ou ridicularizações mútuas.

-- Algumas vezes, o poema é escrito por um único poeta (que assume a voz de dois oumais personagens [personae poeticae]). O poeta dialoga (debate) então com entesimaginários (supernaturais, figuras ou pessoas alegóricas, animais, objetos inanimados,ou mesmo entes abstratos não-deificados -- e.g., o Amor).

--> Exemplos:

-- "Quant Amors trobet partit" (Peirol) -- um debate entre o poeta e o Amor-- "Amics n'Albertz, tensos soven" (Aimeric de Peguilhan) -- um debate entre opróprio Aimeric de Peguilhan e Albert de Sisteron.

--> Sub-gêneros:

-- partimen ou joc parti

--> Tipicamente um debate entre dois poetas.

--> Enredo típico:

O poeta propõe alternativas e permite ao adversário que escolha algumaque será utilizada para se defender. Esses debates freqüentementeterminam com um apelo aos árbitros que decidem o vencedor daargumentação. (HOPPIN, 1978, p. 272; tradução minha)

--> A última estrofe -- que eventualmente se refere ao(s) árbitro(s) -- pode serentendida como tendo uma função semelhante à tornada de um CANSO.

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-- pastorela

--> Um dos tipos mais populares.

--> Tipicamente um debate entre um cavaleiro e uma camponesa (ou pastora) --outros personagens podem aparecer, ou serem apenas mencionados (muitasvezes pela camponesa), como um camponês ou pastor (na qualidade de noivo, ouirmão, ou pai, etc.), apresentados como seus protetores.

--> Enredo (possibilidades típicas):

O cavaleiro tenta conquistar a camponesa (seja pela força, seja porargumentação), tentando convencê-la a "fazer amor" com ele. A camponesarejeita o cavaleiro (seja com sinceridade, seja com falsa malícia). Às vezes ocavaleiro obtém seu intento, às vezes não. Usualmente a camponesa informasobre a presença (perto dali) de um protetor, ou declara sua fidelidade eterna aseu camponês-amante. Ela os usa como forma de ameaça ao cavaleiro, a fim dedissuadí-lo do intento de estuprá-la. Alternativamente, ela pode invocar razõesmorais ou mesmo tentar vencê-lo através de uma certa esperteza (seja em termosde inteligência, ou uso de retórica, ou mesmo fisicamente). O próprio cavaleiropode, às vezes, utilizar ameaças (retóricas, morais ou de morte) no sentido deconvencê-la ao coito. Algumas vezes, como foi mencionado acima, a camponesapode voluntariamente aceitar "fazer amor" com o cavaleiro.

--> As rimas apresentam os padrões mais simples de todos os gêneros ousub-gêneros da produção dos trobadores.

==> O gênero pastourelle (termo francês utilizado para a produção dostrouvères), no entanto, apresenta rimas ainda mais simples.

--> Os começos de poema (incipit) típicos, habitualmente servindo paraidentificação de uma PASTORELA dos trobadores (ou mesmo uma pastourelledentro do âmbito da música dos trouvères), trazem referência implícita ouexplícita a um acontecimento passado (aparentemente relacionada ao atual "Erauma vez…") e/ou a comemorações de primavera:

-- "L'autrier jost …" ou "L'autrier un jor …" ("N'outro dia …")-- "L'autrier d'antan …" ("N'outro ano …" ou "No ano passado …")-- "Au temps pascor …" ("Ao tempo da Páscoa …", i.e. "Ao tempo daprimavera …")

--> Exemplos:

-- "L'autrier jost' una sebissa" (Marcabru) -- vide estruturapoético-musical abaixo

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(iv)ALBA

-- Lit., aurora, ou alvorada (alvorecer).

-- O tema clássico é a separação de dois amantes devido à chegada da aurora, depois deserem acordados por um "guardião" (ou "vigia", ou "sentinela" — amigo de um dosamantes, geralmente amigo do homem), ou por algum fator da natureza (o canto depássaros, da cotovia, do galo, ou os primeiros raios de sol, etc.), ou mesmo por algumfator urbano (e.g., os sinos da igreja).

-- Frases-chave, geralmente (mas não exclusivamente) ao começo (incipit) do poema,incluem referências àqueles fatores naturais ou urbanos (como os mencionados acima)que indicam a proximidade da aurora.

-- O poema pode ser em forma de:

--> diálogo, habitualmente contendo falas de dois amantes prestes a seremseparados; ou--> monólogo, habitualmente na voz do "guardião" anunciando o nascer do dia ea necessidade de ir embora (algumas vezes, o guardião pode inclusive adquirir osignificado de narrador).

-- Os textos habitualmente se concentram em lamentos dos dois amantes diante daseparação iminente, ou nos urgentes avisos do "guardião".

-- Em textos do sec. XII, um traço sintomático (em concordância com a moralidade daépoca e deste grupo de poetas) é a invocação de Deus, ao qual o "guardião" (algumasvezes) pede proteção a um dos amantes (seu amigo).

-- Em textos do sec. XIII, verifica-se um outro traço, no qual ocorre uma curiosasimbologia (aparentemente influenciada pela Inquisição): "noite", "aurora" e "dia" setornam símbolos cristãos de pureza e salvação, embora muitas vezes o significado econteúdo original da ALBA não se perca.

-- O uso da alba, sua ambientação, significado e frases-chave sobreviveram em "Romeoand Juliet", ato III, cena 5 (Shakespeare) e "Tristan und Isolde", ato II (RichardWagner).

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==> Desses 4 gêneros básicos, os dois primeiros (CANSO e SIRVENTES)proporcionam expressões estáticas de caráter lírico e emocional, enquanto que osdois seguintes (TENSO e ALBA) proporcionam uma ambientação de caráter maisdramatúrgico, onde existe um pressuposto de encenação, mesmo que muitasvezes ela não tenha sido realizada.

==> O uso de refrões poéticos é escasso (pouco sistemático), mas, quandoutilizados, podiam ser posicionados internamente às estrofes, em lugar de suaposição clássica atual de servir-lhes como enquadramento.

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ALGUNS TROBADORES

GUILLAUME D'AQUITAINE (1071–1127)-- conhecido como o primeiro trobador conhecido-- Conde de Poitiers e Duque da Aquitânia-- poemas sobreviventes: 11-- melodias sobreviventes: 1 fragmento + 1 (autoria duvidosa)

CERCAMON (?fl. 1130–1150)-- poemas sobreviventes: 8-- melodias sobreviventes: nenhuma

MARCABRU (ca. 1110–† p. 1150)-- poemas sobreviventes: 40-- melodias sobreviventes: 4 + 3 (autoria duvidosa)

JAUFRE RUDEL (fl. ca. 1150)-- parece ter participado da fracassada 2a.Cruzada (1147–49), que

contou com aprox. 140 mil cruzados, dos quais poucos sobreviveram-- poemas sobreviventes: 7-- melodias sobreviventes: 4

BERNART DE VENTADORN (ca. 1130/50 – ca. 1180/90)-- conhecido como o mais famoso e popular trobador-- filho do padeiro de um castelo-- poemas sobreviventes: 45-- melodias sobreviventes: 19 + 1 (autoria duvidosa)

GUIRAUT DE BORNEILL (ou BORNELH) (ca. 1140–ca. 1200)-- poemas sobreviventes: 80-- melodias sobreviventes: 13

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BERTRAN DE BORN (?1145–ca. 1210)-- um dos principais trobadores que cultivaram o gênero SIRVENTES

-- mencionado por Dante, como personagem em La Divina Commedia(Inferno, Canto XXVIII, linha 133)

-- poemas sobreviventes: 45-- melodias sobreviventes: 1 + 3 (autoria duvidosa)

BEATRIZ DE DIA (fl. ex. sec. XII; † ca. 1212) (TNG 1, v. 2, p. 322)

-- trobairitz-- o título"Comtessa de Dia" é atribuída a ela em sua "vida"-- esposa de Guillem of Poitiers (aparentemente Guillem II de Poitiers)-- poemas sobreviventes: 5-- melodias sobreviventes: 1

RAIMBAUD DE VAQUEIRAS (ou VAQEIRAS) (ca. 1150–ca. 1220)-- poemas sobreviventes: 32-- melodias sobreviventes: 7

PEIROL (?1160–† p. 1221)-- poemas sobreviventes: 34-- melodias sobreviventes: 17

AIMERIC DE PEGUILHAN (ca. 1175–ca. 1230) (TNG 1, v. 1, p. 179)

-- filho de um mercador de tecidos de Toulouse-- aparentemente circulava (sem lugar fixo) entre as cortes do sul da

França, Espanha e norte da Itália-- poemas sobreviventes: + de 50-- melodias sobreviventes: 6

PEIRE CARDENAL (?1180–?1278)-- poemas sobreviventes: 70-- melodias sobreviventes: 3

GUIRAUT RIQUIER (ca. 1230–ca. 1300)-- conhecido como o último dos trobadores-- poemas sobreviventes: 89-- melodias sobreviventes: 48

==> Autores não-identificados (anônimos) dentro da época de florescimento dostrobadores

-- poemas sobreviventes: 250-- melodias sobreviventes: 23

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ALGUNS EXEMPLO DE ESTRUTURAS POÉTICO-MUSICAIS

"Non es meravelha s'eu chantar" (Bernart de Ventadorn [ca.1130/50–1180/90])

música: a b c d a b' c' d(e) (f)

poema: a b b a c d d c ..... estrofes 1, 3, 5, 7c b b c a d d a ..... estrofes 2, 4, 6— — — — — d d c ..... Tornada

==> Versos octossílabos, masculinos.

==> Cf. (AMM no. 42).15

==> Título: "Não é surpresa se eu canto [melhor que outro cantor]".

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"Can vei la lauzeta mover" (Bernart de Ventadorn)

música: a b c d e f d gpoema: a b a b c d c d

— — — — c d c d ..... Tornada

==> Versos octossílabos.

==> As rimas musicais correspondem aos versos 4 & 7.

==> Cf. (GROUT, 2001, p. 87).

==> Título: "Quando vejo a cotovia bater [suas asas de felicidade]".

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15 A abreviatura AMM é aqui utilizada para o título Anthology of Medieval Music, editado

por Richard H. HOPPIN (New York e London: W.W. Norton, 1978).

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"Quan lo rius de la fontana" (Jaufre Rudel [fl. ca. 1150])

música: a b a b c b' dpoema: a b c d a c e ..... estrofes 1 & 2

c d a b c a c ..... estrofes 3 & 4c d a b c a c ..... Tornada (estrofe 5)

==> Versos heptassílabos.

==> Cf. (AMM no. 41).

==> Título: "Quando a corrente da fonte [clareia, como faz o sol]".

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"A chantar m'es al cor" (Comtessa Beatriz de Dia [fl. ex. sec. XII; † ca. 1212])

música: a b a b c d(term.a) bpoema: a11 b10 a11 a11 c10 d(a')11 e11

==> Os números indicam o número de sílabas por verso, onde, portanto, predominam osversos endecassílabos.

==> Cf. (GROUT, 2001, p. 89) -- somente uma estrofe é apresentada.

==> Título: "Cantar ao coração eu devo, [daquilo que não queria]".

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"L'autrier jost'una sebissa" (Marcabru [ca. 1110–† p. 1150])

música: a b a b c c dpoema: a a a b a a b ..... estrofes 1 & 2

c c c b c c b ..... estrofes 3 & 4d d d b d d b ..... estrofes 5 & 6e e e b e e b ..... estrofes 7 & 8f f f b f f b ..... estrofes 9 & 10g g g b g g b ..... estrofes 11 & 12— g g b g g b ..... Envois (estrofes 13 & 14)

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==> Note em L'autrier jost'una sebissa, as estrofes seguem o esquema de coblasdoblas, mas apresentam diferente número de versos: as estrofes ímpares com 4 versos eas pares com 3 versos, totalizando 12 estrofes dentro desse padrão, mais 2 estrofes com3 versos cada.

==> Os envois (estrofes 13 e 14) não constituem propriamente tornadas, pois osmesmos personagens (cavaleiro e camponesa) continuam o diálogo, há apenas umfinalização (notadamente com função de "moral-da-história") em caráter mais simbólicoe mais críptico.

==> Cf. (AMM no. 43).

==> Título: "N'outro dia [junto a] um arbusto".

==> Rimas: a -issa b -anac -ia d -airee -ada / -ida f -atge

g -ura

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TROUVÈRES (Port., Esp., Troveiros) ++

OBSERVAÇÕES ADICIONAIS

-- Não parece haver qualquer sentido no uso sistemático do termo aportuguesado"troveiros" em lugar do original "trouvères". O simples fato das atividades deste grupoterem ficado basicamente restritas à região do norte da França e arredores,principalmente sob o domínio político e/ou cultural de nobres franceses, é razãosuficiente para manter o uso exclusivo do termo original.16

-- Antes de uma influência mais significativa da produção dos trobadores (exiladospelas sucessivas guerras às quais o sul da França e norte da Espanha foramsubmetidos), a produção poético-musical dos trouvères era principalmente dedicada apoemas narrativos e épicos, especialmente dentro de gêneros fazendo utilização derefrões.

-- A influência dos trobadores, de fato, teve tanta penetração quanto as realizaçõesliterárias de membros das cortes e nobres franceses. A herança trobadoresca, noentanto, concedeu um impulso adicional, seja devido ao declínio da produção dostrobadores em suas regiões de origem, e à conseqüente necessidade dos trobadoresreminiscentes de apresentarem seus trabalhos, seja pelas simples viagens a outrasregiões empreendidas por diversos trobadores.

-- A herança direta a partir dos trobadores tem grande parte de sua transmissãoassociada a Eleanor d'Aquitaine (ca. 1120–1204), neta de Guillaume d'Aquitaine (ouGuillaume IX), o primeiro trobador — embora nem ela nem seu pai tenham sidotrobadores. Em 1137, ela se casou com Louis VII (coroado Rei da França, no mesmoano). Esse casamento foi anulado em 1152, quando ela se casou com Henry d'Anjou,Duque da Normandia, que se tornou Henry [Henrique] II, rei da Inglaterra, no mesmoano. Em ambas as cortes (francesa e inglesa), Eleanor serviu como mecenas detrobadores como "Bernart de Ventadorn" e possivelmente "Bertran de Born". ComLouis VII ela teve duas filhas, Marie e Aelis, que se tornaram elas mesmassubvencionadoras (mecenas) de trouvères e seus trabalhos. Marie, que se casou comHenri, Conde de Champagne (em cuja corte a atividade dos trouvères foi significativa),teve um neto sob nome "Thibaut", que se tornou Conde de Champagne e Rei deNavarre, além de ter ele mesmo atuado como trouvère.

16 Note que com relação aos "trobadores", no entanto, a tradução portuguesa, ou as versões

espanhola, francesa, italiana, catalã, etc. são mais aceitáveis, em razão dos trobadores terem se

disseminado e dispersado por um território geográfico mais amplo que seus pares do norte francês.

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-- Desde o início do sec. XIII (culminando na segunda metade), existe uma crescenteinfluência de meios acadêmicos, associados à burguesia ou ao clero e especialmenteligados à cidade de Arras, onde eram regularmente realizadas competições poéticasdenominadas puys.

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GÊNEROS BÁSICOS (HOPPIN, 1978, 287–303) ++

Características gerais da produção poética dos trouvères

-- Uso de refrões poéticos e musicais.

--> Os refrões podiam ser posicionados tanto antes, depois, como no meio daestrofe — no entanto, sua função preferencial parece ter sido a de servir comoenquadramento às estrofes (cf. esp. CHANSON DE TOILE e PASTOURELLE).

--> Os refrões musicais podiam fazer uso material apresentado em outros versos(seja através de repetições literais ou variações) ou podiam apresentar materialmelódico original.

--> O termo rotrouenges servia para designar canções em que o refrão musicalutiliza melodias aplicadas à frase final (ou frases finais) das estrofes, sendo quefreqüentemente esse material musical tinha sido (ou seria, com menorfreqüência) aplicado a algum outro verso — na realidade, embora tenha servidopara "designar canções", a rotrouenge denota um tipo específico de tratamentocomposicional e não um tipo de canção.

-- Rimas musicais.

--> De modo geral, parecem ter seguido a estrutura poética com maior fidelidadeque suas contrapartidas trobadorescas.

==> Nas explanações abaixo, o termo "laisse" corresponde a "estrofe".

-- Métrica poética: predominam os versos heptassílabos e octossílabos.

-- Uso de repetições e fórmulas melódicas.

-- Desenvolvimento e cristalização de formas estruturais.

-- Tendência à ritmização da melodia, embora sem sistematização antes do sec. XIII.

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CHANSON DE GESTE

-- Lit., canção de gesta, ou canção épica (que descreve ou relata feitos épicos).

-- Gênero existente desde o sec. X.

-- Tipicamente, envolvia poesia cantada ou declamada.

-- Aparentemente havia acompanhamento de instrumentos de cordas como a harpa ou avièle.

-- Métrica poética: habitualmente utilizava-se versos decassílabos (10 sílabas).

-- Estrofes (laisses) com número irregular de versos.

-- Uso de assonâncias ou rima para a obtenção da necessária unidade.

-- Cada estrofe tratava, normalmente, de um único pensamento ou incidente (semelhanteao tratamento que hoje concebemos para um parágrafo).

-- O material melódico era aparentemente muito simples, em grande parte baseado emalgumas poucas fórmulas, adaptáveis a diversos contextos17

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CHANSON DE TOILE

-- Lit., canção de tela, de pintura, de tapeçaria (i.e., uma canção potencialmente narrativae/ou dramatizada).

-- Enredo (possibilidades típicas):

A personagem principal (mulher) externa suas reclamações pela ausência de um amante, ou

pela presença do marido, ou pela obstinação de seus pais em evitar seu casamento com um

homem de sua escolha.

(HOPPIN, 1978, p. 291)

17 Segundo o entendimento da musicologia atual, este é um dos fatores que servem para

explicar a franca escassez de melodias sobreviventes, que em geral não foram nem mesmo preservadas

em meio aos manuscritos poéticos que incluem as chansons de geste -- cf. (HOPPIN, 1978,

p. 287–288).

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 95

-- A mulher pode estar costurando, tecendo, lendo um livro, ou simplesmente em ócio.

-- Normalmente, a poesia é iniciada com a descrição da cena (ambientação) na qual amulher está inserida.

-- Refrão --

--> Normalmente, refrão de apenas 1 verso ao final de cada estrofe.

--> Quando refrão com 2 versos, normalmente de metro poético (número desílabas) mais curto que os outros versos da estrofe, embora algumas vezes ometro seja mantido.

--> Musicalmente o refrão pode ou não fazer uso de materiais melódicosutilizados para outros versos.

-- Este gênero se encontrava praticamente extinto ao início do sec. XIII.18

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PASTOURELLE

==> Este gênero demonstra basicamente as mesmas características que aPASTORELA dos TROBADORES, observando-se, complementar– ousubstitutivamente, os aspectos apresentados abaixo.

-- Freqüentemente enfatiza a descrição de maneiras e costumes rústicos, em lugar detentativas de sedução.

-- O rondeau musical (ABaabAB ou ABaAabAB) foi sendo gradualmenteestandardizado como estrutura preferencial da PATOURELLE — letras maiúsculas indicamversos de refrão (repetições musicais e de texto poético), letras minúsculas indicamrepetições melódicas com diferentes textos poéticos (embora podendo apresentar asmesmas rimas poéticas).

18 Aparentemente, a chanson de toile é um dos gêneros mais antigos da poesia lírica

francesa, possuindo ligações com a chanson de geste (gênero ainda mais antigo). Por outro lado, um

provável descendente da chanson de toile é a chamada chanson de mal mariée, que continuou sendo

cultivada, por diversos séculos, dentro da literatura francesa. Neste, uma mulher geralmente lamenta

seu casamento com um marido idoso e ciumento (muitas vezes justificavelmente).

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-- Refrão --

--> Normalmente, o refrão era constituído de apenas 2 versos ao final de cadaestrofe.

--> Versos, normalmente de metro poético (número de sílabas) mais curto oucom mesmo tamanho que os outros versos da estrofe, embora algumas vezesutilizando uma mistura de versos curtos e longos utilizados anteriormente naestrofe.

--> Musicalmente o refrão costuma utilizar materiais melódicos de versosanteriores -- (seja por meio de repetição literal, seja por meio de pequenosajustes ou variações).

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CHANSON AVEC [DES] REFRAINS

==> Este gênero demonstra basicamente as mesmas características que aPASTORELA dos TROBADORES, observando-se, complementar– ousubstitutivamente, os aspectos apresentados abaixo.

-- Lit., canção com refrões

-- Consiste em uma composição (chanson) supostamente original à qual sãoadicionados melodias preexistentes, a título de refrão, após cada estrofe.

-- Habitualmente existe um refrão diferente para cada estrofe.

-- As melodias preexistentes são geralmente segmentos melódicos extraídos de cançõespopularizadas (melodias de outras chansons, ou de outros gêneros, ou mesmo melodiasde obras de dança) — é possível, porém, que alguns refrões tenham utilizado melodiasnovas e originais.

-- Alguns dos segmentos extraídos podiam ser repetidos literalmente, como podiam serre-trabalhados (sofrendo algum tipo de alteração ou variação).

-- Notadamente, os compositores esperavam que os ouvintes reconhecessem as citaçõesmusicais pela familiaridade do material e apreciassem a destreza (maestria) com queestas foram introduzidas.

-- Todos os segmentos melódicos citados podem fazer parte de uma única cançãopopularizada ou cada um pertencente a uma canção diferente.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 97

-- O compositor pode ou não utilizar os materiais melódicos citados (alterando-os ounão) nas seções que não constituem refrões (seções estas que, em geral, são decomposição própria e original).

________________________________________

LAI & DESCORT

==> As características anteriores utilizadas para o DESCORT dos TROBADORES,que apresentavam grande diversidade (ou 'discórdia') estrutural, devem serinicialmente mantidas dentro da produção dos trouvères, somando-se oucontrapondo-se a elas as características abaixo mencionadas.

==> O termo LAI será utilizado aqui como designação genérica para ambos ostipos dentro da produção poética dos trouvères.

-- Contrariamente ao observado para a produção dos trobadores, a dos trouvères nosproporcionou 30 melodias sobreviventes (com textos franceses dos sec. XII e XIII), dasquais apenas 9 são identificadas como DESCORTS, contra 13 identificadas como LAIS . As8 restantes são incluídas neste grupo devido a suas características estruturais, tendo sidotodas publicadas em A. JEANROY, L. BRANDIN e P. AUBRY, Lais et descorts français duXIIIe siècle (Paris, 1901, 1970/R).

-- Considera-se possível que o LAI tenha tido uma origem Celta, tendo migrado e tendosido utilizado na França a partir dos contatos (casamentos entre nobres, guerras, etc.)com a Bretanha ou com os Anglo-Normandos no sec. XII.

-- Os primeiros LAIS foram provavelmente escritos por Marie de France(fl. ca. 1140–1150), uma trouvèresse a serviço de Eleanor d'Aquitaine e Henry II.

-- Geralmente apresenta tratamento silábico.

-- O número de estrofes, padrão de rima e estrutura de uma estrofe a outra demonstramgrande variedade, tanto aqui como dentro da tradição trobadoresca19

-- Algumas vezes, duas ou mais estrofes utilizavam a mesma estrutura (fossem estrofesconsecutivas ou dispersas irregularmente por todo o poema); outras vezes nenhuma dasestrofes possuía estrutura concordante.

19 No sec. XIV (principalmente com Guillaume de Machaut), verifica-se a utilização e

padronização de poemas com 12 estrofes. Tal padrão não demonstra qualquer consistência dentro da obra

dos trouvères dos sécs. XII–XIII.

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-- O número de versos para cada estrofe variava: de 4 a 56 versos, embora as médiasmais comumente utilizadas parecem ter variado de 20 a 25 versos, ou 8 a 16 versos.

-- Métrica poética: predominam os versos heptassílabos e octossílabos (como em outrosgêneros), embora padrões de trissílabo a hexassílabo tenham sido especialmentecaracterísticos.

-- As melodias associadas freqüentemente apresentam concordância com a variedadee/ou repetições de estruturas estróficas.

-- Em correspondência a estes aspectos, os manuscritos musicais normalmenteapresentam dois modos de notação:

--> Melodias anotadas para a totalidade das estrofes, assim aplicadas porconstituírem, em sua maioria, melodias contínuas (i.e., sem repetiçõesfraseológicas ou estróficas).

--> Melodias parcialmente anotadas (i.e., aplicadas a frases ou estrofesselecionadas), deixando aparentemente implícito que as melodias assimapresentadas devem ser repetidas para todas as outras frases ou estrofes com asmesmas estruturas poéticas (incluindo aquelas com pequenas variaçõesestruturais).

-- Existência, como no caso da CHANSON DE GESTE, de um número relativamente pequenode fórmulas melódicas, com características que parecem possibilitar sua reutilização emcontextos diferentes -- esta característica é principalmente aplicável àquelas melodiasparcialmente anotadas -- cf. Example XII–1: The First Stanza of the Lai de Notre Dameby Ernoul de Gastinois (HOPPIN, 1978, p. 290).

________________________________________

==> Destes gêneros, os que apresentam caráter mais lírico e emocional são asCHANSON AVEC REFRAINs e os LAIS e DESCORTS, enquanto que os outros gênerostendem a uma ambientação de caráter mais narrativo (dramatúrgico), muitasvezes com encenação implícita, mesmo sem que ela não tenha sido realizada.

________________________________________

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(HOPPIN, 1978, p. 290)Primeira estrofe do Lai de Notre Dame de Ernoul de Gastinois

(* A nota F , no início, aparece apenas na primeira exposicão da frase a [i.e., no verso 1])

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________________________________________

ALGUNS TROUVÈRES +

MARIE DE FRANCE (fl. ca. 11140–1150)-- patrocinada por Eleanor d'Aquitaine e Louis VII

CHRÉTIEN DE TROYES (fl.ca.1160–1190)-- considerado como um dos primeiros trouvères-- patrocinado por Marie de Champagne, filha de Eleanor d'Aquitaine e

Louis VII-- escreveu diversos romances poéticos dentro da tradição Arthuriana

(i.e., do Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda), entre elesLancelot e Perceval (no qual introduziu a 'busca pelo Santo Graal')

BLONDEL DE NESLE (fl. 1180–1200)

GACE BRULÉ (ca. 1160–p. 1213)-- patrocinado por Marie de Champagne, filha de Eleanor d'Aquitaine e

Louis VII

ANDREFOI LE BASTARD (fl. 1190–1230)-- atuou na cidade de Arras

GUILLAUME LI VINIERS [D'ARRAS] (ca. 1190–1245)-- atuou na cidade de Arras

JEHAN ERART (ca. 1200/10–1258/59)-- atuou na cidade de Arras

THIBAUT DE CHAMPAGNE, ou THIBAUT IV ROI DE NAVARRE (1201–1253)-- neto de Marie de Champagne-- Conde de Champagne e Rei de Navarre

JEHAN LE ROUX († 1250)-- Comte de Bretagne

PERRIN D'AGINCOURT (fl. 1245–1270)

JEHAN DE BRETEL [d'Arras] (ca. 1210–1272)-- chamado Príncipe dos Puy d'Arras

ADAM DE LA HALLE [d'Arras] (ca. 1250–1288)-- considerado o último dos trouvères-- também chamado Adam li bocus (o corcunda)

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* NOTAÇÃO DASEIANA *

-- O que é? / Datação -- A NOTAÇÃO DASEIANA foi um dos primeiros tipos de notaçãodiastemática com alto grau de precisão, sendo que os primeiros tratados a propalar eexplicar esse tipo de notação diastemática, foram os chamados Musica enchiriadis eScolica enchiriadis (a. 900).20

-- Função -- As evidências documentais, porém, parecem indicar que esta notação teriaservido apenas (ou no mínimo predominantemente) aos intuitos da chamada musicaspeculativa, ou seja, teria sido utilizada apenas para fornecer explicações teóricas (oumesmo para propor novas interpretações e conceitos), que neste caso estavam voltadaspara um assunto específico: ORGANUM -- cf. explicações abaixo.

-- Estrutura -- Esta notação tinha como unidade básica o tetracorde de formato T-S-T(T = Tom, S = Semitom). Os tetracordes desse sistema eram disjuntos (ou seja,estavam separados uns dos outros por um Tom), havendo 4 tetracordes completos(GRAVES, FINALES, SUPERIORES, EXCELLENTES) mais 2 notas chamadas de RESIDUAIS (ouRESIDUI).21 Com tal estrutura e outras informações fornecidas nos tratados 'enchiriadis',pode-se deduzir uma ESCALA DASEIANA, como mostrado abaixo.

ESCALA DASEIANA

G' A B C D E F G a b c d e f g a' b' c '

-- Representação gráfica e Designações de cada altura -- A escala apresentadaacima pode ser deduzida (embora não fornecida diretamente pelos tratados) a partir derepresentações gráficas específicas para cada alturas. A representação gráfica estavabaseada na letra grega denominada Daseia (para três das alturas de cada tetracorde) e,complementarmente, na letra Iota ou num 'N' (para uma das alturas). Essas letras eram,

20 A data precisa ainda é objeto de debate musicológico, mas existe uma tendência a aceitar

ca. 880 ou p.p. 850. A datação dos tratados enchiriadis está intrinsecamente ligada à recepção

(utilização efetiva) do tratado de Boécio intitulado De musica, libri quinque (a. 510), por fazer algumas

referências a ele, inclusive com a linguagem e fraseado de algumas passagens podendo ter sua origem

naquele tratado. Segundo estudos recentes, as mais antigas referências e anotações sobre esse tratado

(ca. 850) provém de trabalhos do filósofo John Scotus Eriugena [ou Erigena] (814–877) --

aparentemente o primeiro a contribuir para a utilização, sobrevivência e fama do tratado durante a Idade

Média.

21 As designações dos tetracordes devem ser grafadas em latim (como no texto acima) -- razão

pela qual a palavra EXCELLENTES é grafada com dois 'L's. A designação das notas adicionais, no

entanto, podem ser grafadas em português.

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O mesmo que polifonia
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Finales ré - T - mi - S - fá - T - sol
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Grave Sol - T - Lá - S - Sib - T - Dó
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Superiores lá - T - si - S - dó - T - ré
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Excellentes mi - T - fa# - S - sol - T - lá
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Residuais si - T - do#
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Simbolos em F
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então, adicionadas de outros sinais no topo e inclinadas, ou invertidas. O tetracorde-baseera o chamado TETRACORDE DAS FINALES, sendo que cada uma das 4 alturas recebia onome do modo eclesiástico para o qual servia de finalis: D = Protus; E = Deuterus; F =Tritus; G = Tetrardus. A partir desse tetracorde, então, os sinais dos outros tetracordesera deduzido, podendo inclusive, aqueles nomes das alturas (baseados no modos)servirem como referência aos outros tetracordes -- e.g., A = Deuterus das GRAVES; c =Tritus das SUPERIORES; a' = Tetrardus das EXCELLENTES; b' = Protus das RESIDUAIS. Asrepresentações para cada tetracorde são descritas abaixo, na mesma ordem apresentadanos tratados enchiriadis.

TETRACORDE DAS FINALES

-- Protus - representado por uma daseia com S (deitado) no topo-- Deuterus - represenstado por uma daseia com C (voltado para baixo) no topo-- Tritus - representado por um iota inclinado para a direita-- Tetrardus - representado por uma daseia com C (voltado para cima) no topo

TETRACORDE DAS GRAVES

-- Os mesmo sinais das FINALES, mas voltados para trás (invertidos / espelho),exceto pelo correspondente ao tritus, que, no lugar do iota, apresenta um Ninclinado para a direita.

TETRACORDE DAS SUPERIORES

-- Os mesmo sinais FINALES, mas submetidos a um giro de 180˚, exceto pelocorrespondente ao tritus, que, no lugar do iota, apresenta um N invertido (i.e., emespelho) e inclinado para a esquerda.

TETRACORDE DAS EXCELLENTES

-- Os mesmo sinais GRAVES, mas submetidos a um giro de 180˚, exceto pelocorrespondente ao tritus, que apresenta um iota (invertido e inclinado paraesquerda) com um traço menor ao meio (iota cruzado, assemelhado a um X).

RESIDUAIS (RESIDUI)

-- Este conjunto de alturas contém apenas os correspondentes ao protus e aodeuterus. Sua representação é feita através dos mesmos sinais das FINALES, massubmetidos a um giro de aprox. 90˚ p/ a direita, fazendo com que o traço dadaseia se torne horizontal.

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Notação Daseiana & Organum Paralelo Modificado

(SCHMID, Hans, (ed.). Musica et Scolica enchiriadis: una cum aliquibus tractatulis

adiunctis. Munique: Bayerische Akademie der Wissenschaften, 1981. p. 215)

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* ORGANUM * (pl., ORGANA) (HOPPIN 1978; RANDEL 1986, s.v. 'Organum')

ORIGEM DO TERMO

-- O termo, em latim, deriva do Grego organon, que significa instrumento ou ferramenta,tendo sido usado, em sentido genérico, como referência a qualquer instrumento musicale, em sentido específico, como referência ao órgão. Não há, porém, evidênciadocumental de que este gênero polifônico medieval tenha sido composto para vozes comqualquer acompanhamento instrumental, ou mesmo que tenha sua origem em obrasdestinadas exclusivamente ao órgão ou outro instrumento.

-- Há, no entanto, uma tendência a aceitar o adjetivo organicus (usado para descreveruma medição precisa de intervalos) como provável antecessor.

-- Os tratados anônimos chamados de Musica enchiriadis e Scolica enchiriadis (ca.900) são aceitos como os primeiros a utilizar este termo (definindo-o como um gênerode polifonia), embora utilizando alternativamente o termo "diaphonia".

==> Dentro destes tratados (doravante chamados de "tratados enchiriadis"),teorizações sobre o ORGANUM foram estabelecidas não apenas como forma deretratar uma prática (provavelmente revelada já em anos anteriores), mas tambémcomo forma de ilustrar as consonâncias musicais mais importantes, chamadas'perfeitas': 8as., 5as. e 4as. -- estas também foram chamadas de symphoniae(sing., symphonia, "soando juntas", "concordância de sons").

-- Modernamente, diante destas definições, podemos utilizar o termo "Heterofonia"como referência ao tipo mais antigo de ORGANUM: o ORGANUM PARALELO ou ESTRITO.22

22 Heterofonia -- Duas ou mais vozes executando a mesma melodia (i.e., melodias

paralelas), geralmente à distância de oitava ou uníssono, podendo uma das vozes realizar alguma

ornamentação; a outra voz pode ser executada em algum instrumento ou mesmo cantada. A heterofonia

é normalmente observada em situações onde existe alguma forma de 'improvisação'. Aceita-se que esta

prática (e uso do termo, dependendo da tradução) foi descrita pela 1ª vez por Platão (427 – 347 a.C.) em

Leis (vii, 812d–e) -- (RANDEL, 1986, p. 377, s.v. 'Heterephony'). Apesar da definição acima, cabe

lembrar que o tipo mais antigo de "ORGANUM" podia, teoricamente, envolver melodias paralelas a

intervalos de oitavas, quintas, ou quartas. Num sentido mais amplo, o termo Heterofonia pode ser

utilizado para indicar simplesmente um gênero em que duas ou mais vozes realizam, simultaneamente,

versões diferentes da mesma melodia (ora ornamentadas, ora simplificadas) -- este é o significado básico

de Heterofonia na música oriental, e provavelmente corresponde à referência feita por Platão.

==> Obs.: O termo 'improvisação', utilizado acima, não deve ser necessariamente entendido

como uma criação livre ou sem regras, mas como uma determinação prática que pode estar

sujeita a fórmulas específicas de tratamento melódico e/ou de simultaneidade entre as vozes.

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ORGANUM PARALELO (sec. IX)

(informações preliminares)

-- Em sua acepção mais antiga, na Idade Média, o termo foi utilizado para designar otipo mais primitivo de polifonia documentado, que consistia numa apresentação de umtrecho de cantochão em vozes paralelas a intervalos de 8as., 5as. ou 4as: ORGANUM

PARALELO (também chamado ORGANUM ESTRITO).23

==> Na textura mais simples de ORGANUM (i.e., ORGANUM a duas vozes), umcantochão original seria dobrado por uma voz mais grave, em movimentoparelelo que obedecesse a algum dos intervalos citados acima. A voz portadorado cantochão era denominada VOX PRINCIPALIS (v.p.), e a voz mais grave(derivada do cantochão) era denominada VOX ORGANALIS (v.o.).

-- O termo também é entendido como referência a uma prática de 'improvisação' (cf.nota de rodapé acima).

-- Alguns musicólogos consideram que o ORGANUM PARALELO terá surgido naturalmentea partir da prática (principalmente em mosteiros) de se colocarem lado a lado, nummesmo coro, adultos e crianças ou adolescentes. Isto poderia servir de explicação tantoa paralelismos em oitavas, quanto a paralelismos em quintas ou quartas, pois estes sãonormalmente os intervalos de separação entre as regiões confortáveis de vozes graves,médias e agudas de um mesmo sexo.

-- As primeiras documentações e teorizações deste gênero musical datam da segundametade do sec. IX, mas explicações teóricas e/ou menções de uso do ORGANUM

PARALELO continuaram até os sec. XIII e XIV (mesmo existindo formas e gênerospolifônicos mais complexos).

-- Os ORGANA eram realizados apenas por solistas, em seções de cantos litúrgicosapropriados (princ. Kyrie, Gloria e Benedicamus Dominus do ORDINARIUM; Graduais,Alleluias, Tractus, Sequentiae do PROPRIUM; responsórios do Ofício) -- com relação aoORDINARIUM, os ORGANA eram realizados apenas em seções tropadas dos cantos.

23 Com relação à identificação de intervalos, apesar da informação neste resumo seguir a

nomenclatura moderna (e.g., uníssono, 2a. menor, 2a. Maior, 3a. menor, 3a. Maior, 4a. Justa, 5a.

Justa, ... etc. ..., 8a. Justa), cabe notar que esta é diferente da nomenclatura medieval e renascentista,

que indicava os intervalos através de nomes gregos e/ou através de múltiplos do tom, a saber: unisonus,

semitonium, tonus, semiditonus, ditonus, diatessaron, diapente, semitonium cum diapente, tonus cum

diapente, semiditonus cum diapente, ditonus cum diapente, diapason.

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organum: polifonia paralelo
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organum estrito: pode acontecer alguma variação no decorer
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TIPOS DE ORGANUM

-- (sec. IX–X) --

Tratados enchiriadis

-- TEXTURAS DESCRITAS NOS TRATADOS ENCHIRIADIS --

* ORGANUM SIMPLES (diaphonia -- apenas duas vozes: vox principalis e voxorganalis)

* ORGANUM COMPOSTO (onde qualquer das duas vozes poderia ser duplicada ou atémesmo triplicada uma oitava acima -- podendo atingir texturas de 3 a 6 vozes)

-------------------------------------------------------------------------------------------------------==> As explanações, características e exemplos abaixo se referemprincipalmente ao organum simples (diaphonia), por possibilitar umentendimento mais imediato — exceto quando explicitado em contrário.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

-- TIPOS DE ESTRUTURAS HARMÔNICAS CRIADAS --

* ORGANUM PARALELO (também chamado de ORGANUM PARALELO ESTRITO)

-- ORGANUM PARALELO em oitavas (simples)-- ORGANUM PARALELO em quintas (simples)-- ORGANUM PARALELO em quartas (simples) -- (cf. "PARALELO MODIFICADO", abaixo)-- ORGANUM PARALELO composto (ORGANA simples a intervalos de 4a. ou 5a. tinham umaou mais vozes dobradas oitava acima, criando uma textura onde 4as. se sobrepunham a5as., ou vice-versa)

==> Obs.: A NOTAÇÃO DASEIANA (e a escala deduzida a partir dela) éparticularmente adaptável a texturas em 5as. paralelas, mas não àquelas em 4as.paralelas (e nem mesmo a 8as. paralelas). Por esta razão, alguns estudiososconsideram que esta notação foi elaborada apenas com a função específica deservir a explicações sobre ORGANUM PARALELO em 5as., ou mesmo a outrosaspectos particulares do discurso dos tratados enchiriadis. Porém, sobreviverampelo menos outros 10 tratados (de vários autores e origens, datando pelo menosaté meados do sec. X) que se utilizam dessa mesma notação. Além disso, ainterpretação de Charles Atkinson (no artigo "From 'Vitium' to 'TonusAcquisitus'", in: Cantus Planus, 1988, p. 181–197) parece confirmar que aNOTAÇÃO DASEIANA teria sido utilizada também para explicar a existência de bomnúmero de exemplares de cantochão que não se enquadravam perfeitamentedentro da rigidez do SISTEMA MEDIEVAL DE ALTURAS, ou dos padrões (igualmenterígidos) estabelecidos para os MODOS ECLESIÁSTICOS.

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* ORGANUM PARALELO MODIFICADO

==> Note que no texto-base (GROUT, 2001, p. 98) este tipo é denominado"organum com movimento oblíquo".

-- Este tipo de ORGANUM é explicado nos tratados enchiriadis como uma conseqüêncianecessária do ORGANUM PARALELO em quartas, que poderia criar trítonos entre duasvozes. A fim de evitá-los, os tratados propõem que, quando necessário, a VOX ORGANALIS

deve repetir ou prolongar a nota anterior, criando então um movimento que pode serdenominado "oblíquo" -- no qual uma nota é sustentada (na VOX ORGANALIS), enquanto aoutra voz (VOX PRINCIPALIS) pode se movimentar livremente. Apesar dos tratadosenchiriadis não explicarem sobre outras movimentações possíveis para cada voz, nãoparecem haver quaisquer impedimentos teóricos ou estétcos para um movimento"oblíquo" no qual a VOX ORGANALIS realizasse movimentações livres, aproveitandomomentos de notas sustentadas na VOX PRINCIPALIS.

-- Cadência preferida -- Dentro deste tipo, cadências internas ou final, terminando nouníssono, deveriam ser preferencialmente precedidas por um intervalo de 3a.

-------------------------------------------------------

-- (sec. X–XI) --

Micrologus (ca. 1026/28) de Guido d'Arezzo

-- Atenção ao PARALELO MODIFICADO -- Após os tratados enchiriadis (e outros queutilizaram a NOTAÇÃO DASEIANA), a próxima referência teórica sobre ORGANUM (dentre ostratados sobreviventes) é verificada apenas no Micrologus (1026/28) de Guidod'Arezzo. Nesse tratado, ele admite a continuidade da prática do ORGANUM PARALELO ouESTRITO, mas dá atenção principalmente ao ORGANUM PARALELO MODIFICADO.

-- Intervalos -- Guido rejeita definitivamente os intervalos de 5a. e 2a. menor, deixandoapenas quatro como intervalos possíveis, além do óbvio uníssono: 4a. justa, 3as. maiorese menores, 2a. maior -- sendo a 4a. o intervalo de maior importância hierárquica e a 3a.menor o de menor importância.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – 108

-- OCCURSUS -- Guido discutiu particularmente a ocorrência de cadência (final ouinterna), denominada OCCURSUS (GUIDO, 1026/28, caps. 18–19). Ele especificou doistipos de procedimento para a finalização em uníssono:

(a) por movimento contrário -- quando atingido por "movimento contrário", ointervalo precedente deve ser uma 3a. maior;

(b) por movimento oblíquo -- quando atingido por "movimento oblíquo", ointervalo deve ser de 2a. maior.

==> A cadência através da 2a. maior era, para Guido, a melhor e deveria sersempre preferida, mas admitia que também pudessem ser utilizadas cadências via3a. menor (menos freqüente) ou mesmo via 4a. Justa (a mais rara).

-- Consciência sobre condução de vozes e caráter dos intervalos -- Asdeterminações acima são significantes não apenas porque denotam uma preocupação(bastante comum ao cantochão) em evitar cadências utilizando o meio-tom (2a. menor),como também "sugere que músicos estavam se tornando conscientes tanto dasqualidades dos intervalos, quanto de funções específicas dos movimentos oblíquo econtrário" -- (HOPPIN, 1978, p. 194; tradução minha).

-- Permissividade aos cruzamentos -- Guido admitiu a possibilidade de cruzamentosentre a vox principalis e a vox organalis.24

24 Seja por permissão, justificativa teórica, ou admissão de uma prática já existente, a

existência de cruzamentos entre a vox principalis e a vox organalis retira a importâncias melódica e

litúrgica originais da v.p. Isto ocorre não apenas por força de um fator acústico (pois a uma voz mais

aguda é mais facilmente percebida), mas também porque fica alterada a estratificação das duas voces

(principalis e organalis), que passam a ser executadas e percebidas como iguais (ou pelo menos

equivalentes). Quanto ao fator acústico referido acima, a perda de importância da v.p. se verifica quando

a v.o. se posiciona acima desta, mesmo que momentaneamente. A alteração quanto à estratificação das

vozes, se verifica claramente quando as duas voces se alternam nas posicões aguda e grave, podendo

inclusive gerar um efeito de anulação daquela estratificação original/natural ao ORGANUM . Considere

que, dentre os fatores geradores do ORGANUM PARALELO, a simultaneidade de duas ou mais vozes com

registros diferentes é entendida como um dos mais naturais. Tendo o PARALELO MODIFICADO derivado

do PARALELO (por necessidade de evitar trítonos), a permissão de cruzamento das duas voces pode ser

entendida como uma inovação quanto à estratificação natural das vozes. De fato, no PARALELO

MODIFICADO de Guido, o cruzamento é possível somente se as voces correspoderem ao mesmo registro

vocal (i.e., possuírem a mesma tessitura). Assim, se a vox principalis é derivada de um cantochão

liturgicamente estabelecido, a melodia transmitida por ela tem sua integridade e entendimento

prejudicados não apenas quando a vox organalis assume a posição mais aguda, mas também nos

momentos de alternância freqüente (mistura ou amálgama) entre as duas voces -- neste caso, elas

adquirem uma virtual igualdade ou equivalência também no plano litúrgico.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 109

-- O falso efeito-bordão -- Guido também admitiu que a VOX PRINCIPALIS (v.p.) poderiaexecutar mais de uma nota contra apenas uma da VOX ORGANALIS (v.o.). Aparentemente,essa admissão (ou permissão) poderia significar uma relativa independência entre asduas vozes, mas trata-se aqui de uma situação específica, resultante de "movimentooblíquo". O evento musical descrito por Guido é aquele em que a v.o. fica virtualmenteparada, sustentando uma única altura em uma única sílaba, enquanto a v.p. executa amelodia (momentaneamente melismática) própria do cantochão. Na maioria das vezes, av.o. atinge sua nota final já na última sílaba de uma frase, sustentando-a (nota e sílaba)até que a v.p. a encontre, num uníssono final para aquela sílaba. Ocasionalmente, devidoà admissão de cruzamentos entre as duas vozes, a v.p. pode passar abaixo e acima dav.o., muitas vezes passando também pelo uníssono -- porém, é importante enfatizar queo evento musical, ao qual Guido se refere, termina apenas no último uníssono da sílabasustentada (e última nota do melisma) da VOX PRINCIPALIS e não em uníssonosintermediários ou ocasionais.

-- Realidade ao tempo de Guido -- As explicações e teorizações de Guido nãoparecem relatar a existência de grandes diferenças em relação ao ORGANUM PARALELO

MODIFICADO do sec. XI. No entanto, os exemplares sobreviventes de obras do tempo deGuido demonstram uma franca escassez de 4as. paralelas (intervalo de maiorimportância para Guido e base para o surgimento deste tipo de ORGANUM), além de umatendência a evitar quaisquer paralelismos, ao mesmo tempo que parecem favorecer arealização de um 'efeito-bordão' (ingl., drone) pela VOX ORGANALIS. (Note que emboraGuido não tenha particularmente favorecido os paralelismos, ele ainda os admitia emmaior quantidade que os exemplares da época. Por outro lado, se o 'efeito-bordão'descrito aqui for admitido como um evento [ou gesto] musical já praticado eestabelecido no repertório daquela época, poder-se-á entender as explicações de Guidosobre 'o falso efeito-bordão' [descrito no item acima] como tentativas de elaborarexplicações teóricas adequadas, exercendo assim um certo controle [ou mesmorestrição] às possibilidades de evolução desse evento musical -- esse controle, por suavez, possui três desdobramentos: estético [possibilitando o desenvolvimento de umalinguagem e preocupação com recursos e resultados musicais per se], funcional[evitando uma evolução que obscureça a função litúrgica, ou pelo menos sacra, doORGANUM em geral e do cantochão em particular], técnico [denotando controle derecursos composicionais, daquilo que mais tarde ficará conhecido como contraponto])

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-- (sec. XI–XII) --

De musica cum tonario (ca. 1100) de Johannes Affligemensise Ad organum faciendum (ca. 1100), de autor anônimo25

* ORGANUM LIVRE

Tratado De musica cum tonario(ca. 1100), de Johannes Affligemensis

-- Enfatiza movimento contrário como o recurso mais adequado à realização doORGANUM.

-- Quanto às terminações de frases (i.e., gestos cadenciais):

--> admite que a VOX ORGANALIS tanto pode formar uníssono com a VOX

PRINCIPALIS, quanto oitavas (sejam estas acima ou abaixo);

--> propõe a alternância entre estes gestos cadenciais (direcionando a uníssonosou oitavas, embora sugerindo que seja dada preferência para terminações emuníssono);

--> como resultado, o cruzamento de vozes admitido por Guido é expandidopara permitir a inclusão de oitavas.

25 O nome Johannes Affligemensis (ou Afflighemensis, na grafia da musicologia

anglo-americana), como o provável autor do tratado de ca. 1100 intitulado De musica, começou a ser

mais aceito apenas a partir de 1952 com o trabalho de Smits van Waesberghe, contribuindo mais tarde

os trabalhos de Michel Huglo e Claude Palisca (em 1971 e 1978, respectivamente). Até essa data, desde

ca. 1784, o nome mais aceito havia sido o de um monge inglês chamado John Cotton (ou Johannes

Cottonis, ou Cotto), segundo a pesquisa de Martin Gerbert -- cf. (TNG 1, 659–660, s.v. 'Johannes

Afflighemensis'). Algumas diferenças (ou mesmo divergências), poucas, entre as explanações sobre

ORGANUM encontradas no tratado De musica e no Ad organum faciendum, poderiam ser provavelmente

esclarecidas pelo estabelecimento de uma cronologia entre esses dois tratados. No entanto, não parece

haver um número suficiente de elementos que indiquem, com precisão, qual seria o mais antigo.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ APOSTILA (IDADE MÉDIA) – 111

-- Quanto aos intervalos:

--> o intervalo de 5a. (desconsiderado por Guido) é re-admitido dentro dosmodelos de ORGANA de Affligemensis -- este intervalo, em conformidade com ateoria da época, corresponde à "5a. Justa" (conforme a denominação moderna).

--> o intervalo de 7a. também é introduzido -- note que este intervalo pode servisto tanto como uma consequência da expansão intervalar do cruzamento devozes (7a. -> 8a. como inversão de 2a. -> uníss.), quanto como um dos aspectosgeradores dessa expansão (7a. antecipando o conceito de sensível).

Tratado Ad organum faciendum ["Compondo organum"](ca. 1100), de autor anônimo

-- Quanto a posição das vozes:

--> admite que a VOX ORGANALIS possa ser composta tanto abaixo, quanto acimada VOX PRINCIPALIS, ou mesmo iniciando numa posição e terminando na outra —nos exemplos musicais do Ad organum faciendum, porém, a VOX ORGANALIS ésempre iniciada em posição mais aguda que a VOX PRINCIPALIS;

--> os cruzamentos de vozes (admitidos tanto por Guido, quanto por JohannesAffligemensis) adquirem ainda maior importância, princ. quando associados à'admissão' de cruzamento (acima) e aos novos aspectos (abaixo), possibilitandoassim maior diversidade em termos de recurso composicional e de resultadosonoro.

-- Quanto ao tratamento:

--> permite que a VOX ORGANALIS execute mais de uma nota (normalmente nãomais que quatro notas) contra apenas uma da VOX PRINCIPALIS -- i.e., permite queVOX ORGANALIS receba um tratamento neumático ocasional em relação à vOX

PRINCIPALIS.

==> Como mencionado, dentro das proposições destes dois tratados, aadmisão de tratamento neumático ocasional para a v.o. está limitada aquatro (4) notas. Isto não significa, porém, que tal limite fosse reflexofiél de uma prática musical anterior, nem que houvesse concordânciaindiscutível com outros teoristas, compositores ou executantes, seja damesma época ou posteriores.

==> A alternância interna entre tratamentos silábicos e neumáticos para aVOX ORGANALIS foi também admitida no tratado de J. Affligemensis,embora o texto seja mais ambíguo e (por isso mesmo) reticente.

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-- "Animadvertere etiam debes, quod quamvis ego in simplicibusmotibus simplex organum posuerim, cuilibet tamen organizantisimplices motus duplicare vel triplicare, vel quovis modocompetenter conglobare si voluerit licet. Et de diaphonia istudtantillum nos dixisse sufficiat" -- Johannes Affligemensis, Demusica cum tonario, ed. por SMITS VAN WAESBERGHE(Rome: American Institute of Musicology, 1950. Coleção:Corpus Scriptorum de Musica, v. 1, p. 160–161).

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==> Diversidade (variedade) -- Um dos aspectos mais importantes doORGANUM LIVRE está em possibilitar uma grande 'diversidade' de resultadospolifônicos — tanto mencionada no tratado de Affligemensis, quanto enfatizadano anônimo Ad organum faciendum. Essa propalada 'diversidade' é atingida apartir de uma liberdade de escolha, seja em termos de diferentes tratamentos(silábico e neumático) e recursos de movimentação das vozes (contrário, oblíquo,paralelo), seja em termos de encadeamento dos intervalos polifônicos(alternância entre consonâncias perfeitas, imperfeitas e dissonâncias). denotandoassim uma 'liberdade composicional' (compositor–'improvisador'–cantor). Demodo geral, os resultados envolvem não apenas a possibilidade de pareamentode um cantochão (VOX PRINCIPALIS) com diferentes VOCES ORGANALIS, como aindapermitem que uma mesma VOX ORGANALIS apresente grande variedade interna.Cabe lembrar que essa 'liberdade composicional' (seja no trabalho docompositor, 'improvisador', ou cantor) se refere apenas à VOX ORGANALIS, pois aVOX PRINCIPALIS é o próprio cantochão, que permanece intocado.

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-- (sec. XII) --

Os dois estilos de ORGANUM de St. Martial de Limoges26

* ORGANUM MELISMÁTICO (ou ORGANUM FLORIDO, ou ORGANUM DE NOTAS SUSTENTADAS)

-- Na notação típica do ORGANUM MELISMÁTICO, a VOX ORGANALIS (v.o.) é apresentadaacima da VOX PRINCIPALIS (v.p.), mas o alinhamento vertical não é exato, possuindoampla margem para divergências de interpretação (ou transcrição).

-- Além disso, o uso de notação não-mensural deixa dúvidas sobre a relação rítmicaentre as duas vozes envolvidas.

--> Soluções possíveis (segundo as interpretações da musicologia moderna):

==> a v.o. executa notas de valores virtualmente iguais, enquanto cadanota da v.p. é executada com valores variáveis (irregulares), dependendodo número de notas da v.o. a ela associados -- de qualquer forma, osvalores das notas de v.p. são de grande duração, pois freqüentementecorrespondem a diversas notas da v.o.;

==> a v.p. executa notas de valores iguais, enquanto os valores das notascorrespondentes da v.o. devem ser ajustados -- normalmente, v.o.executa tanto notas de duração média quanto de duração curta.

-- A VOX ORGANALIS demonstra, muitas vezes, uma elaboração obtida através deornamentação das consonâncias formadas com a VOX PRINCIPALIS (agora denominadaTENOR).

-- Na elaboração melódica acima citada, a v.o. implementa dissonâncias que atuam comonotas-de-passagem, ou bordaduras, ou appoggiature (i.e., appoggiaturas).27

26 A cidade de Limoges, onde fica o mosteiro de Saint Martial, está localizada no centro-sul

da França, junto da cidade de Ventadorn. Portanto, essa cidade pertence a uma das principais regiões de

atuação dos trobadores, principalmente antes da Cruzada Albigensiana.

27 A existência de grande parte dessas dissonâncias não parece ter respaldo na teoria musical

da época. Na opinião de Hoppin (1978, p. 204–205), existe, por esta razão, uma tendência a "minimizar

os efeitos [dissonantes] através de realinhamentos rítmicos ou outros ajustes editoriais. O que não é

nem justificável, nem necessário. Em muitos casos, as dissonâncias, incluindo as appoggiaturas, são

claramente presentes e devemos considerá-las como um elemento essencial do estilo" (tradução minha).

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==> As appoggiature (que têm especial importância quando exercem umafunção cadencial) são normalmente resolvidas da seguinte maneira:

2as. --> uníssono7as. --> 8as.6as. --> 5as.

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* DISCANTE (Lat., discantus)28

-- Possui tratamento predominantemente silábico e homofônico -- podendo ocorrer, noentanto, melismas sobre a penúltima sílaba de alguns versos, ou tratamento neumáticoocasional.

-- A expressão punctus contra punctus (i.e., nota-contra-nota, ou neuma-contra-neuma)foi originalmente utilizada para descrever este tipo de ORGANUM -- daí derivando, maistarde, o termo contrapunctus (i.e., contraponto).

-- A voz superior era indicada pelo termo discantus (que originalmente havia sidochamada de VOX ORGANALIS).

==> Por razões pedagógicas, a fim de evitar confusão terminológica,utilizaremos o termo em português (DISCANTE) como indicação deste tipoespecífico de ORGANUM, reservando o termo em latim (DISCANTUS) comoindicação específica da voz superior.

-- Predomínio de movimento contrário entre as vozes.

-- Predomínio de intervalos consonantes entre as vozes, incluindo 3as.

-- As vozes tendem a se integrar, não apenas por pertencerem ao mesmo registro vocal,mas por trocarem entre si as mesmas fórmulas ou frases melódicas (em outras palavras,realizando gestos melódicos que demonstram imitação mútua), especialmente nosmelismas ao final dos versos poéticos.

==> Tal integração fomentou o desenvolvimento de diversos recursoscomposicionais, utilizados em séculos subseqüentes: imitações, TROCA-DE-VOZ,seqüências melódicas, inversões, etc., além de possibilitar a elaboração desimetrias e outras relações estruturais matematicamente calculadas.

28 O texto-base desta disciplina (GROUT, 2001), não menciona o segundo estilo de

ORGANUM , cuja denominação mais freqüente é dada pelo termo DISCANTE.

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* TROCA-DE-VOZ * (Al., Stimmtausch; Ingl., voice exchange)

-- Tipo particular de recurso composicional envolvendo repetição e imitação.

-- Denota o uso de repetição literal, em outra voz, de um motivo ou mesmo de umafrase.

-- Em sua forma mais característica, as duas vozes envolvidas trocam, mutuamente, dematerial melódico; muitas vezes tal troca é também simultânea.

==> Num primeiro momento, duas vozes (I e II) expõe simultaneamente doismateriais melódicos distintos (a e b, respectivamente); num segundo momento,ainda de maneira simultânea, a voz I expõe o material b, enquanto que a voz IIexpõe o material a -- cf. exemplo abaixo.

-- Este recurso foi utilizado como meio de controle sobre a simetria e plano-geral('estrutura') de uma composição, servindo como ponto-de-partida para odesenvolvimento de formas musicais e de recursos contrapontísticos mais complexos.

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(HOPPIN, 1978, p. 206)(Primeira seção de Noster cetus)

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ESCOLA DE NOTRE DAME

-- A designação ESCOLA DE NOTRE DAME se refere à produção polifônica sacra de Paris,ca. 1160-1220, envolvendo no mínimo duas gerações sucessivas de compositores, amaioria anônimos.

-- A respeito da música daquele local e época (que pode ser estendida pelo menos até ca.1220), algumas das mais importantes informações nos foram transmitidas através deanotações-de-aula escritas entre 1270 e 1280 por um aluno anônimo (aparentementenascido na Inglaterra) da Universidade de Paris. Esse corpo de anotações éconsiderado um tratado sobre música, sob o título De mensuris et discantu(ca. 1270/80), sendo seu autor conhecido simplesmente pela denominação"Anônimo IV" (ou "Anonymus IV").29

-- Em seu texto, Anonymus IV chamava a atenção para a existência de doiscompositores em particular (em meio à grande anonimidade):

--> Léonin (i.e., "Leoninus"), músico e cônego da Catedral de Paris, quepor volta de 1180 era considerado um excelente compositor deorgana dupla (i.e., "optimus organista", nas palavras de Anon. IV);

--> Pérotin (i.e., Perotinus, possivelmente diminutivo de Petrus),sucessor de Léonin, que era considerado um excelente compositor deorgana tripla ou qudrupla e de clausulae (i.e., "optimus discantor",nas palavras de Anon. IV).

Além disso, Anonymus IV relatava que as obras compostas por estes e outrosmembros de Notre Dame, foram registradas num Grande Livro de Organum(i.e., Magnus liber organi), teoricamente iniciado por Léonin.30

29 O tratado (em meio a outros tanto anônimos quanto de autores identificados) foi publicado

em 1864 no primeiro dos 4 volumes de Scriptorum de musica medii aevi, nova series a Gerbertina

altera (abrev.: CS 1) do musicólogo Edmond de Coussemaker. A denominação Anônimo IV foi adotada

a partir do número atribuído por Coussemaker em sua edição, pois este tratado era o quarto em meio aos

outros anônimos.

30 Em relação à Catedral de Notre Dame, cabe informar que sua pedra fundamental foi

mandada assentar em 1163 por Maurice de Sully (Bispo de Paris, 1160–1196), sendo que a demolição

da antiga catedral de Paris só foi possível após a consagração do altar principal (realizada a 19 de maio

de 1182, dia de Pentecostes), possibilitando então a construção da nave (completada em 1200). Outras

partes da construção, incluindo as duas torres e a fachada, se estenderam até aprox. 1245, mas a

finalização só foi possível durante o século XIV.

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==> Para efeito deste curso de História da Música, serão adotadas asseguintes datas:

- Léonin (fl. ca. 1160-1200);- Pérotin (fl. ca. 1180-1220);- Magnus liber organi (1160-1225).31

-- A importância deste repertório e dos empreendimentos musicais de Paris pode serentendida através das explicações de Edward Roesner (musicólogo que contribuiu comuma das mais recentes edições modernas do Magnus liber organi).

A música de Paris foi o primeiro corpo de obras polifônicas a serconcebido e disseminado predominantemente sob forma escrita, ao invésde oralmente. De fato, é neste repertório que podemos discernir o inícioda 'composição' musical, em seu sentido moderno. É [a] o corpo deobras polifônicas mais antigo com o qual estão associados nomes decompositores específicos, [b] o primeiro a incluir música para mais queduas vozes auto-suficientes [i.e., independentes] e [c] o primeiro acultivar obras com texto em vernáculo. O controle sistemático deconsonância e dissonância na tradição parisiense proporcionou a base["foundation"] necessária para os recursos harmônicos econtrapontísticos, europeus, surgidos mais tarde. O aparecimento de umsistema coerente de ritmo e de mensuração rítmica marca o despontar doidioma rítmico ocidental e das convenções de notação, através da qual ele[i.e., esse idioma rítmico] é expressado.(ROESNER, 1993, p. lvii; tradução e enumerações minhas)32

31 Provém do trabalho de Richard H. Hoppin (1978, p. 219), a informação de que o Magnus

liber organi deve ter sido inteiramente escrito (ou compilado) entre os anos 1160 e 1225, embora não

haja unanimidade entre os musicólogos quanto à aceitação destas datas. Por sua vez, as datas de Léonin

e Pérotin também são objeto de disputa entre musicólogos — cf. a tabela abaixo.

Léonin Pérotin referência

(ca. 1159–ca. 1201) (ca. 1170–ca. 1236) GROUT e PALISCA

(fl. ca. 1163–1190) (fl. ca. 1200; † ca. 1225) IAN BENT

(fl. ca. 1160–1180) (fl. ca. 1200; † p.p. 1220) HOPPIN

==> Donald J. GROUT e Claude V. PALISCA (2001, p. 105); Ian BENT (TNG 1, v. 10, p.

676-677, s.v. 'Léonin'; v. 14, p. 540-543, s.v. 'Pérotin'); Richard H. HOPPIN (1978, p. 219).

32 Edward H. Roesner (ed.), Le Magnus liber organi de Notre-Dame de Paris (Monaco:

Éditions de L'Oiseau-Lyre, 1993) — que inclui um estudo detalhado dos manuscritos sobreviventes do

Magnus liber organi, bem como a transcrição completa das obras para a notação musical moderna.

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-- Além dos aspectos assinalados acima, grande parte da importância da produçãomusical da chamada ESCOLA DE N OTRE D AME (i.e., do repertório de organa e clausulaerelacionado à Catedral de Notre Dame de Paris) está em sua ampla divulgação pelaEuropa. Esse repertório, virtualmente sem modificações, foi utilizado em muitos outroslocais pelo mundo cristão ("de Chipre à Suécia, […] de Toledo na Espanha a St.Andrews na Escócia" — HOPPIN, 1978, p. 220; tradução minha). É importante notarque tal utilização fiél (ou pelo menos quasi-fiél) não pode ser verificada em relação aoutros repertórios (anteriores) associados a um centro específico de produção musical.

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MODOS RÍTMICOS

-- Terminologia -- Dá-se o nome de NOTAÇÃO MODAL à notação musical própria dosMODOS RÍTMICOS. Essa notação pode ser definida como um dos tipos de NOTAÇÃO

MENSURAL nos quais fórmulas, ou pequenas estruturas de organização rítmica (chamadasaqui de estruturas mínimas), são indicadas através de notas nas quais diferenças dedesenho das figuras não correspondem a diferenças rítmicas -- tais diferenças rítmicassão apresentadas através de seqüências específicas de notas juntas ou separadas,baseadas na tradicional NOTAÇÃO DE CANTOCHÃO -- as junções de 2 ou mais notas eramdenominadas ligaturas (lat. ligaturae -- como o podatus e a clivis) e as separações eramneumas soltos (i.e., de notas individuais, como o punctum e a virga).33 (N.B.: Oadjetivo MODAL, aqui, não é aplicado aos MODOS ECLESIÁSTICOS [que determinamestruturas intervalares], mas aos MODOS RÍTMICOS [que determinam estruturas rítmicas].)

-- Cronologia (aparecimento, utilização e codificação) -- Embora os modosrítmicos existissem desde o final do sec. XII (i.e., ex. sec. XII), as codificações dosmodos rítmicos (descrição, organização e número) foram apresentadas e discutidasapenas tardiamente, em tratados musicais a partir de meados do sec. XIII (i.e., med. sec.XIII), quando o uso desses modos já estava declinando e a maior parte do repertóriosobrevivente de ORGANA e CLAUSULAE já havia sido, aparentemente, totalmente composto.

-- Codificação mais utilizada -- Diferentes teoristas propuseram diferentescodificações de modos rítmicos, sendo que muitas dessas codificações nem sempreeram concordantes. O teorista mais significativo, para o entendimento do sistema deNOTAÇÃO MODAL, foi Johannes de Garlandia (fl. ca. 1240), principalmente em seu tratadointitulado De mensurabili musica (ca. 1240). À época de Garlandia, a NOTAÇÃO MODAL

estava virtualmente estabelecida, e seus trabalhos figuram não como propostas sujeitas aaprovação posterior, mas como relatos de um sistema já fixado. Além disso, o trabalhode Garlandia apresenta razoável clareza expositiva, apropriada ao uso acadêmico (e aointuito pedagógico da disciplina de História da Música).

33 O termo NOTAÇÃO MENSURAL (em sentido específico) é habitualmente reservado pelos

musicólogos àquela notação na qual figuras diferenciadas (i.e., desenhos diferenciados de notas) denotam

durações (divisões e relações rítmicas) também diferenciadas -- cf. explicação sobre NOTAÇÃO

MENSURAL no trecho sobre NOTAÇÃO FRANCONIANA , abaixo. É essa NOTAÇÃO MENSURAL

propriamente dita que apresenta os principais conceitos e aparência mais próximos àqueles da notação

rítmica moderna.

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FIC 2006 / PROF. CLÓVIS DE ANDRÉ HISTÓRIA DA MÚSICA (IDADE MÉDIA) – 120

-- Designações de cada MODO RÍTMICO -- As estruturas mínimas de duração de cadaMODO RÍTMICO estão baseadas na métrica poética das línguas clássicas (Grego e Latim),estruturada em função de duas durações básicas: longa e breve (ou curta), que tambémeram as durações silábicas nestas línguas -- cf. tabela abaixo indicando a designação epadrão de duração das versificações clássicas utilizadas na época (acompanhados dosdevidos símbolos prosódicos para as durações breve e longa). (N.B.: Na tabelaapresentada após o item Indicações de cada MODO RÍTMICO, os nomes de cada MODO

RÍTMICO são habitualmente apresentados através de adjetivos -- e.g., modo rítmicotrocáico, modo rítmico dactílico, ou simplesmente, trocáico, dactílico, iâmbico, etc.,embora alguns autores tenham prefirido manter a indicação dada pelos termossubstantivos da versificação Clássica.)

Designação Padrão de duraçãoSímbolos prosódicos de

duração

Troqueu longa - breve ¯ ˘Iambo breve - longa ˘ ¯Dáctilo longa - breve - breve ¯ ˘ ˘

Anapesto breve - breve - longa ˘ ˘ ¯Espondeu longa - longa - longa ¯ ¯ ¯

Tríbraco ou Tribráquio breve - breve - breve ˘ ˘ ˘

-- Transcrição moderna das durações utilizadas -- Em notação rítmica moderna, asdurações longa e breve são normalmente transcritas como semínima ( ) e colcheia ( ), respectivamente. Assim, denomina-se modo rítmico trocáico aquele cuja estruturamínima é formada pela seqüência do tipo semínima + colcheia ( ) e modo rítmicoiâmbico, por aquela do tipo colcheia + semínima ( ). Nos modos com estruturasmínimas que incluem duas durações breves e uma longa, a segunda breve é concebidacomo tendo maior duração que a primeira (neste caso, duração dupla) e a longa éconcebida como um valor ternário (equivalente a uma semínima-pontuada, ou seja, ).Assim, o modo rítmico dactílico é aquele cuja estrutura mínima é formada pela seqüênciado tipo semínima-pontuada + colcheia + semínima ( ) e o modo anapéstico, poraquela do tipo colcheia + semínima + semínima-pontuada ( ). No modoespondáico, formado por três durações longas, todas são tomadas como valoresternários individuais e transcritos como seminímas-pontuadas ( ). Já no modotribráquico, formado por três durações breves, todas são tomadas como valores simplesindividuais e transcritos como colcheias formando uma unidade ternária ( ).

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-- Estruturas mínimas -- A transcrição moderna, exposta acima, é devida a conceitosespecíficos presentes nos tratados da época que explicavam essa NOTAÇÃO MODAL.Naqueles tratados, as duas durações básicas (longa e breve) eram explicadas da seguintemaneira: a longa deveria ter duas vezes a duração da breve. No entanto, esse conceito eramutável, em função da seqüência de durações, pois também vigorava um outro conceito:a junção ou apresentação isolada dessas durações deveria sempre determinar unidadesrítmicas perfeitas -- i.e., unidades ternárias. Aquilo que nesta apostila está denominadocomo 'estrutura mínima' de cada MODO RÍTMICO é uma particular seqüência das duraçõeslonga e breve, gerando um total de 6 MODOS (pelo menos de acordo com as explicaçõesde Johannes de Garlandia -- vide acima). Como vista acima, cada uma das 'estruturasmínimas' desses MODOS poderia conter uma ou mais unidades perfeitas: (a) em três deles(o trocáico, o iâmbico e o tribráquico) a estrutura mínima é uma unidade ternáriaformada por valores simples ou binárias; (b) em dois deles (o dactílico e o anapéstico) aestrutura mínima consta de duas unidades ternárias formada por valores simples,binárias ou ternárias; (c) um deles (o espondáico) apresenta três unidades ternáriasformadas por valores também ternários.

-- Indicações de cada MODO RÍTMICO -- Como dito acima, a indicação (ouidentificação) de cada MODO RÍTMICO é feita principalmente através de uma seqüênciaparticular de LIGATURAE (lat., sing. LIGATURA) -- eram observadas as 2 ou 3 primeirasligaturae de um frase rítmica. A tabela abaixo, mostra cada seqüência particular (nacoluna da direita, intitulada Nº DE NOTAS DAS 3 PRIMEIRAS LIGATURAE), correnspondenteaos MODOS RÍTMICOS (cada qual com seu número e designação apresentados,respectivamente, nas colunas da esquerda e central). De fato, utilizavam-se tanto notassoltas (representadas pelo número 1 na coluna da direita, aparecendo para os modosdactílico, anapéstico e espondáico), quanto ligaturae (i.e., junções com duas ou maisnotas) propriamente ditas (na coluna da direita, os números 2, 3 e 4 representam o nº denotas constantes em ligaturae individuais). Ver abaixo, também a ilustração sob o título"Padrões de ligaruras indicativos de cada modo rítmico" (HOPPIN, 1978, p. 224, "Table9: Ligature Patterns of the Rhythmic Modes") -- nessa ilustração, note que as ligaturaesão indicadas em notação moderna por um colchete colocada acima das notas,abrangendo todas aquelas que fazem parte da ligatura original.

MODO RÍTMICO Nº DE NOTAS DAS 3PRIMEIRAS LIGATURAE

NÚMERO DESIGNAÇÃO

1 trocáico 3 2 2

2 iâmbico 2 2 3

3 dactílico 1 3 3

4 anapéstico 3 3 1 ou 3 3 2

5 espondáico 1 1 1 ou 3 (uma ligatura)

6 tribráquico 4 3 3

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-- Frases rítmicas (ordines) -- As frases rítmicas (denominadas ordines, cujo singularé ordo) eram formadas por uma junção de duas ou mais frases rítmicas, podendo haverdois tipos: a ordo completa e a ordo incompleta, sempre marcadas por uma pausafinal.34 Cada estrutura mínima (e.g., longa-breve para o trocáico, ou longa-breve-brevepara o dactílico) pode ser seguida imediatamente por outras estruturas mínimas (semprede acordo com o mesmo modo rítmico estabelecido pelas ligaturas iniciais). A ORDO serácompleta quando a frase terminar com uma estrutura mínima completa, tomando sua aúltima duração como pausa. No caso de uma ORDO completa em trocáico, por exemplo, afrase deverá terminar com uma pausa correspondente ao valor 'breve', sendo precedidopor uma nota correspondente ao valor 'longo' -- em notação moderna esta finalizaçãopara um trocáico com ordo completa se traduz por uma pausa final de colcheiaprecedida por uma semínima. A ORDO será incompleta quando a frase terminar com umaestrutura mínima incompleta, mais especificamente na primeira duração dessa estruramínima, que é então tomada como pausa. No caso de uma ORDO incompleta em modotrocáico, a frase deveria terminar com uma pausa correspondente ao valor 'longo' -- emnotação moderna essa pausa final de um trocáico com ordo incompleta se traduz comouma pausa de semínima. Note que após o padrão inicial das ligaturae (i.e., nº de notasdas 3 primeiras ligaturae), que determina o modo, não precisa ser seguido para as notasseguintes dentro de uma mesma frase, até o aparecimento de sua finalização em pausa.Observe que na ilustração anexa, abaixo, sob o título "Padrões de ligaturas indicativosde cada modo rítmico", as frases rítmicas apresentadas para cada modo correspondemtodas a ordines completas, que parecem ter sido as mais utilizadas no repertórioregistrado em NOTAÇÃO MODAL. De fato, conforme Richard Hoppin (1978, 223), aexistência de ordines incompletas parece ter sido principalmente teórica, pois na práticaa maioria delas era do tipo completo. Além disso, a utilização de ordines incompletas,pois quebra a seqüência de estruturas ternárias (i.e., perfeitas), impondo assim umelemento de imperfeição que contraria os preceitos da organização musical e filosóficada época -- essa imperfeição só será realmente discutida em música a partir dasproposições de Franco de Colonia (cf. o item NOTAÇÃO FRANCONIANA, abaixo).

==> OBS.: Uma voz poderia utilizar um MODO RÍTMICO diferente daquele utilizado poroutras vozes na mesma peça musical—o caso típico é aquele do TENOR de uma CLAUSULA

que freqüentemente utilizava o modo 5 (espondáico), embora as outras vozes acima doTENOR normalmente seguissem um MODO RÍTMICO comum. Uma única voz poderia,teoricamente, utilizar também MODOS RÍTMICOS diferentes no decorrer de sua melodia, naprática habitual, porém, cada voz mantinha o uso de um único MODO RÍTMICO, mesmoque parecessem haver modificações momentâneas através do uso de fractio modi(fragmentação do modo) ou de extensio modi (extensão do modo).

34 A tradução de ordo é, literalmente, 'ordem' ou 'arranjo'. Em meio a um texto em

português, optou-se por tratar o termo ordo e seu plural (ordines) como palavras femininas, pois estão

sendo utilizadas como substituições e definições específicas de frases rítmicas no contexto daquela época

-- no entanto, em latim ordo é um substantivo masculino.

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(HOPPIN, 1978, p. 224)Padrões de ligaturas (lat. ligaturæ) indicativos de cada modo rítmico

(HOPPIN, 1978, p. 226)Fragmentação do modo (lat. fractio modi) através de plicas (lat. plicæ)

(HOPPIN, 1978, p. 228)Algumas conjuncturæ (currentes) e suas possíveis transcrições modernas

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MOTETO MEDIEVAL

MOTETO DO COMEÇO DO SEC. XIII -- (também chamado de MOTETO DA ARS ANTIQUA)

-- 'Tropagem' -- Aparentemente resultante de 'tropagem' da voz ou vozes superiores deuma CLAUSULA, ou (em menor número) de um ORGANUM (principalmente em seções emestilo de DISCANTE).35

-- Origem do termo e distribuição das vozes -- O texto 'tropado' era cantado pela vozdenominada MOTETUS (latim), que é normalmente colocada nas transcrições modernaslogo acima do tenor (cantochão). O próprio termo parece ter sido derivado da palavrafrancesa 'mot' (lit, 'palavra', ou ainda 'sentença', 'idéia', 'mote').36 Outras vozes colocadasacima do MOTETUS são denominadas TRIPLUM e QUADRUPLUM (seguindo asdenominações utilizadas para o ORGANUM) -- ou seja, no caso do MOTETO, a vozdenominada MOTETUS está colocada na mesma posição de importância composicionalque a voz que seria denominada DUPLUM no caso do ORGANUM.

-- Idioma -- Os idiomas utilizados para o MOTETUS foram o latim ou o francês -- cf. item"politextualidade", abaixo.

-- Tratamento -- Predomina o tratamento silábico (ocasionalmente neumático).

-- Metro poético -- Normalmente é irregular. Devido à 'tropagem' de uma músicapreexistente, o metro de cada verso poético normalmente varia de acordo com o tamanhode cada frase musical, ou mesmo de acordo com o tamanho das ordines rítmicas.

35 Ernst Sanders (TNG 1, v. 12, p. 617) descreve esse início de prática do moteto como um

'tropus' da categoria 2, aplicados apenas a CLAUSULAE independentes ou a seções de CLAUSULAE

não-independentes dentro de um ORGANUM. Além disso, ele observa que apenas essas CLAUSULAE

preexistentes (independentes ou não), foram capazes de fornecer um modelo adequado para a música

mensural nascente, propiciando uma execução em que todas as partes vocais envolvidas fossem

mensuradas e predominantemente silábicas. Em sua interpretação, Sanders ainda deixa implícito que,

numa primeira leitura de um MOTETO, ele poderia ter sido ensaiado simplesmente como uma

CLAUSULA melismática, para depois receber a inserção de um texto literário silábico. De fato, as

considerações de Sanders parecem bastante razoáveis, mas apenas se aceitarmos que a única música

mensural disponível era aquela apresentada claramente através de notação modal.

36 O termo MOTETUS foi utilizado em tratados medievais para designar tanto a voz tropada

acima do tenor, quanto a peça (ou gênero composicional) como um todo. No entanto, para evitar maior

confusão terminológica, a musicologia moderna procura reservar o termo original (MOTETUS) apenas

para aquela voz acima do tenor, utilizando então sua tradução para designar o gênero composicional

(e.g., em português, MOTETO ou MOTETE; em inglês e francês, MOTET; em italiano, MOTETTO).

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-- Rimas -- Além da inclusão de palavras utilizadas no tenor (cantochão), como seriapróprio de um tropus de categoria 2, a 'tropagem' fazia uso de rimas e assonâncias (maisque simplesmente aliterações) que concordavam com aquelas palavras (ou palavra) dotenor original. Embora esta característica, das vozes superiores de MOTETOS, possa serverificada em poemas ('tropados') tanto em latim quanto em francês, é nos poemas emlatim que tais rimas ou assonâncias são observadas com maior freqüência.

-- Paráfrase literária e Contrafactum -- Podemos descrever a tropagem realizada noMOTETO como um contrafactum -- i.e., uma substituição de um texto literário (nestecaso, um poema) preexistente por um novo, mantendo a melodia original basicamenteinalterada, exceto por eventuais modificações prosódicas. Na origem do MOTETO, o tipode 'tropus' (ali utilizado) pode ser descrito como uma paráfrase literária ('comentário') dotexto original (em latim) do cantochão, embora existam muitos casos em que os poemasdas vozes superiores não encontrem qualquer relação com o cantochão (ou essa relaçãonão seja suficientemente explícita). As vozes superiores podem apresentar poemas tãoambíguos que ora sugerem uma ligação com o poema original (e seu conteúdo), orasugerem uma elaboração nova, a partir de intenções e/ou parâmetros independentesdaquele 'mote' apresentado no cantochão. No caso de poemas em latim, a paráfraseliterária é normalmente evidente, verificável através da inclusão de uma ou mais palavrasdaquele tenor (i.e., do cantochão), ou mesmo de simples assonâncias (conformemencionado acima). No caso de poemas em francês, essas paráfrases são menosevidentes e, em muitos casos, há ainda uma considerável dúvida se um MOTETUS emfrancês foi composto independentemente, ou se ele constitui (efetivamente) um paráfrasede textos de CLAUSULAE ou ORGANA preexistentes.37

37 De modo geral, o termo musical CONTRAFACTUM (Latim, pl., CONTRAFACTA) é aplicado

quando, para uma mesma melodia, um novo texto literário substitui o texto literário original --

independente de ser em forma de poemas ou de prosas. Nesse contexto, não há nenhuma obrigatoriedade

de manter, no novo texto literário, qualquer relação de conteúdo ou de sonoridade (rimas, assonâncias,

aliterações, etc.) com o texto original, como no caso específico da paráfrase literária. Assim, o termo

musical CONTRAFACTUM difere do termo literário denominado "paráfrase", pois este último pressupõe

alguma relação (ainda que tênue) com um texto literário preexistente. Em música, no entanto, usamos

o termo "paráfrase" (seria dizer mais especificamente "paráfrase musical") para situações em que uma

nova melodia é composta a partir de uma outra preexistente -- portanto sem haver necessariamente uma

mudança (ou mesmo presença) de texto literário. Tipicamente, em sua acepção musical, a "paráfrase" se

refere apenas a melodias preexistentes, que são levemente modificadas através de ornamentações ou

outros recursos (geralmente preservando a possibilidade de reconhecimento do original). De qualquer

modo, em nenhum dos dois casos (literário ou musical) a "paráfrase" pressupõe uma substituição,

apenas uma relação do gênero "mote –> texto desenvolvido", respectivamente considerando o texto

preexistente e o novo texto. Já o conceito de CONTRAFACTUM depende intrinsecamente de uma

substituição literária em meio a um material musical mantido virtualmente intacto (mesmo que

modificações, para fins de adaptação da prosódia, possam ser verificadas e permitidas).

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-- Repetição-de-tenor -- Entende-se por este termo, um recurso composicional(estrutural) através do qual uma melodia de CANTUS FIRMUS (normalmente proveniente deuma pequena seção de cantochão) é submetida a um padrão rítmico e repetida após suaprimeira exposição. Sendo este um recurso já utilizado nas CLAUSULAE (pelo menos aotempo de Pérotin), a repetição-de-tenor foi utilizada com freqüência no MOTETO DO INÍCIO

DO SEC. XIII.

-- CONDUCTUS-MOTETO -- O que caracteriza o CONDUCTUS-MOTETO é que o tenor mantém amelodia do cantochão inalterada, enquanto todas as vozes superiores apresentam um eapenas um poema. Além disso, o tenor do CONDUCTUS-MOTETO pode estar alinhadoritmicamente com as outras vozes (como na CLAUSULA), ou pode sustentar as notas numestilo basicamente não-mensural (como na COPULA de uma seção de discante de umORGANUM).

--> CONDUCTUS-MOTETO VERSUS CONDUCTUS & MOTETO

-- Num CONDUCTUS 'puro', o tenor normalmente segue o ritmo das outras vozes(quase fielmente -- algumas vezes de acordo com o mesmo modo rítmico), masnão haveria razão para evitar que ocasionalmente esse tenor sustentasse notas emestilo não-mensural, como num ORGANUM. Mas a principal diferença com oCONDUCTUS-MOTETO está no fato de que o CONDUCTUS 'puro' apresenta apenas umúnico texto para todas as vozes, de maneira homofônica (mesmo que pequenasalterações possam ocorrer). Do mesmo modo, a principal diferença entre oCONDUCTUS-MOTETO e o MOTETO também se encontra na apresentação dospoemas, pois no MOTETO cada voz possui um poema próprio, individual, diferentedo texto das outras vozes. Cabe notar, no entanto, que numa peça a 2 vozes asdiferenças entre CONDUCTUS, CONDUCTUS-MOTETO e MOTETO podem se tornarambíguas. Em tal peça, é o padrão rítmico do tenor que deve adquirir maiorimportância na tentativa de diferenciação, ou deve-se assumir que taldiferenciação não seja de fato tão significante para essa particular peça, oumesmo para o gênero a 2 vozes, ou ainda que este gênero a 2 vozes exploravaexatamente a ambigüidade e o paradoxo de diferenciações excessivamentedeterminadas.

-- INFLUÊNCIAS FRANCESAS (MÚSICO-SECULARES) -- O MOTETO, principalmente em seuinício, foi altamente influenciado pelas práticas seculares dentro da música francesa,especialmente daquelas advindas de trobadores e trouvères.

--> O uso substantivo francês "mot", principalmente sua latinização através dotermo "motetus", é apenas um dos aspectos que demonstra esta influênciasecular.

--> A presença de temas ligados ao 'amor cortês' (o fin' amours), nos poemasem francês das vozes superiores, é outro aspecto de igual importância.

-- USO FUNCIONAL --

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--> No caso do MOTETO com vozes superiores em latim, a função litúrgica épossível, mas assim mesmo discutível. Mesmo em relação às CLAUSULAE que setornaram independentes, essa função já era discutível (mesmo que parcialmente). Cabenotar, porém, que a própria derivação do MOTETO a partir da CLAUSULA (como suaprincipal fonte iniciadora) fica ainda mais evidente em relação ao MOTETO latino, pois emexplicações teóricas dentro do período inicial (in. sec. XIII) a nomenclatura utilizadapara referenciação e descrição do MOTETO envolvia (entre outros) o termo CLAUSULA CUM

LITTERA [LATINA] (lit., 'CLAUSULA COM PALAVRAS [EM LATIM]'). Tal termo permite admitira existência de uma função litúrgica acoplada, ou pelo menos de uma função litúrgicaainda vigente, ou mesmo não-abandonada. De fato, na literatura musical/teórica daépoca, as CLAUSULAE com palavras em latim não receberam inicialmente a denominaçãoMOTETO, que parece ter sido admitida apenas após o surgimento de MOTETOS em francês.

--> No caso do MOTETO em que as vozes superiores (todas ou não) apresentampoemas em francês, a função litúrgica é aparentemente mais remota e duvidosa, emboranão haja evidência suficiente certificando que tais textos seculares não tenham sidoutilizados dentro da liturgia (ou mesmo que tenham sido sistematicamente evitadosdentro do Igreja francesa). De qualquer forma, ao se tornar explícito o desligamento deuma função litúrgica, estabelece-se, em contrapartida, uma função puramente estéticacomo gênero músico-literário independente. Pode-se dizer, então, que o conceito deindependência do MOTETO, como gênero musical e músico-literário, derivaprincipalmente de sua herança e integração dentro do ambiente cultural francês.38

-- COMPOSITORES -- Os compositores deste repertório inicial de MOTETOS são raramenteidentificados ou identificáveis.

-- Politextualidade e independência poética

--> Quanto ao tenor (também chamado cantus) -- Como regra, o MOTETO medievalsempre apresenta o tenor com texto em latim (pois na maioria das vezes é derivado deum cantochão), ou é simplesmente apresentado sem texto. No sec. XIV, porém, o tenorpode apresentar texto em francês -- cabe assinalar, que tais tenores, além de mais raros,são ocasionalmente encontrados também no sec. XIII, apesar dessa ocorrência serconsiderada mais típica do sec. XIV.

--> Quanto às outras vozes -- Os idiomas utilizados em outras vozes podem serapresentados em 3 organizações (tipos) diferentes: (a) as vozes superiores apresentamexclusivamente textos em latim (MOTETO EM LATIM); (b) as vozes superiores apresentam

38 A interpretação atual dentre os musicólogos, de que a aquisição de uma independência

musical surge a partir de uma perda da função litúrgica, não explica como ou porque um status (ou sua

valorização) advém dessa suposta perda (ou desvalorização) do outro. Em contrapartida, pode-se

argumentar que uma função exclusivametne sacra (seja litúrgica ou meramente votiva e devocional)

pode permitir tanta independência musical, ao nível estético, quanto uma função secular, e vice-versa.

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exclusivamente textos em francês (MOTETO EM FRANCÊS); (c) politextualidade, que, numatextura a três vozes, significa que uma das vozes superiores seria cantada exclusivamenteem latim e outra exclusivamente em francês (MOTETO POLITEXTUAL). Neste último caso(politextualidade), embora qualquer das vozes superiores pudesse apresentar um textoem francês contra um texto em latim da outra voz, parece ter havido predominância daapresentação com um motetus em latim e um triplum em francês.

-- Mesmo antes de 1230, a ocorrência de motetus em francês com tenor emlatim parece ter encontrado certa preferência, denotando assim um processo desecularização do MOTETO.

-- MOTETOS POLITEXTUAIS são encontrados com mais freqüência a partir do finalsec. XIII e início do sec. XIV, embora haja poucos exemplares sobreviventesclassificados dentro deste tipo, se comparados com os outros tipos.

-- No sec. XIV, as vozes superiores (internamente) podem inclusive alternarentre seções em francês e em latim -- pelos exemplos sobreviventes, porém, essaalternância interna de dois idiomas parece ter sido ainda mais rara que aocorrência de tenores em francês.

--> Independência de conteúdos literários -- Comparando os textos das vozes(seja num MOTETO EM LATIM, num MOTETO EM FRANCÊS ou num MOTETO POLITEXTUAL),seus conteúdos podem ou não apresentar concordâncias. Em outras palavras, o texto dotriplum pode ou não versar abertamente sobre o mesmo assunto que o texto do motetus,ou mesmo que o texto do tenor, nem o texto do motetus precisa concordar em conteúdocom o texto do tenor. Mesmo no sec. XIII, podem ser encontrados motetos em que ostextos entre as várias vozes são contrastantes (e ocasionalmente contraditórios). Comgrande freqüência, no entanto, o texto de cada voz pode apresentar referências, ênfasesou comentários sobre o conteúdo do texto de outra voz (seja através de concordânciasdiretas, ou através de paradoxos e contrastes).

-- Textos em latim parecem apresentar uma ênfase em conteúdos marianos (i.e.,referências podem ser direta- ou indiretamente relacionadas à Virgem Maria).

-- Textos em francês usualmente versam sobre o amor cortês, embora mesmoalguns destes possam ser interpretados como referências ora à Virgem Maria,ora ao amor carnal -- paradoxalmente, algumas vezes a ambos.

--> MOTETOS EM LATIM -- Baseado em evidências sobre a origem de diversosmanuscritos, esses MOTETOS parecem ter ramificado do CONDUCTUS-MOTETO e outrasparáfrases e tropagens de CLAUSULAE (ou semelhantes). Além disso, esses MOTETOS

parecem ter sobrevivido à influência secularizante, predominante (pelo menos em termosliterários) dentro dos círculos parisienses.

-- Florescimento do MOTETO (Texturas)

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--> O período de maior florescimento do MOTETO MEDIEVAL vai, virtualmente, desdemeados do sec. XIII até o início da Renascença (embora existam exemplares anterioresa esse período).

-- 1. med. sec. XIII – Predomínio de motetos a 2 vozes (muitas vezesidentificados como CONDUCTUS-MOTETOS).

-- 2. med. sec. XIII – Predomínio de motetos a 3 vozes.

-- ex. sec. XIII & in. sec. XIV – Motetos a 4 vozes começam a surgir nesteperíodo, co-existindo com motetos a 3 vozes (estas texturas se tornaramprevalentes até o início do Renascimento).

-- Público-alvo -- De acordo com Hoppin (1978, p. 341), os motetos eram destinados aaudiências eruditas, seja nas cortes, nas igrejas ou nas universidades, ao passo que osrondeaus eram considerados próprios para o entretenimento da plebe ou mesmo deramos menos eruditos dentro da aristocracia -- tal fato não deve ser interpretado comestranheza, pois em sua origem o rondeau parece ter sido uma forma de dança-de-roda.Tal interpretação de Hoppin é baseada quase exclusivamente na leitura do tratado Arsmusice (ca. 1300), de Johannes de Grocheo, que apresenta dois aspectos notadamenteincomuns aos hábitos acadêmicos da Idade: (a) contém apenas raras referências a'autoridades' do passado e, mesmo assim, apenas àquelas autoridades aparentementeinevitáveis; (b) faz poucas referências à notação mensural.39

-- Título do MOTETO -- Em virtude da ocorrência de textos diferentes para cada voz, otítulo de um MOTETO é sempre composto pelo incipit (primeiras palavras) de todas asvozes. Cada incipit é separado do outro por uma barra (/) ou um travessão (— ou --),iniciando o título pela voz mais aguda e terminando com a mais grave (tenor). Assim, notítulo do MOTETO "Aucun vont/Amor qui cor/Kyrie" (NAWM 19), o poema iniciadopelas palavras "Aucun von" pertencem ao TRIPLUM, o poema iniciado pelas palavras"Amor qui cor" pertence ao MOTETUS e o "Kyrie" pertence ao TENOR (evidentementeportador de um cantochão). Em alguns casos, o TENOR poderia vir indicado pela palavra"Neuma", que pode encontrar no mínimo dois significados paradoxais: (a) podesignificar o uso de um cantochão (que originalmente era escrito através de NEUMAS) cujotexto se perdeu, ou mesmo cujo texto que não deva ser executado cujo significado; (b)pode significar apenas "melodia", neste caso sem identificação de um cantochãoparticular, podendo inclusive ser admitido que se trata de uma "melodia" profana,composta especialmente para aquele MOTETO e sem qualquer origem em cantochão.

39 O nome do autor também pode ser grafado "Grocheio" e o tratado também é conhecido por

três outros títulos alternativos: Theoria, Musica e De musica.

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NAWM 19 "Aucun vont/Amor qui cor/Kyrie" (ex. sec. XIII)-- MOTETO PETRONIANO (bilíngüe)

TRIPLUM

Aucun vont sovent Alguns falam freqüentemente,Por lor envie Por causa de inveja,40

Mesdisant d'amur, Mal do amor,Mais ilh n'est si bone vie Mas não há vida melhorCom d'amer louaiment; Que amar com lealdade;41

Car d'ameir vient tote cortoisie, Pois do amor vem toda a cortesia42

Tote honur Toda a honra,Et tos biens ensengnemens. E todos os bem ensinados.43

Tot ce puet en li proveir ki amie Tudo isto pode experimentar quem44

Wet faire sens boisdie Sem falsidade, tiver uma amanteEt ameir vraiement, E amar verdadeiramente,Car ja en li n'iert assise Pois nele nunca haveráVilonie Ne convoitise Vilania nem cobiça45

D'amasseir argent, De acumular dinheiro,Ains aime bune compagnie Mas ama a boa companhiaEt despent ades largement, E tanto gasta largamente,Et si n'at en li felonie Quanto nele não há delitoN'envie Nem invejaSor autre gent. De outras pessoas.

Mais ver chascun s'umilie Mas se humilha a qualquer um46

Et parolle cortoisement E fala cortesmente,S'ilh at dou tot, sens partie, Quando dá inteiro, imparcialmente,Mis sun cuer en ameir entierement. Seu coração integralmente ao amor.Et sachies k'ilh n'aime mie, E saiba que ele não ama a todos,Ains ment, Mas mente,Si silh soi demainne autrement. Quando se comporta d'outra maneira.

40 Ou, "por causa do ciúme".

41 Ou, "lealmente".

42 I.e., "do amor vem toda a capacidade de 'ser cortês' " (ideal do fin' amours).

43 Ou, "bem-educados".

44 I.e., "provar".

45 I.e., "ganância".

46 I.e., "demonstra humildade diante de qualquer pessoa".

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MOTETUS

Amor qui cor vulnerat Amor que fere o coraçãoHumanum, quem generat Humano, que geraCarnalis affectio, Afeição carnal,Numquam sine vicio Nunca sem vícioVel raro potest esse, Ou raramente pode ser,Quoniam est necesse Pois necessariamenteEx quo plus diligitur É tanto mais apreciadaRes que cito labitur A coisa que rapidamente desapareceVel transit, eo minus Ou passa47, quanto menosDiligatur Dominus. O Senhor é adorado.

TENOR

Kyrie eleison. Senhor, tende piedade.

47 Ou, "é transformada".

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NAWM 20 -- "Pucelete/Je languis/Domino" (ex. sec. XIII)-- MOTETO FRANCONIANO

TRIPLUM

Pucelete bele et avenant, Donzela amável e atraenteJoliete, pollie et plaisant, Bela, cortês e agradável,La sadete que je desir tant A bem-humorada que eu tanto desejo,Mi fait liés, Me faz amável,jolis, envoisiés et amant. bonito, amigável e amante.N'est en mai einsi gai Não há em Maio tão alegrerossignolet chantant. rouxinol cantando.S'amerai de cuer entieremant. Eu te amarei com todo o coração,M'amiete la brunete, jolietement. minha querida morena, alegremente.Bele amie, qui ma vie en vo baillie Doce amiga, que minha como refémAvés tenue tant, Tens mantido por tanto tempo,Je voz cri merci en souspirant. Eu vos imploro perdão, suspirando.

MOTETUS

Je langui des maus d'amours; Eu definho de mal-de-amor;Miez aim assez, qu'il m'ocie Eu prefiro morrer desteQue nul autre maus; Que de qualquer outro mal;trop est jolie la mort. a morte é demasiado bela.Allegiés moi, douce amie, Alivie-me, doce amiga,Ceste maladie, Desta doença,Qu'amours ne m'ocie. Para que o amor não me faça morrer.

TENOR

Domino. Ao Senhor.

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NAWM 21 "Garrit Gallus / In nova fert / Neuma" (in. sec. XIV)composição: Philippe de Vitry (1291-1361)

-- MOTETO ISORRÍTMICO

TRIPLUM

O galo balbucia, lamentando pesarosamente,Pois toda a assembléia de galos48

Chora porque, enquanto tomava conta [das coisas] diligentemente,Era traída pelo sátrapa.E a raposa49, como um ladrão de túmulos,Prosperando com a astúcia de Belial50,Governa como um monarca com o consentimentoDo próprio leão51. Ah! que escravidão.Veja, mais uma vez a família de JacóÉ escravizada por um outro Faraó.Não estando, como da primeira vez, capacitada a escaparÀ terra-natal de Judá, eles choram.Atingidos pela fome no deserto,Desprovidos da ajuda de outros,E embora gritem por socorro, eles são roubados;Talvez com maior rapidez eles morram.Oh! dura voz dos exilados miseráveis;Oh! pesaroso balbuciar dos galos,Pois a cegueira escura dos leõesSe submete à fraude da foca traiçoeira.Tu que sofre pela arrogância de suas má-ações,Levanta-te,Ou aquilo que possuis de "honroso" estará sendoOu será perdido, pois se os vingadores demoram [a agir],Os homens logo se voltarão a realizar malefícios.

48 A palavra em latim "gallus", pode ser traduzida literalmente como "galo", mas seu

significado também deve incluir a idéia de "gaulês", i.e., "francês" ou "o povo francês".

49 A indicação "raposa" (do latim "vulpes") é o codinome de Enquerran de Marigny,

conselheiro chefe do rei da França.

50 "Belial" é uma das formas do demônio personificado.

51 O "leão" representa o próprio rei da França naquele momento: Felipe IV, o Justo

(* 1268 – † 1314; reinado: 1285 – 1314).

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MOTETUS

Meu coração está decidido a falar de formasModificadas em novas [em novos corpos].52

O perverso dragão que o renomado MiguelDerrotou totalmente, certa vez, através do poderMilagroso da Cruz,Ora dotado com a graça de Absalão,53

Ora com a jovial eloqüência de Ulisses,Ora armado de dentes lupinos,Um soldado a serviço de Tersitas54

Vive novamente transformado em raposaCujo rabo o leão, privadoDas vistas [do público], obedece, enquanto a raposa governa.Ele suga o sangue das ovelhas e é saciado com galinhas.Ah!, ele não se cansa de sugar e ainda assim tem sede;Ele não se abstém das carnes durante a festa de casamento.Desgraçadas as galinhas, desgraçado o cego leão.Na presença de Cristo, finalmente, desgraçado o dragão.

TENOR

[Neuma]

==> A indicação 'neuma', querendo dizer simplesmente 'melodia', vem colocada entrecolchetes em virtude do Tenor ser apresentado (em todos os MSS) sem palavras. Talfato pode ser entendido como denotativo de uma execução por instrumentos, ou aindade um melodia tão conhecida na época que dispensaria qualquer referência ao textopoético. De qualquer modo, execuções instrumental e vocal do Tenor não sãonecessariamente excludentes -- i.e., podem ser realizadas simultaneamente.

==> Na tradução de NAWM 21, não há correspondência exata (verso a verso) com otexto original -- assim, não foi possível apresentá-la em paralelo ao texto em latim, comono caso dos textos e traduções de NAWM 19 (moteto petroniano) e NAWM 20(moteto franconiano).

52 Trata-se aqui de uma referência explícita ao início de Metamorfoses de Ovídio.

53 O terceiro filho de David, que se rebelou contra o pai.

54 Grego que lutou na guerra de Tróia, conhecido por seu aspecto assustador, espírito

excessivamente bélico, além de imprecações e outros impropérios verbais.

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* NOTAÇÃO FRANCONIANA * +

-- Antecedentes -- Tanto no CONDUCTUS, quanto no MOTETO (em sua evolução e desde aindependência composicional em relação à clausula), a notação modal se tornou inviávelna determinação dos padrões rítmicos, pois estes não mais poderiam ser indicadosatravés ligaturae -- fragmentadas (em figuras individuais) diante do tratamento silábico(ou mesmo neumático) imposto principalmente às vozes acima do tenor (i.e., motetus,triplum e quadruplum). No MOTETO, apenas o tenor (que permanecia fundamentalmentemelismático) continuava a ser escrito com notação modal.

-- Solução e Tratado de Referência -- Como solução diante da inviabilidade de uso danotação modal, foram atribuídos valores rítmicos específicos (durações) àquelas figurasindividuais. Essas durações seriam indicadas através dos diferentes formatos(desenhos) das figuras individuais. A designação NOTAÇÃO FRANCONIANA foi elaboradaem homenagem a Franco de Colonia (fl. ca. 1250-1280), autor do tratado Ars cantusmensurabilis (p.p. 1250), que é considerado uma das referências mais importantes nasistematização destes novos padrões de indicação rítmica.

==> NOTAÇÃO MENSURAL -- Este termo possui dois significados: um genérico,outro específico. No sentido genérico, NOTAÇÃO MENSURAL se refere a qualquertipo de notação musical rítmica. No sentido específico, NOTAÇÃO MENSURAL é umtermo contraposto ao termo NOTAÇÃO MODAL (i.e., que envolve os modos rítmicos-- vide acima). Neste sentido específico, o termo engloba toda a notação rítmicautilizada entre ca. med. sec. XIII a sec. XVI, que (ainda assim) pode sersubdivido em diversas notações: NOTAÇÃO FRANCONIANA (fl.ca. med.sec.XIII),NOTAÇÃO PETRONIANA (fl.ex.sec.XIII), NOTAÇÃO (FRANCESA) DA ARS NOVA

(1.med.sec.XIV) -- Phillipe de Vitry e Jehan des Murs, NOTAÇÃO (ITALIANA) DO

TRECENTO (1.med.sec.XIV) -- Marchetto da Padova, NOTAÇÃO DA ARS SUBTILIOR

(ex.sec.XIV-in. sec.XV), NOTAÇÃO MENSURAL BRANCA (fl.p.1425); ou seja, otermo NOTAÇÃO MENSURAL é aplicado a todas as soluções utilizadas e surgidas apartir dos trabalhos de Franco de Colonia.

-- Alguns dos principais elementos (do sistema exposto por Franco) --

--> Três valores mensurais básicos -- Foi proposto o estabelecimento de trêsvalores rítmicos específicos, com representação gráfica através de notas individuais:longa (pl. longae), brevis (pl. breves), semibrevis (pl. semibreves) -- existindo aindaa duplex longa (pl. duplex longae). O modelo gráfico para a longa foi o neumadenominado virga -- servindo também para a duplex longa. O modelo gráfico para abrevis foi o neuma denominado punctum quadratum. O modelo gráfico para asemibrevis foi o punctum inclinatum (uma nota de tipo lozangular).

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--> Variações quantitativas para os três valores básicos -- A longa (o maiorvalor básico) poderia ser perfecta ou imperfecta: tendo a longa perfecta o valor detrês breves e a longa imperfecta o valor de duas breves. A brevis poderia ser rectaou altera[ta]: a brevis altera (ou alterata) sendo duas vezes o valor da brevis recta.À semelhança do conceito aplicado para a brevis, a semibrevis poderia ser maiorisou minoris: a semibrevis maioris sendo duas vezes o valor da semibrevis minoris --com freqüência o termo semibrevis (sem qualificação) era utilizado em lugar desemibrevis minoris (sendo este equivalente ao valor mais comum).

--> Ponto-de-divisão -- Criação de um ponto-de-divisão (denominado divisiomodi) que servia para marcar os limites entre as perfeições.

--> Perfeição e imperfeição -- Conceito de perfeição (versus imperfeição) aplicadoà música como um todo, sendo a perfeição equivalente a uma relação ternária(perfeita como a SS. Trindade) e a imperfeição equivalente a uma relação binárias(habitualmente definida como "aquela que não atingiu a perfeição", ou à qual faltauma parte para se tornar perfeita). Dentro destes conceitos, a perfeição éconsiderada a base de toda a música -- não existe, assim, a possibilidade deagrupamentos rítmicos com base na imperfeição (agrupamento binário) que, seencontrada, deve ser sempre completada até atingir a perfeição (agrupamentoternário). Uma perfeição pode ser expressa de várias maneiras (ou variáveissemelhantes), por exemplo:

(a) uma longa perfecta, ou três breves rectae, ou seis semibrevesminoris;(b) longa imperfecta + brevis recta;(c) brevis recta + brevis altera.

==> Como se pode perceber, o conceito de perfeição, como a própriaorganização dos modos rítmicos, está baseada no pareamento de doisvalores, um curto e um longo, que são a base da métrica e da prosódia latina.Assim, a perfeição, como agrupamento rítmico básico, existe tanto naquelaNOTAÇÃO MODAL quanto na NOTAÇÃO FRANCONIANA; a diferença mais evidentereside no fato de que a MODAL utiliza ligaturae (ou depende delas) pararepresentar os vários agrupamentos, enquanto que a FRANCONIANA possibilitaa utilização de figuras individualizadas para determinar os valores rítmicos.

--> Re-interpretação das ligaturae -- A utilização dos neumas denominadospodatus e clivis foram tomados como base para a interpretação das ligaturae,possibilitando seu uso dentro de um novo entendimento rítmico (agora baseadono uso dos três valores mensurais básicos), pois cada nota de uma ligatura eraagora interpretada com valores específicos. O podatus foi adotado como padrãográfico para a ligatura ascendente e a clivis, para a ligatura descendente -- noteque estas são ligaturae de apenas duas notas. Esses padrões foram tambémsubmetidos à análise sobre a presença (cum) ou ausência (sine) de duasqualidades: proprietas (lit., "propriedade" -- referente ao modo como uma

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ligatura é iniciada) e perfectio (lit., "perfeição" -- referente ao modo como umaligatura termina). As ligaturae cum proprietatem são aquelas que seguem ospadrões gráficos estabelecidos para a primeira nota de cada uma dasligaturae-modelo. As ligaturae sine proprietatem são aquelas que não seguemos padrões gráficos da primeira nota de cada um dos modelos. Similarmente, asligaturae cum perfectionem são aquelas que obedecem aos padrões gráficosestabelecidos para a última nota das ligaturae-modelo e as ligaturae sineperfectionem, aquelas que não obedecem esses padrões para aquela última nota.Existe também o caso das ligaturae cum opposita proprietatem, que contrariamapenas um dos preceitos gráficos dos modelos -- vide abaixo. Quanto àinterpretação dos valores mensurais associados a esses vários tipos de ligatura,aplicam-se as seguintes regras: (a) numa ligatura cum proprietatem e cumperfectionem a primeira nota é sempre uma brevis e última sempre uma longa;(b) numa ligatura sine proprietatem, o valor da primeira nota é entendido comoaquele de uma longa; (c) numa ligatura sine perfectionem, o valor da última notaé entendido como aquele de uma brevis; (d) numa ligatura cum oppositaproprietatem, o valor das duas primeiras notas é sempre igual a duassemibreves; (e) em quaisquer ligaturae, todas as notas intermediárias devem sersermpre interpretadas como breves. Portanto, para fazer as determinações decum or sine para os conceitos de proprietas e perfectio, e assim determinar osvalores mensurais das notas, é necessário entender quais são os padrões gráficosdo podatus e da clivis quanto às suas notas iniciais e finais.

==> Os padrões gráficos do podatus são as seguintes: a nota inicial éuma nota quadrada sem haste e, acima dela, a última nota é uma notaquadrada com haste descendente à direita (i.e., dando continuidade àaresta direita da nota).

==> Os padrões gráficos da clivis são os seguintes: a nota inicial éuma nota quadrada com haste descendente à esquerda (i.e., dandocontinuidade à aresta esquerda da nota) e, abaixo e à direita dela, a últimanota é uma nota quadrada sem haste, embora possa haver uma hasteascendente à esquerda da última nota ligando-a à aresta direita da notaanterior (virtualmente, esta haste se verifica apenas quando o intervaloentre as duas notas é maior que 3a., para proporcionar um efeito gráficode ligação física entre elas).

==> Uma ligatura cum proprietatem (com a primeira nota interpretadacomo brevis): ascendente (i.e., se a primeira nota for mais grave que asegunda) é aquela cujo desenho dessa primeira nota segue os padrõesgráficos descritos para a primeira nota do podatus; descendente (i.e., sea primeira nota for mais aguda que a segunda) é aquela cujo desenhodessa primeira nota segue os padrões gráficos descritos para a primeiranota da clivis.

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==> Numa ligatura sine proprietatem (com a primeira nota interpretadacomo longa): ascendente, quando o desenho da primeira nota contrariaaquele padrão gráfico definido para o podatus (e.g., a primeira notapoderia ter uma haste descendente à esquerda, ou ser desenhada comonota oblíqua); descendente, quando o desenho da primeira notacontraria aquele padrão gráfico definido para a clivis (e.g., a primeiranota poderia não possuir qualquer haste, ou ser desenhada como notaoblíqua).

==> Uma ligatura cum perfectionem (com a última nota interpretadacomo longa): ascendente (i.e., se a última nota for mais aguda que aanterior) é aquela cujo desenho dessa última nota segue os padrõesgráficos descritos para a última nota do podatus; descendente (i.e., se aúltima nota for mais grave que a anterior) é aquela cujo desenho dessaúltima nota segue os padrões gráficos descritos para a última nota daclivis.

==> Numa ligatura sine perfectionem (com a última nota interpretadacomo brevis): ascendente, quando o desenho da última nota contrariaaquele padrão gráfico definido para o podatus (e.g., a última notapoderia ter uma haste descendente à esquerda, ou não possuir qualquerhaste, ou ser desenhada como nota oblíqua); descendente, quando odesenho da primeira nota contraria aquele padrão gráfico definido para aclivis (e.g., a última nota poderia possuir uma haste descendente à direita,ou ser desenhada como nota oblíqua).

==> Uma ligatura cum opposita proprietatem (com as duas primeirasnotas interpretadas como semibreves), é aquela que apresenta uma hasteascendente à esquerda da primeira nota (que pode tanto ser quadradaquanto oblíqua), independente do contexto ser ascendente oudescendente.

-- Adaptações e inovações aos padrões gráficos e mensuarais anteriores -- É importantenotar na teoria de Franco (e outros), que os novos conceitos denotam um alto grau deadaptação a procedimentos mensurais e notacionais preexistentes. Franco nãoabandonou o aspecto predominantemente ternário (perfeito) existente na NOTAÇÃO

MODAL, apenas ofereceu novas formas (e conceitos) para indicar as várias organizaçõesrítmicas. Em outras palavras, embora fosse ainda predominante a métrica na qual aNOTAÇÃO MODAL estava baseada, abriu-se também a possibilidade de criação de padrõesrítmicos puramente musicais (i.e., independentes de motivação extra-musical),não-atrelados àquela métrica poética. Além disso, as ligaturae não foram abandonadas,apenas re-interpretadas, re-contextualizadas e adaptadas aos novos conceitos de valoresmensurais básicos.