09. a caverna dos suspiros

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A C A V E R N A D O S S U S P I R O S Lenda indígena Texto de: JULIO CARRARA Baseada no folclore brasileiro Escrita em 1998

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Lenda indígena

Texto de: JULIO CARRARA

Baseada no folclore brasileiro

Escrita em 1998

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PERSONAGENS:

VOVÔ

LUCINHA

JUNINHO

GODOFREDO

VELHA DAS CAVERNAS

CACIQUE PERI

UIRÁ

SEIS ÍNDIOS

PERSONAGENS DA LENDA NARRADA POR VOVÔ:

PIRATA KID

ÍNDIA EULÁLIA

DRAGÃO

QUATRO PIRATAS

TRÊS ÍNDIOS

ÉPOCA(s): Atual, no plano da realidade; Indefinida no plano da imaginação.

CENÁRIO: O exterior de uma caverna com a entrada da gruta na parte

superior central. Essa entrada é bem larga. Uma grade fecha toda a entrada da

caverna. Essa grade só aparece no momento da prisão de Eulália, se a cena for

realizada como espetáculo teatral; (se o diretor utilizar o recurso do áudio-

visual deverá descer do urdimento um ciclorama para serem projetadas as

imagens da história de Eulália, não usando as grades neste momento) e da

prisão de Godofredo. Duas enormes árvores, uma em cada extremo do

proscênio.

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CENA 1

(Um pouco antes do terceiro sinal, ouve-se no áudio ruídos de mata: grilos, cigarras,

coaxar de sapos, canto de pássaros e o barulho de uma cachoeira ao longe. Durante todo

o transcorrer do espetáculo ouvem-se goteiras compassadas fazendo eco dentro da

caverna. Black-out. Os ruídos aumentam e continuam no escuro. Um velho e duas

crianças entram pela plateia. Pela respiração parece que caminharam muito. Cada um

traz nas costas uma mochila e trajam chapeus e roupas de explorador. As únicas luzes

que iluminam a cena são as dos faroletes que movem em todas as direções possíveis.

Quando os três sobem ao palco, a luz aumenta de intensidade e o som vai cessando.

Lucinha, muito cansada, desaba no chão.)

LUCINHA

(Exausta.) Não tô aguentando mais andar, vô.

VOVÔ

Viu porque eu não queria que vocês viessem comigo? Eu fui bem claro

antes de sairmos do sítio que essa expedição não seria moleza.

JUNINHO

Mas andamos mais de quatro horas sem parar, vô. Precisamos descansar

um pouco.

VOVÔ

Ok. Vocês venceram. Vamos descansar...

(Juninho e Vovô sentam-se ao lado de Lucinha. Todos se livram das mochilas. Vovô tira

da sua mochila uma garrafa térmica e uma xícara. Despeja o café na xícara, risca um

fósforo e mergulha-o aceso no café. Fica olhando o líquido tentando decifrar alguma

coisa.)

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LUCINHA

(Curiosa.) O que cê tá fazendo, vô?

VOVÔ

Tirando a sorte!

JUNINHO

Sorte? Como assim?

VOVÔ

Fazendo isso surgem várias figuras no café. Olhem. (Mostra a xícara para

os meninos.) A gente pode adivinhar a sorte pelas figuras... Formou um avião.

Isso quer dizer que eu vou andar de avião. Basta saber interpretar.

(Juninho pega outra xícara e repete o gesto do avô. Fica olhando curioso para a figura

que formou.)

JUNINHO

E isso que apareceu na minha xícara, o que é?

VOVÔ

(Analisando.) Deixa eu ver. Hum... parece, parece... um dragão. Isso quer

dizer que você vai ver um dragão!

JUNINHO

(Gagueja.) Um dra-dra-dragão? (Apavorado.) Eu quero ir embora.

(Tenta sair correndo, mas o velho o segura com firmeza.)

VOVÔ

Deixa de ser cagão, Juninho. Quiseram vir comigo, agora aguentem as

consequências. O único mal é que os dragões sempre moram em cavernas. E é

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possível que algum deles ainda more aqui... E nós só vamos embora depois

que pusermos as mãos na arca do tesouro e entregarmos todo o ouro existente

nela ao Cacique Peri, o tataraneto da índia Eulália.

LUCINHA

E se a gente não conseguir encontrar a arca?

VOVÔ

(Tira um mapa do bolso da camisa.) Claro que vamos encontrar. O mapa tá

claríssimo. O tesouro tá enterrado aqui nessa caverna.

JUNINHO

Alguém já pode ter encontrado e levado embora...

VOVÔ

Acho pouco provável.

LUCINHA

E como pode ter tanta certeza?

VOVÔ

Essa caverna foi pouco explorada... Agora vamos descansar pra

recuperar as energias e depois continuaremos nossa busca.

(Vovô esconde o mapa em uma das botas.)

JUNINHO

(Meio assustado.) E se o dragão aparecer por aqui?

VOVÔ

Pare de bancar o bobo. Fica quieto e vamos dormir agora...

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(Os três entram em sacos de dormir e adormecem.)

CENA 2

(Entram dois índios pela plateia. Um deles é o bandido Godofredo. Este arrasta o outro,

que impaca a toda hora.)

GODOFREDO

Anda logo, seu índio idiota. Se você me ajudar a encontrar aquele velho

imbecil e seus netos insuportáveis, eu roubo o mapa, pego o tesouro e vocês

comem a carne deles. (Gesticula muito para fazê-lo entender.)

(Uirá faz gesto de quem não entendeu.)

GODOFREDO

Você não entende nada, índio cretino.

UIRÁ

(Pensa que foi elogiado.) Uirá índio cretino! (Ri.)

GODOFREDO

(Impaciente.) Onde eu fui amarrar meu bode! Ainda por cima esse

palerma que não entende nada.

UIRÁ

Uirá palerma! (Ri.)

GODOFREDO

Droga! (Caminha até o palco e encontra os três dormindo.) Mas quem é que

eu vejo? Finalmente encontrei quem procurava. Venha comigo. O mapa está

com esse velho. Vamos agir antes que eles acordem.

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(Ambos aproximam-se do velho com o objetivo de roubar o mapa. Sem que eles

percebam, entra em cena uma Velha das cavernas, toda descabelada e esfarrapada com

um porrete nas mãos. Ela acerta o porrete na cabeça de ambos, que seguram o grito de

dor e saem correndo. Depois de um tempo, ouvem-se os gritos deles ao longe. A velha

fica sentada, de vigia, observando-os. Juninho acorda com os gritos e se assusta ao ver a

velha, que sorri para ele, mostrando os dentes podres.)

JUNINHO

Credo! (Com um nó na garganta.) Socorro!

LUCINHA

(Acordando.) O que foi Juninho?

(Quando vê a velha, também se assusta e fica grudada com o irmão. Ambos tremem de

medo.)

VOVÔ

(Também acorda.) O que foi isso?

(Procura seus óculos e depois de colocá-los, enxerga nitidamente a figura da velha e,

como os netos, também se assusta, dando um grito abafado. A velha olha para eles e faz

um beicinho de choro. Começa a chorar alto. Vovô se aproxima dela e esta se mostra

bem dócil, colocando a cabeça no ombro dele.)

VOVÔ

(Compreende tudo.) Não precisam se assustar, crianças. É só uma mulher

das cavernas...

VELHA

(Fala em “cavernês”.) Oia uyts notivestes...

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LUCINHA

(Sem entender.) O que ela disse, Juninho?

JUNINHO

(Imita a velha.) Oia uyts notivestes...

LUCINHA

Ah, muito engraçado, irmãozinho. (Para o avô.) Entendeu alguma coisa,

vô?

VOVÔ

Não. (Presta atenção na velha, que faz gestos desesperados tentando dizer que

dois homens vestidos de índio estiveram lá. Vovô vai decifrando.) Homem... vestido

de índio? (A velha diz que são dois.) Dois homens? (Fica apavorado.) Meu Deus!!!

LUCINHA

Por que o medo, vô? Não diz sempre que é forte e corajoso?

VOVÔ

Forte e corajoso eu sou, mas a questão não é essa quando se trata de

canibais.

OS DOIS

(Espantadíssimos.) Canibais????????

VOVÔ

Sim, canibais. (Pensa.) Como não pensei nisso antes? Estamos numa

região infestada de índios canibais. (Tira o mapa da bota e mostra para seus netos.)

Aqui neste pontinho vermelho fica a tribo dos índios antropófagos. E neste

ponto preto fica a tribo do Cacique Peri. No passado, todos eles foram muito

maltratados e explorados pelos brancos e quando se enfurecem devoram carne

humana. Os primeiros continuam antropófagos, mas a tribo do Cacique Peri

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deixou de ser. Mas se se enfurecerem, voltam a ser o que eram antes, ou seja,

canibais... E se nós não conseguirmos encontrar a arca ou falar a mesma língua

a respeito do que nos trouxe para cá, vamos todos virar picadinho. (As crianças

engolem em seco.) Precisamos agir bem rápido.

(A Velha faz gestos dizendo que expulsou os dois a porretadas e que vai protegê-los.)

VOVÔ

Ela disse que expulsou os índios daqui e que vai nos proteger.

(Gesto afirmativo dela.)

LUCINHA

Mas vô, por que veio atrás desse tesouro mesmo sabendo dos perigos

que correria?

VOVÔ

É uma longa história, Lucinha!

JUNINHO

Conte pra gente, então...

(A cena a seguir transcorre no plano da imaginação dos receptores. Deverá existir uma

luz especial para esse plano: uma luz de sonho. Aos poucos, a luz que ilumina o

quarteto desce em resistência e eles permanecem imóveis na penumbra. A partir daí, o

texto de vovô entra em off. À medida que vovô conta a história, as personagens vão

aparecendo e encenando - isso se o diretor utilizar a linguagem teatral. Se o diretor

utilizar a linguagem do audiovisual, as cenas deverão ser projetadas no telão que desce

do urdimento. Se a opção for por esse recurso, o texto e as ações deverão sofrer algumas

alterações, pois as imagens falarão por si.)

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VOVÔ

Segundo minhas pesquisas, isso aconteceu na época em que os piratas

infestavam os mares. Como vocês sabem os piratas eram loucos por tesouros.

Acho que não pensavam em outra coisa. Bastava que descobrissem algum

valor e pronto. Já iam atrás. Um dos piratas chamado Kid, navegava em pleno

mar...

(Pirata Kid e mais quatro marinheiros entram em cena dentro de um barco.)

VOVÔ

(Off.) ...quando viu que estava sendo perseguido por navios de guerra.

(Os marinheiros ficam agitados.)

VOVÔ

(Off.) Tratou de fugir. Sabendo que acabaria por ser capturado, pois os

perseguidores eram muito mais velozes do que ele pensou num modo de

esconder o que lhe era mais caro: o tesouro que levava em seu barco. Os navios

perseguidores se encontravam mais perto.

(Um dos marinheiros olha por uma luneta e vê os navios de guerra. Interage com os

outros a respeito do fato.)

VOVÔ

(Off.) Os piratas, vendo que a abordagem seria inevitável, empunharam

as armas e esperaram.

(Os piratas apontam as armas para fora de cena.)

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VOVÔ

(Off.) Os perseguidores, porém, não estavam dispostos a lutar com os

piratas e resolveram afundar o barco do pirata Kid. O barco naufragou e os

piratas abandonados à sua sorte.

(Os piratas rodopiam várias vezes com o barco pelo palco passando a ideia de um barco

afundando. Ao mesmo tempo, o mar fica agitado em virtude da tempestade. Gritarias e

histeria coletiva. Os raios cortam o céu. Começa a chover fortemente. Os piratas pulam

do barco enquanto este afunda. Pirata Kid não está com eles. Os quatro piratas lutam

contra a fúria das águas e se afogam. Morrem no centro do palco e rolam para os

bastidores.)

VOVÔ

(Off.) Morreram todos afogados, menos Kid, que ferido, conseguiu se

arrastar até a ilha mais próxima, carregando nos braços todo o seu tesouro.

(Pirata Kid aparece rastejando, todo ensanguentado carregando a arca consigo.)

VOVÔ

(Off.) Como os perseguidores não tinham visto o pirata com a arca,

tomaram o rumo de volta. Quando Kid estava próximo da Caverna do Dragão,

apareceu o grande monstro que ficou cara a cara com ele.

(Um dragão – dragão chinês - aparece vindo do fundo do palco. Tem o tamanho de três

cavalos de comprimento e é mais alto que um elefante. Seu corpo é cheio de escamas e

todo verde. O rabo muito comprido que termina em seta, as patas guarnecidas por

poderosas garras. Os olhos são vermelhos como brasas. Tem os dentes enormes e uma

língua muito comprida. Kid olha para o monstro que aparentemente está calmo.)

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PIRATA KID

(Arquejante.) Se você guardar para sempre este tesouro, poderá se tornar

dono dele... Mas não poderá deixar que ninguém toque nele!

(O dragão acena a cabeça afirmativamente.)

PIRATA KID

Lembre-se disso: Se você guardar para sempre este tesouro poderá se

tornar dono dele. Mas não poderá deixar que ninguém toque nele! (Fala com

dificuldade.) Ninguém! Ninguém! Ninguém! (Morre.)

(O dragão fecha a arca e leva-a até o fundo do palco escondendo-a. Em seguida,

desaparece. Aparece um grupo de índios e ao verem o cadáver do pirata, pegam seu

corpo e o levam dali.)

(Se a cena estiver sendo realizada na linguagem teatral, a luz volta novamente para o

plano da realidade. No recurso do audiovisual, as imagens serão interrompidas por um

momento. A Velha, Lucinha e Juninho ouvem atentos.)

VOVÔ

E aí o dragão aceitou a proposta e escondeu o tesouro!

LUCINHA

Mas pra quê um dragão quer um tesouro se ele nem sabe no que gastar?

VOVÔ

Talvez pelo prazer de se sentir dono de uma coisa tão valiosa. “Que coisa

maravilhosa”, ele deve ter pensado. E era tudo dele!... Poucas pessoas

conseguiram ver esse monstro. As que viram nunca mais chegaram perto

dessa Caverna.

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JUNINHO

Eu é que não quero ver esse bicho!

LUCINHA

Nem eu.

VOVÔ

Embora o dragão estivesse aqui há muito tempo, só houve um caso

grave... Eulália era a índia mais bonita do lugar...

(Luz no plano da imaginação, na linguagem teatral. No audiovisual as imagens voltam

a ser projetadas.)

(Eulália, uma belíssima índia aparece segurando uma flor amarela, que põe atrás da

orelha direita.)

VOVÔ

(Off.) ...e também a mais descrente quanto à existência do dragão.

Quando alguém se aproximava da Caverna, o dragão punha a cabeça pra fora

e cuspia fogo fazendo a pessoa correr mais depressa que o pensamento.

Quando era Eulália que estava por perto, ele ficava quietinho, escondido.

Como ele não saía para assustar a moça, ela não conseguia vê-lo e, portanto,

não acreditava nele. Assim foi chegando cada vez mais perto.

(Eulália se aproxima da gruta e fica de costas para sua entrada.)

VOVÔ

(Off.) Um dia, estando a índia de costas para a gruta, não viu o dragão

que saía de mansinho e vinha em sua direção. O dragão agarrou-a por trás e

aprisionou a índia na Caverna.

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(Eulália grita desesperada. O dragão tranca-a numa enorme cela, ficando junto com

ela. Abre a arca e tira de lá, colares de pérolas, anéis de ouro, brincos de prata, pulseiras

de diamantes e cobre a índia com o tesouro.)

VOVÔ

(Off.) Nunca mais a pobre saiu de lá e segundo alguns que a viram, não

de muito perto, é claro, ela não envelheceu. Com sessenta anos tinha a

aparência de uma moça de vinte. Com certeza foi algum feitiço que o dragão

fez pra ela. Os que a viram dentro da caverna, dizem que ela andava coberta

de joias, naturalmente emprestadas pelo dragão.

(O dragão fica olhando para ela, admirando sua beleza. A índia, mesmo coberta com

todas aquelas joias, tem o olhar melancólico e suspira profundamente.)

(Volta luz no plano da realidade; ou as imagens são congeladas.)

LUCINHA

E por que o nome desta gruta é Caverna dos Suspiros?

VOVÔ

Porque algumas pessoas que tiveram a coragem de passar mais ou

menos perto da gruta, contaram que a moça prisioneira do dragão costumava

dizer...

(Luz no plano da imaginação; ou a imagem descongela.)

EULÁLIA

(Segura nas grades, suspirando.) Ah, se eu pudesse voltar pra minha tribo!

Se eu pudesse sair daqui... (Suspira mais forte.) Ah, se eu pudesse sair daqui...

(Volta luz no plano da realidade ou a projeção é interrompida.)

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VOVÔ

...e depois dava uma porção de suspiros. Suspirava que dava pena. O

povo que antes chamava a gruta de Caverna do Dragão, com o tempo passou a

chamá-la de Caverna dos Suspiros... Eulália, não aguentando mais tanto

sofrimento, morreu... e o dragão, desesperado, guardou todas as joias,

enterrou a arca, não cuspiu mais fogo e simplesmente desapareceu sem deixar

vestígio algum...

(Fim da história. Volta luz no plano da realidade ou o ciclorama sobe para o

urdimento.)

JUNINHO

Que história triste!

LUCINHA

E por que quer entregar esse tesouro ao tataraneto de Eulália, vô? Não

tem medo que eles nos matem?

VOVÔ

Claro. Mas precisamos arriscar. Meu único medo é não conseguir

explicar isso tudo pro Cacique. Se conseguirmos, entregaremos a arca para ele

e aí nós vamos embora, enquanto o Cacique, junto com sua tribo, decidirão o

que fazer com o tesouro.

JUNINHO

Tô com sono. Eu queria cochilar um pouco, mas tenho medo que o

dragão apareça...

VELHA

Grustrfhgi ababa uie... (Diz que ficará acordada para protegê-los.)

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VOVÔ

Não se preocupe. Ela disse que vai ficar acordada olhando pela gente.

(Deitam os três e imediatamente adormecem. A velha fica sentada no chão apoiada no

porrete. Seus olhos ficam pesados e ela está cada vez mais sonâmbula. Fecha os olhos e

quando percebe que cochilou, acorda num sobressalto e dá uma porretada na própria

cabeça para ficar mais esperta. Pouco depois, fecha novamente os olhos, tomba de lado e

dorme profundamente.)

CENA 3

(Entram pelo fundo, Godofredo e Uirá. Ambos estão com a cabeça enfaixada devido a

porretada da Velha. A Velha continua dormindo e ronca muito alto.)

GODOFREDO

(Cochicha para Uirá.) Estão todos dormindo... Se a gente não conseguir

roubar o mapa, vamos sequestrar a menina e pedir o mapa para o velho como

pagamento de seu resgate. Se ele não entregar, a gente mata a menina.

UIRÁ

Uirá índio bom. Uirá não mata nem mosca!

GODOFREDO

É claro que não vamos matar ninguém, é só para assustar, ô infeliz...

(Sonha.) Eu tenho que encontrar esse mapa. Vou ficar riquíssimo e todas as

pessoas desse planeta serão meus escravos... (Riso macabro.) Ninguém nunca

passou Godofredo Fedorento Lambido Ranhento para trás, e não vai ser esse

velho que vai passar. (Pausa.) Pelo que parece, o mapa está muito bem

escondido. A solução é sequestrar a menina.

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(Ambos se aproximam da menina. A Velha acorda e tenta acertar mais uma porretada

na cabeça deles, mas na hora “H”, Godofredo percebe e agarra a Velha, enquanto o

índio prende-a com uma corda e lhe amordaça.)

GODOFREDO

(Sarcástico.) Pensando que ia sair feliz de novo? Se danou, sua uva passa

de panetone. Dessa vez, fui eu que me dei bem. (A Velha tenta fazer de tudo para

escapar, mas não consegue.) Você vai ficar aí, velha escamosa, bem quietinha.

Não adianta espernear. Quando o velhote acordar, estaremos lá no

acampamento do Cacique Peri com a menina e se ele não me entregar o mapa,

adeus menina!

(Faz gesto de degolamento. Vai até Lucinha e junto com Uirá amordaçam a mesma, que

desmaia ao vê-los. Uirá segura a menina nos braços enquanto Godofredo escreve um

bilhete para o Vovô. Deixa o papel perto dele e saem com Lucinha. A Velha está

desesperada. Esperneia bastante e faz ruídos altos. Juninho acorda e percebe que

Lucinha não está lá e ao ver a Velha amarrada, fica desesperado.)

JUNINHO

Os índios antropófagos levaram a Lucinha. (Sacode o avô.) Vô, vô, acorde!

A Lucinha sumiu. Acorde, vô. (Vovô acorda.) Levaram a Lucinha!

VOVÔ

(Assustado.) Quem? Como? Onde? Por quê? Quando?

JUNINHO

Sei lá, acho que foram os índios... Olhe, amarraram a Velha...

(Vovô vai até a Velha e liberta-a. Ela faz gestos desesperados.)

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VELHA

Bilinguinstra ababa dertghiopljk mitnarotovra. (Tenta dizer que dois índios

estiveram lá e levaram a menina.)

VOVÔ

Índio? (Ela faz “dois” com os dedos.) Dois índios? ... São os canibais...

JUNINHO

(Encontra o bilhete.) Olha, deixaram um bilhete.

VOVÔ

Meus óculos! (Remexe na mochila e por fim os encontra. Suas mãos estão

trêmulas. Pega o bilhete das mãos de Juninho e lê.) “Velho Esclerosado...” (Vovô fica

perplexo.) O que é isso?

JUNINHO

Estão te chamando de “esclerosado”...

VOVÔ

(Pasmo e ofendido.) Que desrespeito!

JUNINHO

(Ansioso.) Continue...

VOVÔ

(Lê.) “Velho esclerosado. Ou você traz o mapa no acampamento do

Cacique Peri hoje às onze horas ou teremos no almoço picadinho feito com a

carne da menina. Assinado: Uirá, filho do Cacique Peri”.

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VOVÔ

(Tira da bota o mapa e com ele na mão, anda de um lado para outro.) Que

situação! O que fazer? Os índios estão enfurecidos de novo e são capazes de

causar uma desgraça.

JUNINHO

Lucinha ou o mapa...

VOVÔ

Eu preciso cumprir minha missão. Eu não vim aqui à toa. Esse mapa é

muito importante pra mim.

JUNINHO

Mas a Lucinha é muito mais importante.

VOVÔ

Você tem razão. Vamos entregar o mapa para os índios e pegar a

Lucinha de volta.

JUNINHO

Eu tive uma ideia genial.

VOVÔ

Qual?

JUNINHO

Vamos até o acampamento, disfarçados de índios, pra tentar encontrar a

Lucinha. Quando a gente encontrar, vamos sequestrá-la de volta e sair

correndo sem entregar o mapa... O que acha da ideia?

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VOVÔ

Não sei. Isso pode ser uma armadilha pra gente... O melhor a fazer é ir

ao encontro deles, entregar o mapa, pegar Lucinha de volta, voltar pro sítio e

esquecer definitivamente dos objetivos que nos trouxeram pra cá. Venham

comigo...

(Saem Vovô, Velha e Juninho.)

CENA 4

(Do lado oposto aparecem Uirá e Godofredo, que traz Lucinha, ainda amordaçada.)

GODOFREDO

Vamos parar aqui. Agora vou convencer o Cacique de que o velho e

seus netos são pessoas perigosíssimas e que querem incendiar a tribo dele. Fica

aí, índio infeliz, tomando conta da menina.

UIRÁ

(Rindo.) Índio infeliz toma conta menina!

GODOFREDO

(Sai, imitando um índio.) Uuuuuuuuuuuu...

(Lucinha está apavorada. O índio vai chegando perto dela e ri. Segura a mão da menina

e coloca-a próximo de sua boca. Lucinha resmunga e puxa a mão.)

UIRÁ

Uirá não come agora. Uirá brincando, hi!hi!hi!... Cacique Peri, índio Uirá

e tribo toda põe menina meio roda e faz assim ó... (Faz uma coreografia indígena.

Lucinha desmaia. Uirá se assusta.) Que cagada! Uirá mocorongo esconder

menina...

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(Sai com lucinha nos braços.)

CENA 5

(Entram Godofredo e Cacique Peri.)

GODOFREDO

(No meio de uma conversa.) Esse velho é perigosíssimo. Vieram de um sítio

da Cochinchina para destruir vocês. Raptaram o índio Uirá e o senhor vai ser

queimado.

CACIQUE PERI

Cacique queimado, nunca! Cacique reunir tribo, prender homem branco,

fazer picadinho.

GODOFREDO

Espere mais um pouco. Preciso do velho vivo para que eu possa

conversar com ele com calma.

CACIQUE PERI

Mim queimado, nunca! Mim queimado, nunca! Cacique buscar tribo

prender homem branco! Vou já, já...

(Vai saindo. Entram a Velha, Vovô e Juninho.)

GODOFREDO

Olha o velho, o neto dele e a velha escamosa, Cacique!

CACIQUE

(Chama outros índios com um assobio. todos aparecem correndo.) Prendam

esses querem queimar Cacique destruir tribo toda!

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(Os índios fecham o trio num círculo e fazem uma coreografia em torno deles. Com

uma corda bem grande, amarram os três, que ficam um de costas para o outro. Estão

em pânico. Os índios, exceto o Cacique Peri, saem para a mata.)

JUNINHO

Não temos mais saída. Vamos todos virar picadinho. (Chora.)

CACIQUE PERI

(Para os três.) Onde tá filho Uirá, velho ruim?

VOVÔ

Eu nem sei quem é seu filho, seu Cacique. Viemos aqui para cumprir

uma missão importantíssima... E se trata de uma missão de paz...

CACIQUE PERI

Velho mente. Cacique não acredita gente branca. Gente branca tudo

mentirosa. Gente branca raça ruim. Cacique e tribo deixou ser canibal depois

dragão prendeu índia Eulália, tataravó Cacique, mas quando aparece gente

branca ruim, come tudo sem dó. Cacique reunir tribo comer gente branca. Vou

procurar tempero mato. (Sai.)

GODOFREDO

(Para o Velho.) Se me entregar o mapa, eu solto vocês.

VOVÔ

E como posso ter certeza disso?

GODOFREDO

Eu não minto jamais.

VOVÔ

E minha neta Lucinha?

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GODOFREDO

Ela tá bem. O índio Uirá tá cuidando dela.

VOVÔ

(Fala com seus botões.) Minha neta já virou picadinho... Que horror!

CACIQUE PERI

(Entrando com o tempero.) Cacique vai comer três já, já!

GODOFREDO

Espere um pouco, seu Cacique.

CACIQUE PERI

Cacique e tribo come tudo agora!

(Os índios trazem um enorme caldeirão e põem os três dentro dele. Depois pegam uma

cuia enorme e começam a encher o caldeirão de água. Outros índios trazem lenha e

colocam em volta do caldeirão. Em seguida botam fogo na lenha.)

VOVÔ

Cacique Peri, mesmo que a gente vire assado, fique com esse mapa. (Tira

o mapa de um bolso escondido da camisa.) Esse é o mapa que leva à arca do

tesouro que pertenceu ao pirata Kid. Esse tesouro tá enterrado bem no fundo

da Caverna dos Suspiros, exatamente na cela onde Eulália ficou presa. A gente

veio aqui pra isso. Não pra roubar, matar, queimar, mas para lhe entregar esse

mapa.

CACIQUE PERI

Homem branco dizer verdade?

VOVÔ

Sim.

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CACIQUE PERI

Homem branco gente boa!

GODOFREDO

(Desesperado.) Não, Cacique. O velho é mentiroso. Ele não é bom. Ele

mente porque quer que o senhor tire eles daí para que eles possam destruir

toda a tribo.

VOVÔ

(Empunha o mapa) Pegue esse mapa, seu Cacique...

(Cacique vai pegar o mapa. Nesse momento, Godofredo pega o porrete da Velha que

está jogado no chão, acerta na cabeça de Peri, que desmaia instantaneamente e arranca

o mapa das mãos do Velho.)

GODOFREDO

(Rindo.) Finalmente consegui o que tanto queria. Eu me amo! (Beija suas

mãos, braços etc.) O que seria de mim sem mim! Como é bom ser mau... (Sai

rindo.)

VOVÔ

(Gritando.) Ladrão! Ordinário!

JUNINHO

(Idem ao avô.) Safado! Sem-vergonha!

VELHA

(Idem aos dois.) Junglingue! Oiomeie!

(Cacique Peri se levanta. Está bastante atordoado e começa a dizer palavras desconexas.

Vai voltando ao normal. Nesse instante aparece o índio Uirá com Lucinha. A menina

está liberta das cordas e sem a mordaça e ambos riem muito.)

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CACIQUE PERI

(Ao ver Uirá.) Filho Uirá vivo! (Corre abraçar o filho.)

VOVÔ

Lucinha também...

LUCINHA

(Corre.) Vovô, Juninho, Velha!... (Abraça os três.)

CACIQUE PERI

(Para Uirá.) Algum deles maltratou filho Uirá?

UIRÁ

Não, papai Cacique. O índio Godofredo fez Uirá roubar menina. Mas

menina muito boa. Uirá mocorongo ficou dó dela amarrada e tirou mordaça e

corda prendia ela.

(Cacique Peri ordena para os índios tirarem Vovô, Juninho e Velha do caldeirão. Nesse

momento entra Godofredo, carregando a arca, triunfante.)

GODOFREDO

O tesouro é meu. Só meu... Estou rico, rico... Muito ouro, ouro, ouro! (Vai

saindo. Cacique Peri entra na sua frente.) Sai da frente, seu idiota!

CACIQUE PERI

Godofredo mentiroso! Toda tribo almoçar Godofredo!

(Assobia. os índios que estavam meio afastados fecham Godofredo. Ele tenta escapar,

mas por onde quer que vá, os índios o cercam. Fazem a mesma coreografia de quando

prenderam Vovô, Lucinha e Juninho. Amordaçam Godofredo e em seguida colocam o

bandido no caldeirão.)

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GODOFREDO

Me soltem, seus índios fedorentos de uma figa! Vou me vingar de todos

vocês. Um por um, seus idiotas. (Amordaçam-no. Ele fica resmungando o tempo

todo.)

(Vovô pega a arca que Godofredo deixou no chão e tira um pedaço de arame do bolso.

enfia-o no enorme cadeado da arca, abrindo-a. Uma forte luz dourada ilumina a cena.

Todos ficam encantados. Tiram da arca todo o tipo de joias e se enfeitam,

principalmente os índios.)

VOVÔ

(Satisfeito.) Agora que cumpri minha missão, vamos voltar pro nosso

sítio, crianças.

CACIQUE PERI

Cacique Peri dá metade ouro pra homem branco!

VOVÔ

(Digno.) Me desculpe, seu Cacique, mas não vou aceitar. Esse tesouro

não tem valor nenhum pra mim. Não vim aqui com a intenção de querer o

ouro. Todo o tesouro pertence a você e a sua tribo... Sabemos que a tribo está

passando por dificuldades e esse tesouro irá ajudá-los a superá-las. É uma

recompensa... Claro que esse tesouro não vai apagar a dor da tribo em relação

à Eulália, mas com ele o senhor poderá dar uma vida mais digna para o seu

povo... Só te peço uma coisa: solte esse ensebado xexelento. (Aponta Godofredo.)

Mais cedo ou mais tarde ele vai ter o castigo que merece.

CACIQUE PERI

Não. Cacique Peri começar ritual...

VOVÔ

Não faz isso, seu Cacique.

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(Os índios reavivam a fogueira. Godofredo se debate na água. Os índios cantam e

dançam em volta do caldeirão. Vovô tapa os olhos de Lucinha e Juninho. No meio do

ritual, o Cacique para.)

CACIQUE

(Num grito.) Paraaaaaa!... (Os índios param.) Carne bandido muito dura!

Carne bandido dá dor barriga. Bandido deixar Cacique e tribo caganeira!

(Os índios reclamam, mas soltam Godofredo, que pragueja.)

GODOFREDO

Vou me vingar de todos vocês! Não me chamo Godofredo se isso não

acontecer...

(Sai correndo, entrando na caverna. Nesse momento aparece o dragão. A terra

estremece com o som aterrorizador do bicho. Juninho, Lucinha e Vovô se espantam ao

vê-lo. Ele pega Godofredo e o leva para a mesma cela de Eulália. A grade desce

rapidamente, trancando o bandido.)

GODOFREDO

(Preso; chacoalha as grades.) Alguém me ajude! Me tirem daqui! Não

deixem que esse monstro me faça mal!... Eu sou muito jovem pra morrer!...

Vocês todos vão me pagar, malditos! (Começa a suspirar.)

VOVÔ

Agora vamos embora. Todos devem estar preocupados com a gente. Até

breve, foi muito bom conhecer vocês. (Velha chora.) Não precisa chorar, velha!

VELHA

Tadeshimã acobaquire! (Diz que vai sentir saudades.)

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VOVÔ

Nós também vamos sentir saudades, mas logo, logo voltaremos aqui pra

visitar vocês, certo? Até breve!!!

(Todos se abraçam. Vovô, Lucinha e Juninho saem pela plateia. Antes de saírem,

acenam com as mãos em sinal de despedida. O ciclorama desce do urdimento e aparece

a imagem da índia Eulália. que sorri para eles em sinal de agradecimento. Todos olham

admirados para aquela imagem e ficam congelados. Fusão para uma nova imagem:

Eulália, presa na gruta, coberta de joias e suspirando com o olhar melancólico. Close no

rosto da índia. Black-out.)

FIM

OBSERVAÇÃO: O texto foi baseado numa lenda indígena. Criei um

vocabulário próprio para a Velha das Cavernas, o “cavernês”, assim como o

dialeto indígena que não é o tupi-guarani. Trata-se de uma brincadeira com a

linguagem, que deverá ser explorada ao máximo.

Agosto/1998