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1 0UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O CÓDIGO FLORESTAL E AS FAIXAS MARGINAIS DE PROTEÇÃO DE RIOS, LAGOS, LAGOAS E RESERVATÓRIOS D’ÁGUA Por: Raul Araújo Rio de Janeiro 2012

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0UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O CÓDIGO FLORESTAL E AS FAIXAS MARGINAIS DE

PROTEÇÃO DE RIOS, LAGOS, LAGOAS E RESERVATÓRIOS

D’ÁGUA

Por: Raul Araújo

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O CÓDIGO FLORESTAL E AS FAIXAS MARGINAIS DE

PROTEÇÃO DE RIOS, LAGOS, LAGOAS E RESERVATÓRIOS

D’ÁGUA

Apresentação de trabalho à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para a obtenção do

grau de especialista em Direito Ambiental.

Por: Raul Araújo

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RESUMO

Este estudo tem por objetivo abordar o Código Florestal e as faixas

marginais de proteção de rios, lagos, lagoas e reservatórios d’água. Buscou-se

inicialmente contextualizar o meio ambiente sob o prisma constitucional e legal.

Em seguida, contempla-se a questão da área de preservação permanente, o

ecossistema natural, o Código Florestal e sua evolução, com ênfase nas faixas

marginais de proteção. Por fim, discutem-se as alterações propostas acerca do

Código Florestal no que se refere às faixas marginais de proteção e a redução

da extensão das APPs nas áreas urbanas ocupadas. O estudo conclui que a

legislação contemporânea não foi inspirada pela realidade urbana, sendo, por

decorrência, equivocada conceitual e estruturalmente para a gestão ambiental

do tão singular espaço urbano. Isso tem produzido um significativo número de

pendências legais conflituosas entre órgãos ambientais e empreendedores

urbanos públicos e privados, inviabilizando a implantação de projetos

urbanísticos planejados e dotados de adequados controles ambientais

Palavras-chave: Faixa marginal de proteção, áreas de preservação permanente,

código florestal

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METODOLOGIA

O estudo irá seguir, quanto ao nível de desenvolvimento, a pesquisa

descritiva e explicativa. Conforme Gil (2007), a pesquisa descritiva procura

observar, registrar, analisar, classificar e interpretar os fatos ou fenômenos

(variáveis), sem que o pesquisador interfira neles ou os manipule. Já a pesquisa

explicativa, segundo Gil (2007) além de registrar, analisar e interpretar os

fenômenos estudados tem como preocupação primordial identificar os fatores

que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos, isto é,

suas causas. Neste estudo busca-se analisar o Código Florestal e as faixas

marginais de proteção de rios, lagos, lagoas e reservatórios d’água. Quanto aos

procedimentos, a pesquisa é bibliográfica, uma vez que abarcará a bibliografia

relativa ao Direito ambiental, a partir de um olhar crítico, visando a compreensão

dos problemas retratados nas questões norteadoras.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6

CAPÍTULO I - MEIO AMBIENTE........................................................................8

CAPÍTULO II - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE............................15

CAPÍTULO III - CÓDIGO FLORESTAL E ÁREAS DE PRESERVAÇÃO

PERMANENTE: ALTERAÇÕES PROPOSTAS.....................25

CONCLUSÃO.....................................................................................................32

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................34

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo analisar o Código Florestal e as faixas

marginais de proteção de rios, lagos, lagoas e reservatórios d’água. Busca-se

identificar as leis atuais que tratam das faixas marginais de proteção em rios,

lagos, lagoas e reservatórios de água, bem como analisar a discussão sobre os

parâmetros vigentes e os projetos de lei que alteram a faixa marginal de

proteção.

A relevância do estudo está fundamentada na importância da

interpretação eficaz que define em bases legais as faixas de proteção para os

rios, lagos, lagoas e reservatórios d’água face à legislação ambiental e a nova

proposta do Código Florestal.

Trata-se de um tema muito debatido no Congresso Nacional e na mídia.

Ou seja, cogita-se uma possível mudança no referido Código, o que, para

alguns, pode representar um entrave para o crescimento da produção, levando-

se em conta as diferenças existentes entre as áreas urbanas e rurais, que

apresentam diferentes demandas. O Código Florestal brasileiro, junto com

outras leis, tenta regulamentar, um relevante instrumento que possa garantir um

sistema de drenagem aceitável, que são as Áreas de Preservação Permanentes

(APPs) nas margens dos rios.

O referido Código afirma que as APPs nas margens dos rios devem ter

pelo menos 30 metros em rios com largura de até 10 metros. No caso de rios

mais largos a faixa marginal ao rio a ser considerada APP é maior. A proteção

às margens assegura espaço para o rio encher durante as cheias mais

significativas, impedindo que este fique confinado e alague grandes regiões

acima desse estrangulamento. Outro fator importante das APPS é impedir que

em uma região que naturalmente enche de água seja ocupada.

Um dos problemas das APPs nas margens dos rios à luz do Código

Florestal é que elas são idealizadas para regiões rurais, florestas e não para

regiões urbanas. No que se refere à aplicação do Código florestal em áreas

urbanas a lei é controversa e passível de interpretações diversas. Quando se

entende que o uso do solo urbano deva respeitar as APPs, conforme expresso

no referido Código, coloca-se grande parte das cidades na ilegalidade. Tem se

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configurado um problema para as cidades brasileiras assegurar que a ocupação

das áreas urbanas siga as normas prescritas no Código Florestal. Em algumas

situações a ocupação das margens dos rios é algo já definido e a referida lei

acaba não sendo aplicada.

Este estudo busca responder à seguinte questão: De que forma podem

ser aplicados os parâmetros para a medição da faixa de proteção ambiental para

os rios, lagos, lagoas e reservatórios d’água face à legislação ambiental e a nova

proposta do Código Florestal?

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CAPÍTULO I

MEIO AMBIENTE

1.1 Contextualização

O Meio ambiente sempre existiu; mas, só a partir do momento em que o

homem buscou a industrialização de forma descontrolada e passou a causar

grandes prejuízos à natureza e a si próprio é que surgiram as preocupações em

proteger e preservar o meio ambiente.

Segundo Milaré (2005, p.36):

Depois da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente nos anos 60, começa-se a tomar uma consciência prática da finitude dos recursos naturais, de forma concreta. Matérias-primas, energia e água, entre outros bens proporcionados pela Natureza, tornam-se mais raros e mais caros. Os processos e degradação ambiental, sob várias modalidades, vão-se alastrando. Novas crises, mais sérias e globais, desenham-se no horizonte para uma sociedade que, sem embargo, insiste em fechar olhos e ouvidos para a realidade. Nuvens pesadas encastelam-se sobre os destinos do Planeta.

Conforme o referido autor, há um limite para o crescimento, como há um

limite para a inconsciência. Foi então que o brado e a luz de Estocolmo se

fizeram presentes, para valer. A partir de então, a consciência ambiental vem se

estendendo e se robustece.

Antunes (2005) esclarece que foi em meio a uma onda de destruição que

o meio ambiente passou a ser palco de debates das grandes nações e em

reuniões da ONU. O vazamento de mercúrio na Bacia de Minamata no Japão

entre os anos de 1953 à 1997, a emissão de agente laranja em Seveso perto de

Milão na Itália no ano de 1976, o vazamento de isocianato em Bhopal na Índia

no ano de 1984, as constantes mudanças no meio ambiente em nível mundial:

chuva ácida, efeito estufa e o buraco na camada de ozônio fizeram com que o

mundo voltasse os olhos para a natureza e, no ano de 1972, mais

especificamente nos dias 5 a 16 de junho em Estocolmo, ocorreu a Conferência

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das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Surgia assim a nova concepção e

classificação do meio ambiente a qual mudaria, para sempre, o modo como a

natureza seria vista.

Sob o ponto de vista jurídico, segundo Freitas (2002, p.15), meio

ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem

física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as sua

formas”. Entretanto, esse conceito legal está incompleto, pois se restringe

apenas ao conceito de meio ambiente natural. É preciso, segundo o referido

autor, agregar a este conceito os elementos artificiais, culturais e do trabalho

ligado aos seres vivos. “O conceito de meio ambiente é mais amplo. Inclui

urbanismo, aspectos históricos, paisagísticos e outros tantos essenciais,

atualmente, à sobrevivência sadia do homem na Terra”. (FREITAS, 2002, p. 15)

Em primeiro lugar, deve-se analisar qual é a vida que é protegida pelo

meio ambiente. Se buscar uma visão antropocêntrica, conforme Sirvinkas

(2008), o homem será visto como o centro de tudo e, como tal, os recursos

naturais não terão outra função a não ser de servi-lo. Entretanto, se o objeto do

direito ambiental for a tutela de toda e qualquer vida, poder-se-á coadunar com o

entendimento de Diogo de Freitas do Amaral, aqui citado por Freitas (2002, p.

15):

[...] já não é mais possível considerar a proteção da natureza como um objetivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem. A natureza tem que ser protegida também em função dela mesma, como valor em si, e não apenas como um objeto útil ao homem. [...] A natureza carece de uma proteção pelos valores que ela representa em si mesma, proteção que, muitas vezes, terá de ser dirigida contra o próprio homem. (FREITAS, 2002, p. 15).

Do mesmo modo que não se pode conceber o abuso do homem sobre o

meio ambiente, também é incorreto adotar uma visão estritamente biocêntrica,

naturalista ao extremo, ou adotar uma visão puramente economicista. É preciso

buscar um meio termo, que é possível através da aplicação do princípio do

desenvolvimento sustentável amparado pelo tripé do desenvolvimento

econômico, preservação ambiental e desenvolvimento social. É partindo desse

conceito amplo sobre o meio ambiente, que se poderá classificá-lo tomando por

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base suas diversas manifestações – meio ambiente natural, artificial, cultural e

do trabalho.

O meio ambiente natural é o meio ambiental natural ou físico é constituído

pela atmosfera, pelos elementos da biosfera, pelas águas, pelo solo, pelo

subsolo, pela fauna e flora. Esse Direito é defendido pelo caput do artigo 225 e

§1°, incisos I, III e VII75, da Constituição Federal. O meio ambiente artificial é

formado pelas áreas urbanas construídas, podendo ser espaço urbano fechado

formado pelas edificações, ou espaço urbano aberto formado pelos

equipamentos públicos como ruas, áreas verdes e praças.

Esse Direito é protegido constitucionalmente pelos art. 21 e 182 da CF/88

ao tratar da política urbana e, mais especificamente, do Estatuto da Cidade (Lei

10.257/2001). Na preservação do meio ambiente artificial, o Estatuto da Cidade,

em seu artigo 2°, dispõe várias diretrizes voltadas para a política urbana e o

desenvolvimento das funções sociais da cidade. Essas diretrizes visam à

ordenação do controle do uso do solo, evitando a poluição e degradação

ambiental, buscando a preservação e recuperação do meio ambiente natural,

artificial, cultural e outros. O meio ambiente cultural está previsto no artigo 216

da Constituição Federal, que o delimita da seguinte forma:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 2008, p. 15)

É um patrimônio que representa a história de uma sociedade, sua cultura,

seu povo, seus costumes e sua própria existência.

Fiorillo (2007, p. 24), afirma: “O Meio Ambiente Cultural é integrado pelo

patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora

artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior pelo sentido de valor

especial”.

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1.2 Proteção Constitucional do Meio Ambiente

A Constituição de 1988 inovou ao apresentar, de forma explícita, a

preocupação com o meio ambiente, destinando um capítulo específico para este

fim e também trazendo regras gerais espalhadas por toda a Carta. A defesa do

meio ambiente e a função social da propriedade foram elevadas ao rol dos

princípios constitucionais. O texto constitucional coibiu a especulação imobiliária,

punindo o proprietário por sua inércia em explorar a propriedade, seja através do

instituto da usucapião, seja através do imposto progressivo.

Segundo Lenza (2007, p. 79), “dentro de um conceito constitucional,

pode-se relatar que a reforma constitucional de 1926 sobre a constituição de

1891 foi marcada por uma forte centralização do poder e intervenção da União

sobre os Estados”.

Em relação ao meio ambiente, preocupou-se em tratar da exploração das

minas e jazidas. A Carta de 1934 voltou-se para o caráter social da propriedade.

A de 1937 deixou para as legislações ordinárias a regulamentação dos limites ao

direito de propriedade. As cartas de 1946 e 1967 garantiram a intervenção do

Estado através da desapropriação mediante indenização.

Por fim, a Constituição de 1988 introduziu a necessidade de utilidade

pública ou interesse social para a realização das desapropriações. Conforme

Morais (2007, p.798) “A Carta Magna também prima pela salvaguarda dos

recursos naturais, amparada por princípios fundamentais a ação comunitária;

precaução e ação preventiva; correção prioritariamente na fonte dos danos

causados ao meio ambiente e pelo princípio do poluidor pagador”.

A Constituição, sem trilhar caminhos desconhecidos, passa por uma

transformação. Não mais é vista apenas como um instrumento de organização

da vida econômica, subjugada pela administração dos grupos dominantes.

Muda-se o rumo e é dada uma proteção jurídica autônoma para o meio

ambiente.

De acordo com Canotilho (2007, p.86): “Na verdade, saltou-se do estágio

da miserabilidade ecológico-constitucional, própria das Constituições liberais

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anteriores, para um outro que, de modo adequado, pode ser apelidado de

opulência ecológico-constitucional”.

Em um capítulo próprio, especificamente destinado ao meio ambiente, a

Constituição apresenta o artigo 225 juntamente com seus parágrafos e incisos,

que podem ser assim estudados: “Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se a Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.

Este artigo é o núcleo principal da proteção do meio ambiente e, ao lado

das demais normas constitucionais, sejam elas deveres genéricos (primeira

parte do art. 225, caput), deveres especiais (art. 225, §1º), princípios específicos

e explícitos (poluidor pagador), instrumentos constitucionais (ação civil pública),

ou valoração de biomas especiais, encaminham para o mesmo objetivo: a

proteção e regularização das atividades humanas capazes de afetar o meio

ambiente.

Apresenta-se um direito de terceira geração, alicerçado em conceitos

como a fraternidade e a solidariedade. É um direito que se destina à proteção do

ser humano, sem se preocupar, especificamente, com o individuo isolado ou em

um determinado grupo. É um bem exercido pela coletividade, mas também

protegido na forma individual.

O caput do artigo 225 pode ser assim dividido:

I – bem de todos: cabe aqui determinar quem são os beneficiados por

este direito. Numa visão restritiva, poderiam ser considerados os brasileiros e

estrangeiros residentes no Brasil e sujeitos às nossas leis. Em uma visão

holística e universalista do meio ambiente, esta proteção se estenderia além da

cidadania brasileira. Ainda mais, em uma concepção externa ao próprio homem,

o conceito de “todos” estaria estendido a todos os seres viventes, sejam eles

humanos ou não.

II – meio ambiente ecologicamente equilibrado: baseia-se na ideia de que

todos os organismos vivos estão de algum modo inter-relacionados no meio

ambiente. O equilíbrio aqui proposto não é de tornar estático, imutável o meio

ambiente, mas sim, de proporcionar aos fenômenos naturais seguir seu próprio

curso, sem maiores interferências do ser humano. III – sadia qualidade de vida:

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esta qualidade de vida não se restringe ao homem, ela deve ser aplicada, de

forma ampla, na busca da manutenção do meio ambiente, propiciando seu

desenvolvimento pleno.

Assim, temos que o art. 225 estabelece quatro concepções fundamentais

no âmbito do direito ambiental: a) de que todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado; b) de que o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado diz respeito à existência de um bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, criando em nosso ordenamento o

bem ambiental; c) de que a Carta Maior determina tanto ao Poder Público como

à coletividade o dever de defender o bem ambiental, assim como o dever de

preservá-lo; d) de que a defesa e a preservação do bem ambiental estão

vinculadas não só às presentes como também às futuras gerações. (FIORILLO,

2007, p. 16).

Canotilho (2007, p.99), em sua obra Direito Constitucional Ambiental

Brasileiro, ao fazer um estudo mais aprofundado do art. 225 da Constituição

Federal, relata que a proteção do meio ambiente, na esfera constitucional, não

segue um único padrão normativo.

O legislador utiliza-se de técnicas de proteção ambiental que podem ser

assim definidas:

I – direitos fundamentais: os direitos fundamentais são aqueles que

atribuem ao indivíduo uma garantia subjetiva ou pessoal. A doutrina atual

reconhece a existência de um direito fundamental ao meio ambiente, que é

incluído no plano mais elevado dos direitos reconhecidos aos cidadãos. Esse

direitos são garantias fundamentais de aplicação imediata, independentemente

da produção de qualquer norma legislativa ou administrativa. Eles também não

estão sujeitos às vontades de seus usuários, são revestidos das seguintes

garantias: a) irrenunciabilidade, “não admite que o infrator alegue direito de

degradar por omissão ou até mesmo aceitação, expressa ou implícita dos

prejudicados”; b) inalienabilidade, estes direitos são indelegáveis, intransferíveis

e inegociáveis; c) imprescritível.

II – deveres fundamentais: estes deveres constitucionais são para a

proteção dos próprios cidadãos e da natureza, seja presente ou futura. A Carta

de 1988 traz um conjunto de encargos dirigido ao Estado e ao particular,

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obrigações as vezes positivas de mitigar e reparar a degradação eventualmente

ocorrida (dever de fazer) e negativas de não degradar (dever de abster-se de

fazer).

Da Constituição, podem ser tiradas quatro categorias de deveres:

a) obrigação explícita, genérica, substantiva e positiva de defesa e

preservação do meio ambiente;

b) obrigação genérica, substantiva, negativa e implícita de não degradar o

meio ambiente;

c) deveres explícitos especiais do Poder Público que impõem ao

Legislador a obrigação de fazer novas leis e aperfeiçoar as existentes, e do

Poder Judiciário de aplicá-las de forma rápida e eficaz;

d) deveres explícitos especiais exigíveis de particulares ou do Estado, já

que ambos ocupam a posição de degradadores potenciais ou reais.

III – princípio: é usado pelas constituições modernas em todos seus

campos, de forma a auxiliar a compreensão dos institutos, não só ambientais,

mas em todos ordenamentos esparsos pela Constituição Federal. Esta gama de

princípios (poluidor pagador, prevenção etc) se apresenta de forma expressa ou

implícita, geral ou específica, substantiva ou procedimental.

Há outras técnicas, como a função ecológica da propriedade, que se

contrapõem ao direito de propriedade: a transparência e acessibilidade jurídica

ambiental aliadas à participação popular; o controle de constitucionalidade

ambiental e a proteção de biomas especiais.

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CAPÍTULO II

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

2.1 Ecossistema Natural

A ecologia de uma área pode ser considerada como um conjunto de

objetos e suas relações entre eles e seus atributos. A visão da ecologia dada por

este contexto ressalta, sem dúvida, o papel das interações entre as diferentes

partes e o mecanismo de regulação de tais relações. Por tudo isso, podemos

definir uma classe especial de sistemas que tem elementos ecológicos e

denominá-los de ecossistemas (SIMMONS, 1982).

O termo ecossistema foi definido em 1935 por Tansley, mas o conceito

tem uma história longa, já que muitos estudos têm sido realizados com relação à

imensa complexidade de caráter holístico do mundo natural. E assim, os termos

como microcosmos, complexo natural, biossistema, são usados também para

designar o que atualmente entendemos por ecossistema. Segundo Tansley

(1935), o termo ecossistema não inclui somente os organismos, mas todo o

complexo de fatores físicos que constituem o que chamamos meio ambiente.

Bacia hidrográfica

O termo bacia hidrográfica refere-se a uma compartimentação geográfica

natural delimitada por divisores de água, drenado superficialmente por um curso

d'água principal e seus afluentes (Silva, 1995). Cada bacia hidrográfica interliga-

se com outra de ordem hierárquica superior, constituindo, em relação à última,

uma sub-bacia.

A subdivisão de uma bacia em sub-bacias permite a pontualização de

problemas difusos, tornando mais fácil a identificação de problemas de

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degradação de recursos naturais, dos processos de degradação ambiental

instalados e o grau de comprometimento da produção sustentada existente.

Conforme Zakia (1998), a área da bacia tem influência sobre a quantidade

de água produzida (deflúvio). A forma e o relevo têm influência sobre o regime

de produção da água, como também, sobre a taxa de sedimentação, sendo que,

muitas das características físicas da bacia são controladas ou influenciadas pela

estrutura geológica da mesma.

Segundo Souza & Fernandes (2000), fazem parte da paisagem de uma

bacia hidrográfica as zonas de erosão e zonas de sedimentação. As zonas de

erosão são vertentes em declives e comprimentos de rampas favoráveis a

processos erosivos, podendo ser acelerado pelo uso indevido. Estas áreas são

as principais contribuintes para o carreamento de sedimentos para os cursos de

água e reservatórios, podendo causar assoreamento e turbidez das águas

superficiais. Nestas áreas torna-se necessária a adequação do uso com

sistemas de conservação, ou a manutenção da vegetação, como

também, quando necessária, a revegetação da mesma. Os segmentos mais

baixos da bacia hidrográfica são as planícies fluviais, as várzeas, que constituem

as zonas de sedimentação. É neste segmento da paisagem que deve

permanecer a vegetação ciliar cuja largura será de acordo com a largura do

curso d'água.

Segundo Leal (2003) a gestão urbana e regional possui diversas

interfaces com o gerenciamento de recursos hídricos, especialmente quando se

adota a bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento e

gerenciamento. Mas existem vários conflitos, tais como: na compatibilização de

limites territoriais e administrativos com os limites físicos da bacia; na garantia de

uso múltiplo das águas; no disciplinamento do uso do solo para evitar impactos

na água; e na construção de nova cultura ambiental, incluindo novas referências

espaciais para a população.

Conforme Campos e Vieira (1993, p. 37), a gestão dos recursos hídricos

pode ser definida como "a forma pela qual se busca equacionar e resolver as

questões de escassez relativa da água ( ... ) e é função ampla que exige

conhecimento profundo da hidrologia regional, coordenação institucional e um

aparato jurídico adequado".

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Matas ciliares

Matas ciliares são formações florestais que se encontram ao longo dos

cursos d'água e no entorno de nascentes. Apresentam características

vegetacionais definidas por uma complexa interação de fatores dependentes das

condições ambientais ciliares (RODRIGUES, 2001).

Segundo Canali (1992), as matas ciliares constituem-se em grandes

fornecedoras de alimentos para grande número de espécies, como sementes

para peixes, pássaros, roedores e outros animais componentes da fauna. Além

disso, fornecem insumos para insetos, polinizadores e outros insetos

importantes na natureza. Assim, a mata ciliar é um importante elo de inter-

relacionamento com os diversos elementos presentes no ambiente. Também

servem como barreiras naturais que controlam a velocidade dos ventos,

melhoram a qualidade do ar absorvendo gases poluentes, resíduos

contaminantes, além de amenizarem as variações de temperatura e regularem o

ciclo hidrológico.

De acordo com Campos (1997), a localização das matas ciliares junto aos

cursos d'água faz delas um complexo e importante instrumento da natureza

capaz de desempenhar funções hidrológicas de suporte na filtragem de

sedimentos, aporte de nutrientes e de produtos químicos, controle da erosão das

ribanceiras e dos canais dos cursos d'água, e ainda, controle da alteração da

temperatura dos ambientes aquáticos.

Nas zonas ripárias, às margens dos cursos d'água, as matas ciliares se

desenvolvem e tem um importante papel como barreira física (entre outros),

regulando os processos de troca entre o ambiente terrestre e o aquático A zona

ripária está intimamente ligada ao curso d'água, entretanto seus limites não são

facilmente demarcados. Seu limite lateral se estenderia até as planícies de

inundação. O limite a montante, por exemplo, seria a nascente, mas durante

uma parte do ano a zona saturada se expande consideravelmente,

o que implica na necessidade de se considerar também as áreas côncavas da

cabeceira como parte integrante da zona ripária.

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Zonas Ripárias

Do ponto de vista ecológico, conforme MIlaré (2005), as zonas ripárias

têm sido consideradas como corredores extremamente importantes para o

movimento da fauna ao longo da paisagem, assim como para dispersão vegetal.

Além das espécies tipicamente ripárias, nelas ocorrem também espécies típicas

de terra firme, e as zonas ripárias, desta forma, são também consideradas como

fontes importantes de sementes para o processo de regeneração natural.

Esta importante função ecológica vem a ser sem dúvida, razão suficiente

para justificar a necessidade da conservação da zona ripária. Além da função

hidrológica na manutenção da integridade da microbacia hidrográfica,

representada por sua ação direta numa série de processos importantes para a

estabilidade da microbacia, para a manutenção da qualidade e da quantidade de

água, assim como para a manutenção do próprio ecossistema aquático.

De acordo com Ribeiro e Walter (1998), os principais fatores

condicionantes para ocorrência das florestas ciliares são hidrológicos,

geológicos e topográficos. A importância relativa de cada um destes fatores nos

diferentes ambientes condicionam, geralmente, diferenças nos parâmetros

quantitativos das populações vegetacionais e, outras vezes, podem até alterar a

fisionomia da vegetação. A intensidade destas diferenças será determinada

pelas características do ambiente, como o nível do lençol freático, sendo que

este é determinado pelas condições de relevo e topografia.

O lençol irá determinar ou interagir com as características edáficas, como

a composição química e física do solo, profundidade, ciclagem de nutrientes,

entre outros, através do encharcamento ou da atuação diferencial da umidade

no solo.

Outro fator que poderá condicionar a ocorrência de florestas ciliares é o

transbordamento do leito do rio, através, principalmente, da remoção de

sedimentos e remoção ou soterramento da serapilheira. A correnteza e

transbordamento do leito do rio atuam, também, na seletividade de espécies e

na definição da mortalidade e estabelecimento de indivíduos na faixa ciliar, pois,

dependendo do período de encharcamento do solo, somente as espécies

tolerantes a este conseguirão sobreviver. Portanto, a elevação do nível d'água

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resulta na heterogeneidade espacial e temporal das populações ripárias,

diferenciando a composição do mosaico sucessional dessas formações.

Portanto, a dinâmica da paisagem determina que as florestas ciliares ocupem as

condições mais favoráveis do ambiente, principalmente no que diz respeito à

disponibilidade hídrica e de nutrientes, favorecendo algumas características,

entre elas a elevada diversidade, o mosaico vegetacional pouco definido e muito

dinâmico e a pronunciada seletividade de espécies aos microhabitats.

2.2 Código Florestal

A Lei 4.771/65 de âmbito federal, alterada pela também Lei Federal

7.803/89, conhecida como Código Florestal, define como Área de Preservação

Permanente (APP) a área, coberta ou não por vegetação nativa, com a função

ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade

geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e

assegurar o bem estar das populações humanas.

A Reserva Legal, definida pela mesma Lei, é a área localizada no interior

de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de Preservação Permanente,

necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e a

reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao

abrigo e proteção da fauna e flora nativas.

Pode-se identificar uma diferença bastante acentuada entre estas duas

áreas de proteção ambienta!. A Área de Preservação Permanente, como o

próprio nome indica, busca a preservação dos recursos naturais e a Reserva

Legal, busca a conservação dos recursos naturais.

Na perspectiva das ciências ambientais, a conservação se relaciona ao

uso de forma sustentável, ou seja, permite-se o manejo das áreas, consome-se

o recurso, mantendo em equilíbrio com a capacidade de manutenção e

reposição natural, e a preservação é a não utilização da área, no sentido de

manter-se o meio ambiente intacto.

Em face destes conceitos, Machado (2007), afirma que a corrente

majoritária da doutrina nacional entende que as Áreas de Preservação

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Permanente são áreas insuscetíveis de exploração, que devem ser preservadas

de forma absoluta, isto é, sem sofrer qualquer processo de modificação, pois

constituem bens comuns de todos, que visam proteger os recursos hídricos e os

leitos dos rios da erosão causada pelo processo de lixiviação.

Na definição de Machado (2007), "o termo 'preservação permanente'

deveria significar que tais formas de cobertura vegetal jamais pudessem ser

alteradas ou extintas".

Contudo, entre os juristas e o próprio legislador, verifica-se que, em geral,

não há distinção no uso dos termos "preservar" e "conservar", sendo que, muitas

vezes, são utilizados como sinônimos.

Conforme Costa (2007), em alguns casos as Áreas de Preservação

Permanente são objeto de exploração econômica realizada pelos proprietários,

tendo por base o desenvolvimento sustentável do imóvel e da geração de

riqueza para o setor econômico-produtivo, ocorrendo, muitas vezes, por meio de

manejo florestal sustentável, mediante autorização do órgão ambiental

competente, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis (lBAMA), no âmbito federal, a Companhia de Tecnologia e

Saneamento Ambiental (CETESB) ou o Departamento Estadual de Proteção dos

Recursos Naturais (DEPRN), no âmbito estadual, no caso de São Paulo, ou do

órgão municipal, se houver.

A Lei 4.771/65, de 15.09.1965 - Código Florestal - ao dar proteção às

florestas e demais formas de vegetação natural, classificou-as, em seu art. 10

como bens de interesse comum a todos os habitantes do País, tendo em vista a

reconhecida utilidade às terras que revestem, exercendo-se o direito de

propriedade com a limitação estabelecida na lei em geral e nesse de forma

específica.

Segundo Damis (2005, p. 7),

A função ecológica da propriedade, em particular a preservação dos elementos naturais, deve ser observada, no exercício do direito de propriedade, seja esta urbana ou rural, pública ou particular. Esta fundamenta-se na importância que os recursos naturais (água, flora, fauna, ar e solo) têm para a vida do homem, principalmente quando são consideradas as futuras gerações.

O referido autor acrescenta que, em seu art. 2.°, estabelece, pelo só

efeito desta lei, vegetações de preservação permanente. Na definição de

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vegetação de preservação permanente estão incluídas as florestas e todas as

demais formas de vegetação natural, ou seja, "a que pertence à natureza".

Engloba, também, as demais formas de vegetação plantadas ou não, que

deverão ser preservadas tendo em vista sua importância, ainda

que seja por meio da recomposição da vegetação suprimida. Além da proteção à

vegetação, o art. 2.° visa também à conservação dos recursos hídricos, dentre

eles os rios, cursos d'água, nascentes, olhos d'água e águas dormentes,

mantendo seus atributos físicos e biológicos. O art. 2.° objetiva ainda a proteção

das propriedades físicas do solo sobre morros, serras, montanhas, restingas,

bordas de tabuleiros ou chapadas, encostas ou parte destas com declive

superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior

declividade e em altitudes superiores a 1.800 m (mil e oitocentos metros),

qualquer que seja a vegetação.

Todavia, em qualquer desses casos, tem-se principalmente, a proteção

lógica e antecedente da vegetação. Esta, um bem necessário à conservação dos

recursos hídricos e de acidentes topográficos naturais. A vegetação impede

erosões, desmoronamentos de encostas e assoreamento de cursos d'água, tão

comuns nas cidades, produzindo, muitas vezes vítimas fatais; ou ainda, devido à

falta de vegetação ciliar nas margens de cursos d'água ou aterramento de

várzeas o solo cede vindo a assorear o leito do rio, transbordando sua água,

acarretando grandes enchentes potencialmente transmissoras das mais variadas

moléstias. A não conservação das áreas de preservação permanente traz

reflexos não só ao meio ambiente, mas à segurança e à saúde pública.

2.3 A evolução do Código Florestal e as faixas marginais de proteção

O Código Florestal de 1965 sofreu ao longo do tempo alterações

legislativas, buscando adequar-se à evolução social e em prol da proteção das

florestas. Aliado a isso, muitos Estados e Municípios tem contribuído na rigidez

da legislação e da fiscalização, esta é verdade ainda muito deficitária e

ineficiente. Soma-se a isto a edição da Lei 9.605/98, conhecida como Lei dos

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Crimes Ambientais, muito embora não se restrinja apenas à esfera penal, mas

também à administrativa.

As faixas marginais de cursos d’água constituem a maior fonte de

conflitos em APP’s, provavelmente por que as margens de cursos d’água

representam as principais áreas com restrições ambientais em zonas rurais e

urbanas e por ser extremamente comum o estabelecimento de aglomerações e

usos próximo aos rios. Por tratarem-se das áreas mais importantes do estudo e

de existir grande diversidade de variáveis que influenciam as funções ambientais

e as restrições à ocupação dessas áreas, estas são as mais discutidas.

Instituído pela Lei Federal 4.771/65, o Código Florestal em seu art. 2.°,

estabelecia como área de preservação permanente faixa marginal mínima de 5

metros para a proteção dos cursos d'água. Com o advento da Lei Federal

6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), estabeleceram-se vários requisitos

urbanísticos para uso e ocupação do solo urbano. Entre eles o art. 4o, inc. III,

determina que, para a realização de loteamentos "ao longo das águas correntes

e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos,

será obrigatória a reserva de uma faixa 'non aedificandi' de 15 metros de cada

lado, salvo maiores exigências da legislação específica" .

Conforme Silva (1995) "áreas 'non aedificandi' são as reservadas em

terrenos de propriedade privada, que ficam sujeitas a restrições ao direito de

construir, por razões de interesse urbanístico, o que vale dizer, de interesse

coletivo". Trata-se de área que, por determinação de normas urbanísticas,

consagradas em norma legal, não deve receber edificações. São destinadas a

cumprir funções sociais como a ecológica, além das elementares urbanísticas da

cidade. Portanto, a partir da Lei 6.766/79, a faixa marginal de preservação ou

'non aedificandi' a ser respeitada, em loteamento para fins urbanos,

passou a ser de 15 metros.

Uma nova alteração do Código Florestal foi promovida pela Lei 7.511/86,

ampliando a metragem mínima das faixas marginais dos cursos d'água - áreas

de preservação permanente - de 5 para 30 metros, e que gerou uma

incompatibilidade com o inc. III, do art. 4.°, da Lei 6.766/79, que estabelecia a

faixa de 15 metros. A Lei Federal 7.803/89, apesar de ter expressamente

revogado as Leis 6.535/78 - que acresceu em seu artigo 2°, alínea i "nas áreas

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metropolitanas definidas em lei" - e 7.511/86, manteve a metragem

mínima de 30 metros para fins de preservação permanente.

Ao aumentar a faixa mínima marginal de curso d'água a ser preservada,

de 15 para 30 metros - para a área a ser preservada em loteamento para fins

urbanos - os dois estatutos federais apresentam contradição aparente entre si

que se resolve pela aplicação do princípio geral segundo o qual prevalece a lei

mais restritiva, ou seja, a faixa de 30 metros. Os critérios técnicos para a adoção

dos novos parâmetros nunca foram apresentados e muito menos justificada a

suposição de que eles eram igualmente adequados para áreas urbanas e rurais.

Então veio a medida provisória 2.166-67 de 24 de Agosto de 2001, que alterou o

art. 1°, § 2°, letra c, inc. II da lei do Código Florestal, onde diz que: "II - área de

preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2° e 3° desta Lei,

coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os

recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo

gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações

humanas".

A medida provisória (MP) introduziu o artigo 4° à Lei 4.771/65, dispondo

que a supressão de vegetação em APP pode ser autorizada em casos de

utilidade pública ou interesse social, "devidamente caracterizados e motivados

em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e

locacional ao empreendimento proposto". A autorização, nesses casos, será

expedida pelo órgão ambiental estadual, com anuência prévia de órgão federal

ou municipal, quando couber.

Assim, passou a constar nos incisos IV e V do parágrafo 2° do art. 1 °

daquele texto:

§2o Para os efeitos deste Código, entende-se por: (..)

IV - utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA; V - interesse social: a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;

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b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA. (..)

Com a edição desta Medida Provisória, previu-se a possibilidade de

autorização de intervenção nesses espaços protegidos, sob critérios introduzidos

no próprio Código Florestal e outras hipóteses cuja definição foi relegada ao

Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA.

No ano de 2002, a Resolução CONAMA n. 303, redefiniu os parâmetros,

definições e limites das APP's, revogando a Resolução CONAMA na. 004/85,

que regulamentava o art. 18 da Política Nacional do Meio Ambiente. A citada

Resolução CONAMA n.303/02 estabeleceu parâmetros e limites para estas

Áreas de Preservação Permanente, bem como expandiu o rol já estabelecido

pelo art. 2o do Código Florestal.

Deve-se destacar que a Resolução refere-se a Áreas de Preservação

Permanente, enquanto que o art. 2o do Código Florestal dizia serem de

preservação permanente florestas e demais formas de vegetação. Assim, as

Áreas de Preservação Permanente não estão mais vinculadas à existência ou

não de vegetação ou floresta, caracterizando-se como espaços e ambientes com

função ambiental específica.

No que se refere às Áreas de Preservação Permanente que se destinam

à proteção de recursos hídricos, destaca-se que a Resolução CONAMA 303/02

trouxe modificações no que se refere àquelas destinadas à proteção de lagos e

lagoas naturais, destacando-se que não se refere aos reservatórios artificiais,

citados no art. 2o do Código Florestal, pois os mesmos são objetos da Resolução

CONAMA 302/02. Assim, no que denomina de áreas urbanas consolidadas,

estabelece a Resolução 303/02 uma faixa mínima de trinta metros no entorno de

lagos e lagoas naturais.

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CAPÍTULO III

CÓDIGO FLORESTAL E ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE:

ALTERAÇÕES PROPOSTAS

3.1 Debates sobre a faixa marginal de proteção

No período entre a publicação da lei federal 4.771/65 e sua

regulamentação (1965-1985), foi publicada a Lei Federal nº 6.766, de 19 de

dezembro de 1979, que dispõe sobre critérios para o parcelamento do solo

urbano. Essa legislação foi pioneira ao estabelecer uma faixa mínima de 15

metros não edificantes ao longo de quaisquer margens de “águas correntes e

dormentes”, ampliando nas áreas urbanas a faixa marginal dos rios que deveria

ser protegida e tornando-se, em alguns casos, mais restritiva que o próprio

código florestal.

Na atual discussão sobre o Código Florestal noticia-se que o projeto de lei

que o atualiza diminuiu as margens de proteção dos cursos d'água de 30 para

15 metros.

Conforme Valverde (2011, p. 02):

A afirmação é uma generalização equivocada do artigo 4. do projeto, que delimita as Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas faixas marginais dos cursos d'água em seis situações diferentes. As áreas de proteção variam de 15 a 500 metros, dependendo da largura dos rios. O projeto de lei mantém todas as delimitações do atual Código Florestal e cria uma nova faixa de proteção, de 15 metros, para os pequenos cursos d'água, aqueles que não ultrapassam os 5 metros de largura. Esta alteração na lei vigente foi feita em acordo com o Ministério do Meio Ambiente.

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Conforme o referido autor, é preciso lembrar que a redação original do

Código Florestal (1965) previa que a primeira faixa de APP seria de 5 metros,

para rios com até 10 metros. Somente em 1986, com a publicação da Lei

Federal nº 7.511/86, é que a primeira faixa de APP passou a ter 30 metros (6

vezes a metragem inicial).

Na perspectiva de Valverde (2011), a alteração proposta pelo projeto de

lei tem por objetivo preservar a agricultura familiar, praticada em pequenas

propriedades rurais. Nessas terras, obrigar o sitiante a deixar 30 metros de APP

em cada margem de córrego é inviabilizar a sua atividade. O referido autor

acrescenta que Direito é bom senso, e ele foi utilizado em benefício de quem

mais precisa do amparo da lei.

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Além deste dispositivo, o referido autor ressalta que os Comitês de Bacia

Hidrográfica também podem ampliar as APPs em casos específicos e que

demandem maior proteção:

Lei Federal no. 9.433/97 "Art. 7º. Os Planos de Recursos Hídricos (...) terão o seguinte conteúdo mínimo: X - propostas para a criação de áreas sujeitas à restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos." Essa afirmação foi textualmente considerada no projeto de lei: "Art. 47 § 1º A proibição de que trata o caput tem por objetivo permitir que a União, os estados e o Distrito Federal se adaptem às exigências desta Lei, quais sejam: II – elaboração de planos de bacia e instalação dos comitês de bacia hidrográfica".

Na proteção às margens dos rios, o projeto de atualização do Código

Florestal é, inclusive, mais exigente do que a legislação de vários países do

mundo, inclusive daqueles com topografia acentuada, como a Suécia.

Os limites das APP’s de rios e lagos são bastante diversos dos limites

mínimos e máximos apontados nos estudos analisados por Silva (2003) e

Connecticut River Joint Commissions (2008) funções ambientais FMP’s.

Exemplo patente dos equívocos do estabelecimento dos limites das

FMP’s baseados apenas na largura dos rios são as diferenças que existem entre

seus cursos baixo, médio e alto. Em áreas do baixo curso do rio, onde as áreas

de contribuição são maiores, a extensão das cheias e enchentes são mais

consideráveis, e isso reflete diretamente nas formas dos vales fluviais .

Outro equívoco que pode ser observado, é que a legislação em vigor não

faz distinção entre ‘cursos d’água’. Quando utiliza a expressão “cursos d’água” a

legislação exige que a FMP mínima de 30 metros seja utilizada, mesmo para

cursos d’água ínfimos, intermitentes ou mesmo artificiais, como canais de

drenagem pluvial ou de várzeas, suscitando ainda a dúvida sobre se os canais

de escoamento efêmero podem ser considerados nessa categoria. Pensando a

delimitação das APP’s de FMP’s de lagos e cursos d’água a partir da remoção

de nutrientes, há de se pensar ainda que corpos com maiores superfícies (e

possivelmente maiores volumes d’água), teoricamente teriam maior capacidade

de diluição e autodepuração desses nutrientes, necessitando assim de menores

faixas preservadas, diferente do que recomenda a legislação.

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Para o estabelecimento das FMP’s de lagos e lagoas, a legislação faz

duas diferenciações para sua delimitação. A primeira diz respeito a áreas

urbanas e rurais e outra entre as áreas de superfície dos corpos d’água,

definindo que áreas urbanas terão FMP’s menores (independente da superfície)

e que lagos com maiores superfícies terão FMP’s maiores. Ambas podem ser

contestadas do ponto de vista da produção denutrientes e da capacidade de

depuração.

Oliveira (1998 apud LINDNER e SILVEIRA, 2003) obteve resultados

contraditórios para as larguras da faixa de preservação permanente diferentes

dos preconizados pela legislação, considerando a proteção das águas quanto às

fontes dispersas de poluição. Os valores das FMP’s encontrados variaram entre

20 e 80 metros (primeira simulação) e entre 10 e 50 metros (segunda

simulação), concluindo que em algumas parcelas da região estudada, na bacia

hidrográfica do ribeirão do Feijão em São Carlos - SP, o Código Florestal está

superestimado com relação a fontes de dispersão, sendo 10 metros de mata

ciliar suficientes para proteção do corpo d’água. Em outras áreas no entanto, o

Código Florestal subestima essa distância.

No âmbito nacional, existem também instituições que apoiam melhorias

na definição das FMP’s. A Embrapa Florestas (2009), por exemplo, recomenda

que a largura das APPs fluviais considere, também, a textura e a espessura dos

solos, assim como a declividade das encostas adjacentes aos cursos de água.

Esta proposta contempla a dinâmica de preservação ambiental,

estabelecendo condições mínimas suficientes para propiciar estabilidade

geológica e pedológica, contribuindo para a preservação da flora e da fauna

nativa. Desta forma, promove-se a preservação dos recursos hidrológicos,

essenciais à heterogeneidade biótica. Convém considerar que a dinâmica de

modelamento das encostas, com ou sem a presença de sistemas de produção,

impõe distintos níveis e formas de pressão aos cursos de água.

Assim, como exemplo, as APPs deveriam ter larguras mais expressivas

sobre solos arenosos, rasos e em relevos declivosos do que em solos argilosos,

profundos e de menor declividade. A maior largura justifica-se porque os

primeiros possuem menor capacidade de filtragem, menor capacidade de

armazenamento de água, bem como maior suscetibilidade à erosão.

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Evidentemente, estas três condições deverão ser contempladas conjuntamente,

provendo larguras condizentes comas respectivas fragilidades/potencialidades

ambientais de cada região. (não paginado).

As divergências de opiniões aqui demonstradas reforçam a necessidade

de uma reavaliação dos limites de FMP’s estabelecidos nos Código Florestal,

ratificando a necessidade de estudos detalhados para seu estabelecimento.

3.2 Redução da extensão das APPs nas áreas urbanas ocupadas

Conforme Musseti (2010), nas áreas urbanas não ocupadas, as áreas de

preservação permanente no entorno dos corpos hídricos têm metragem mínima

de 30m, não sendo admissível a aceitação da redução deste limite, sequer

mediante compensação, para fins de expansão da utilização da área.

Nas áreas urbanas em que houve supressão de vegetação e ocupação

da APP, o questionamento que se faz é acerca da possibilidade de aceitação da

redução da metragem da área de preservação permanente, mediante

compensação, para fins de regularização fundiária da ocupação existente

naquele perímetro.

A Resolução do CONAMA n.° 369/2006 estabelece os requisitos e

condições necessários para que a intervenção ou supressão de vegetação em

APP para regularização fundiária em área urbana possa ser autorizada pelo

órgão ambiental competente.

Para Figueiredo (2004, p. 15):

Essa regulamentação editada pelo CONAMA não significa que, sempre que preenchidos tais requisitos e condições, deva ser autorizada a regularização fundiária de ocupação em APP. O exame inicial das características do ato do órgão ambiental revela que este tem natureza de autorização administrativa, porque depende de critério de avaliação a ser adotado pelo órgão ambiental competente para sua outorga, podendo ser negado o pedido formulado. Goza de caráter de estabilidade, mas está sujeito a revisão e suspensão em caso de interesse público superveniente e quando houver descumprimento dos requisitos e condições estabelecidos.

Para o referido autor, a natureza jurídica desse ato administrativo do

órgão ambiental competente, denominado na Resolução n.° 369/2006 de

‘autorização para intervenção ou supressão de vegetação em APP’ está

permeada, assim, entre licença administrativa e autorização administrativa.

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Todos os institutos de Direito Ambiental, entre eles a autorização e o

licenciamento, têm peculiaridades e um caráter sui generis que não permitem

enquadrá-los em um instituto exato do Direito Administrativo, do Direito Civil, do

Direito Registral, etc. Assim, é impossível reduzir essa autorização de

intervenção em APP ao conceito de licença administrativa ou autorização

administrativa.

Conforme Braga (2004, p. 25):

Quando recebe um pedido de autorização ou licenciamento ambiental, o órgão competente está vinculado às normas constitucionais de desenvolvimento econômico em compatibilidade com a preservação do ambiente e sua manifestação sobre o pedido não implica discricionariedade administrativa no sentido de conveniência e oportunidade para o Governo, mas sim discricionariedade técnica através de parâmetros técnicos e científicos objetivos. Não há uma atuação livre da Administração, mas o poder de tomar a decisão mais adequada ao fim público que a lei impõe.

Na perspectiva do referido autor, nos casos de ocupação de APP urbana

devem ser adotados os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, para

analisar, caso a caso, com base em estudos técnicos, se é possível e indicada a

reversão ao status original da área de preservação permanente, com a

restauração de suas funções ecológicas, eventualmente com a necessidade de

deslocamento/ remoção de edificações do local. O espaço construído não

prepondera sobre o ambiente natural, porém são partes integrantes do mesmo

contexto do ‘meio ambiente urbano’ e as decisões de caráter urbano-ambientais

a serem tomadas precisam avaliar esta universalidade.

Sem esquecer-se que a proteção legal incide não somente sobre a

cobertura vegetal, mas sobre a área propriamente dita, nos casos em que a APP

já está densamente construída e ocupada, com todas as interações decorrentes

(esgoto, produção de resíduos sólidos, impermeabilização do solo, etc.), há que

se analisar se é possível a restauração das funções ecológicas, para então

concluir-se pela indicação da desocupação e recuperação da APP ou pela

regularização das ocupações, com as necessárias medidas compensatórias,

obras de urbanificação e implantação dos equipamentos urbanos faltantes (para

evitar novos danos ambientais) e medidas inibitórias de novas ocupações.

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Há que se considerar que existem hipóteses em que a realização de

obras para remoção das construções poderia acarretar significativo impacto

ambiental, pior que o ocorrido com a ocupação da área. Estas situações devem

ser analisadas individualmente, em procedimento administrativo próprio, com

laudo técnico que avalie se a ocupação da área urbana é irreversível, se a

revitalização da área de preservação é factível, se existe possibilidade de

urbanificação da área – sem causar mais impactos – para minimizar a

degradação já ocorrida.

A regularização de áreas irregularmente ocupadas, que não respeitam leis

nem limites físicos, territoriais nem ecológicos, é verdadeiro passivo ambiental

que precisa ser enfrentado rompendo-se paradigmas, superando alguns

conceitos legais, sem afastar-se, contudo, da sustentabilidade das cidades.

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CONCLUSÃO

Este estudo remete à conclusão de que a legislação contemporânea não

foi inspirada pela realidade urbana, sendo, por decorrência, equivocada

conceitual e estruturalmente para a gestão ambiental do tão singular espaço

urbano. Isso tem produzido um significativo número de pendências legais

conflituosas entre órgãos ambientais e empreendedores urbanos públicos e

privados, inviabilizando a implantação de projetos urbanísticos planejados e

dotados de adequados controles ambientais, como também tem induzido,

especialmente em grandes conglomerados urbanos, a ocupações irregulares, do

que resulta um maior comprometimento dos já escassos recursos naturais e da

qualidade ambiental dessas áreas.

Sabe-se que porções significativas das metrópoles e grandes cidades

brasileiras encontram-se em situação irregular promovida em muito por leis

inadequadas, que não refletem a real dinâmica urbana.

Quanto às APPs de faixas de proteção ao longo dos cursos d’água e no

entorno de nascentes, sua definição ou regulamentação deve estar lastreada na

análise das feições geográficas encontradas e de sua relação com as formas de

apropriação do espaço urbano. Além dos benefícios ambientais associados às

áreas verdes florestadas no espaço urbano, a cobertura vegetal das margens de

cursos d’água cumpre importantíssimo papel na proteção dessas faixas contra a

erosão hídrica, assim como retém parte dos solos das vertentes removidos por

erosão, impedindo que esse material contribua para o assoreamento dos leitos

hidrológicos. Em qualquer alternativa de regulação da ocupação ou proteção das

faixas de proteção essas funções geológicas deverão ser de alguma maneira

cumpridas.

Por outro lado, pode-se lançar a questão de que a existência de

parâmetros únicos para o mapeamento das APPs produz exageros, em função

das diferentes características geomorfológicas do território nacional. Por

exemplo, as APPs de Faixa Marginal de Corpos Hídricos poderiam ter critérios

diferentes em função da morfologia da área. As planícies de inundação ou

mesmo as áreas afetadas pela água durante as cheias sazonais são

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completamente distintas em áreas de relevo plano a suave ondulado das áreas

de relevo dissecado

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INDICE

RESUMO.........................................................................................................2

METODOLOGIA..............................................................................................3

SUMÁRIO........................................................................................................4

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 6

1. MEIO AMBIENTE........................................................................................8

1.1 Contextualização.......................................................................................8

1.2 Proteção Constitucional do Meio Ambiente.........................................11

2. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE...........................................15

2.1 Ecossistema natural...............................................................................15

2.2 Código Florestal.....................................................................................21

2.3 A evolução do Código Florestal e faixas marginais de proteção.....22

3. CÓDIGO FLORESTAL E ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE:

ALTERAÇÕES PROPOSTAS..................................................................25

3.1 Debates sobre a faixa marginal de proteção.......................................25

3.2 Redução da extensão das APPs nas áreas urbanas ocupadas.......30

CONCLUSÃO.................................................................................................32

BIBLIOGRAFIA..............................................................................................34