1. considerações gerais · da tradição construtiva de povos ancestrais enraiza- ... 2.3....

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1. considerações gerais Apenas muito recentemente a sociedade brasileira des- pertou para o tema da sustentabilidade. Mesmo assim, a importância de uma coordenação equilibrada entre desenvolvimento, cultura e ambiente ainda não é plena- mente consensual em nosso país. Há dissenso signica- tivo a respeito dos graus e estratégias necessárias a tal síntese e esse dissenso nos atira correntemente em mais uma das tantas polarizações que usualmente atraves- samos. Nos extremos dessa polarização, encontramos os partidos dogmáticos da preservação e da devastação extremas. O primeiro parece crer que seja possível suspender completamente o processo de constituição territorial e econômica que nos formou como nação, abandonando igualmente, com isso, um conjunto de ações fundamentais para o combate à desigualdade, que envolve certamente um grau mínimo de crescimento, exploração racional e melhor distribuição do acesso aos recursos naturais de que dispomos. O segundo parece crer que quaisquer atitudes de ordenamento, disciplina- mento ou baliza desse mesmo processo representam amarras disfuncionais e desnecessárias ao livre jogo das forças produtivas, das relações de produção, dos dispositivos de mercado e das acumulações de riqueza necessárias ao empuxo pleno de uma nação moderna, industrial e industrializada. Entre ambos, encontramos uma gama praticamente innita de posições combi- nadas, indo desde a busca por harmonizações bem intencionadas porém puramente teóricas até o estudo propositivo de políticas públicas corretivas ou compen- satórias, ações de manejo em escala ampla e pesquisas cientícas de novas soluções, materiais e tecnologias, in- clusive no plano da arquitetura e da construção civil (cf. “Together for Future”). foto da maquete física

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Page 1: 1. considerações gerais · da tradição construtiva de povos ancestrais enraiza- ... 2.3. plantação Envolvendo os edifícios ambos, preenchendo na ver- ... sustentabilidade,

1. considerações gerais

Apenas muito recentemente a sociedade brasileira des-pertou para o tema da sustentabilidade. Mesmo assim, a importância de uma coordenação equilibrada entre desenvolvimento, cultura e ambiente ainda não é plena-mente consensual em nosso país. Há dissenso signifi ca-tivo a respeito dos graus e estratégias necessárias a tal síntese e esse dissenso nos atira correntemente em mais uma das tantas polarizações que usualmente atraves-samos. Nos extremos dessa polarização, encontramos os partidos dogmáticos da preservação e da devastação extremas. O primeiro parece crer que seja possível suspender completamente o processo de constituição territorial e econômica que nos formou como nação, abandonando igualmente, com isso, um conjunto de ações fundamentais para o combate à desigualdade, que envolve certamente um grau mínimo de crescimento, exploração racional e melhor distribuição do acesso aos recursos naturais de que dispomos. O segundo parece crer que quaisquer atitudes de ordenamento, disciplina-mento ou baliza desse mesmo processo representam amarras disfuncionais e desnecessárias ao livre jogo das forças produtivas, das relações de produção, dos dispositivos de mercado e das acumulações de riqueza necessárias ao empuxo pleno de uma nação moderna, industrial e industrializada. Entre ambos, encontramos uma gama praticamente infi nita de posições combi-nadas, indo desde a busca por harmonizações bem intencionadas porém puramente teóricas até o estudo propositivo de políticas públicas corretivas ou compen-satórias, ações de manejo em escala ampla e pesquisas científi cas de novas soluções, materiais e tecnologias, in-clusive no plano da arquitetura e da construção civil (cf.

“Together for Future”).

foto da maquete física

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2. proposta arquitetônica e

expográfica conjugada

Dado este quadro complexo, nossa proposta arquitetôni-ca e expográfica conjugada se baseia em uma operação de simbolização espacial sintética do problema a ser trat-ado, procurando cobrir seus aspectos essenciais e obser-vando as recomendações contidas no Edital e no Termo de Referência deste concurso público.

2.1. edifício principal: ambiente expositivo permanente e temporárioO edifício principal do Pavilhão que propomos (ambi-ente expositivo permanente e temporário) se organiza a partir de uma operação pontualíssima, isto é, um ges-to evocativo que procura dar conta das exigências do programa e de considerações orgânicas sobre a relação entre a forma arquitetônica em questão e os conteúdos substantivos que se pretende ali expor e tematizar. É daí derivada a evocação incontornável de um dos mais cruciais e identitários momentos da arquitetura moder-na brasileira (arquitetura que foi protagonista de parte do processo de formação a que aludimos acima). Esse momento evidentemente é a célebre “Oca” de Oscar Niemeyer. Aqui não se trata porém de mímese inocente ou de apropriação desavisada de uma forma qualquer extraída ao repertório nacional consagrado. A cúpula abobodal é, notadamente, um elemento constitutivo da tradição construtiva de povos ancestrais enraiza-dos no Brasil, povos cuja sobrevivência e permanência no território tem sido um dos temas centrais de nossa história e acirra diversos ânimos exatamente em matéria de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Se a cúpula, assim sendo, evoca uma obra maiúscula de Niemeyer, evoca simultaneamente uma longa tradição de diversidade cultural que resiste belamente à sua própria extinção e tem sido objeto de políticas de proteção mundialmente reconhecidas por seu pioneirismo e força (cf. “Together for People”). Acima de tudo, entretanto, a opção por tal cúpula justifica-se, aqui, não por veleidades formais arbitrárias mas pela natureza do próprio projeto expográfico (conforme o exposto mais adiante).

No interior desse edifício, o visitante encontrará elementos lúdicos e plasticamente intensos: um rasgo de iluminação e ventilação naturais e um jardim de água doce com espécimes vegetais brasileiros resultante da intersecção de dois planos inclinados que partem do nível de ingresso (nível 28.5). O primeiro desses planos o conduz para baixo, a um nível inferior (nível 25.0), onde encontra-se a área para exposições temporárias (re-versível para auditório de cem pessoas), um conjunto de totens digitais para pesquisa (contendo materiais detal-hados mais adiante), as salas imersivas e as áreas técnicas necessárias. O segundo o conduz para cima (nível 32.0), ao ponto referencial central desse espaço simbólico, a saber: um repositório museal onde acha-se o “Crânio de Luzia”, isto é, o mais antigo fóssil paleontológico das Américas, sobrevivente ao incêndio catastrófico do Mu-seu Nacional do Rio de Janeiro, em setembro de 2018. Na superfície interna dessa cúpula – funcionando como tela enorme e generosa –, dar-se-á uma miríade complexa de projeções audiovisuais dedicadas à relação histórica entre arte, natureza, território e desenvolvimento tecnológico no Brasil.

2.2. edifício anexo: área comercial e administrativaA esse edifício principal apõe-se um edifício de apo-

io (área comercial e administrativa), de geometria retilínea. Tal edifício aglutina os programas de comér-cio e administração exigidos, funcionando também como pórtico de entrada para o lote a partir da via principal, marcando e organizando o ingresso do visitante.

2.3. plantaçãoEnvolvendo os edifícios ambos, preenchendo na ver-dade todos os espaços não-construídos do lote, encon-tra-se um milharal plantado que procura trazer à tona as fortes pressões representadas pela monocultura de vastidão sobre a bio e a sociodiversidade do plane-ta, quando não-submetida a marcos jurídicos regu-latórios e projetos racionais de organização regional (cf. “Together for Nature”). Tal plantio, radicalmente estilizado, procura tirar partido plástico desse proces-so, escondendo parcialmente a vista dos edifícios e conferindo ao conjunto uma justa dramaticidade visu-al. Em seu interior, clareiras localizadas trazem obras escultóricas que tematizam poeticamente as relações entre homem, natureza e progresso.

2.4. proposta expográfica permanenteNo plano propriamente expográfico, considerando o macro-tema da sustentabilidade, procuraremos expor a relação histórica de tensão criativa e destrutiva que marca a formação social e territorial do país, desde os primórdios de sua colonização. Segundo o consenso historiográfico estabelecido, tal formação baseou-se em ciclos sucessivos de monocultura combinados a outros ciclos de extrativismo vegetal e miner-al. Tais ciclos perfizeram as forças centrífugas que organizam primeiramente a ocupação do território disponível (anteriormente à emergência do próprio país), mobilizando e arregimentando o trabalho do branco europeu (ocupante), do índio e do negro escravizados (ocupados). Assim moldou-se a nação que, no século XX, encontrar-se-á com seus esforços de industrialização paralelos e associados a um novo regime de “commodities” agrícolas e minerais que, novamente, deixarão sua marca territorial (notada-mente o minério de ferro, o petróleo, a soja e o milho). Conforme dissemos – com base em evidências cul-turais diversas – só muito recentemente a sociedade brasileira deu início à calibragem de seus ouvidos e discursos em direção a algo a que se possa chamar de sustentabilidade, em que pese toda uma imaginação artística que operou, em nossa história, no sentido de fabular utopicamente uma sociedade diversa das demais sociedades ocidentais porque supostamente assentada sobre e envolvida por uma natureza pródiga, exuberante e riquíssima. É isso o que pretendemos expor, juntamente com iniciativas tecnológicas de ponta pelas quais buscamos hoje a desejada harmonia definida claramente por Ignacy Sachs, isto é: a con-strução de uma sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável.

2.5. lista indicativa preliminar dos materiais a serem distribuídos pelo espaço e/ou projetados na superfície interior da cúpula01 – crânio de Luzia (original ou reprodução); 02 – reproduções de pinturas rupestres da Serra da Capiv-ara; 03 – fac-símile de páginas da “Carta a el-Rei dom Manuel sobre os achamentos do Brasil”, de Pero Vaz Caminha; 04 – esboços de Albert Eckhout constantes da série para o “Theatri Rerum Naturalium Brasiliae

e Miscellanea Cleyeri”; naturezas mortas brasileiras do mesmo pintor; 05 – pintura “Engenho manual que faz caldo de cana”, de Jean-Baptiste Debret; 06 – pin-turas da série “Vista de uma mata virgem que está se reduzindo a carvão”, de Félix Émile Taunay; 07 – pin-tura “Moema” de Victor Meirelles; 08 – pintura “Feira”, de Tarsila do Amaral; 09 – fac-símile das partituras originais da “Sinfonia da Alvorada”, de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes; 10 – imagens da obra de construção de Brasília, extraídas da antologia “Arqui-vo Brasília”, de Michael Wesely e Lina Kim; 11 – fo-tografias da série “Xingú”, de Maureen Bisilliat; 12

– fotografias da série “Yanomami”, de Claudia Andujar; 13 – fotografias da série “Trabalhadores”, de Sebastião Salgado; 14 – imagens documentais das cúpulas internacionais “Eco 92” e “Rio+20”; 15 – conjunto de totens digitais de pesquisa com cartografias interati-vas preparadas por equipe multidiscplinar contendo informações e dados sobre: a) a expansão urbana do Brasil; b) a expansão do agronegócio no Brasil; c) a expansão ferroviária e rodoviária do Brasil; d) a expansão da matriz energética do Brasil; e) a expansão das reservas populacionais e naturais do Brasil; 16

– instalação sonora com canções brasileiras que tem-atizam a relação entre cultura e natureza; 17 – escul-tura “Prometeu”, de Maria Martins; 18 – escultura da série “Bailarinas”, de Frans Krajcberg; 19 – instalação

“Máquina do mundo”, de Laura Vinci. 20 – imagens do incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

crânio de Luzia

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3. concepção estrutural, climatização

e sustentabilidade

3.1. Edifício principal: a) Cúpula com paredes estruturais em concreto arma-do de espessura variável, com aberturas circulares para acesso, iluminação e ventilação, apoiada em fundação a ser definida, implantada sobre o terreno natural. b) Pla-nos inclinados de circulação vertical em concreto arma-do, atirantados e apoiados diretamente sobre o terreno natural, conformado de maneira a garantir o suporte necessário ao seu desenvolvimento com segurança. c) Acabamentos em concreto pigmentado, cor a definir.

3.2. Edifício anexo: A) Edificação composta por lajes moldadas “in loco” em concreto armado protendido, com espessura de até 40 cm, apoiadas tais lajes em vigas internas em concreto armado convencional e concreto armado protendido, apoiadas tais vigas em paredes estruturais em concreto armado convencional e concre-to armado protendido no perímetro da edificação, com espessuras a definir. B) Superestrutura de lajes, vigas e paredes estruturais suportada por pilares em concreto armado, com seções variáveis, apoiados tais pilares em fundação específica no pavimento inferior, em cota de nível abaixo da cota de referência do terreno natural (nível 28.5). C) Contenção de arrimo no perímetro do pavimento inferior composta por paredes em concreto armado, atirantadas ou não, com sistema executivo a definir conforme condição local do terreno. d) Aca-bamentos em concreto pigmentado, cor a definir.

3.3. Instalações de climatização: a) Climatização dos ambientes por meio de sistema de ar condicionado (modelo e especificação a definir). b) Equipamentos condensadores de refrigeração instalados nas áreas técnicas abertas ao meio externo, localizadas nos níveis inferiores de ambos os edifícios (nível 25.0) e com distribuição frigorigênea por meio de dutos (modelo, especificação e distribuição a definir).

3.4. Sustentabilidade: As instalações elétricas e hidráu-licas das construções propostas buscarão eficiência energética criteriosa, empregando os dispositivos mais avançados de luminotécnica e sanitização, balizando-se notadamente pelas diretrizes da certificação leed 2009 For New Construction and Major Renovations.

série Xingú, Maureen Bisilliat

pintura rupestre, Parque Nacional da Serra da Capivara, Piauí Bailarina, Frans Krajcberg

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Oca, Parque Ibirapuera, São Paulo

Maloca Yanomami

implantaçãovia principal

via de serviço

autoridade

escala 1:250

vista frontal

escala 1:250

10 m

serviços