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A POLÊMICA HISTÓRIA DO SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA FUNDAÇÃO ESTATAL DE DIREITO PRIVADO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

BRASILEIRA

Fernando Antônio de Andrade Morais*

RESUMO

Este artigo trata da fundação estatal de direito privado, figura jurídica de direito privado, que é objeto

do projeto de lei n° 92/2007, que visa regulamentar o previsto no inciso XIX, art.37, da Constituição

Federal de 1988, no que concerne ás áreas em que a fundação poderá atuar no serviço público. Assim,

busca-se refletir criticamente os possíveis impactos da adoção desta entidade de natureza privada na

gestão de serviços estratégicos ao desenvolvimento da nação como a educação e a saúde. Dessa forma,

estuda-se a contextualização da fundação no direito brasileiro, as características desta fundação estatal,

apontando às conseqüências que podem advir da utilização deste modelo, próprio a atividades

prestadas por empresas públicas e sociedade de economia mista de natureza econômica.

Palavras-chave: Fundação Estatal. Direito Privado. Serviço Público. Serviços Estratégicos.

ABSTRACT

This article deals with the foundation of state private law legal concept of private law, which is the

object of the bill n ° 92/2007, which aims to regulate the provisions of paragraph XIX, article 37 of the

Federal Constitution of 1988, in which regard to areas in which the foundation can act in the public

service. Thus, we seek to critically reflect the potential impact of the adoption of this entity in the

management of a private nature of strategic services to the nation's development such as education and

health. Thus, we study the context of the foundation in Brazilian law, the characteristics of this state

foundation, pointing out the consequences that may result from the use of this model, own the

activities provided by public companies and mixed capital company of an economic nature, involving

a debate marked by jurisprudence and doctrines related to the theme.

Keywords: State Foundation. Private Law. Public Service. Strategic Services.

1 Especialista em Direito Administrativo- FIJ

Graduado em Direito-UNEB.

Licenciado em História pela Faculdade de Tecnologia e Ciências- FTC.

E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

O ano de 2007, com o projeto de lei n° 92/2007, reascendeu no cenário do direito

administrativo brasileiro a discussão sobre a possibilidade jurídica de instituição da fundação

estatal de direito privado para áreas não exclusivas do Estado, tendo em vista que, conforme

está expresso na Constituição à definição das áreas de atuação da fundação cabe a lei

complementar visando regulamentar o inciso XIX do art.37, CF/1988, modificado pela EMC

N° 19/1998. Tais áreas envolveriam a saúde, assistência social, cultura, desporto, ciência e

tecnologia, meio ambiente, turismo, além dos hospitais universitários federais.

Nesse sentido, o Estado alega que ao contemplar esse modelo de entidade para gerir

estes serviços públicos se resolveria diversos problemas que hoje estas áreas enfrentam:

enorme crise presente nos hospitais públicos, com relação ao atendimento, aos medicamentos,

aos materiais e equipamentos, tendo como resultado um serviço precário, alvo de várias

reclamações, além disso, as pressões cada vez mais fortes de órgãos de controle externo,

apontando uma série de irregularidades, tendo em vista a confusão de papeis entre órgãos

públicos e fundações de apoio, com recentes escândalos envolvendo universidades federais,

limitações geradas na gestão de pessoas com servidores estatutários com estabilidade, dentre

outras dificuldades enfrentadas que acabam por inviabilizar os serviços pondo em xeque o

papel do estado enquanto gestor dos recursos públicos.

Dessa forma, no âmbito do governo federal, com o projeto de lei n° 92/2007, propõe-

se criar uma nova entidade pública de natureza privada que, dentre outras características, teria

o regime de pessoal celetista através de concurso público, estaria livre das limitações impostas

pela Lei de Responsabilidade Fiscal, nem muito menos o limite constitucional de

remuneração, desvinculação do orçamento público, não tendo previsão orçamentária, sendo

tratado através de contrato de gestão, além disso, sujeitar-se-á às normas do direito privado,

dentre outros pontos polêmicos.

Com esta proposta de um regime de direito administrativo mínimo, diversos setores da

sociedade manifestaram-se contra temendo a propagação dessas fundações por todo serviço

público, além da ameaça de retirada dos serviços públicos previstos constitucionalmente, de

uma velada privatização e um verdadeiro retrocesso nos direitos dos servidores públicos.

Nesse contexto, a fundação estatal de direito privado ao estabelecer áreas que podem

ser objetos de atuação, tomando por parâmetro ser ou não existente na iniciativa privada,

configurando-se como exclusiva ou não do estado, está em contexto mais amplo, em

consonância com as idéias neoliberalistas de estado mínimo em que seu papel deve ser de

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regulador. Nessa ótica, busca-se o enxugamento do tamanho do estado, visando uma

administração pública gerencial, em que priorize as atividades exclusivas e típicas.

Convém destacar por ser um assunto de interesse difuso, ou seja, envolver toda

coletividade, o seu estudo mostra-se de extrema relevância, uma vez que é de interesse

público, não podendo ser tratado sem que o governo ouça as diversas vozes da sociedade, o

que pensam sobre isso, quais são as dúvidas e o que não concordam. Além disso, os projetos

de lei n °92/2007 e substituto voltam a trazer o fantasma do modelo de Estado enxuto, que

nos últimos oito anos no nosso país sob o governo de Lula, foi afastado, buscando uma

política de fortalecimento do Estado com a contratação de milhares de servidores federais,

com melhoraria salários e expansão dos serviços destinados ao povo, procurando recompor a

máquina pública drasticamente estagnada durante o governo de Fernando Henrique, em que

ocorreu um retrocesso sem tamanho no que se refere à expansão e qualidade dos serviços

públicos prestados a população.

Assim, este artigo tem como objetivo apresentar uma análise da história da figura da

fundação estatal no direito brasileiro, discutindo o projeto de lei n°092/2007 e o substituto

deste, visando uma reflexão e discussão crítica sobre os possíveis impactos que possam vir a

causar no serviço público caso seja aprovado no congresso nacional e sancionado pela

presidência, transformando-se em lei.

Com relação à metodologia adotada, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, servindo-se

da leitura do que já foi escrito sobre o assunto, através de diferentes fontes como monografias,

artigos, dissertações, livros, dentre outras.

Logo, compreende-se o quanto essa proposta de fundação estatal é dotada de

complexidade no que tange aos aspectos jurídicos, financeiros, orçamentários, de gestão de

pessoal e recursos, carecendo de uma delineação mais precisa. Dessa forma, o estudo sobre a

fundação estatal de direito privado e os possíveis impactos desta adoção em áreas estratégicas

do Estado como educação e saúde é de grande relevância para a segurança e consolidação da

prestação dos serviços públicos pelos entes federativos.

I- CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E ECONÔMICO DA FIGURA DA FUNDAÇÃO NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

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1 HISTÓRICO DA FUNDAÇÃO

A figura da Fundação como ente integrante da administração pública surgiu na década

de 1960, com a edição do decreto n° 200/67, que institucionaliza a fundação como sendo a

responsável por gerir serviços públicos como cultura, educação, saúde, dentre outros próprios

de setores sociais. A escolha por este modelo de entidade decorreu da necessidade de

descentralizar serviços públicos que precisavam serem “personalizados’’, ou seja, dotados de

patrimônio e personalidade jurídica para que possa executar os serviços públicos mais

especificamente, criando uma entidade jurídica que tenha por finalidade prestar determinado

tipo de serviço.

Dessa forma, instituiu-se legalmente, através do decreto-lei n.º 200/67na administração

pública federal a figura das fundações, ao lado das já existentes empresas públicas sociedades de

economia mista e autarquias. Contudo, convém ressaltar que não é uma criação legislativa, mas sim

uma espécie de adaptação, já que a fundação já existia enquanto instituto na seara do direito privado,

tendo nele sido originado e regulamentado pelo Código Civil de 1916. Por isso, na época em que

houve a primeira previsão legal na administração pública o texto apontava a fundação como tendo

personalidade jurídica de direito privado.

A definição legal das fundações, contida no art. 5°, inc.IV, do Decreto-lei 200/67,

indica expressamente a característica de fins não lucrativos. Mesmo o referido artigo

mencionar apenas as fundações públicas com personalidade de direito privado,

aplica-se também ás fundações autárquicas, já que idênticos os objetivos de

ambas as categorias. (SILVA, 2004, p.1)

Com efeito, a fundação no direito privado, surge como uma forma de maior autonomia,

destinando-se a fins sociais e não econômicos, voltando-se ao lucro o que analogamente se esperava

na administração pública naquela época. Uma entidade que tivesse uma maior autonomia

administrativa, e financeira, algo que na autarquia era impossibilitado por conta do regime de direito

público. Assim, ocorre uma enorme expansão em todo país dessas fundações, principalmente nas

universidades e instituições de ensino superior públicas.

De acordo com Silva (2004), em virtude da necessidade da administração pública

descentralizar certas atividades, por requerem maior especialização, surgem inicialmente as

autarquias, dotadas de autonomia administrativa e financeira, contudo possui os mesmos

entraves vistos na administração central, em virtude de ser longa manus não possibilitando

uma flexibilização maior. Assim, com vista a contornar os inconvenientes existentes na

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autarquia e ao mesmo tempo atuar com mais liberdade nas áreas sociais como cultura e

ciência, entendeu-se viável a adoção da fundação, que conseguiria, com uma personalidade de

direito privado, elevar a qualidade na prestação de serviços ao ponto de se comparar com a

iniciativa privada, que sempre foi baseada como parâmetro. Nesta época, surgem nestes

moldes as fundações paraestatais. Sendo que estas passaram a ser criadas desenfreadamente,

com plena autonomia com relação aos gastos e contratações de pessoal e com terceiros, com

pouco ou nenhum controle pelo Poder Público.

Tais fundações criadas, com objetivo de evitar a excessiva burocracia e otimizar os

recursos públicos aplicados nas áreas sociais, ao utilizarem verbas públicas para manutenção

das atividades, e serem integrantes da administração pública, não conseguiam atingir o

modelo que a administração pública imaginava: uma entidade moldada nos termos do Código

Civil, livre do controle prévio do Poder Público. Daí em uma manobra política surge o

Decreto n° 900/69, que retira o “status” da fundação de integrante da administração pública,

revogando parcialmente o decreto-lei n° 200/67, dando autonomia para a administração

pública criar inúmeras fundações no exército, saúde, educação, cultura, ciência, turismo,

dentre outras, sem vinculação nenhuma ao Poder Público, era uma entidade paraestatal,

somente se aplicando supervisão ministerial quando do recebimento de recursos públicos.

Não é a toa que foi durante o período da Ditadura Militar que houve o “inchaço” no

serviço público. Foram contratados milhões de servidores, no regime celetista, e poucos

servidores estatutários, uma vez que o instituto do concurso público, já existia no direito

brasileiro, contudo não era a única forma legal de admissão de efetivos. Neste período,

prevalecia o apadrinhamento possibilitando a entrada de pessoas, muitas vezes sem as

competências e habilidades necessárias a um servidor público, muitos deles analfabetos, o que

provocou por muito tempo e ainda está presente em menor escala, repercussão na má

prestação das atividades pela administração pública. Foram setores abarrotados com excesso

de servidores sem necessidade alguma e graças à estabilidade funcional estendida a todos os

contratados em 1988, prevista na Carta Magna não puderam ser objeto do enxugamento do

Estado.

A idéia era afastar princípios e normas do direito público, já que ...

O Decreto-lei n.º 900, de 26 de setembro de 1969, tinha como regra que as

fundações não integravam a Administração Indireta, provavelmente, numa tentativa

sem sucesso de moldar a fundação ao Código Civil, sem perceber que por mais

autonomia que tenham as fundações, estas estão sujeitas ao regime jurídico

administrativo, a exemplo da observância de princípios fundamentais como o

da indisponibilidade do interesse público, da continuidade do serviço e o da

tutela.(SILVA, 2004, p.1, grifo nosso)

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Até então, a fundação no serviço público era uma figura jurídica “confusa e

complexa”, que estava dividida entre dois mundos: regras de direito civil e de direito público

se misturavam e, sem, naquele momento, haver uma discussão mais sólida, não se tinha ainda

um posicionamento se a uma fundação teria ou não obrigatoriedade ou até mesmo,

possibilidade de adotar um regime jurídico de direito público e quais as hipóteses em que

seria com personalidade jurídica de direito privado e em quais com incidência do regime

jurídico administrativo.

Silva (2004) trata que a partir do decreto-lei n° 2.299, de 16/11/1986, novamente

inseriu-se a fundação enquanto integrante da administração pública, revogando o decreto Lei

n° 900/69, tendo em vista aplicar os procedimentos de fiscalização, controle de gestão de

pessoas e financeira, com o estabelecimento do Plano de classificação de cargos estabelecidos

pela Lei nº 5.645/1970, que indicava a necessidade de organizar o orçamento federal na

estruturação dos recursos humanos, não havendo mais viabilidade de se ter um fundação que

receba recurso do orçamento da União para custear pessoal permanente e não esteja previsto

dentro do controle do governo, fora da administração pública.

Com a edição da Lei n.º 7.596/87, as fundações no âmbito do Poder Público ainda

eram definidas com personalidade jurídica de direito privado, com a denominação de

fundações públicas, no entanto no corpo do texto legal, prevê-se supervisão ministerial dos

recursos e transferências recebidos, e veda-se explicitamente a adoção de normas do Código

Civil concernente a fundação privada. Ou seja, a norma do direito civil restou reduzida apenas

a forma com que “nasce” a fundação: inscrição no registro Civil, através da escritura pública,

não podendo ter normas ligadas ao patrimônio, finalidade, atuação estatuto e extinção iguais

ao presente nas normas de direito privado.

Nesse sentido, alargou-se ainda mais o buraco quanto ao real sentido da fundação

enquanto entidade do Poder Central, não existindo uma lei, ou decreto esclarecesse detalhes

importantíssimos como a regulação das atividades, regime de pessoal, destinação do

patrimônio em uma eventual extinção, organização dos estatutos, foro de competência no caso

de conflitos oriundo de relações trabalhistas e com terceiros, enfim, dependeu-se muito da

visão dos doutrinadores da época e do posicionamento dos tribunais em relação a estes e

muitos outros aspectos, acarretando controvérsias jurídicas e diferentes opiniões no mundo

jurídico.

Dessa forma, de modo análogo diante da inexistência de normas expressas, aplicaram-

se as normas de direito público aplicadas as autarquias. Por isso, até hoje encontramos

universidades em forma de fundações e de também de autarquias.

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Ao serem consideradas Fundações Públicas, as Universidades Federais

praticamente transformaram-se em Autarquias. Passou-se a exigir concursos

para admissão de pessoal. Ficaram sujeitas as normas gerais de licitação e

contratação e ás normas orçamentárias e financeiras do Poder Executivo. Não

controladas pelo MP como ocorre com a fundação de direito privado, e sim pelo

TCU e Secretaria Federal de Controle, que integra o Controle Interno do Poder

Executivo Federal. (TRISTÃO, 2000, grifo nosso).

Diante das inúmeras discussões e divergentes decisões judiciais em relação à

personalidade jurídica da fundação, e as repercussões da adoção desta, vários foram os

questionamentos e visões do STF ao longo do tempo, conforme sinaliza Silva (2004). Assim,

em uma destas decisões, consolida o entendimento de que não basta apenas designar

formalmente que é de direito privado ou de direito público, cabendo este exame, a depender

da origem dos recursos, finalidade e do regime de direito administrativo, conforme segue

abaixo a jurisprudência citada por Silva (2004):

[...] A jurisprudência, por sua vez, também evoluiu no sentido da aceitação e

reconhecimento da publicização desses entes fundacionais, conforme se observa na

decisão da Quarta Turma do TRF da 4ª Região:

“Processual Civil. Ausência de duplo grau de Jurisdição. Fundação de Direito

Público. Nulidade Afastada.

1. As fundações instituídas pelo poder público, que assumem a gestão de serviço

estatal e se submetem ao regime administrativo, devem, obrigatoriamente, ser

consideradas fundações de direito público, que integram o gênero das autarquias.

2. Hipótese não enquadrável no Art-475 do CPC, dispensando o duplo grau de

jurisdição”

E ainda:

“Preparo - Fundação pública - Isenção - CPC, art.

1. As fundações de direito público, instituídas pelo poder público para a

satisfação de uma finalidade do Estado, submissa ao regime do Direito

Administrativo, equiparam-se às autarquias, gozando dos privilégios

processuais outorgados à Fazenda Pública, como dilação de prazo, na forma do

artigo 188, do CPC e isenção e custas processuais, como disposto no artigo 511,

do mesmo estatuto processual.”(SILVA,2004, p.1).

Assim, passou-se a admitir a existência de uma fundação pública, com personalidade

jurídica de direito público, apesar de não haver expressa previsão legal, diante da semelhança

de características com as autarquias, passou a ser conhecida também como “fundarquias”,

gozando dos mesmos privilégios processuais e tributários e restrições da Administração direta

e autárquica.

Com isso, a partir da evolução da jurisprudência e visão doutrinária, consolidando o

entendimento de que a fundação pública pode ser de direito público, na Carta Magna de 1988,

segundo Silva (2004, p.1) “[...] consagrou a figura da fundação de direito público, várias

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vezes referenciada em seu texto, inclusive, expressamente constando a expressão

“administração fundacional” no texto original do caput do art.37[...].

A partir de então, as fundações públicas nos litígios e relações dos servidores

passaram a ser de direito público de um modo geral, não contemplando as fundações com

personalidade jurídica de direito privado. Pareci que já estava pacificado essa questão. Assim,

claramente constava dispositivos que faziam referencia a fundações públicas, em contraponto

a fundações privadas.

Contudo, passados vinte anos, a edição da emenda constitucional n°19/98, que retirou

a expressão “fundacional” e “fundação pública” do texto da Constituição Federal, colocando

simplesmente fundação, acabou por reviver o conflito com relação à figura da fundação, o que

para muitos doutrinadores abre novamente a discussão sobre a possibilidade de instituir

fundação com personalidade jurídica de direito privado, algo que já está pacificado e

praticamente não era mais usual na administração pública, que adotava um entendimento de

instituir fundações públicas de direito público e quando fosse necessária a criação de

entidades com personalidade jurídica de direito privado, servisse de empresas públicas e

sociedades de economia mista.

Além disso, para complicar ainda mais a situação, da década de 80, surgem as

chamadas fundações de apoio às universidades e institutos de pesquisa públicos, que

consistem em fundações privadas, dotadas de autonomia financeira, administrativa, de gestão,

responsáveis por captar recursos para estas entidades públicas, tiveram um crescimento

considerável, sendo que grande parte delas por estarem “livres” de controles prévios e normas

de direito públicos, tendo um grande flexibilidade não vivida pela fundação pública, passou a

ser utilizada para modernização e aperfeiçoamento dos serviços públicos.

Até então, tudo bem, contudo, muitas fundações de apoio passaram a administrar

recursos orçamentários das universidades, em um verdadeiro desvio de finalidade, utilizando

empregados destas fundações como suporte para funcionamento dos setores públicos, além de

escândalos de desvios de verbas públicas apontados pelo TCU e CGU nas fiscalizações

realizadas, o que diante da pressão destes órgãos de controle, o Poder Executivo se viu diante

da necessidade de substituir e evitar este tipo de fundação.

Por isso, aproveitando este impasse provocado pela redação da EMC n° 20/98, o

governo federal caba por reviver o fantasma do modelo de Estado mínimo fortemente

defendido por Fernando Henrique Cardoso atrelado as tendências neoliberalistas no cenário

internacional, culminando na proposição do projeto de lei n° 92/2007, que consiste na

regulamentação das áreas de atuação da fundação e a instituição da personalidade jurídica de

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direito privado, o que inevitavelmente caso aprovado trará repercussões na prestação dos

serviços públicos.

1.1 A FUNDAÇÃO ESTATAL: A POLÊMICA COMEÇA

Historicamente, sempre o Estado visou estabelecer comparações em termos de

qualidade e eficiência na prestação dos serviços públicos quando em áreas na qual atua

concorrentemente com a iniciativa privada. Com a ascensão das idéias neoliberais no mundo,

no fim dos anos 80, do século XX, pregando a redução da participação do Estado em setores

sociais, acabou por ter influência em nossa nação, sendo que o processo inicia-se com o

presidente Fernando Collor de Melo e acentua-se com um enxugamento do Estado, sob

alegação de eficiência, promovendo a privatização de várias empresas estatais estratégicas ao

desenvolvimento do país, redução dos investimentos na educação e na saúde, cultura, dentre

outros, visando alinhar-se a economia internacional.

A Administração Pública Gerencial inspira-se na administração de empresas,

mas não pode ser confundida com esta última. Enquanto a receita das empresas

depende dos pagamentos que os clientes fazem livremente na compra de seus

produtos e serviços, a receita do Estado deriva de impostos, ou seja, de

contribuições obrigatórias, sem contrapartida direta. Enquanto o mercado controla a

administração das empresas, a sociedade- por meio de políticos eleitos- controla a

administração pública. Enquanto a administração de empresas está voltada para o

lucro privado, para a maximização dos interesses dos acionistas, esperando-se que,

através do mercado, o interesse coletivo seja atendido, a Administração Pública

Gerencial está explicita e diretamente voltada para o interesse público. (GILBERTO

TRISTÃO, 2000, p. 24-27, grifo nosso).

Contudo, o pressuposto de que o serviço público não é tão eficiente e produtivo quanto à

iniciativa privada esconde interesses privatísticos no sentido de descaracterizar a importância da

gestão estatal de serviços públicos. Segundo Dallari (2009), vários são os casos de empresas privadas

que provocam verdadeiros estragos, por conta de incompetência e má-fé em alta escala, fraudes,

chegando a “concluir que é falso o pressuposto da superioridade natural da iniciativa privada para a

prestação de serviços”. (DALLARI, 2009, p.73). Assim, convém ressaltar que o setor público não se

volta à lucratividade e sim ao interesse coletivo. São vários os casos de sucesso na gestão pública, na

produção de medicamentos, no ensino universitário e da educação profissional federal, na área da

ciência e tecnologia.

Com a proposição do projeto de lei n° 92/2007, vários estudiosos se debruçaram

sobre o mesmo visando analisar a constitucionalidade do mesmo, e a congruência ou não com

o papel esperado do Estado na sociedade brasileira. Alegando a regulamentação de

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dispositivo constitucional, o MPOG relata que o referido projeto visa regulamentar as áreas na

qual a fundação poderá atuar que são aquelas em que o Estado não atua sozinho, mas sim

conta paralelamente com a prestação das atividades pelo setor privado, como cultura, ciência,

tecnologia, a saúde, nas quais não é necessário na visão neoliberal o poder de Polícia

administrativa. São setores em que se deve pautar pela produtividade e por conta das pressões

do TCU e CGU recomendando o afastamento das fundações de apoio da gestão das

universidades, evitando utilização de pessoal e estrutura física e material aliado as constantes

crises vivenciadas nos hospitais públicos com longas filas, com falta de recursos humanos e

materiais, o projeto pareceu ser uma proposta que solucionaria todos esses problemas.

Convém lembrar que essa fundação estatal de direito privado, não é algo novo como a

empresa pública e sociedade de economia mista, mas sim a transformação de uma figura já

existente em nosso direito,

Não se trata apenas de mais uma forma de colaboração entre o público e o privado,

mas da modificação de uma instituição já admitida, a fundação pública, de

modo a tornar mais conveniente para a iniciativa privada, a atuação em tais

setores, contornando as limitações que a lei impõe ao regime jurídico

administrativo público, como a limitação das remunerações, os gastos com o

pessoal, a obrigatoriedade de licitação para contratações e um rigoroso controle da

administração e da gestão. (DALLARI, 2009, p.76, grifo nosso).

Com a personalidade jurídica de direito privado, essa fundação não teria, a priori, as

dificuldades enfrentadas pela adoção do regime jurídico público, com rígidos controles como

teto remuneratório, do limite de gastos com pessoal, a necessidade de criação de cargos

estatutários, o que por vezes é demorado, a licitação exigente e detalhista, dentre outros

procedimentos necessários para assegurar a transparência e boa gestão dos recursos públicos.

Contudo, em momento algum existe explicitamente a autorização constitucional para a

criação de fundações enquanto entidades de direito privado, nesse sentido, Dallari (2009)

aponta que:

Outra propriedade grave, contida no projeto em exame, é a utilização simplista da

expressão “personalidade jurídica de direito público ou privado”, como se

pudesse ser escolhida uma ou outra das duas hipóteses arbitrariamente ao

gosto de quem propuser a criação de uma fundação no setor público. [...] Houve

intenção de abrir caminho para a criação de entidades livres dos embaraços

relacionados com a utilização de recursos públicos e do controle das entidades e

dos órgãos que utilizam tais recursos. [...], a entidade que executa depende de

recursos orçamentários para realização dos objetivos é, essencialmente uma

autarquia, ficando sujeita ás regras legais aplicáveis à Administração Pública.

(DALLARI,2009, p.73, grifos nossos).

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DALLARI defende que houve uma exorbitância legal que culmina em uma

inconstitucionalidade, já que “[...] no art. 1° do projeto ficou estabelecido que mediante lei específica

poderá ser instituída ou autorizada à instituição de fundações, “com personalidade jurídica de direito

público ou privado” o que não é previsto na Carta Magna, uma vez que a Constituição Federal prevê

que no caso da fundação, “caberá lei complementar “definir áreas de sua atuação”, conforme consta no

art.37, XIX, da CF/1988.

Também no projeto de lei tem a previsão de incluir os hospitais universitários federais no

âmbito da área da saúde, portanto, passiveis de serem objeto da fundação estatal. Contudo, a proposta

é incoerente, já que os hospitais integram a Universidade, sendo ligados ao Ministério da Educação e

do Desporto- MEC, servindo para pesquisa cientifica e aprendizagem para os estudantes dos cursos da

área da saúde, integrando o ensino, a pesquisa e a extensão. Como conceber separá-los, com gestões

diferentes, inevitavelmente, trará sérios prejuízos a academia.

Isso é um dos aspectos deste polêmico projeto que disfarçadamente pretende transformar as

fundações em figuras jurídicas que velem interesses privados, nesse sentido,

Marlon Weichert [...] considera gravemente negativa a pretensão, implícita na

proposta de afastar alguns princípios e preceitos que limitam e protegem o

gasto público, principalmente a obrigação de criar cargos por lei, a limitação da

remuneração do pessoal mediante “tetos”, a vinculação da política salarial a um

plano de carreira, a aplicação da LRF, e a exigência de licitações. Por tudo isso,

conclui que a criação de fundações estatais em saúde significará também um

retrocesso na proteção do patrimônio público e social. (DALLARI, 2009, p.78, grifo

nosso).

Admitir a existência da fundação estatal de direito privado gerindo serviços públicos

estratégicos à nação, como à educação, à saúde, à cultura, à ciência, é correr risco de trazer

prejuízos a continuidade dos serviços públicos, já que não estarão presente princípios do

direito administrativo como a possibilidade de rescisão contratual indireta (encampação,

declaração de caducidade), a mutabilidade dos contratos administrativos, dentre outros

instrumentos que preservam o interesse público. Assim, também DALLARI aponta que a

especialista Luciane Pereira,

[...] Em suas conclusões finais, a autora manifesta a opinião de que eventual

aprovação da proposta encaminhada pelo projeto n. 92/2007, acarretará, entre outras

conseqüências negativas, a descontinuidade dos serviços públicos essenciais, já

prejudicados por diversos vícios. [...] Sua conclusão final é que a eficiência é o

princípio intríseco da administração pública, mas a busca da eficiência, que tem

levado agentes públicos a procurarem o modelo gerencial das megaempresas

privadas, não pode condenar á condição de “princípio esquecido”a supremacia

do interesse público, princípio-base do Direito Público e cuja titularidade é

encarnada pelo Estado.

(DALLARI, 2009, p.79, grifo nosso).

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2.3 FUNDAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO VERSUS FUNDAÇÃO ESTATAL DE

DIREITO PRIVADO

Pode-se afirmar que tanto a fundação de Direito Público como Fundação Estatal de

Direito Privado, são orientadas para atingir uma finalidade pública de prestação de serviços

públicos, não podendo ter este objetivo desvirtuado, nem muito menos visar lucro, o que vai

de encontro com o interesse público a ser perseguido.

Quanto à criação e a extinção dos dois tipos de fundação, encontramos algumas

diferenças: a primeira se trata da forma como se cria a fundação; no caso da fundação de

direito público, é necessária apenas a lei criando-a, já que as entidades com personalidade

jurídica de direito público tem como parâmetro de instituição as autarquias. Assim, o

surgimento deste ente ...

Sendo a fundação pública de natureza autárquica, ou seja, de direito público,

a regra a ser aplicada é a mesma que incide sobre as autarquias, vale dizer, a

própria lei dá nascimento à entidade, porque essa é a regra adotada para o

nascimento da personalidade jurídica de pessoas jurídicas de direito público.

(SILVA, 2004, p.1)

Por estar sujeito as normas de direito estatal, tendo as mesmas regras aplicáveis as

autarquias, Silva (2004) apresenta que a extinção também se dará por lei, em vista da

aplicação do princípio do paralelismo das formas, sendo uma outra lei dispondo sobre a morte

jurídica do ente.

No tocante à fundação de direito privado, a lei terá um apenas um papel coadjuvante,

sendo um ato necessário, a lei, que autorizará a criação, contudo não é o único. È primordial o

ato de registro no Cartório Civil, inscrevendo-se na escritura pública, para assim surgir à

personalidade jurídica. Também a lei somente autorizará a extinção da fundação de direito

privado, necessitando dos demais trâmites consoante o Código civil.

Já com relação ao regime jurídico a ser adotado, não existe ainda um consenso se na

fundação estatal de direito privado haveria ou não derrogação parcial por normas de Direito

Público ou seriam necessariamente de ordem privada. Sobre este debate, José dos Santos

Carvalho Filho apud SILVA (2004) entende sim existir um caráter misto, ou seja, hibrido, em

que existe congruência entre normas de Direito Público e normas de Direito Privado.

Já com referência a fundação com personalidade jurídica de direito público, por ser

considerada um prolongamento do Estado, tem os mesmos privilégios dados a Administração

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Pública no exercício da prestação dos serviços públicos como possibilidade do uso do Poder

de Polícia, prazo em dobro para contestar e quádruplo para recorrer, prescrição qüinqüenal,

mutabilidade dos contratos administrativos, presunção de veracidade, bem como a

possibilidade de autoexecutoriedade dos atos administrativos. Também possuem a imunidade

recíproca de impostos, e duplo grau de jurisdição, além de outras prerrogativas processuais.

Quanto à gestão de Pessoas, o pessoal da fundação estatal é regido pela CLT, sendo

regulada assim as obrigações trabalhistas, plano de cargos e salários atrelado a produtividade.

Já a fundação pública, os servidores são estatutários, com direito à estabilidade. Vale ressaltar

a vedação constitucional de acumulação de cargos, empregos e funções aplica-se a ambos os

tipos de fundação.

No caso da fundação de direito público, o regime jurídico a ser adotado é o mesmo da

administração central. Ainda existem controvérsias sobre a suspensão ou não da exigência do

regime jurídico único como única forma de contratação de servidores da Administração

Direta, Autárquica e Fundacional, contudo, pode-se afirmar que, atualmente, no âmbito

federal todas as autarquias e fundações abrem editais de concurso regidos pelo RJU- Regime

Jurídico Único, que é a Lei n° 8.112/90.

No tocante ao foro de litígios, aplica-se a fundação estatal, seja qual for o ente

instituidor, a justiça comum, em virtude da natureza privada. Conflitos decorrentes de relação

de trabalho, por serem celetistas a justiça do trabalho.

Já se for fundação pública federal, será a competência justiça federal, tanto com

relação aos litígios bem como conflitos decorrentes da relação estatutária dos servidores. Se

for fundação estadual e municipal, a competência incide na justiça comum.

Quando se refere à responsabilidade civil, esta incide tanto sobre fundações com

personalidade jurídica de direito público ou de direito privado, não havendo distinção ou

minimização de responsabilidade, aplicando-se o art.37, § 6°, CF/1988, que determina a

responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de

direito privado, no caso dos danos causados pelos seus agentes, agindo em regresso no caso

de dolo ou culpa.

Ainda convém destacar que na hipótese da entidade não conseguir suportar totalmente o

ônus, ocorre a responsabilidade subsidiária com a pessoa política instituidora.

No que diz respeito ao controle de tais fundações estatais de direito privado, Silva

(2004) aponta que “submetem-se a um controle administrativo exercido diretamente pela

entidade que a instituiu, controle este que abrange os atos de seu dirigente e sua gestão

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financeira. Ou seja: a regra será que pratique atos de natureza privada, controláveis pelas vias

processuais comuns”.

Na gestão das fundações de direito público, existe o controle finalístico do Ministério a

qual é ligada, do TCU/TCE sobre as verbas recebidas para funcionamento do órgão e

prestação de serviços, do Poder Legislativo, e até mesmo, controle judicial dos atos

administrativos, quando estes forem afetados por ilegalidade ou violar os princípios da

administração pública.

No quesito patrimônio, tratando-se de fundação de direito público, tem seus bens

considerados públicos, e em virtude disto, sujeitam-se quando cabível, a inalienabilidade, a

impenhorabilidade e a imprescritibilidade.

Logo, pode-se resumir as principais características da fundação estatal, nos objetivos

apontados pelo Procurador da república André Stefani Bertuol com relação às metas do

MPOG na representação contra fundação estatal, sendo que

a) sujeição às normas de direito privado, inclusive ao Código Civil;

b) não-aplicação do limite de remuneração de seus agentes, que na União

corresponde ao subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,

na forma do inciso XI do art. 37 da Constituição;

c) não-sujeição às disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei

Complementar nº 101/2000), editada com fundamento nos arts. 163 e

169 da Constituição;

d) contratação de servidores por meio de concurso público sob o regime

celetista;

e) tese de que os agentes públicos das fundações não serão remunerados com

recursos dos Orçamentos Fiscal e/ou da Seguridade Social;

f) transferência de patrimônio público à fundação estatal de direito privado e

concessão de direito de uso (Questões 12 e 16 da Proposta elaborada para

debate); tais bens seriam penhoráveis de acordo com o art. 678 do Código de

Processo Civil;

g) imunidade tributária;

h) remuneração de membros da diretoria sem a perda de imunidade

tributária;

i) sistemas informatizados próprios, sem se sujeitar ao Siafi, Siape,

Siasg, Sicaf, dentre outros sistemas instituídos no âmbito federal;

j) não-sujeição ao art. 100 da Constituição no que se refere ao precatório;

k) não-sujeição à falência. (BERTUOL, A.S. Representação Fundação

Estatal,2007, p.5).

Dessa forma, visualizamos que a fundação estatal de direito privado não é a

melhor opção para a prestação de serviços públicos previstos constitucionalmente, já que o

modelo que tem sido delineado pelo governo federal visa disfarçadamente se sobrepor a

princípios do direito administrativo na tentativa de favorecer os interesses privados em

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detrimento do interesse coletivo. Se a prestação de serviços públicos ficar a cargo de uma

entidade que receberá recursos orçamentários imprecisos e doações, que informalmente

servem para pressionar pela busca por resultados, com certeza, haverá perda de qualidade e

eficiência dos serviços realizados, desvirtuando assim a tônica buscada pela administração

pública nos últimos tempos.

Diante dos inúmeros escândalos de desvios de verbas públicas presentes em ONGS,

Associações, dentre outros do Terceiro Setor, claramente observamos como é imprescindível

o controle do Estado perante a utilização do dinheiro público, sendo que, infelizmente, esta

tentativa do governo federal de “desburocratizar” a gestão de serviços públicos, colocando-os

a semelhança de empresas privadas aponta para a a superficial solução que o governo acha

que encontrou para resolver os sérios problemas estruturais existentes em atividades sociais

como saúde e educação públicas. Claramente, entendemos que a reestruturação na gestão dos

serviços públicos é extremamente necessária, sendo isso viável não apenas afroxando

princípios constitucionais como se subentende na criação da fundação estatal, mas sim

consolidando-os, o que ao longo dos últimos anos tem sido responsáveis pelo avanço na

universalização e melhoria dos serviços prestados pelos servidores públicos, assegurando a

continuidade do serviço público por meio do Poder de Polícia inerente as entidades de direito

público.

Além disto, existe uma certa burla ao limite da lei de responsabilidade fiscal, já que

as fundações estatais não estarão atreladas aos recursos orçamentários, consequentemente,

não obedecem aos limites da LRF, o que de certo modo, desafoga muitos municípios que

estão no limite dos gastos. Para o Procurador Da República André Bertuol,

Numa visão imediatista e muito estreita, a criação de “Fundação Estatal”

privada para as áreas de saúde, educação e assistência social, dentre outras,

pode significar a “solução” fiscal para os Poderes Executivos dos Estados e

Municípios cujas despesas com pessoal encontram-se próximas ou acima

dos respectivos limites fixados pelo art. 20 da LRF (49% e 54% da RCL

respectivamente). Porém, a medida proposta não resolve o maior problema,

qual seja, a escassez de recursos orçamentários para financiamento das ações

públicas e a impossibilidade de se aumentar, mais ainda, a carga tributária. E

o fundamento para isso reside no inciso IV do art. 150 da Constituição, o

qual veda, expressamente, a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios utilizarem tributo com efeito de confisco, impondo,

conseqüentemente, a fixação de limites para as despesas de custeio, como as

de pessoal, e para o endividamento do ente da Federação.

(BERTUOL, 2007, p.1)

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Assim, trata-se de uma forma de desonerar gastos públicos, sob a alegação da

ineficiência dos serviços públicos prestados, quando na verdade se traduz em jogo político

para favorecer interesses privados, já que a mudança para fundação de direito privado pura e

simplesmente em nada afetará se não for realizada uma mudança estrutural dos recursos

humanos e principalmente materiais, contudo infelizmente não é esse o que parece o principal

objetivo. Nesse sentido,

Visto por outro ângulo, vislumbram-se os seguintes riscos fiscais com

impactos sociais:

a) a exclusão das despesas de educação, saúde e assistência social dos

limites da despesa total com pessoal dos Poderes Executivos (37,9% na

União, 49% nos Estados e 54% nos Municípios, todos da receita corrente

líquida – RCL), cria uma margem de expansão substancial para despesas

com as carreiras típicas de Estado, insustentável sob o prisma fiscal;

b) as despesas com pessoal das áreas de saúde, assistência social e

educação executadas por meio da “Fundação Estatal”, que representam

boa parte das despesas desta natureza nos Poderes Executivos, seriam

custeadas pela outra parcela da RCL não passível de comprometimento

com a despesa com pessoal (50% na União e 40% nos Estados e

Municípios), disputando dotações orçamentárias com investimentos,

pagamento de dívida e outras despesas correntes, como medicamentos,

merenda escolar e demais despesas com manutenção da máquina

estatal, igualmente importantes para o oferecimento de serviços de

qualidade e promoção do bem-estar social. (BERTUOL, 2007, p.37-38,

grifo nosso)

Esse trecho extraído da representação proposta pelo Procurador da República relata os

sérios prejuízos, inclusive orçamentários que podem vir a ocorrer numa eventual aprovação

deste projeto, já que as despesas com pessoal passaram a disputar com os investimentos,

materiais, e demais despesas, o que implica em redução de investimentos e ausência de

controle dos gastos com pessoal, um retrocesso enorme no avanço conseguido com a Lei de

Responsabilidade Fiscal.

Por fim, claramente observamos que os serviços públicos de saúde, educação e de

outros setores sociais podem e devem ser prestados pelo Estado, são “Ações realizadas

diretamente pelo Poder Público ou por Autarquias, ainda que em regime especial.

(WEICHERT, 2009, p.93). Daí a defesa de WEICHERT em modelos de autarquias especiais,

com ampliação da autonomia gerencial, sem que isso implique no descomprometimento com

a proteção dos bem públicos.

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Diante de tanta resistência por parte dos sindicatos dos servidores públicos, de parte de

setores da sociedade, de alguns deputados, o projeto está parado no Congresso Nacional, e o

governo Federal apresentou a MP-520, que abrange a criação da Empresa Brasileira de

Serviços Hospitalares S.A, como tentativa de solucionar os graves problemas estruturais dos

hospitais universitários federais, atendendo as recomendações de órgãos de controle externo.

Esta empresa ficará responsável pelo planejamento e contratação dos serviços, contemplando

personalidade jurídica a estes, que propiciará autonomia administrativa e financeira, já que

atualmente é limitada, uma vez que depende das universidades e fundações de apoio para

tomar decisões. Contudo, o que parece estar dentro da lei, longe da polêmica fundação, para o

procurador da República André Bertuol citado por Tiara Rubim,

à MP-520 cria "um regime próprio de licitação, com contratação de pessoal

segundo processo simplificado e regido pela CLT, fora dos eixos

estruturantes da transparência e do controle, como o orçamento público, o

'teto remuneratório', os limites fiscais, os sistemas corporativos como o Siafi

e o Siape. É como se a empresa explorasse atividade econômica a exemplo

da Petrobrás, do Banco do Brasil e outras empresas mantidas com receitas da

exploração das respectivas atividades econômicas em livre mercado, sem

receber recursos dos orçamentos públicos provenientes de tributos",

explicou. (BERTUOL, citado por RUBIM, 2011, p.1).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo que foi exposto, vislumbramos o quanto a proposta da fundação estatal

não é tão simples como o governo federal aparenta no discurso oficial, dotando-se de

complexidade e contraditoriedade, disfarçando uma pretensão absurda de subverter o

interesse público em detrimento do interesse privado.

Nesta fundação estatal, os princípios do direito público, bem como as normas

não serão plenamente utilizados na proteção do patrimônio deste ente, na execução da

prestação de atividades sociais, causando uma séria preocupação, tendo em vista que a

necessidade de continuidade dos serviços públicos é imperiosa, e o suo do poder de polícia

administrativa e contratos administrativos primordial para garantir a efetividade.

Essa proposta de trazer a figura do direito privado em serviços estratégicos do

Estado vai de encontro com todo processo de fortalecimento do Estado que o ex-presidente

Lula, que durante oito anos, mudou a visão que a população brasileira tinha do serviço

público federal.

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Por isso, é necessário o acompanhamento e debate antes da aprovação deste

projeto de lei, tendo em vista pode ser uma ameaça à concretização da consolidação de todas

as mudanças e avanços realizados, já que põe em jogo, nossas conquistas a pressões de

organismos internacionais, uma vez que a fundação, nesse modelo, poderá receber doações,

de entidades privadas e organismos estrangeiros, o que acaba influenciando as ações da

fundação, e reduzindo investimentos em áreas que não dão lucratividade.

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