1- direito civil - parte geral

Upload: anderson-faia

Post on 06-Jan-2016

13 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

art 4.

TRANSCRIPT

  • 1

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    INTRODUO PARTE GERAL

    A ESTRUTURA DO CDIGO

    Em um Pas, como esclarece Miguel Reale, h duas leis fundamentais: a Constituio e o

    Cdigo Civil. A primeira estabelece a estrutura e as atribuies do Estado em funo do ser humano e da sociedade civil. A segunda se refere pessoa humana e sociedade civil como tais, abrangendo suas atividades essenciais.

    O Cdigo Civil atual dividido em seis partes:

    a) Parte Geral elaborada por Jos Carlos Moreira Alves. b) Direito das Obrigaes elaborada por Agostinho de Arruda Alvim. c) Direito de Empresa elaborada por Sylvio Marcondes. d) Direito das Coisas elaborada por Ebert Vianna Chamoun. e) Direito de Famlia elaborada por Clvis do Couto e Silva. f) Direito das Sucesses elaborada por Torquato Castro.

    O eminente jurista Miguel Reale foi o coordenador-geral e o responsvel pela codificao. O Projeto do Cdigo Civil foi aprovado pela Cmara dos Deputados em 1994, figurando como relator-geral o saudoso Deputado Ernani Satyro. Em novembro de 1997, o Projeto foi aprovado pelo Senado Federal, com base no parecer final do relator-geral, Senador Josaphat Marinho, com 332 emendas.

    Dentre as inovaes do Cdigo em vigor, destaca-se a unidade do Direito das Obrigaes, justificada pelo fato de o Cdigo Comercial de 1850 se tornar completamente superado. O novo Cdigo Civil, em seguida ao Direito das Obrigaes, introduz uma parte nova, que o Direito de Empresa. A ideia, preconizada pelo jurista Caio Mrio da Silva Pereira, de elaborar um Cdigo das Obrigaes separado do Cdigo Civil, foi rejeitada, mantendo-se a unidade da codificao.

    PRINCPIOS

    So trs os princpios norteadores do Cdigo Civil de 2002, a saber: a) Princpio da Socialidade b) Princpio da Eticidade c) Princpio da Operabilidade

    O Princpio da Socialidade consiste na prevalncia dos interesses coletivos sobre os

    individuais. Aludido princpio se ope ao sentido individualista que motivou o Cdigo Civil anterior. Dessa forma, surgiu um novo conceito de posse, a posse-trabalho, reduzindo-se o prazo de usucapio, se o possuidor instalar no imvel a sua moradia ou realizar investimentos de interesse social e econmico.

    O Princpio da Eticidade o que confere maior poder ao Juiz para decidir o caso concreto, no s suprindo as lacunas da lei, mas tambm resolvendo os litgios com base na equidade, quando autorizado pelo ordenamento jurdico, ou quando a norma expressa for deficiente ou inajustvel para o caso concreto. No novo Cdigo, nem tudo se resolve por meio de preceitos normativos expressos, pois so fartas as referncias eqidade, boa-f, justa causa e demais critrios ticos. O grande nmero de hipteses em que a deciso deve se basear em critrios tico-jurdicos amplia, em nome

  • 2

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    de uma soluo mais justa ou equitativa, os poderes do magistrado. Como esclarece Miguel Reale, no novo Cdigo no prevalece a crena na plenitude hermtica do Direito Positivo, sendo reconhecida a imprescindvel eticidade do ordenamento. Nesse sentido, posto o Princpio do Equilbrio Econmico dos Contratos como base tica de todo Direito Obrigacional.

    Finalmente, o Princpio da Operabilidade consiste no fato de estabelecer solues normativas de modo a facilitar a interpretao e a aplicao do direito, eliminando-se, por exemplo, as dvidas hermenuticas que persistiam no Cdigo anterior, como a polmica distino entre prescrio e decadncia. De fato, o Cdigo atual enumera, na Parte Geral, os casos de prescrio, inserindo as hipteses de decadncia em conexo com a disposio normativa que as estabelece.

    DAS PESSOAS

    DAS PESSOAS NATURAIS

    OS SUJEITOS DE DIREITO. CONCEITO. ESPCIES

    Sujeito de direito o ente referido pela norma jurdica como sendo o titular ou o possvel

    titular de direitos e obrigaes. Como ensina Fbio Ulhoa Coelho, sujeito de direito o centro de imputao de direitos e obrigaes referidos em normas jurdicas.

    Saliente-se, desde logo, que nem todo sujeito de direito pessoa, embora a maioria da doutrina utilize as expresses como sinnimas.

    Considerando-se que direito subjetivo o poder de agir atribudo a um sujeito ou titular, fora convir, como assevera Washington de Barros Monteiro, que, presente determinado direito, h de existir forosamente um sujeito que lhe tenha a titularidade.

    Modernamente, entende-se que esse sujeito pode ser de duas categorias: personalizados e despersonalizados.

    Os sujeitos personalizados so os dotados de personalidade jurdica. Significa que podem praticar a maioria dos atos e negcios jurdicos. Esses sujeitos so: a pessoa fsica e a pessoa jurdica.

    Os sujeitos despersonalizados, por sua vez, como revela Fbio Ulhoa Coelho, podem praticar apenas os atos inerentes sua finalidade (se possurem uma) ou para os quais estejam especificamente autorizados. Esses sujeitos so: o nascituro e as chamadas quase pessoas jurdicas (esplio, massa falida, herana jacente, condomnio edilcio e pessoa jurdica sem registro). Esses entes no desfrutam de personalidade jurdica, mas, como veremos, podem figurar em algumas relaes jurdicas.

    PESSOA. CONCEITO. ESPCIES Pessoa, na acepo jurdica, o titular de direitos e obrigaes. Nesse sentido, pessoa

    espcie do gnero sujeito de direito ou sujeito da relao jurdica. , pois, o nico ente dotado de personalidade jurdica.

    Duas so as espcies de pessoas: a) pessoa natural ou pessoa fsica: o ser humano. b) pessoa jurdica ou pessoa moral ou pessoa coletiva: organizaes que visam realizao

    de um certo interesse.

  • 3

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    PERSONALIDADE JURDICA

    CONCEITO

    Personalidade jurdica a aptido genrica para adquirir direitos e contrair obrigaes. Tanto a pessoa fsica quanto a pessoa jurdica so dotadas dessa personalidade. No tocante pessoa natural, a personalidade emana do simples nascimento com vida, ao

    passo que a pessoa jurdica de direito privado s a adquire a partir do registro do seu ato constitutivo no Cartrio competente. Assim, o registro da pessoa humana meramente declaratrio, ao passo que o da pessoa jurdica constitutivo.

    Dispe o art. 1 do CC que toda pessoa capaz de direitos e deveres na ordem civil. Veja que o Cdigo Civil usa a palavra pessoa, em vez de homem, abstendo-se de enfatizar apenas o aspecto masculino, outrossim, deveres, que uma acepo mais ampla do que obrigaes, pois estas se referem apenas a prestaes patrimoniais, ao passo que deveres o gnero que abrange as obrigaes e outras imposies normativas de carter extrapatrimonial. Portanto, no existe, no Brasil, ser humano destitudo de personalidade jurdica, esta inerente natureza humana. Quanto aos aptridas, que no pertencem a Estado algum, tambm desfrutam de personalidade jurdica. Igualmente os estrangeiros e os doentes mentais. No Brasil, cumpre observar que, ao tempo da escravatura, os escravos no eram pessoas, equiparavam-se s coisas.

    Quanto aos animais, no so pessoas. Por consequncia, no podem adquirir direitos e obrigaes. Igualmente, as almas e santos. Nulos so, portanto, os contratos e testamentos em favor desses seres.

    INCIO DA PERSONALIDADE

    O incio da personalidade jurdica varia conforme se trate de pessoa fsica ou de pessoa jurdica.

    A personalidade civil da pessoa fsica comea a partir do nascimento com vida (art. 2 do CC). Sobre o assunto tem trs teorias. A primeira a teoria natalista, que exige, para a aquisio

    da personalidade, o nascimento com vida. A segunda a teoria concepcionista, que defende o incio da personalidade desde a concepo, considerando o nascituro como pessoa. A terceira a teoria da viabilidade, adotada na Frana, que condiciona o incio da personalidade existncia fisiolgica de vida, isto , de rgos essenciais ao corpo humano, como crebro, rins, e outros.

    A doutrina dominante sustenta que o Cdigo Civil adotou a teoria natalista, de modo que

    nascituro no pessoa. Uma corrente minoritria filia-se teoria concepcionista. Prevalece a opinio de Maria Helena Diniz, que o Brasil acolheu uma teoria mista, pois os direitos da personalidade so adquiridos desde a concepo, como o direito vida, integridade fsica, aos alimentos, imagem, sepultura, etc., enquanto os direitos patrimoniais s so adquiridos a partir do nascimento com vida, como o caso do direito de comprar, vender, aceitar doao, testamento, etc. Por consequncia, o nascituro no tem personalidade jurdica em relao aos direitos patrimoniais, mas tem personalidade jurdica quanto aquisio dos direitos da personalidade.

    Saliente-se, porm, que a personalidade regida pela lei do domiclio, conforme preceitua o art. 7 da LINDB. Portanto, tratando-se de mulher grvida domiciliada fora do Brasil, torna-se perfeitamente possvel a adoo da teoria da concepo, que atribui personalidade ao nascituro desde a concepo, se essa doutrina for a abraada no pas de origem. Da mesma forma, poder ser acolhida, nesse caso, a teoria da viabilidade.

  • 4

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    Discorrendo sobre o assunto, Washington de Barros Monteiro assevera: Para que ocorra o fato do nascimento, ponto de partida da personalidade, preciso ser que a criana se separe completamente do ventre materno. Ainda no ter nascido enquanto a este permanecer ligada pelo cordo umbilical. No importa que o parto tenha sido natural, ou haja exigido interveno cirrgica. No importa, outrossim, tenha sido a termo ou fora de tempo. No tocante ruptura do cordo umbilical, cremos no ser necessria, pois, como assevera Clvis Bevilqua, para que o nascimento com vida se perfaa basta que a criana respire o ar atmosfrico, razo pela qual tambm torna-se dispensvel a separao completa do ventre materno. A resoluo n 1/88 do Conselho Nacional de Sade preceitua que o nascimento com vida exige a expulso completa da criana do ventre materno e que os sinais de vida sejam demonstrados atravs da respirao ou de batimentos cardacos. No se exige o desprendimento da placenta.

    insuficiente, contudo, o nascimento; urge ainda que a criana tenha nascido com vida para que se lhe reconhea a personalidade. Sobre a prova do nascimento com vida, cumpre mencionar a docimasia hidrosttica de Galeno, segundo a qual os pulmes do recm-nascido so colocados num recipiente dgua: se sobrenadarem porque respirou, nascendo com vida; o que no sucede com os pulmes que no respiram. Acrescente-se, porm, que viver respirar, de modo que a prova dessa respirao pode ser suprida por testemunhas que presenciaram os vagidos e movimentos da criana.

    No Brasil, para a aquisio da personalidade, pouco importa o tempo de vida. Portanto, desde que tenha respirado, sero necessrios dois registros: o de nascimento e o de bito. Se, ao revs, no houver respirado, lavrar-se- apenas o registro de bito do nascituro, sendo vedado o registro do nascimento diante do fato de no ter sido pessoa.

    No se exige tambm o formato humano. Basta que promane do ventre materno. Se, ao revs, for dotado de caracteres humanos, mas no emanar de mulher, no ser considerado pessoa.

    No concernente ao incio da personalidade das pessoas jurdicas de direito privado, dispem os arts. 45 e 985 do CC que tal fato ocorre com a inscrio do ato constitutivo no respectivo registro. Quanto s pessoas naturais, o registro do nascimento meramente declaratrio, pois a personalidade jurdica inicia-se a partir do nascimento com vida.

    As sociedades simples esto no livro do direito de empresa, mas devem ser registradas no Registro Civil das Pessoas Jurdicas (art. 998 do CC).

    Assim, as sociedades, associaes, fundaes, organizaes religiosas e partidos polticos adquirem personalidade jurdica a partir da inscrio de seus atos constitutivos no Cartrio de Registro Civil das Pessoas Jurdicas. As sociedades empresrias devem ser inscritas na Junta Comercial.

    No concernente personalidade das pessoas jurdicas de direito pblico, como, por exemplo, autarquias, emana diretamente da lei que as criou.

    CONTEDO DA PERSONALIDADE Com relao ao contedo da personalidade jurdica, cumpre mencionar que implica na

    admissibilidade para prtica dos atos e negcios jurdicos em geral. Essa amplitude, contudo, restrita personalidade das pessoas naturais e das pessoas jurdicas de direito privado (sociedade, associao, fundao, organizao religiosa e partido poltico), s quais se aplicam o princpio da legalidade, previsto no art. 5, II, da CF, que as autoriza a praticar quaisquer atos ou negcios jurdicos no proibidos por lei. O que no proibido permitido. Assim, uma sociedade, por exemplo, pode comprar uma fazenda de gado. O nosso Cdigo afastou-se da teoria da ultra vires,

  • 5

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    que manda invalidar os negcios jurdicos estranhos ao objeto social da pessoa jurdica. O tema, porm, no pacfico; alguns juristas, com base no art. 1.015, pargrafo nico, inciso III, do CC, sustentam que teria sido adotada a teoria da ultra vires. Discordamos dessa exegese, porque o aludido dispositivo no probe a prtica de atos estranhos ao objeto social, mas apenas o excesso em relao s operaes evidentemente estranhas aos negcios da sociedade.

    Por outro lado, a personalidade das pessoas jurdicas de direito pblico mais restrita, porque em relao a elas o princpio da legalidade apresenta outro sentido. Com efeito, no mbito do direito pblico, o princpio da legalidade significa que o administrador s pode praticar os atos administrativos autorizados por lei. Se a lei no autoriza porque proibido.

    FIM DA PERSONALIDADE A existncia da pessoa natural termina com a morte (art. 6, primeira parte, do CC). A morte pode ser: real, presumida ou ficta. a) morte real: a que pressupe a existncia do cadver. atestada pelo mdico. Se no

    houver mdico, ser atestada por duas pessoas que tiverem presenciado ou verificado o fato (art. 77 da Lei 6.015/1973). Com base no atestado de bito, o Cartrio de Registro Civil lavra o registro de bito, e, em seguida, expede a respectiva certido de bito. Modernamente, prevalece o entendimento de que a verdadeira morte a cerebral do tipo enceflica, revelada pela ausncia de impulsos cerebrais (linha reta no eletroencefalograma, art. 3., 1., da Lei 9.434/1997 e Resoluo CFM n. 1.480/97), pois a morte clnica, isto , a cessao das funes circulatrias e respiratrias, por si s, insuficiente.

    b) morte presumida: por sua vez, ocorre quando, a despeito de o cadver no ser

    encontrado, h um juzo de probabilidade acerca de sua ocorrncia, apurada por meio do silogismo lgico. Pode verificar-se em duas hipteses:

    1. se for extremamente provvel a morte de quem estava em perigo de vida (art. 7., I, do

    CC). O art. 88 da Lei 6.015/1973 contm preceito similar, pois tambm presume a morte de uma pessoa desaparecida em catstrofe, quando estiver provada a sua presena no local do desastre e no for possvel encontrar o cadver para exame. No Cdigo Civil de 2002, no se exige o desaparecimento em catstrofe, isto , em um grande acontecimento, bastando dois requisitos: o perigo de vida e a probabilidade da morte.

    2. se algum desaparecido em campanha ou feito prisioneiro no for encontrado at dois anos aps o trmino da guerra (art. 7, II, do CC). Enquanto na hiptese anterior a probabilidade da morte extrema, na hiptese em apreo a morte tambm provvel, mas no de forma extrema, razo pela qual necessrio o decurso de dois anos aps o trmino da guerra. Anote-se que, antes desse prazo, a morte no pode ser declarada, ao passo que na hiptese anterior esse prazo no exigido.

    Nessas hipteses de morte presumida, a medida cabvel a ao de justificao de bito e no a ao declaratria de ausncia. O juiz prolatar sentena declaratria de morte presumida, fixando a data do falecimento ou se no se souber a data exata, o juiz fixa a data provvel do bito. A declarao de morte presumida, nesses casos, somente poder ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguaes, devendo a sentena fixar a data provvel do falecimento (pargrafo nico do art. 7 do CC).

    Outro caso de morte presumida o previsto na Lei 9.140/1995, referente s pessoas

  • 6

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    desaparecidas no perodo de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, acusadas de participar de atividades polticas. Essas pessoas, cujos nomes so elencados pela aludida lei, so reconhecidas como mortas, independentemente de sentena. O legislador as declarou mortas. Quanto aos militantes polticos desaparecidos, cujos nomes a lei no menciona, urge que o interessado proponha a ao declaratria de morte presumida, com base na Lei 6.683/1979, adotando-se o rito sumrio. Entretanto, a Lei 10.875/2004, que alterou a Lei 9.140/1995, dispe que se o Anexo da Lei no mencionar o nome de uma pessoa, a Comisso Especial, mediante requerimento do interessado, poder reconhecera condio de anistiado.

    c) morte ficta: a que se verifica com a sentena definitiva de ausncia, prolatada depois de

    dez anos do trnsito em julgado da sentena que concedeu a abertura da sucesso provisria. Na ausncia, h apenas uma suspeita de morte e no propriamente uma probabilidade. A medida cabvel a ao declaratria de ausncia, e no a ao de justificao de bito.

    Finalmente, a morte civil, consistente na perda da personalidade durante a vida, correspondente a capitis diminitio mxima do direito romano, no encontra guarida em nosso ordenamento jurdico, pois a personalidade irrenuncivel. H, porm, um resqucio de morte civil em relao ao herdeiro excludo por indignidade, que, para o fim de herana, considerado morto, tanto que os seus descendentes herdam em seu lugar, por representao. Outro resqucio de morte civil ocorre em relao ao militar declarado indigno do oficialato, ou com ele incompatvel, pois perder o seu posto e a respectiva patente, ressalvado sua famlia o direito percepo das suas penses, como se houvesse falecido (art. 142, 3., VI, da CF/88 e Decreto-lei 3.038/1941, art. 7.).

    COMORINCIA

    Comorincia a morte de duas ou mais pessoas, na mesma ocasio, sendo elas herdeiras

    entre si. Em no se apurando a ordem cronolgica dos bitos, o art. 8. do CC presume a comorincia,

    independentemente de sexo, idade ou estado civil, considerando-os simultaneamente mortos. Assim, enquanto a premorincia, isto , a morte precedente, e a ps-morincia, isto , a

    morte subsequente, devem ser comprovadas, a comorincia presumida. Na dvida sobre quem tenha falecido primeiro, o Cdigo presume o falecimento conjunto.

    O efeito da comorincia o seguinte: os comorientes no herdam entre si. No haver transmisso de bens entre os comorientes. Imagine, por exemplo, um casal sem descendentes e ascendentes, em que o nico herdeiro do marido, alm da sua esposa, seja um primo, e, por sua vez, a nica herdeira da varoa, alm do marido, seja a sua irm. Se o casal falece no mesmo evento, podem ocorrer as seguintes situaes:

    a) apura-se que o marido pr-morreu esposa. Esta recolhe a herana daquele, transmitindo em

    seguida sua irm. Haver dois fatos geradores do imposto causa mortis. b) apura-se que a mulher pr-morreu ao marido. Este recolhe a herana daquela, transmitindo

    em seguida ao seu primo. Igualmente, incidiro dois impostos causa mortis.

    c) no se apura quem morreu primeiro. Nesse caso, presume-se a comorincia, sendo certo que os comorientes no herdaro entre si. Assim, a herana do marido ser transmitida para seu primo; a herana da esposa, para a sua irm. Em cada herana, incidir um nico imposto causa mortis.

  • 7

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    QUASE PESSOA JURDICA

    Ao lado da pessoa natural e da pessoa jurdica h um ente intermedirio que pode figurar em

    algumas relaes jurdicas. a chamada quase pessoa jurdica ou ente despersonalizado. Com efeito, trata-se de determinados patrimnios especiais ou rgos pblicos que,

    conquanto destitudos de personalidade jurdica, titularizam alguns direitos e obrigaes. No podem ser reduzidos coisa nem alados ao status de pessoas.

    Esses entes despersonalizados so de duas ordens: a) Patrimnios especiais: Assemelham-se s pessoas jurdicas de direito privado, mas no se revestem dessa natureza

    jurdica, pois no constam no rol do art. 44 do CC. o caso do esplio, massa falida, herana jacente, condomnio edilcio e pessoa jurdica sem registro. Esses entes tm legitimao ad processum, pois podem ser autor e ru nas aes patrimoniais (art. 12, incisos III, IV, V, VII e IX, do CPC), mas no desfrutam de capacidade aquisitiva. Com efeito, no podem adquirir bens, figurando, por exemplo, como beneficirios de um contrato de doao ou ento em testamento, porquanto no gozam de personalidade jurdica, inviabilizando-se, destarte, o registro do imvel alienado. Abre-se uma exceo ao condomnio edilcio, pois o 3. do art. 63 da Lei 4.591/1964 permite-lhe a adjudicao da unidade do adquirente remisso. O aludido dispositivo legal s permite essa adjudicao na fase de construo, atribuindo direito de preferncia ao condomnio nas vinte e quatro horas seguintes realizao da segunda praa. No Estado de So Paulo, contudo, o magistrado Vencio Antonio de Paula Salles, titular da 1. Vara de Registros Pblicos da Capital, conferiu ao condomnio o poder de adjudicao ou arrematao de bem imvel em execuo movida em face de condmino por no pagamento da taxa condominial, mesmo aps o trmino da construo. Acrescente-se ainda que o esplio pode alienar bens com autorizao judicial, por fora do art. 992, I, do CPC. Igualmente, a massa falida. No podem, porm, figurar como adquirentes de bens, pois, como frisado, no desfrutam de personalidade jurdica.

    b) rgos pblicos: So os componentes de uma pessoa poltica, isto , da Unio, Estados-membros, Municpios e

    Distrito Federal. Exemplos: Cmara dos Vereadores, Assemblia Legislativa, Congresso Nacional, Cmara dos Deputados, Senado Federal, Tribunal de Contas, Tribunal de Justia, Ministrio Pblico, Secretarias de Governo etc. Esses entes podem, porm, impetrar mandado de segurana para a defesa de suas atribuies institucionais, por fora do art. 5., LXIX, da CF. A Mesa do Senado e a Mesa da Cmara dos Deputados ainda podem mover a ao direta de inconstitucionalidade, conforme preceitua o art. 103, II e III, da CF. O Ministrio Pblico, como sabido, pode propor as aes penais pblicas e aes civis para defesa de interesses individuais indisponveis, difusos ou coletivos. Afora essas excees, nenhuma outra ao pode ser ajuizada por esses entes. Jamais podero figurar no plo passivo de uma relao processual, sob pena de carncia de ao, salvo quando se tratar de mandado de segurana ou habeas data. No se pode, por exemplo, mover ao trabalhista contra a Cmara dos Vereadores nem ao de indenizao contra o Tribunal de Justia ou o Ministrio Pblico. Tambm no se pode vender ou doar bens a esses rgos, pois, no sendo eles pessoas, inviabiliza-se o registro do bem.

  • 8

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    NASCITURO

    A lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro (art. 2 do CC). O nascituro

    pessoa condicional, pois a aquisio da personalidade depende do nascimento com vida. A rigor, o nascituro, exceo do direito de nascer, no tem direito adquirido, mas apenas expectativas de direitos (direito in fieri).

    Todavia, o nascituro pode figurar em algumas relaes jurdicas autorizadas pela lei, a saber: a) a doao feita ao nascituro valer, sendo aceita pelo seu representante legal (art. 542 do

    CC); b) o testamento pode ser feito em favor de nascituro (art. 1.798 do CC); c) o nascituro pode ser reconhecido pelos pais (pargrafo nico do art. 1.609 do CC).

    Esses trs atos mencionados acima s produziro efeitos se sobrevier o nascimento com vida.

    Tratando-se de natimorto, opera-se a caducidade desses atos, porquanto elaborados sob condio suspensiva. No se pode, a propsito, vender bens para o nascituro, porque as hipteses previstas no Cdigo Civil relativas a direitos do nascituro so exaustivas, no os equiparando em tudo ao j nascido. O nascituro representado pelos pais. Dar-se-, porm, curador ao nascituro se o pai falecer estando grvida a mulher, e no tendo esta o poder familiar (art. 1.779 do CC). Se a mulher capaz, ela mesma exerce o poder familiar sobre o nascituro; nesse caso, no h falar-se em nomeao de curador. Se a mulher estiver interditada seu curador ser tambm curador do nascituro, por fora do instituto da curatela prorrogada (art. 1.779, pargrafo nico, do CC).

    Portanto, d-se curador ao nascituro apenas quando presentes trs requisitos:

    a) que o pai falea estando grvida a mulher; b) que esta no tenha o poder familiar; c) que ela ainda no esteja interditada. O interesse em se nomear curador ao nascituro ocorre quando houver expectativa de

    recebimento de alguma herana, legado ou doao. A jurisprudncia tem reconhecido o direito de alimentos em favor do nascituro, legitimando-o

    a promover a ao de alimentos. De fato, se a lei pe a salvo os seus direitos, desde a concepo, nada mais justo do que lhe atribuir o direito de ao. De nada adiantaria essa salvaguarda dos seus interesses se ele no pudesse mover as aes judiciais destinadas defesa desses direitos.

    Por outro lado, o nascituro ainda pode figurar no plo passivo de uma relao processual. Tal ocorre, por exemplo, na ao anulatria de doao ou testamento feitos em seu favor.

    Quanto ao embrio in vitro, uma primeira corrente ampliativa acertadamente o equipara a nascituro, protegendo-o desde a concepo, invocando o artigo 2 do CC que protege o nascituro desde a concepo e o nascituro a pessoa em formao, que se encontra no ventre materno ou fora dele. Portanto, o embrio congelado seria uma espcie de nascituro. Por outro lado, a corrente restritiva assevera que nascituro apenas o que se encontra no ventre materno, de modo que o embrio in vitro no est abrangido pelo artigo 2 do CC, sendo certo que a sua futura e eventual introduo no ventre uma condio potestativa, pois depende exclusivamente do arbtrio da mulher. Tendo em vista que a condio puramente potestativa nula, nos termos do artigo 122 do CC, a introduo do embrio in vitro no tero no poderia retroagir data da concepo,

  • 9

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    preservando-se os direitos somente a partir da sua implantao no tero. Referentemente ao embrio humano, proibida a engenharia gentica, isto , a manipulao

    em clulas humanas, a clonagem inclusive crime (artigo 6,, III e IV, e artigo 26 da lei 11. 105/2005). O artigo 5 da referida lei permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in vitro e no utilizados no respectivo procedimento, desde que sejam embries inviveis ou ento congelados h trs anos ou mais, a partir da data do congelamento, alm disso preciso consentimento dos genitores, vedada a comercializao. O Supremo Tribunal Federal considerou constitucional os dispositivos que autorizam as pesquisas em clulas-troncos embrionrias, afastando a tese que preconizava a violao dos princpios da dignidade da pessoa humana e do direito vida. Na verdade, nenhum direito absoluto, sendo vlida a sua restrio vista de uma finalidade tica, que no caso o aprimoramento da cincia.

    CAPACIDADE

    CONCEITO E ESPCIES

    Duas so as espcies de capacidade, a de direito e a de fato.

    Capacidade de direito ou de gozo: a aptido para ser titular de direitos e deveres na ordem civil. Trata-se, na verdade, da prpria personalidade. Toda pessoa capaz de direito. Assim, em relao s pessoas, inexiste a incapacidade civil de direito. Pode, porm, ocorrer certas restries de direitos, sobretudo, com relao aos estrangeiros domiciliados fora do Brasil, mas, de um modo geral, eles podem adquirir a maioria dos direitos e deveres, desfrutando, portanto, dessa capacidade.

    A capacidade de fato ou de exerccio: como ensina Clvis Bevilqua, a aptido para exercer por si os atos da vida civil. , pois, a aptido para praticar pessoalmente os atos da vida civil, independentemente de assistncia ou representao. A capacidade de fato presumida; no necessita ser demonstrada. Todavia, algumas pessoas so consideradas absolutamente incapazes e outras relativamente incapazes, como logo veremos.

    A incapacidade de fato, porm, no restringe a personalidade. Em regra, o incapaz pode praticar todos os atos e negcios jurdicos que a pessoa capaz, desde que assistido ou representado pelo representante legal. Como salienta Fbio Ulhoa Coelho, apenas por expressa disposio da lei excepcional pode-se negar ao incapaz a prtica de ato ou negcio jurdico praticvel pelo capaz. No havendo disposio expressa proibitiva, o incapaz, como pessoa que , est autorizado a praticar todo e qualquer ato ou negcio jurdico, desde que assistido ou representado pelo representante legal.

    INCAPACIDADE ABSOLUTA E INCAPACIDADE RELATIVA

    As pessoas absolutamente incapazes no podem praticar pessoalmente os atos da vida civil,

    sob pena de nulidade absoluta (art. 166, I, do CC). Devem ser representadas nos atos ou negcios jurdicos pelos respectivos representantes legais (pais, tutor e curador). O representante realiza o ato ou negcio jurdico sem que haja qualquer participao do incapaz.

    Dispe o art. 3 do CC que so absolutamente incapazes:

  • 10

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    I. os menores de dezesseis anos; II. os que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento

    para a prtica desses atos; III. os que, mesmo por causa transitria, no puderem exprimir sua vontade.

    Por outro lado, as pessoas relativamente incapazes podem praticar pessoalmente os atos da vida civil, desde que assistidas pelos representantes legais (pais, tutor ou curador). O ato praticado sem essa assistncia no nulo, mas apenas anulvel (art. 171, I). Ressalte-se, porm, a existncia de alguns atos praticveis validamente sem a assistncia.

    Com efeito, a partir dos dezesseis anos j possvel, sem assistncia, fazer testamento, aceitar mandato, votar e casar. Saliente-se que, para o casamento, no necessrio a assistncia, mas sim a autorizao do representante legal.

    Dispe o art. 4 do CC que so relativamente incapazes:

    I. os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II. os brios habituais, os viciados em txicos e os que, por deficincia mental, tenham o

    discernimento reduzido; III. os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV. os prdigos.

    Por outro lado, cumpre consignar que no corre prescrio contra os absolutamente

    incapazes, conforme preceitua o art. 198, I do CC, sendo certo que ainda podem recobrar dvida de jogo, cujo pagamento tenha sido por eles efetuado (art. 814). Essas duas vantagens, porm, no so aplicveis aos relativamente incapazes, que no podero recobrar as dvidas de jogo, submetendo-se, ainda, prescrio.

    Finalmente, na proteo ao incapaz no se compreende o benefcio de restituio ou restitutio in integrum, que possibilitava a anulao dos atos vlidos praticados pelo representante legal, em nome do incapaz, toda vez que esse ltimo sofresse algum prejuzo. No obstante o silncio do Cdigo de 2002, o benefcio de restituio deve ser rejeitado, pois fere o princpio da segurana das relaes jurdicas.

    anulvel, porm, o negcio concludo pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. de cento e oitenta dias, a contar da concluso do negcio ou da cessao da incapacidade, o prazo de decadncia para pleitear-se a anulao do ato (art. 119 e seu pargrafo nico). Essa possibilidade de anulao nada tem a ver com o benefcio de restituio, que invalidava os atos vlidos, ao passo que o citado art. 119 do CC pressupe a m-f do representante e da parte contrria, o que torna o ato invlido, razo pela qual a lei prev a sua anulao.

    DISTINO ENTRE REPRESENTAO E ASSISTNCIA

    Na representao, o incapaz no esboa a sua vontade em relao deciso pela prtica ou

    no do ato ou negcio jurdico, pois esta tomada pelo representante legal, ao passo que na assistncia o prprio incapaz decide se pratica ou no o ato ou negcio jurdico, esboando, portanto, a sua vontade, limitando-se o representante legal a apenas presenci-lo durante a celebrao do ato.

    Em suma, na representao, o ato praticado pelo representante em nome do incapaz. Este ltimo sequer participa do ato. Na assistncia, o ato praticado pelo prprio incapaz, mas na

  • 11

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    presena do representante legal. Saliente-se, ainda, que todas as pessoas capazes so aptas para dar procurao mediante

    instrumento particular, conforme preceitua o art. 654 do CC. A contrario senso, os incapazes devem outorgar a procurao por instrumento pblico. Interpretando esse dispositivo legal, que corresponde ao art. 1.289 do Cdigo de 1916, pacificou-se a jurisprudncia de que a procurao do absolutamente incapaz pode ser por instrumento particular, porquanto outorgada por pessoa capaz, qual seja, o seu representante legal.

    Em contrapartida, tratando-se de relativamente incapaz, a procurao deve ser por instrumento pblico, pois outorgada pelo prprio incapaz sob a assistncia de seu representante.

    Recentemente, a jurisprudncia vem amenizando esse entendimento, salientando que a procurao ad judicia do relativamente incapaz tambm pode ser outorgada por instrumento particular, com base no art. 38 do CPC, exigindo-se o instrumento pblico apenas para a procurao ad negocia.

    DISTINO ENTRE REPRESENTAO E SUBSTITUIO PROCESSUAL

    O substituto processual aquele que defende em nome prprio um interesse alheio. Tal

    ocorre, por exemplo, quando o cidado ajuza a ao popular ou ento quando o Ministrio Pblico promove as aes civis pblicas.

    O representante legal, ao revs, no age em nome prprio, mas sim em nome da prpria pessoa, cujo interesse defende.

    DISTINO ENTRE INCAPACIDADE E FALTA DE LEGITIMAO

    A legitimao a posio favorvel da pessoa em relao a certos bens ou interesses,

    habilitando-a, destarte, prtica dos atos ou negcios jurdicos. Excepcionalmente, porm, a lei nega essa legitimao, vedando a prtica de certos atos. Fala-

    se, ento, em falta de legitimao, que o impedimento para a prtica de determinados atos ou negcios jurdicos, uma espcie de incapacidade ad hoc. Tal ocorre, por exemplo, quando a lei probe o tutor de adquirir bens do pupilo (art. 497, I, do CC), outrossim, obsta a concubina do testador casado de ser nomeada herdeira ou legatria (art. 1801, III, do CC).

    Anote-se que a falta de legitimao o impedimento especfico para certos atos ou negcios jurdicos, ao passo que a incapacidade genrica, estendendo-se a praticamente todos os atos ou negcios jurdicos.

    A falta de legitimao imposta por lei, em alguns casos, atendendo-se posio especial em relao a certos bens, certas pessoas ou certos interesses; a incapacidade, ao revs, fixada pela lei, tendo em vista as deficincias da conscincia ou vontade.

    DISTINO ENTRE ASSISTNCIA E AUTORIZAO

    A autorizao a permisso dada por um terceiro para que o ato ou negcio jurdico possa

    ser realizado. Tal ocorre, por exemplo, quando o cnjuge deseja alienar bem imvel. Ainda que este seja de sua exclusiva propriedade, exige-se a autorizao do outro consorte, exceto no regime de separao absoluta (art. 1.647, I, do CC). Igualmente, na venda de ascendente para descendente necessria a autorizao dos outros descendentes (art. 496). Acrescente-se ainda que o menor, a partir dos 16 anos, pode se casar, mediante autorizao do representante legal.

  • 12

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    Cumpre observar que a autorizao exigida antes da prtica do ato, podendo a sua falta ser suprida por deciso judicial. A assistncia, ao revs, dada durante o ato, e, se for negada, no poder ser suprida judicialmente.

    Finalmente, a autorizao exigida at para as pessoas capazes, ao passo que a assistncia inerente aos relativamente incapazes.

    ROL DOS ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

    So absolutamente incapazes:

    a) menores de 16 anos; b) enfermos mentais; c) deficientes mentais; d) pessoas que no exprimem vontade.

    Trata-se de rol taxativo, porquanto a lei excepcional no admite a analogia. A capacidade

    uma presuno legal, e, por isso, no h necessidade de ser demonstrada. Em regra, as pessoas so capazes, de modo que as excees s so admitidas quando expressas em lei.

    O velho, o falido, o mudo, o surdo-mudo, o cego e o deficiente fsico so plenamente capazes. Com efeito, a velhice no reduz a capacidade civil, a no ser que haja a perda ou reduo do

    discernimento em razo de algum distrbio psquico, quando, ento, a causa da incapacidade ter sido a alienao mental e no propriamente a idade avanada. Saliente-se, contudo, que os maiores de 70 anos s podero contrair matrimnio no regime da separao de bens.

    Em relao ao falido, verifica-se a proibio ao exerccio do comrcio, porque com a decretao da falncia ele perde a administrao de seus bens. Anote-se, contudo, que o falido preserva a capacidade civil, perdendo apenas a sua capacidade comercial.

    Quanto ao mudo e surdo-mudo, como veremos, desde que exprimam a vontade de um modo satisfatrio so tidos como plenamente capazes. Todavia, no podem fazer outro tipo de testamento, a no ser o testamento cerrado (art. 1.873).

    O cego, por sua vez, tambm plenamente capaz. Entretanto, s poder realizar o testamento pblico (art. 1.867).

    Acrescente-se, ainda, que os cegos e surdos no podem ser admitidos como testemunhas, quando a cincia do fato que se quer provar depender dos sentidos que lhes faltam (art. 228, III, do CC).

    Finalmente, os deficientes fsicos tambm so plenamente capazes. No obstante, o Cdigo permite que lhes seja nomeado curador caso requeiram para cuidar de todos ou alguns de seus negcios. Essa norma prevista no art. 1.780 do CC, que salutar, pode compreender os cegos, surdos, mudos, paralticos e tantos outros. Trata-se de uma curatela especial envolvendo pessoas capazes, restrita apenas aos aspectos patrimoniais.

    MENORES DE DEZESSEIS ANOS

    H uma presuno absoluta de que os menores de 16 anos, tambm denominados de

    impberes, no ostentam desenvolvimento intelectual e social suficientes para a prtica dos atos da vida civil, razo pela qual devem ser representados, sob pena de nulidade absoluta do ato ou negcio. Assim, se esse menor comprar determinado bem, o vendedor no poder propor ao de cobrana, porque, sendo o ato nulo, nenhum efeito pode produzir, de modo que as partes devem retornar ao status quo ante, operando-se a devoluo da coisa e do sinal recebido pelo vendedor.

  • 13

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    ENFERMO MENTAL E DEFICIENTE MENTAL

    A enfermidade mental uma doena que acomete a pessoa mentalmente s, privando-a do

    necessrio discernimento para a prtica dos atos da vida civil. Tal ocorre, por exemplo, com a depresso profunda.

    A deficincia mental, por sua vez, consiste na alterao da capacidade psquica, comprometendo-se o nvel de inteligncia da pessoa.

    Sobre a distino entre a enfermidade mental e a deficincia mental, convm destacar trs aspectos.

    Primeiro, a enfermidade mental uma doena psquica que se desenvolve em pessoa mentalmente s; a deficincia mental pode ser congnita ou ento atingir abruptamente a pessoa s, como, por exemplo, o traumatismo craniano.

    Segundo, a enfermidade mental normalmente transitria; a deficincia mental, ao revs, normalmente permanente.

    Terceiro, o enfermo mental s pode ser interditado como sendo absolutamente incapaz, quando no tiver o necessrio discernimento para prtica dos atos da vida civil, mantendo-se, destarte, a capacidade plena quando esse discernimento estiver apenas reduzido, ao passo que o deficiente mental pode ser interditado como sendo absolutamente incapaz ou relativamente incapaz, conforme o seu discernimento esteja suprimido ou reduzido.

    Vale a pena observar, tambm, que o deficiente mental, cujo discernimento encontra-se preservado, tido como capaz, sendo, pois, vedada a sua interdio.

    PESSOAS QUE NO EXPRIMEM A VONTADE

    A pessoa que no pode exprimir a vontade, ainda que por causa transitria, tida como

    absolutamente incapaz. Exemplo: pessoa em coma. O artigo 1.767, inciso II, do CC, porm, s admite a interdio da pessoa que, por causa

    duradoura, no puder exprimir a sua vontade. Se a causa for transitria, no obstante a incapacidade absoluta, prevista no art. 3, III, do CC, o Cdigo silente sobre a possibilidade da interdio, alis, implicitamente acaba vedando-a na medida em que s a admite para as causas duradouras. Se houver necessidade, cremos que o juiz poder nomear um curador quando a causa de incapacidade for transitria, aplicando-se o art. 1780 do CC. Esse curador poder ser nomeado para cuidar de todos ou alguns de seus negcios ou bens.

    No tocante ao surdo-mudo, o assunto polmico. Para Miguel Reale, os surdos-mudos so considerados como relativamente incapazes, enquadrando-se como excepcionais, sem desenvolvimento completo, previsto no art. 4, inciso III do CC. Renan Lotufo, por sua vez, salienta que os surdos-mudos que no puderem expressar sua vontade devem ser considerados como absolutamente incapazes, com fulcro no inciso III deste art. 3.

    A nosso ver, o surdo-mudo que no externa a sua vontade deve ser tido como absolutamente incapaz, enquadrando-se no art. 3, III, do CC, podendo ser interditado, porque a causa da surdo-mudez, qual seja, a leso aos centros nervosos, permanente, e no apenas transitria. Se, todavia, a sua incapacidade for apenas parcial, deve ser interditado como relativamente incapaz, enquadrando-se entre os excepcionais, sem desenvolvimento completo, previsto no art. 4, III, do CC.

    Saliente-se, ainda, que se puder exprimir seu pensamento com discernimento no ser

    incapaz. Portanto, o surdo-mudo pode ser:

  • 14

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    a) absolutamente incapaz (art. 3, III); b) relativamente incapaz (art. 4, IV); c) plenamente capaz.

    Essa soluo tambm deve ser aplicada para os afnicos.

    ROL DOS RELATIVAMENTE INCAPAZES

    So relativamente incapazes:

    a) os maiores de 16 anos e os menores de 18 anos; b) brios habituais; c) viciados em txicos; d) deficientes mentais; e) excepcionais; f) prdigos.

    MAIORES DE 16 ANOS E MENORES DE 18 ANOS

    O menor, entre dezesseis e dezoito anos, sob o prisma jurdico, denominado pbere.

    Equiparam-se aos maiores quando dolosamente ocultam a idade, ao serem inquiridos pela outra parte, ou se, no ato de obrigarem-se, declararam-se maiores (art. 180). Nesse caso, o contrato deve ser cumprido, ainda que celebrado sem a assistncia do representante legal, por fora do citado art. 180 do CC, inspirado no princpio de que no se pode alegar a prpria torpeza.

    Vimos, por outro lado, que certos atos esse menor pode praticar sem assistncia: servir de testemunha, inclusive em testamentos (art. 228); testar (art. 1.627); ser mandatrio (art. 666); votar.

    Finalmente, no dia do aniversrio de 16 anos, esse menor j relativamente incapaz, pois o

    art. 3, I, do CC considera absolutamente incapaz os menores de 16 anos. certo, pois, que o art. 4, I, do CC ao referir-se aos relativamente incapazes fez meno aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos. Todavia, o art. 180 do CC, que tambm cuida dos menores pberes, utiliza a expresso menor entre dezesseis e dezoito anos.

    A rigor, no dia do aniversrio de 16 anos, o adolescente no menor nem maior de 16 anos, pois, nesse dia, tem exatamente 16 anos, s ser maior de 16 anos a partir do dia seguinte. A interpretao sistemtica, porm, inspirado no art. 180 do CC, permite a adoo da exegese que o considera relativamente incapaz desde a data de seu aniversrio de 16 anos.

    BRIOS HABITUAIS E VICIADOS EM TXICOS

    Os brios habituais so os alcolatras. Urge, para que se proceda a interdio, a presena de

    dois requisitos: 1) embriaguez habitual, isto , quase que diria;

  • 15

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    2) perturbao do discernimento. Se o agente bebe diariamente, mas de forma moderada, exprimindo satisfatoriamente o seu pensamento, porque no incapaz; nesse caso, no poder ser interditado.

    No tocante aos viciados em txicos, a lei no exige a habitualidade, isto , o uso quase que

    dirio, admitindo a interdio, ainda que o consumo seja intervalado, como, por exemplo, uma vez por semana ou de quinze em quinze dias. mister, porm, a presena de dois requisitos:

    1) o vcio, isto , o uso reiterado de substncia entorpecente. Esse uso, como vimos, no

    precisa ser dirio. crucial, porm, o diagnstico sobre a existncia do vcio, caracterizada pela situao de dependncia da droga;

    2) perturbao do discernimento. O uso moderado de txico, conquanto criminoso, no implica em incapacidade da pessoa, quando esta preserva o discernimento.

    Os brios habituais e os viciados em txicos so considerados relativamente incapazes pelo

    Cdigo de 2002. Todavia, a legislao especial os qualifica como absolutamente ou relativamente incapazes, conforme a gravidade do estado mental ou de intoxicao (Decreto n 24.559/34 e Lei n 891/38). Alguns autores sustentam que essas duas espcies de incapacidade ainda prevalecem, porque a lei geral no revoga a especial. O assunto, porm, no pacfico. Fbio Ulhoa Coelho, por exemplo, assevera que o vcio sempre causa de incapacidade relativa, qualquer que seja a situao do viciado. A rigor, no h lugar para polmica, pois, caso o brio habitual ou toxicmano no possam exprimir a vontade, devem ser considerados absolutamente incapazes, por fora do art. 3, III, do CC, de modo que nem h necessidade de se valer da legislao especial (Decreto n 24.559/34 e Lei n 891/38). Ademais, o art. 2.043 do Cdigo Civil, revogou tacitamente as disposies de natureza civil anteriores sua vigncia na medida em que ressalvou apenas as de natureza processual, administrativa e penal.

    Finalmente, o juiz, atento ao grau de lucidez do interditando, pode amenizar os efeitos da interdio, restringindo-a aos atos de maior relevo, semelhana do que por fora de lei, j ocorre, automaticamente, em relao ao prdigo (art. 1.772).

    DEFICIENTES MENTAIS E EXCEPCIONAIS

    Os deficientes mentais e os excepcionais apresentam um quociente de inteligncia abaixo de 70. O deficiente mental, como vimos, pode ser absolutamente incapaz ou relativamente incapaz,

    conforme o seu discernimento seja suprimido ou reduzido. Quanto ao excepcional sem desenvolvimento completo, a lei o enquadrou apenas como

    relativamente incapaz. Fbio Ulhoa Coelho salienta que no h distino entre o excepcional sem desenvolvimento completo e o deficiente mental com reduo de discernimento, sobretudo, porque o conceito de excepcional tem emprego na pedagogia, e no na medicina, destinando-se a identificar os alunos com demandas especiais de aprendizados, inclusive em funo de portarem deficincia mental leve.

    Na verdade, a expresso excepcionais sem desenvolvimento completo acaba realmente abarcando a parcela dos deficientes mentais passveis de um adestramento para a execuo de tarefas simples ou ento de uma educao lenta e singela, onde possam aprender os rudimentos da leitura e das operaes matemticas; outrossim, os surdos-mudos e afnicos, parcialmente incapazes, pois, embora no apresentem deficincia mental, acabam tambm se aproximando dos alienados mentais, carecendo, portanto, de uma educao especializada.

  • 16

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    O legislador preferiu pecar pelo excesso, utilizando as duas expresses, quais sejam, deficientes mentais e excepcionais, para deixar bem claro a existncia de excepcionais que no apresentam anomalias mentais, como o caso do surdo-mudo.

    PRDIGO

    Prdigo o indivduo que dilapida o seu patrimnio, de forma imoderada e habitual, pondo

    em risco o prprio sustento e de seus familiares. O reconhecimento da prodigalidade depende dos seguintes requisitos: 1) gastos habituais excessivos, isto , imoderados, desordenados, desenfreados; 2) risco ao prprio sustento ou de sua famlia.

    Os gastos excessivos, ainda que habituais, por si s, no revelam a prodigalidade. Urge, para

    tanto, o surgimento do risco de dilapidao do patrimnio. Quanto ao viciado em jogo, paira controvrsia sobre o seu estado de prodigalidade. A

    jurisprudncia oscila num e noutro sentido. Falta-lhe, a nosso ver, a generosidade, que uma das caractersticas peculiares ao prdigo.

    O prdigo considerado relativamente incapaz (art. 4, IV). Prdigos so pessoas que, movidas por compulso, dilapidam habitualmente seus bens, colocando em risco o prprio sustento e de sua famlia. A interdio do prdigo restringe-se aos atos patrimoniais. Com efeito, necessitar de curador apenas para assisti-lo em emprstimos, transaes, quitaes, alienaes, hipotecas; enfim, para praticar, em geral, os atos que no sejam de mera administrao (art.1.782). Quanto aos atos pessoais, isto , no patrimoniais, por exemplo, o casamento, o prdigo plenamente capaz, prescindindo-se da assistncia do curador, salvo quanto a escolha do regime de bens, cujo contedo patrimonial, sendo, pois, essencial a assistncia.

    Finalmente, no Cdigo de 1916, a interdio do prdigo s era possvel quando houvesse cnjuge, ascendente ou descendente, que pudessem promov-la. No mais existindo esses parentes, a interdio era cancelada. Portanto, o prdigo, a rigor, no era protegido, pois o legislador preocupava-se apenas com os seus familiares. No Cdigo de 2002, o prdigo pode ser interditado, ainda que no tenha cnjuge, ascendente ou descendente.

    Com efeito, a interdio pode ser movida por qualquer parente, e, subsidiariamente, pelo Ministrio Pblico, colocando-se, portanto, o prdigo no mesmo nvel de proteo dos demais incapazes.

    NDIOS

    A capacidade do ndio, conforme preceitua o pargrafo nico do art. 4 do CC, regida por lei

    especial. O assunto encontra-se regulamentado pela Lei n 6001/73, tambm denominada de Estatuto

    do ndio. O ndio no integrado civilizao apresenta uma incapacidade sui generis, pois, de um

    lado, assemelha-se aos relativamente incapazes na medida em que assistido pela FUNAI na prtica dos atos ou negcios jurdicos, mas, de outro lado, aproxima-se dos absolutamente incapazes, porquanto sem a aludida assistncia os atos ou negcios jurdicos sero nulos e no apenas anulveis. Observe-se, contudo, que os atos praticados pelos absolutamente incapazes so sempre nulos, independentemente de prejuzo, ao passo que os atos praticados pelo ndio sem a

  • 17

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    assistncia da FUNAI s sero nulos se lhes for prejudicial, caso contrrio reputam-se vlidos. Saliente-se, ainda, que o art. 5, da Lei 6.015/73 preceitua que os ndios, enquanto no integrados,

    no esto obrigados a inscrio do nascimento. Este poder ser feito em livro prprio da FUNAI. Finalmente, o Cdigo de 2002 substituiu o termo silvcolas por ndios. A alterao foi

    salutar, porque silvcola o habitante da selva, ao passo que o ndio encontra-se protegido ainda que a comunidade indgena se localize nos centros urbanos.

    AQUISIO DA CAPACIDADE PLENA

    FORMAS DE AQUISIO

    A pessoa adquire a capacidade plena pelas seguintes formas: maioridade civil; levantamento da interdio; integrao do ndio; emancipao.

    A MAIORIDADE CIVIL

    A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada para a

    prtica de todos os atos da vida civil (art. 9 do CC). Assim, a pessoa se torna maior e capaz no primeiro momento do dia do aniversrio de 18 anos. Se ela nasceu num ano bissexto, a 29 de fevereiro, a maioridade ser alcanada no 18 ano, mas a 1 de maro.

    Ressalte-se que a maioridade civil foi reduzida para 18 anos, pois no Cdigo de 1916 essa maioridade s era atingida aos 21 anos. O principal argumento para essa reduo o fato da capacidade penal e a capacidade eleitoral iniciarem aos 18 anos. O legislador buscou, portanto, a uniformidade.

    Por outro lado, como sustenta Washington de Barros Monteiro, se ignorada a data do nascimento, exigir-se- exame mdico, porm, na dvida, pender-se- pela capacidade, pois esta presumida.

    Finalmente, cumpre observar que, em regra, a maioridade civil implica na capacidade civil da pessoa. Todavia, nas hipteses dos arts. 3 e 4 do CC, no obstante a maioridade civil, persiste a incapacidade. Em contrapartida, em regra, a menoridade implica na incapacidade civil da pessoa, salvo quando esta estiver emancipada.

    LEVANTAMENTO DA INTERDIO

    O art. 1.767 elenca as pessoas sujeitas interdio, a saber:

    a) aqueles que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio

    discernimento para os atos da vida civil; b) aqueles que, por causa duradoura, no puderem exprimir a sua vontade; c) os deficientes mentais, os brios habituais e os viciados em txicos; d) os excepcionais, sem o completo desenvolvimento mental; e) os prdigos.

  • 18

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    A sentena de interdio passvel de apelao sem efeito suspensivo, produzindo, desde logo, os seus efeitos, embora sujeita a recurso (art. 1.773).

    Aludida sentena ser inscrita no Registro Civil das Pessoas Naturais e averbada no registro de nascimento do interditando. Alm disso, ser publicada na imprensa local e oficial por trs vezes, constando no edital o nome do interdito e do curador, a causa da interdio e os limites da curatela (art. 1.184 do CPC).

    A sentena de interdio meramente declaratria, podendo seus efeitos retroagir data do incio da incapacidade. No a sentena que gera a incapacidade, sendo, portanto, incoerente o ponto de vista dos que a consideram constitutiva.

    Saliente-se, porm, que, no procedimento de interdio, no h qualquer discusso acerca da nulidade dos atos praticados pelo incapaz. Esses no se desfazem automaticamente, isto , com a mera decretao da interdio. Urge que se mova a ao de nulidade ou anulao dos atos e negcios jurdicos, propiciando a ampla defesa parte contratante, que, por sinal, sequer participa do procedimento de interdio.

    No obstante a regra seja a invalidade dos atos anteriores sentena, o juiz pode preserv-los quando a outra parte contratante demonstrar a boa-f e o erro escusvel acerca do estado mental do interditando. Entretanto, como adverte Silvio Rodrigues, se a alienao mental era notria, se o outro contratante dela tinha conhecimento, ou se podia, com diligncia ordinria, apurar a deficincia da outra parte, ento o negcio suscetvel de anulao, pois a idia de proteo boa-f no mais se manifestar.

    Acrescente-se, ainda, que, antes da interdio, a capacidade era presumida, competindo ao autor da ao trazer as provas do estado de loucura do contratante, ao tempo da celebrao do ato.

    Finalmente, a nulidade ou anulao dos negcios praticados pelo incapaz pode ser pleiteada ainda que no tenha sido decretada a interdio. Tal ocorre, por exemplo, quando o interditando j faleceu ou ento se convalidou da enfermidade.

    Por outro lado, sobre o levantamento de interdio, consiste no cancelamento dos efeitos da sentena em razo da cessao da causa que a determinou.

    O pedido de levantamento poder ser feito pelo interditando e ser apensado aos autos da interdio. O juiz nomear perito para proceder ao exame de sanidade no interditando e aps a apresentao do laudo designar audincia de instruo e julgamento.

    A sentena de levantamento da interdio ser publicada na imprensa local e oficial, por trs vezes, e averbada no Registro Civil das Pessoas Naturais.

    O levantamento de interdio uma das formas de aquisio ou reaquisio da capacidade plena.

    INTEGRAO DO NDIO

    O ndio integrado civilizao brasileira plenamente capaz. Nesse caso, poder requerer a

    sua emancipao, mediante requerimento dirigido ao Juiz Federal, desde que preencha os seguintes requisitos:

    a) idade mnima de 21 anos; b) conhecimento da lngua portuguesa; c) habilitao para o exerccio de atividade til, na comunidade nacional; d) razovel conhecimento de usos e costumes da comunho nacional.

    Presentes esses requisitos, o juiz prolatar a sentena de emancipao.

  • 19

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    H ainda outras duas formas de emancipao do ndio, a saber: a) reconhecimento pela prpria FUNAI, homologado judicialmente; b) decreto do Presidente da Repblica de emancipao coletiva, aps requerimento da maioria

    dos membros da comunidade indgena e comprovao, pela FUNAI, da plena integrao civilizao.

    EMANCIPAO

    Emancipao o instituto jurdico que atribui capacidade plena aos menores de 18 anos. ,

    pois, a antecipao da capacidade civil. Apresenta as seguintes caractersticas:

    a) irrevogabilidade. A emancipao vlida no pode ser revogada pelos pais nem pelo menor. Tratando-se, porm, de emancipao invlida, torna-se plenamente possvel a sua anulao por sentena judicial. Note-se que enquanto a revogao o desfazimento de ato vlido, a anulao o cancelamento de ato invlido, isto , fruto de erro, dolo ou coao.

    b) perpetuidade. A emancipao sempre definitiva. Com o casamento, por exemplo, o menor se emancipa. Se, porm, no dia seguinte, sobrevier a viuvez, ainda assim persistir a emancipao.

    c) pura e simples. A emancipao um ato puro e simples, porquanto no admite termo ou condio.

    Convm ainda no confundir a capacidade civil com a maioridade civil. Conquanto a emancipao atribua capacidade plena aos menores de 18 anos, o certo que

    eles ainda continuam menores. Assim, a emancipao os habilita aos atos da vida civil, cuja prtica dependa to somente da

    capacidade. Todavia, para alguns atos, a lei exige idade mnima, de modo que para pratic-los no basta a emancipao, urge ainda que ostentem certa idade. Portanto, o menor emancipado no poder tirar carteira de motorista; no ter responsabilidade penal; no poder assistir filme proibido para menor de 18 anos; no poder ir ao motel; etc. Com efeito, a emancipao confere apenas capacidade civil ao menor, com o objetivo de benefici-lo; todavia, ele continua adstrito s restries inerentes idade, em funo da sua personalidade ainda em formao, porquanto o intuito dessas limitaes proteg-lo.

    Finalmente, no tocante forma, a emancipao pode ser voluntria, judicial e legal.

    EMANCIPAO VOLUNTRIA

    A emancipao voluntria a concedida pelos pais, mediante escritura pblica, que deve ser

    inscrita no Registro Civil competente. Essa inscrio, que essencial para a emancipao surtir efeitos perante terceiros, independe de homologao judicial.

    A emancipao outorgada pelos pais em conjunto, sendo ainda necessrio que o menor tenha dezesseis anos completos. Antes dessa idade, vedada a emancipao voluntria.

    Nada obsta a concesso da emancipao voluntria por apenas um dos pais, na hiptese de o outro j ter falecido ou se encontrar interditado, outrossim, quando houver decado do poder familiar.

    Por outro lado, se um dos genitores se encontrar em lugar incerto e no sabido, o outro, para poder emancipar voluntariamente o filho, dever requerer a autorizao judicial. Nesse caso, o juiz no prolata uma sentena de emancipao, e sim uma deciso autorizando a emancipao por um nico progenitor.

  • 20

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    Finalmente, a emancipao deve ser para beneficiar o menor. Assim, a emancipao concedida pelos pais pode ser anulada se ficar provado que o ato foi praticado para libertarem-se do dever de prestarem penso alimentcia.

    EMANCIPAO JUDICIAL

    A emancipao judicial a concedida por sentena judicial, ouvindo-se o Ministrio Pblico.

    Aludida sentena, para surtir efeitos perante terceiros, deve ser inscrita no Registro Civil competente.

    A emancipao judicial s possvel se o menor tiver 16 anos completos. Washington de Barros Monteiro esclarece que o fato de ser analfabeto o emancipado, no traduz carecer ele de discernimento para reger a sua pessoa. Certificando-se o Juiz de que o mesmo tem condies de desenvolvimento mental e suficiente experincia para a si prprio dirigir, sem assistncia de tutor, deve emancip-lo.

    So duas as hipteses de emancipao judicial: a) menor sob tutela. O tutor no pode emancipar voluntariamente o pupilo, atravs de

    escritura pblica, pois a lei exige, nesse caso, sentena judicial; b) divergncia entre os pais. Se o pai quer emancipar o filho e a me se ope, ou vice-versa,

    urge que o conflito seja dirimido por sentena judicial. Nesse caso, o processo de emancipao ser contencioso, ao passo que, na hiptese anterior, o procedimento de jurisdio voluntria.

    A emancipao deve ser denegada:

    a) se no objetivar o benefcio do menor; b) se o mesmo no tiver o necessrio discernimento para reger a sua pessoa e os seus bens; c) se visar apenas a liberao de bens clausulados at a maioridade.

    Finalmente, cumpre salientar que a emancipao direito potestativo dos pais ou tutor e, por

    isso, o menor no tem o direito de pedir ou exigir a sua emancipao.

    EMANCIPAO LEGAL

    A emancipao legal a que se opera automaticamente, independentemente de ato dos pais,

    tutor ou sentena judicial. Verificando-se uma das hipteses previstas em lei, a emancipao se impe ex vi legis, sem

    que seja necessria qualquer outra formalidade. Como veremos, em algumas dessas hipteses, torna-se possvel a emancipao antes dos 16 anos.

    A primeira hiptese de emancipao legal o casamento. A idade nbil ocorre a partir dos 16 anos completos; a partir de ento possvel o casamento com a autorizao dos pais ou tutor. Antes da idade nbil, o matrimnio s possvel, mediante ordem judicial, em caso de gravidez (art. 1520). Se, porventura, o casamento vier a ser anulado ou declarado nulo, por sentena judicial, entendem uns que no h retorno ao estado anterior de incapacidade, pois seria um contra-senso, o prprio cnjuge pleitear a anulao, j que capaz, para depois tornar-se incapaz com a procedncia de ao. Em defesa desse ponto de vista, afirma Renan Lotufo, h que se reconhecer que quem j se aventurou, ou desventurou num casamento, no carece do mnimo de experincia para a vida em sociedade, razo pela qual no aceitamos o retorno incapacidade. Discordamos dessa exegese, porque a nulidade ou anulao implica no desfazimento do casamento; a destruio

  • 21

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    do efeito principal impede a manuteno do efeito secundrio. Ademais, o art. 1.561 do CC s prev a subsistncia dos efeitos secundrios do casamento nulo ou anulvel quando houver putatividade.

    Com efeito, casamento putativo o nulo ou anulvel, mas que produz efeitos vlidos em homenagem boa-f de um ou ambos os cnjuges. Assim, o cnjuge menor, se estava de boa-f, continua emancipado; se estava de m-f, cessa a emancipao. O art. 1.561 do CC diz que os efeitos da putatividade perduram at o dia da sentena anulatria. Mas, a nosso ver, alguns efeitos permanecem aps a sentena, tais como:

    o direito de usar o nome; a emancipao; a penso alimentcia.

    Entendimento diverso esvaziaria a importncia da putatividade. A segunda causa de emancipao legal o exerccio de emprego pblico efetivo. Observe-se

    que a simples posse ou nomeao ainda no produzem a emancipao, pois lei fala em exerccio, exigindo-se, destarte, o incio das atividades.

    A expresso emprego pblico deve ser interpretada como sendo funo pblica, isto , a atribuio ou conjunto de atribuies que a Administrao Pblica confere a cada categoria profissional ou individualmente a determinados servidores.

    mister ainda que a funo pblica seja exercida em carter efetivo, isto , definitivo, mas no se exige a estabilidade, operando-se, destarte, a emancipao desde o incio do exerccio do estgio probatrio.

    Acrescente-se, outrossim, que o acesso a funes efetivas depende de concurso pblico. A funo pblica pode ser federal, estadual ou municipal. Os funcionrios de autarquias e

    entidades paraestatais exercem funes efetivas, razo pela qual, a nosso ver, sero atingidos pela emancipao, mesmo porque a maturidade intelectual foi revelada na aprovao no concurso pblico.

    O tema, porm, no pacfico. Washington de Barros Monteiro, por exemplo, nega a existncia de emancipao, asseverando que preciso lei especial para que as autarquias e entidades paraestatais obtenham qualquer dos atributos outorgados pessoa jurdica de direito pblico.

    A terceira causa de emancipao legal a colao de grau em curso de ensino superior. No pode ser considerado superior o curso de professor normalista nem os cursos tcnicos. preciso colao de grau em faculdade, tornando-se rarssima essa forma de emancipao.

    A quarta causa o estabelecimento civil ou comercial com economia prpria. A emancipao, nesse caso, depende de dois requisitos: a) idade mnima de 16 anos; b) a obteno de economia prpria, consistente na aferio de rendimentos oriundos do prprio negcio suficientes para a auto-subsistncia.

    Finalmente, a ltima causa de emancipao legal a existncia de relao de emprego. Nesse caso, a emancipao tambm depende de dois requisitos:

    a) idade mnima de 16 anos; b) obteno de economia prpria, isto , rendimentos suficientes para a auto-subsistncia.

    No necessrio carteira assinada, isto , o emprego formal, pois contenta-se a lei com a relao de emprego, consistente na prestao de servio pessoal, de natureza no-eventual, mediante subordinao e remunerao. Anote-se, porm, que at os 16 anos vedado o trabalho fora do lar (art. 403 da CLT), salvo na condio de aprendiz, desde que o menor j tenha atingido 14 anos (CF, art. 7, inciso XXXIII). Quanto ao trabalho noturno vedado at

  • 22

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    os 18 anos (CLT, art. 404). PERGUNTAS:

    1. Em quantas partes dividido o Cdigo Civil? 2. Quais os princpios do Cdigo Civil? Explique-os. 3. O que sujeito de direito? 4. Quais as duas categorias de sujeitos de direito? 5. Qual o nico ente dotado de personalidade jurdica? 6. Quais as espcies de pessoas? 7. O que personalidade jurdica? 8. Quando surge a personalidade jurdica da pessoa fsica e da pessoa jurdica? 9. H alguma pessoa destituda de personalidade jurdica? 10. vlida a doao ou testamento em favor de animais? 11. Qual a diferena entre as teorias natalista, da concepo e da viabilidade? Qual dessas teorias

    foi adotada pelo Cdigo Civil? 12. A personalidade jurdica sempre regida pela lei brasileira? 13. O que docimasia hidrosttica de Galeno? 14. Qual o contedo da personalidade da pessoa fsica, da pessoa jurdica de direito privado e da

    pessoa jurdica de direito pblico? 15. Quando termina a personalidade jurdica da pessoa natural? 16. Qual a diferena entre a morte clnica e a morte cerebral? 17. O que morte presumida e quais as suas hipteses? 18. Qual a ao cabvel para declarar a morte presumida? 19. O que morte ficta e qual a ao cabvel para declar-la? 20. O que morte civil e quais os seus resqucios? 21. O que comorincia e qual o seu efeito? 22. O nascituro pode figurar em quais relaes jurdicas? 23. possvel vender bens ao nascituro? 24. O embrio in vitro nascituro? 25. Quais as duas espcies de capacidade? 26. O que capacidade de direito? 27. O que capacidade de fato? Ela precisa ser demonstrada? 28. Pode-se negar ao incapaz a prtica de negcio jurdico? 29. O incapaz representado ou assistido? 30. Qual a conseqncia da falta de assistncia e da falta de representao? 31. O relativamente incapaz pode praticar algum ato sem assistncia? 32. Elenque os absolutamente e os relativamente incapazes. 33. Elenque duas vantagens do absolutamente incapaz. 34. O que restitutio in integrum? adotado no Brasil? 35. Qual a conseqncia de o representante legal concluir negcio jurdico contrrio ao interesse

    do representado? Qual o prazo para a propositura da ao? 36. Qual a distino entre representao e assistncia e entre representao e substituio

    processual? 37. A procurao do incapaz pode ser por instrumento particular? 38. Qual a distino entre incapacidade e falta de legitimao? 39. Qual a distino entre assistncia e autorizao? 40. A pessoa que no exprime a vontade pode ser interditada?

  • 23

    DIREITO CIVIL PARTE GERAL PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    41. Qual o grau de incapacidade do surdo-mudo? 42. Explique a interdio do prdigo. 43. Explique a incapacidade do ndio. 44. Quais as formas de aquisio da capacidade plena? 45. Quando se inicia a maioridade civil? 46. O que levantamento da interdio? 47. Quais os requisitos para o ndio adquirir a capacidade plena? 48. O que emancipao e quais as suas caractersticas? 49. O menor emancipado sofre algum tipo de restrio? 50. Quais as formas de emancipao? 51. Qual o limite mnimo de idade para a emancipao voluntria, judicial e legal? 52. Qual a forma de emancipao voluntria? 53. Quando cabvel a emancipao judicial? 54. Elenque as hipteses de emancipao legal, explicando cada uma delas.