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 LFG – CIVIL – Aula 08 – Prof. Cristiano Chaves – Intensivo II – 13/10/2009 DIREITOS REAIS NA COISA ALHEIA DIREITOS REAIS NA COISA ALHEIA 1. EXCLUSIVIDADE DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA POSSIBILIDADE DE FRACIONAMENTO De início, eu gostaria de lembrar com vocês o art. 1.228, do Código Civil, que traz o conceito de propriedade:  Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Código de Águas - D-024.643-1934 Diz-se que a propriedade é a soma dos poderes do domínio. E que é a soma de quatro poderes: Uso Gozo Livre disposição e Reivindicação A soma desses 4 po deres, nas mãos do titular, fo rmam o direito de propriedade. De saída você já percebe que o direito de propriedade é um direito complexo, rico em essência e estrutura (a propriedade corresponde à soma de diferentes poderes: uso, gozo, disposição, reivindicação. E a soma desses quatro poderes, mais o título dominial (regis tr o público, em ca rtório), é igual ao direito de pr opriedade. Quem titularizar os 4 poder es, mais o tulo em cartório, vai ter propriedade. A propriedade, portanto, note bem, é a soma dos quatro poderes que estão assinalados no art. 1.228, do Código Civil e do título. Mas veja, é possível o titular disponha dos quatro poderes, mas não disponha do título. E neste caso, não tem propriedade e sim, domínio. É uma diferença elementar entre a propriedade e domínio. E essa diferença se vislumbra porque, embora a propriedade e o domínio sejam compostos de uso, gozo, disposição e reivindicação, embora ambas sejam frutos da soma desses quatro poderes, se disti nguem pelo título, de modo que, a propriedade , por conta do título, é exercido perante terceiros porque o direito de propriedade tem oponibilidade erga omnes. O título confere ao direito de propriedade, oponibilidade erga omnes, confere ao direi to de pr opriedade uma substancia do substrato coletivo. Daí a frase: a propriedade é exercida perante terceiros. O domínio, não. O domínio é exercido sobre a coisa porque o domínio é apenas e tão-somente a soma desses quatro poderes. Conferir, entregar os 4 poderes nas mãos da mesma pessoa, é domínio. Conferir os quatro poderes nas mãos de uma pessoa que tem título, além do 122

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DIREITOS REAIS NA COISA ALHEIA

1. EXCLUSIVIDADE DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA POSSIBILIDADEDE FRACIONAMENTO

De início, eu gostaria de lembrar com vocês o art. 1.228, do Código Civil, quetraz o conceito de propriedade:

 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar,gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.Código de Águas - D-024.643-1934

Diz-se que a propriedade é a soma dos poderes do domínio. E que é a somade quatro poderes:

• Uso

• Gozo

• Livre disposição e• Reivindicação

A soma desses 4 poderes, nas mãos do titular, formam o direito depropriedade.

De saída você já percebe que o direito de propriedade é um direito complexo,rico em essência e estrutura (a propriedade corresponde à soma de diferentespoderes: uso, gozo, disposição, reivindicação. E a soma desses quatro poderes,mais o título dominial (registro público, em cartório), é igual ao direito depropriedade. Quem titularizar os 4 poderes, mais o título em cartório, vai terpropriedade. A propriedade, portanto, note bem, é a soma dos quatro poderes queestão assinalados no art. 1.228, do Código Civil e do título.

Mas veja, é possível o titular disponha dos quatro poderes, mas não disponhado título. E neste caso, não tem propriedade e sim, domínio. É uma diferençaelementar entre a propriedade e domínio. E essa diferença se vislumbra porque,embora a propriedade e o domínio sejam compostos de uso, gozo, disposição ereivindicação, embora ambas sejam frutos da soma desses quatro poderes, sedistinguem pelo título, de modo que, a propriedade, por conta do título, é exercidoperante terceiros porque o direito de propriedade tem oponibilidade erga omnes. Otítulo confere ao direito de propriedade, oponibilidade erga omnes, confere aodireito de propriedade uma substancia do substrato coletivo. Daí a frase: apropriedade é exercida perante terceiros. O domínio, não. O domínio é exercidosobre a coisa porque o domínio é apenas e tão-somente a soma desses quatropoderes. Conferir, entregar os 4 poderes nas mãos da mesma pessoa, é domínio.Conferir os quatro poderes nas mãos de uma pessoa que tem título, além do

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domínio, ela tem propriedade. Daí a frase: o domínio e exercício sobre a dois. Apropriedade,perante terceiros.

Quem dispuser de apenas um desses quatro poderes, especificamente oprimeiro ou o segundo, tem posse. Acho que a gente já pode então enxergar a

importância prática desse início da aula. Eu, propositadamente, apresentei nestaordem esses três diferentes institutos:

• Propriedade• Domínio

• Posse

Por que propositadamente? Porque na cabeça de todos nós existe umaescalada hierárquica entre os três institutos. Isso é normal, comum. Tudo é fruto docódigo de 1916. aqui, existe uma falsa escalada hierárquica porque não há comouma leitura mais açodada poderia insinuar, não há aqui uma ordem hierárquica de

tratamento. O que quero dizer:propriedade não é melhor que domínio, domínio nãoé melhor do que posse e propriedade não é melhor do que posse. São três institutosdiferentes, com funções diferentes e produzindo efeitos diferentes. São trêssituações jurídicas distintas. Posse é um dos poderes. Eu posso ter posse sem terpropriedade. Posso ter posse porque tenho propriedade. Posso ter domínio porquesou proprietário e posso ter domínio sem propriedade. Posso ser possuidor sem ternada disso. São situações jurídicas distintas produzindo efeitos distintos.

No campo do processo civil, é muito bom você lembrar que a posse édefendida por meio de ações possessórias (os chamados interditos possessórios)que vão ter procedimento especial (quando esbulho ou turbação tiver menos deano e dia) e haverá procedimento especial pelo simples motivo de que como aposse é apenas mais um dos poderes do domínio, traz consigo uma relação decontato. Aliás, aquela música da Rita Lee faz uma comparação muito própria entrea posse e a propriedade, o amor e o sexo. A música num dado momento diz assim:“posse é sexo, amor é propriedade” porque a posse é exercida diretamente sobre acoisa e, sem contato físico não há posse. A propriedade, não. A propriedade tempoderes e tem registro, então, é exercida abstratamente. Por isso que o mecanismode defesa da propriedade, já não é uma ação possessória, já não é uma ação porprocedimento tão breve, tão simplificado. É uma ação reivindicatória, porque naação reivindicatória o procedimento é comum ordinário. Com calma, tranquilidade.Ela não precisa de um procedimento tão célere.

E o domínio, também tem um meio de defesa? Assim como a posse, que tema sua defesa por meio de ação possessória, assim como a propriedade que sedefende por meio de ação reivindicatória, o domínio e exercido por meio de açãopubliciana, que também tem procedimento comum ordinário. Agora, para quemnunca ouviu essa expressão, não se preocupe porque o código de 1916 trabalhavacom domínio e propriedade como sinônimos porque o código de 1916 era obsessivopela propriedade Ele entendia que a propriedade era o mais amplo e limitado detodos os poderes para o Código de 1916,tudo o que não era propriedade, nãomerecia a sua proteção. Tudo o que não era propriedade, não poderia ter a mesmaproteção que a propriedade tinha. Então, o Código tratou propriedade e domíniocomo sinônimos e diferençou a propriedade da posse. O Código de 1916 dizia que aposse era mero apêndice da propriedade, numa relação de subordinação, numarelação de dependência.

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Vem a CF e diz que propriedade, domínio, posse, tudo isso precisa cumprir,atender a uma função social. Na medida em que a CF consagra a função socialcomo o conteúdo do direito de propriedade, não há mais uma diferença hierárquicaentre propriedade, domínio e posse. Não há porque agora na colisão entrepropriedade e posse, propriedade e domínio, domínio e posse, propriedade e

domínio, quem merece proteção é quem cumprir a função social. Já não há maisuma proteção apriorística como antes porque agora todas essas manifestações seresolvem pela função social.

Com isso, você vai perceber que quem mais ganhou foi a posse porque houveuma valorização a posse, lógico mas a propriedade também ganhou porque elaantes não precisava estar funcionalizada. Ela poderia ser absolutamenteimprodutiva e,m esmo assim, merecida proteção. Agora, não mais. Agora sómerece proteção desde que esteja funcionalizada.

Se propriedade, domínio e posse são situações diferentes, o que interessanotar é que a chave do segredo da compreensão de tudo isso, está nos poderesapontados pelo art. 1.228. se eu estou na posse mansa e pacífica com animusdomini, por muitos anos, de um imóvel, eu já adquiri o seu domínio, mas ainda nãotenho a propriedade. Então, você percebe que a ação de usucapião é declaratóriade domínio e constitutiva de título. Ela declara que a aquisição já se deu porque eu

 já tenho do domínio, mas não tenho a propriedade, porque não disponho do título.Mas nesse tempo em que eu ainda não ajuizei minha ação de usucapião, ou seajuizei, ela não transitou em julgado, se alguém ofende meu domínio eu voudefendê-lo por meio de ação publiciana. É ação para defender domínio. “Mas porque não ação possessória?” Não sei! Vai que já passou o prazo de ano e dia, vai queeu já perdi a liminar e, portanto, não quero mais discutir por meio de açãopossessória, já vou direto para uma ação publiciana. Mas, estou pensando mais

longe: a sentença publiciana de procedência, pode gerar o registro? A resposta énegativa porque a sentença publiciana não é declaratória de título, masdeclaratória de domínio, não de título, não de propriedade.

Veja, e o importante é que neste momento você esteja sintonizado nisso, quehá uma substancial distinção entre propriedade, domínio e posse e o que, nestemomento precisamos deixar bastante claro é que esses poderes conferidos todos àmesma pessoa que tenha o título, é propriedade. Que não tenha o título, é domínioe que tenha um só desses poderes é posse. Mas que todas elas devem cumprir afunção social. A função social da posse, a função social da propriedade. E odomínio? O domínio, eu poderia dizer que tem uma função social menor porque odomínio é exercido sobre a coisa, é uma relação singular entre o titular e a coisa,mas é claro que tem que estar submetido sim à função social. Só que a funçãosocial sempre será vista com muito maior dimensão na propriedade porque apropriedade é erga omnes. E domínio e posse? Também são erga omnes, mas emgraus diferenciados, já que a propriedade é o mais amplo e complexo dos três. Porisso que da propriedade se exige uma função social mais larga.

Por que isso tudo? Porque esses quatro poderes conferidos nas mãos damesma pessoa que tem o título, ou seja, direito de propriedade, é marcado pelaexclusividade. Todo direito de propriedade é exclusiva. Significa que direito depropriedade só existe um por vez. Mas a exclusividade do direito de propriedadenão obsta a constituição de outros direitos. Eu não posso é ter dois direitos de

propriedade de uma vez só, mas eu posso ter diferentes direitos sobre a mesmapropriedade. Eu posso ter, a um só tempo, um direito de propriedade convivendocom um outro direito sobre o mesmo bem. Então, a exclusividade do direito de

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propriedade não retira a possibilidade de constituição de outros direitos. Atéporque, atenção, esses poderes que compõem o direito de propriedade sãofracionáveis e se é assim, eu posso, por exemplo, fracionar o uso e a fruição. E seeu retirar do proprietário o uso e a fruição, conferindo-os a terceiro, eu tereiconferido parcela dos poderes do domínio a terceiro e isto é direito real na coisa

alheia.

Então, você acaba de descobrir que os direitos reais na coisa alheia decorremde dois fundamentos:

• Do caráter exclusivo da propriedade e da• Da possibilidade de fracionamento.

Eu li ontem a seguinte frase: “os direitos reais na coisa alheia decorrem dofracionamento do direito de propriedade.” Isso está errado porque quem seráfracionado não é o direito de propriedade, até porque o direito de propriedade tem

oponibilidade erga omnes. Eu não posso fracionar, dizer que ele vai se dirigir a umapessoa e não a outra. Quem vai ser fracionado são os poderes que compõem odireito de propriedade Não é a propriedade que vai ser esquartejada. São ospoderes do domínio que serão fracionados.

Então, direito real na coisa alheia nada mais é do que o fracionamento dospoderes que compõem o direito de propriedade conferido a terceiro. Quando seconfere a terceiro parcela dos poderes que compõem o direito de propriedade, euestou conferindo ao terceiro um pedaço do direito de propriedade? Não. Estouconferindo um pedaço do domínio. O terceiro não terá, prestem atenção, o terceironão disporá de um pedaço do direito de propriedade. Ele disporá de um pedaço dodomínio. O terceiro que recebe parcela dos poderes terá um pedaço do domínio. Em

outras palavras, os direitos reais na coisa alheia não reduzem a dimensão do direitode propriedade. E isso porque o direito de propriedade continua o mesmo. Osdireitos reais na coisa alheia não atingem, não reduzem a dimensão do direito depropriedade Mas incidem severamente sobre o domínio.

“Os direitos reais na coisa alheia não reduzem a dimensão da propriedade,mas atingem severamente o domínio.” 

Ou seja, o princípio do fracionamento e da exclusividade são duascaracterísticas do direito de propriedade. Exclusividade só existe no direito depropriedade Ninguém pode dizer que vai dividir o seu direito de propriedade porque

ele é uno. E porque é oponível erga omnes. O direito de propriedade é um só,exclusivo, mas admite o fracionamento dos seus poderes. Fracionados os poderesde propriedade, nós temos os direitos reais na coisa alheia. E esses direitos, podemnotar, implicam, não no esvaziamento do direito de propriedade (que continua omesmo!), mas no esvaziamento do domínio. Esvazia-se o domínio e não apropriedade. Esvazia-se o domínio para se constituir o direito real na coisa alheia.Olha a melhor parte: se eu tenho um direito real na cosia alheia, eu tenho umproprietário, eu tenho um terceiro que tem um direito real significando que temparcela do domínio, e eu posso ter, por exemplo, usufruto. Juliana é proprietária, eusou usufrutuário e, como tal, vou ter parcela dos poderes do domínio. Eu possoalugar este imóvel a um possuidor. Então, eu posso ter três relações jurídicasdiferentes sobre o mesmo bem: a mesma coisa pode estar submetida a três

diferentes relações jurídicas: o proprietário, que tem o título, que tem todos ospoderes, mas ele separou alguns poderes e conferiu a um terceiro. Esse terceiroagora, que é o titular do direito real na coisa alheia, que é o usufrutuário, por

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exemplo, terá parcela, não da propriedade, mas do domínio. E tendo parcela dodomínio, ele tira o uso e entrega a terceiro e agora ele tem um possuidor. Então,teremos um possuidor, um titular de domínio e um titular de propriedade. Cada umexercendo os seus poderes sobre a coisa. Cada um exercendo, nos limites dos seuspoderes, os seus próprios direitos. É claro que precisamos atentar que tudo isso

decorre do caráter exclusivo e do fracionamento dos poderes da propriedade.

 Tudo isso confirma a complexidade do direito de propriedade. E se não fossecomplexo, não permitiria toda essa divisão, todo esse fracionamento. Nós só vamosder direito real na coisa alheia por conta da complexidade do direito depropriedade. Se fosse um direito simples, irrelevante, é claro que não comportariatoda essa estruturação.

Mais ainda, acho que podemos dar como vencida essa a primeira etapa eresponder o que são direitos reais na coisa alheia. Fica fácil agora. Direitos reais nacoisa alheia constituem o resultado do fracionamento dos poderes da propriedade.É o resultado do fracionamento dos poderes que compõem o direito de propriedade.

O proprietário fraciona por vontade própria, por força de lei ou por decisão judicial. São três as formas. São as três fontes do direito real na coisa alheia quepode surgir da vontade do titular da propriedade, por força de lei ou por decisão

 judicial. São as três fontes, as três origens do direito real na coisa alheia.

Atenção agora. O comentário que eu vou fazer agora, nunca caiu emconcurso. Mas eu quero deixá-lo registrado (não precisa decorar e nem estudar denovo), mas já se fala hoje com tranquilidade na função social dos direitos reais nacoisa alheia. Se a propriedade tem que cumprir uma função social e o direito real nacoisa alheia é o fracionamento dos direitos da propriedade, o direito real na coisa

alheia também precisa cumprir sua função social. Logo, a função social dos direitosreais da coisa alheia nada mais é do que o desdobramento da própria função socialda propriedade. Você viu comigo que se a posse tem que cumprir função social, seo domínio tem que cumprir função social, os direitos reais na coisa alheia também.Eu continuo insistindo: o direito real é exercido perante a coletividade. Ele precisacumprir função social. Vale dizer, o direito real na coisa alheai não pode prejudicarterceiros e não pode prejudicar a coletividade. O exercício de um direito real nacoisa alheia não pode prejudicar a terceiros e não pode prejudicar a coletividade

Exemplo de função social de direito real na coisa alheia. Súmula 308, do STJ,é exemplo da função social do direito real na coisa alheia. Essa súmula fala do

contrato de hipoteca, que é direito real de garantia, é direito real na coisa alheia. Otitular do contrato de hipoteca tem parcela dos poderes da propriedade. O titular dahipoteca tem direito real, tem oponibilidade erga omnes. É muito comum aconstrutora, antes de construir o prédio, tomar dinheiro empregado do banco atépara garantir a construção do próprio prédio. E a construtora dá em garantia opróprio prédio. Se a construtora não paga, o banco pode executar o próprio prédio?Se você fizer uma análise fria dos direitos reais na coisa alheia, vai dizer que simporque o titular do direito real da coisa alheia tem oponibilidade erga omnes. Vaiexecutar porque está dentro do seu direito. Pois é... olha a Súmula 308:

STJ Súmula nº 308 - DJ 25.04.2005 - A hipotecafirmada entre a construtora e o agente financeiro,

anterior ou posterior à celebração da promessa decompra e venda, não tem eficácia perante os adquirentesdo imóvel.

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Função social do direito real na coisa alheia. Está dizendo que o direito dehipoteca não pode ser exercido com prejuízo de terceiros. Muito bacana! Essasúmula é um belíssimo exemplo de direito real na coisa alheia.

2. ESPÉCIES DE DIREITOS REAIS NA COISA ALHEIA

Nesse momento, eu quero chamar a sua atenção para isso aqui: direitos reaisna coisa alheia (parcela dos poderes do domínio) podem ser constituídos com trêsdiferentes finalidades que vão apresentar as suas diferentes espécies.

É possível constituir direito real na coisa alheia para a fruição, o gozo deterceiro. Esses direitos reais na coisa alheia de gozo e fruição são aqueles quedecorrem do fracionamento dos poderes do domínio com a finalidade de permitir o

terceiro ter a coisa consigo. Eu vou insistir nesse ponto. Deixe anotado: direito realna coisa alheia de gozo ou fruição tem a finalidade de permitir ao terceiro ter acoisa consigo. Permite ao terceiro o uso da coisa.

Eu vou começar na lista do Código Civil:

1. Servidão Predial 2. Usufruto3. Uso4. Habitação5. Superfície

Mas a essa lista de 5, do Código Civil de 2002, eu preciso acrescentar maisum, que está no Código de 1916 e que o Código de 2002 diz que não pode mais serconstituído, mas que os que foram constituídos sob a égide do Código Civil de 1916permencem. Aludo à enfiteuse.

6. Enfiteuse

As enfiteuses que já existiam, continuam. Não há como constituir novas, masas anteriores permanecem. Direitos reais na coisa alheia de gozo ou fruição.Permitem ao terceiro o uso da coisa, ter a coisa consigo e retirar as suas utilidades.Os seis direitos reais na coisa alheia de gozo ou fruição.

Mas há uma segunda opção, que são os direitos reais na coisa alheia degarantia. Nos direitos reais n coisa alheia d garantia, o terceiro não terá o uso dacosia. Ele não retira as utilidades da coisa. Nos direitos reais de garantia é proibidoao terceiro a retirada das utilidades da coisa. Ele não retira nada. Ele se restringe areceber parcela dos poderes para assegurar uma obrigação preexistente, antesexistente. Direito real de garantia é o fracionamento dos poderes do domínio com afinalidade de assegurar uma obrigação anteriormente existente. Existe umaobrigação e o fracionamento dos poderes do domínio se dá para assegurar ocumprimento dessa obrigação. O terceiro vai tirar as utilidades? Não. O terceiroapenas recebe a parcela dos poderes para garantir a obrigação, para garantir a

execução dessa obrigação. No direito brasileiro são quatro os direitos reais degarantia:

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1. Penhor 2. Hipoteca3.  Anticrese4.  Alienação Fiduciária

São os quatro direitos reais na coisa alheia de garantia. Olhas as espécies dedireito real na coisa alheia: de gozo ou fruição, de garantia. E a diferença entre osdois é altamente significativa:

• Direito real de gozo: o terceiro tem a coisa consigo e retira asutilidades.

• Direito real de garantia: se ele tem a coisa consigo ou não, éirrelevante. O que interessa é que ele não tira, ele apenas assegura umaobrigação preexistente.

E finalmente, a terceira e última espécie: são os direitos reais na coisa alheia

de aquisição. Não é de gozo, não é de garantia. É de aquisição. Este é ofracionamento dos poderes do domínio para permitir ao terceiro obter o direito depropriedade. Ou seja, é um direito real na coisa alheia, transitório porque atravésdele o terceiro deixa de ter uma parcela dos poderes e passa a ter o direito depropriedade. Pragmaticamente, esse é um digimon. Ele se transforma de direitoreal na coisa alheia para propriedade. É um ser mutante porque o direito real nacoisa alheia de aquisição confere ao terceiro o direito de, com o passar do tempo ecom o cumprimento de terminados requisitos, deixar de ter tão-somente umaparcela dos poderes do domínio para ter a própria titularidade. A propriedade vaiser adquirida. No Brasil só tem um e o único direito real na coisa alheia de aquisiçãoé a promessa irretratável de compra e venda.

Promessa irretratável de compra e venda – É o único direito real na coisaalheia de aquisição.

Vamos conferir todos os direitos reais na coisa alheia:

De gozo ou fruição – o terceiro retira as utilidadesDe garantia – assegura uma obrigaçãoDe aquisição – obtém a propriedade

Num total de 11. Você confere comigo a redação do art. 1.225, do CódigoCivil, que vai confirmar. Não vai trazer nenhuma novidade. Traz o rol dos direitos

reais e, para quem não lembra, direito real se submete à tipicidade, à taxatividade. Todos os direitos reais precisam estar expressos em lei:

Art. 1.225. São direitos reais:I - a propriedade;II - a superfície;III - as servidões;IV - o usufruto;V - o uso;VI - a habitação;VII - o direito do promitente comprador do

imóvel;VIII - o penhor;IX - a hipoteca; X - a anticrese. 

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XI - a concessão de uso especial para fins demoradia; (Acrescentado pela L-011.481-2007)

XII - a concessão de direito real de uso.

Inciso I – Propriedade: esse é o direito mãe. É dele que decorrem todos os

demais. É o mais amplo, o mais complexo, o mais rico. Não no sentido econômico,não no sentido jurídico, mas no sentido estrutural, muito embora não seja melhor enem pior.

Incisos II a VI – São direitos reais de gozo, de fruição.

Faltou um, né? A enfiteuse. Por que ela não está aí? Porque está lá nasdisposições finais e transitórias que mantém as enfiteuses já constituídas dizendoque aquelas que já foram constituídas continuam submetidas ao Código de 1916.para quem não se lembra, o nome disso é ultratividade da norma. É uma norma járevogada que continua aplicada. Aqui no direito civil isso é raro, mas taí umexemplo.

Inciso VII – Direito real de aquisição é a promessa irretratável de compra evenda.

Incisos VIII a X – Direitos reais de garantia. Nesse rol, está faltando aalienação fiduciária em garantia. E a alienação fiduciária em garantia vem de umoutro capítulo, do capítulo antecedente, que é o do direito de propriedade. O códigochamou a alienação fiduciária de propriedade fiduciária, tratando-a dentro dopróprio direito de propriedade. Mas é claro que é direito real na coisa alheia. Não hánenhuma dúvida da sua natureza. Ontologicamente, a propriedade fiduciária édireito real na coisa alheia.

Agora, o rol acabou. Quais são dos dois que faltam? A enfiteuse, que está nasdisposições finais e a alienação fiduciária que está em outro capítulo. Aqui estão os12 direitos reais do direito brasileiro. Um na coisa própria, onze na coisa alheia,formando doze. Doze direitos reais.

Mas aí veio a Lei 11.481/07 (quem está fazendo concurso para asprocuradorias, advocacias, se ligue agora), criando mais dois direitos reais no brasil.São os incisos XI e XII, do art. 1.225:

 XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Acrescentado pela L-

011.481-2007) XII - a concessão de direito real de uso.

Onde está a diferença entre um e outro? Eles se destinamfundamentalmente, são vocacionados para a regularização fundiária. São doisdireitos reais que foram criados para permitir ao poder público regularizar situaçõesfundiárias: favelas, grandes bolsões urbanos. Naquele caso da favela, tem umapessoa que mora, então o poder público pode conceder-lhe um número. Mas ocomerciante que tem a lojinha ali do lado não pode receber número porque ele nãoestá ali para fins de moradia. Mas ele pode ir par ao inciso XII, direito especial deuso.

Ou seja, são dois direitos reais vocacionados à solução dos problemasfundiários porque todos vão lembrar que a propriedade pública é inalienável,imprescritível, etc. Por conta das limitações constitucionais da propriedade pública,

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é que nós vamos ter esses dois novos direitos reais como mecanismos defacilitação para a solução de problemas fundiários. Até porque o direito de uso nãoatenderia tudo o que a propriedade pública precisa. Então, esses dois são maiselásticos, flexíveis.

 Todo mundo vai lembrar do art. 100, do Código Civil (e está na Constituiçãotambém) que veda a usucapião de bem público. Os bens públicos, portanto, sãoimprescritíveis porque não podem ser adquiridos ela usucapião (prescriçãoaquisitiva). Olhando bem, deixei se u raciocínio te levar: é proibido usucapião debem público, mas é possível usucapião de enfiteuse de terra pública? Isso foipergunta do concurso de juiz federal (da Região Sul). É possível usucapião deenfiteuse de terra pública? Eu falei na enfiteuse, mas se você quiser trocar poroutro direito real na coisa alheia, tudo bem. É possível usucapião de servidão debem público? Está clara a pergunta? Pensa comigo. Se eu fosse usucapir apropriedade de um bem público, eu incorreria na vedação constitucional de que apropriedade pública é imprescritível. Entoa eu não posso usucapir a propriedade debem público. Mas na hora de usucapir a enfiteuse, a servidão eu não estareiadquirindo propriedade, mas direito real na coisa alheia, que é parcela do domínio enão da propriedade. Se o direito real na coisa alheia é parcela dos poderes dodomínio e não da propriedade (perceberam a importância da divisão do início daaula?) porque a propriedade é exclusiva. E se a propriedade for do poder público,vai ficar com ele ad aeternum.

Embora a propriedade seja do poder público, eu osso ter parcela do domínioe se eu vou te parcel do domínio. É possível usucapião de direito real na coisaalheia de bem público. Qual é o problema? Se eu estiver usucapindo uma enfiteusede terra pública, eu vou ser proprietário? Não! Eu vou ser titular de parcela dospoderes do domínio. Mais ainda. Eu vou estar reafirmando que a propriedade

pertence ao poder público, mas eu vou ter parcela dos poderes do domínio sobre apropriedade do poder público. É absolutamente possível portanto, usucapião dedireitos reais na cosia alheia (exemplo: enfiteuse) de bem público porque ela seharmoniza com todo esse fundamentos dos direitos reais da coisa alheia queacabamos de ver.

Chegou a hora da gente começar a estudar cada um dos direitos reais nacoisa alheia.

II UNIDADE - FACAPE

3. PROMESSA IRRETRATÁVEL DE COMPRA E VENDA

Direito real de aquisição é a promessa irretratável de compra e

venda. Tem um brocardo latino, segundo o qual o direito surge dos fatos. E oexemplo simbólico de que o direito surge dos fatos humanos é a promessairretratável de compra e venda. A promessa de compra e venda não deve ser

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confundida com compra e venda. Compra e venda é o contrato pelo qual umapessoa paga e a outra transfere o domínio. Mas a grande maioria do povo brasileirocontinua tendo o sonho da casa própria porque não tem condições econômicas deadquirir. Aí vai pagar em 15, 20 anos. Aquilo não é uma compra e venda porquenão houve o pagamento de preço. Aqui é promessa de compra e venda. E aqui

reside a diferença. Não existe compra e venda de imóvel a prazo. Compra e vendaa prazo de imóvel é promessa porque imóvel não se adquire pela tradição, mas peloregistro. Eu posso ter compra e venda a prazo de roupa, de livro, mas não posso tercompra e venda a prazo de imóvel porque é o registro que implica na aquisição. Ese é assim, existe promessa para que, cumprida a primeira parte da promessa, ovendedor cumpra a segunda parte da promessa, que é a transferência do título.

No código de 1916, a promessa de compra e venda estava disciplinada noart. 1.088. este artigo foi submetido a duríssimas críticas e merecidas. Por quê? Apromessa de compra e venda no código de 1916 manteve a sua gênese, a suaorigem. A promessa é relação real ou obrigacional? Obrigacional. Uma pessoa seobriga a pagar, a outra se obriga a transferir o título, caso haja o pagamento. Então,o Código de 1916 tratou da promessa de compra e venda pela sua própria origem,pela sua própria natureza, portanto, numa relação puramente obrigacional. Lá nocódigo de 1916 estava tudo bem porque vivíamos em uma sociedade agrícola, semnecessidade de nada diferente disso. Com o passar do tempo, com a necessidadede urbanização, com o crescimento dos centros urbanos, com o desenvolvimentodas regiões metropolitanas, cresceu o volume dos negócios imobiliários. Na décadade 20 e 30, explodiram nos negócios imobiliários e as pessoas começam a adquiriros imóveis a prazo. Celebravam promessas de compra e venda e parcelavam oimóvel em 60 vezes. O que começou a acontecer? O vendedor desistia de venderquando faltavam duas parcela. O comprador, nesse momento, poderá dispararcontra ele tutela de direito real ou tutela de direito obrigacional? Tutela de direito

obrigacional. Se é obrigacional, resolve em perdas e danos. Eu vou ter que devolvero terreno dele, ele vai ter que me indenizar as benfeitorias, vai ter que me devolvero dinheiro e a minha indenização aqui é responsabilidade contratual. Lembram daindenização por responsabilidade contratual? O valor máximo da indenização é opróprio valor. Mas por que o vendedor voltou atrás? E isso acontecia muito? Porqueaquele terreno que quando ele celebrou contrato comigo valia 10, agora vale 30,40, 50. E ele percebe que é mais vantajoso economicamente para ele me indenizare pegar o terreno de volta. Portanto, o caráter obrigacional da promessaenfraquecia os negócios imobiliários. E causava uma verdadeira instabilidade

 jurídica porque o promitente vendedor podia voltar atrás, retroceder. Ele tinha odireito de se arrepender indenizando. E você está pensando: mas o promitentecomprador seria indenizado. Mas sejamos sinceros. Aquela indenização limitada não

satisfazia os seus interesses e, de mais a mais, o que ele queria não era o dinheiro.Ele queria era a propriedade. E o direito de arrependimento do promitentecomprador fragilizava esse negócio.

Foi então, que foi editado no Brasil o Decreto-Lei 58/37 e continua em vigorem parte. Só foi parcialmente revogado. Tem parte dele que continua em vigor.Esse DL conferiu eficácia real à promessa de compra e venda. Vale dizer,transformou a promessa de compra e venda de uma relação jurídica obrigacionalem uma relação jurídica real. Você já se ligou da importância do que estou dizendo:conferir eficácia real à promessa de compra e venda, na prática, é dizer que nomomento em que o promitente vendedor disser que quer se arrepender, o

promitente comprador vai lhe opor o direito de aquisição. Vai dizer: “eu vou adquirirqueria você ou não porque o direito real tem oponibilidade erga omnes. E se eutenho direito real à aquisição, eu adquiro de você, mesmo que você não queira

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porque o fundamento do direito real de aquisição não é a vontade do promitentevendedor, mas o cumprimento da obrigação. Se o promitente comprador cumpriu aa obrigação, pagou, ele tem direito real à aquisição.

Com isso, esvaziou-se o art. 1.088, do Código Civil, que restou superado pelo

DL 58/37. Isso porque na redação originária do art. 1.088, do Código Civil de 1916,a promessa de compra e venda produziria efeitos meramente obrigacionais. Veio oDL e lhe emprestou efeitos reais, portanto, criou um direito real, um direito real àaquisição. O DL 58/37 foi confirmado posteriormente pela Lei 6.766/79 (Lei deParcelamento dos Solos Urbanos). Esta lei confirmou o DL 58/37: a proposta decompra e venda produz efeitos de direitos reais e não meramente obrigacionais. E onovo código incorporou todo esse avanço. O art. 1.417 veio para superar toda equalquer dúvida porque o Código diz expressamente que promessa de compra evenda é direito real à aquisição.

  Art. 1.417. Mediante promessa de compra evenda, em que se não pactuou arrependimento,celebrada por instrumento público ou particular, eregistrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o

 promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Ele está dizendo expressamente que a promessa de compra e venda é direitoreal à aquisição, se cumprida a obrigação pelo promitente comprador. Se opromitente comprador pagou, ele tem direito real à aquisição.

O direito real somente se constitui se a promessa de compra e venda nãocontém cláusula de arrependimento. Por isso, o direito real de aquisição ocorre nocaso de promessa irretratável de compra e venda, porque se há cláusula de retrato

afasta-se a natureza real da promessa. Por acaso eu disse que ela deixa de serpromessa? Eu não disse isso. Mesmo com cláusula de retrato continua sendo umapromessa de compra e venda. A diferença é que promessa de compra e venda comcláusula de retrato produz efeitos meramente obrigacionais. Para que produzaefeitos de direitos reais, a promessa de compra e venda tem que ser irretratável.

Pelo texto do art. 1.417, a cláusula de retrato tem que ser expressa ou épresumida? Tem de ser expressa porque o que se presume é a irretratabilidade. É airretratabilidade é que é presumida.

Quer saber o melhor? O MP passou a exigir isso em concurso. Lei 6.766/79

(Lei de Parcelamento dos Solos Urbanos). Art. 25: é nula a cláusula de retratoquando se tratar de imóvel loteado. Urbano ou rural.

 Art.  25. São irretratáveis os compromissos decompra e venda, cessões e promessas de cessão, os queatribuam direito a adjudicação compulsória e, estandoregistrados, confiram direito real oponível a terceiros.

Não admite retratação a promessa de compra e venda que tenha por objetoimóvel loteado urbano ou rural. Também é nula cláusula de retrato quando se tratarde relação de consumo (aquele imóvel que você compra depois que a construtoradistribuiu panfletos, etc.). Se a promessa de compra e venda constitui relação de

consumo ou se tem como objeto imóvel loteado, urbano ou rural, a cláusula dearrependimento é nula. Em outras palavras: toda promessa de compra e venda queconstitua relação de consumo ou cujo objeto seja imóvel loteado urbano ou rural,

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toda promessa de compra e venda produz sempre efeitos reais porque afasta-se acláusula de arrependimento. E se ela estiver escrita, é nula de pleno direito.

Fundamento disso: não é outro senão a boa-fé objetiva. Sentido ético docontrato. Não é ético fazer inserir uma cláusula de retrato na relação de consumo,

no imóvel loteado, porque quem compra imóvel loteado, compra pra morar, está secomprometendo uma vida inteira para morar ali. É aquele imóvel comprado noprazo de 10, 15, 20 anos. Eu estou acreditando que o vendedor não vai exerceraquele direito de arrependimento.

Resumindo: a cláusula de retratação fica praticamente restrita aos contratosentre particulares. Aliás, esse assunto já era discutido desde a década de 40, tantoque o STF chegou a editar a Súmula 166: é inadmissível o arrependimento docompromisso de compra e venda. É lógico que essa súmula hoje está superada porconta da Lei 6.766/79 e do que está no CDC. Mas esse entendimento já vinha depriscas eras, lá da súmula. Se o contrato admite cláusula de arrependimento, deixade ter efeito real e a promessa terá efeitos meramente obrigacionais. Se apromessa contém cláusula de retrato, afasta-se do promitente comprador o direitoà adjudicação compulsória. Ele não vai ter direito de adjudicar. Se, porventura, apromessa tem cláusula de retrato, significa que só haverá o registro se opromitente comprador quiser, afinal de contas, ele pode se retratar a qualquertempo.

Não há prazo decadencial para o exercício de arrependimento. O direitobrasileiro não estabeleceu prazo decadencial para o exercício do direito dearrependimento. Se eu estou falando que não há significa que o direito dearrependimento pode ser exercido a qualquer tempo pelo promitente vendedor.

 Tem limite? O limite, claro, é a quitação. Se ele der a quitação, não pode mais se

arrepender. Até a quitação, pode se arrepender.

Eu insisto num detalhe: não há prazo decadencial para o exercício doarrependimento. Prazo decadencial não há, mas pode ocorrer supressio. Podeocorrer supressio quando ele criou expectativas desleais. Vai saber qual é a relaçãoque ele tinha com o promitente comprador... A depender da relação que ele tinhacom o promitente comprador, mesmo sem ocorrer decadência pode ocorrersupressio. Um dos pontos mais importantes é o que eu vou tangenciar com vocêsagora:

EFEITOS JURÍDICOS DA PROMESSA

Se ligue! São dois os efeitos jurídicos da promessa:

• Conferir posse ao promitente adquirente.

Celebrou promessa? Confere-se posse ao promitente adquirente. Essa possepode gerar usucapião? Não, porque não tem animus domini. É uma posse baseadaem contrato. Então, durante a vigência do contrato, não se pode falar emusucapião. Agora, o que pode acontecer é que se o promitente adquirente parar depagar, a falta de pagamento pode caracterizar esbulho. E se o promitente vendedornão tomar nenhuma providencia, a partir da data do esbulho, muda a natureza deposse e agora pode contar prazo de usucapião. Olha bem. Durante a promessa, o

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promitente comprador tem posse, mas esta posse não pode induzir usucapiãoporque é uma posse contratual, baseada em relação negocial. Mas, havendo aruptura contratual perante o inadimplemento, pode caracterizar esbulho e,caracterizado o esbulho, aí sim, contar o prazo para o usucapião. Esse é o primeiroefeito. O segundo efeito:

• Permite a adjudicação compulsória (aquisição forçada) quando provado o pagamento.

Então, adimplida a obrigação, permite a aquisição forçada. Aliás, é estaaquisição forçada que confere à promessa de compra e venda natureza real. Éexatamente dessa aquisição forçada que decorre a natureza real da promessa decompra e venda. Aquisição forçada pode se dar por meio de ação de adjudicaçãocompulsória.

São, pois, dois efeitos: confere posse e permite a aquisição forçada que se

dará por meio de ação com procedimento especial, que é a ação de adjudicaçãocompulsória (cujo procedimento está no art. 16, do DL 58/37).

Mas a dúvida é: é preciso registrar essa promessa para que se obtenhaefeitos? É uma dúvida boa. É preciso ou não? Se você se prender na redação fria docódigo (art. 1.417), você dirá que a promessa de compra e venda precisa deregistro, até porque direito real sobre bem imóvel se constitui por meio de registro.O registro da promessa implica em alguma consequência prática?

  Art. 1.417. Mediante promessa de compra evenda, em que se não pactuou arrependimento,celebrada por instrumento público ou particular, e

registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

(Intervalo)

O código civil, no art. 1.417, exigiu o registro da promessa em cartório deimóveis como condição eficacial. Está no código, mas não está na jurisprudência. ASúmula 239, do STJ, expressamente confirma que o direito à adjudicaçãocompulsória não se condiciona ao registro:

STJ Súmula nº 239 - DJ 30.08.2000 – O direito à

adjudicação compulsória não se condiciona ao registro docompromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Vale dizer, o promitente comprador tem direito à adjudicação compulsória,tenha registrado ou não. Se registrou ou não é irrelevante. Ele tem direito. E mais,aSúmula 84, do STJ, por sua vez, afirma expressamente que também terá direito opromitene comprador à oposição de embargos de terceiros, independentemente doregistro:

STJ Súmula nº 84 - DJ 02.07.1993 - É admissível aoposição de embargos de terceiro fundados em alegação

de posse advinda de compromisso de compra e venda deimóvel, ainda que desprovido do registro.

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Eu gosto de enxergar, então, o seguinte: por que embargos de terceiro? Eusou o promitente comprador e não registrei. Isso significa que o imóvel continuaregistrado em nome do promitente vendedor que tem dívidas. E isso pode gerar apenhora do imóvel que continua registrado em nome dele. Se eventualmenteocorrer uma penhora desse imóvel pertencente ao promitente vendedor, o

promitente comprador tem direito de embargar de terceiros com base na posse.Esse é o grande exemplo de função social da posse. Se ele está na posse, temdireito de embargar. Direito aos embargos de terceiro pelo promitente comprador,mesmo que a promessa não esteja registrada (Súmula 84, do STJ).

Portanto, nos termos da orientação do STJ, a promessa não precisa estarregistrada para gerar direitos à adjudicação compulsória e embargos de terceiro.Nesse sentido, Enunciado 95, da Jornada dizendo que não precisa de registro:

Enunciado 95 - I Jornada – Art. 1.418: O direito àadjudicação compulsória (art. 1.418 do novo Código Civil),quando exercido em face do promitente vendedor, não secondiciona ao registro da promessa de compra e venda nocartório de registro imobiliário (Súmula n. 239 do STJ).

*Efeitos jurídicos do registro da promessa

E registra para quê? Qual é o efeito jurídico que poderia decorrer do registroda promessa? Tem algum efeito? Por enquanto você viu que não tem efeito nempara a adjudicação compulsória e nem para a oposição de embargos de terceiro. Aí você pensa: então, por que registrar a promessa, até porque registrar é caro? Aresposta vem agora: o registro da promessa traz consigo dois efeitos:

1º efeito do registro da promessa – Permitir o uso de um procedimentode aquisição forçada mais célere. E o procedimento é o art. 25, da Lei 6.766/79(Lei de Parcelamento) e art. 15, do DL 58/37. Se a promessa teve registro, usa oprocedimento mais abreviado, mais rápido estabelecido por esses dois dispositivos.E esse procedimento somente pode ser utilizado se a promessa foi registrada. E senão foi registrada? Aí a aquisição forçada se dá com base no art. 466-B, do CPC.

  Art. 466-B. Se aquele que se comprometeu aconcluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra

  parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito

do contrato a ser firmado. (  Acrescentado pela L-011.232-2005 )

Direito à aquisição forçada:

• Promessa registrada: rito sumário, art. 15, DL 58/37 e art. 25 Lei6765/79

• Promessa não registrada: rito comum executivo, art. 466-B, CPC.

Ambas são ações pessoais. E detalhe importante: você acaba de descobrirque a tutela específica não é o instrumento adequado para a aquisição forçada da

promessa de compra e venda. A aquisição forçada não se dá por tutela específica.Ou se dá pelo rito especial (quando houve registro) ou se dá pelo rito comumexecutivo (quando não houve registro).

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Então, o primeiro efeito do registro é viabilizar o uso do rito sumário, maiscélere. E com isso se confirma a inadequação da tutela específica comoinstrumento de adquisião forçada que, ou é pelo rito especial ou pelo rito comumexecutivo.

2º efeito do registro da promessa – Impedir a alegação de boa-fé doterceiro adquirente. Se eu fiz o registro, o promitente vendedor não vai podervender de novo. Mas se eu não fiz o registro, ele vai poder vender de novo porque oimóvel continua registrado em nome dele. Então, a grande relevância do registro éobstar a alegação de boa-fé do terceiro adquirente. Evidentemente, se a promessafoi registrada, o bem se torna inalienável. Ficou claro. Enquanto a promessa não foiregistrada, depende do caso concreto. Se a promessa não foi registrada e o terceiroadquirente provar que está de boa-fé, esse terceiro adquirente vai afastar opromitente comprador. Ou seja, a grande relevância do registro (é claro que vaidepender do caso concreto), mas é que torna o bem inalienável e nenhum terceirovai poder alegar boa-fé.

Você acabou de ver comigo os dois efeitos jurídicos decorrentes do registro.E insisto: adjudicação compulsória e embargos de terceiros não se condicionam aregistro e é a opção do nosso sistema.

Outro detalhe importante: nós até agora só enxergamos a promessa peloângulo dos direitos do promitente comprador. É o momento de analisarmos apromessa sob o ângulo do promitente vendedor.

  A PROMESSA SOB O ÂNGULO DOS DIREITOS DO PROMITENTE

VENDEDOREnquanto o promitente comprador tem direito à aquisição forçada, o

promitente vendedor tem direito de reclamar o pagamento. E se porventura opromitente comprador paralisou o pagamento? Se ocorrer inadimplementoobrigacional pelo promitente comprador? Aí surge um detalhe importante: opromitente vendedor tem que constituí-lo em mora. Se ocorrer inadimplemento, opromitente vendedor tem que constituir o promitente comprador em mora. É achamada mora ex personae que se contrapõe à chamada mora ex re. Onde está adiferença?

• Mora ex personae  é aquela mora que somente se constitui pornotificação (interpelação) judicial ou extrajudicial com prazo mínimo de 30dias.

• Mora ex re  é a chamada mora de pleno de direito. É constituídaautomaticamente. Dispensa notificação, dispensa interpelação.

Na promessa de compra e venda, a mora é ex personae, portanto, necessitade prévia notificação do devedor (promitente vendedor) com prazo mínimo de 30dias se o imóvel é loteado e 15 dias se não é loteado. Mas uma coisa é certa, só sepode falar em mora do devedor na hipótese de interpelação judicial ou extrajudicial.Mas sem interpelação não há mora.

Detalhe importante: o promitente comprador tem o direito de ser interpeladomesmo sem o registro da promessa? Sejamos francos, se você fosse ministro do

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STJ, para manter a harmonia da jurisprudência, você diria que precisa ou não doregistro? Se o STJ diz que não precisa do registro para a adjudicação compulsória,ele está dizendo que não precisa do registro para o mais e se não precisa para omais, não precisa para o menos. Súmula 76, do STJ, que reconhece a necessidadede interpelação para constituir em mora, mesmo que a promessa não esteja

registrada:

STJ Súmula nº 76 - DJ 04.05.1993 – A falta deregistro do compromisso de compra e venda de imóvelnão dispensa a prévia interpelação para constituir emmora o devedor.

Essa súmula reconhece a necessidade de interpelação do devedor dapromessa de compra e venda, mesmo que o contrato não esteja registrado. Mesmosem registro, é possível, é perciso promover a interpelação. Constituído em mora odevedor, o que o credor (promiente vendedor) faz agora? Surge para ele apossibilidade de:

• Reintegração de posse• Rescisão contratual 

Atenção! No REsp 166459/SP, o STJ entende que a reintegração de possesomente pode ser promovida depois da constituição em mora.

REsp 166459 / SP - Ministro ARI PARGENDLER - TERCEIRA TURMA - DJ 13/03/2000 - CIVIL. REIVINDICAÇÃO.Enquanto não rescindido o compromisso de compra evenda, o promitente vendedor não pode, para os efeitos

da reivindicação, opor o título de domínio contra o  promitente comprador ou contra terceiros. Recursoespecial não conhecido.

Enquanto não constituir em mora, não pode promover a reintegração deposse. O promitente vendedor escolhe se ele vai para uma reintegração de posseou se ele vai para uma rescisão contratual, mas uma coisa é certa e você não podeesquecer: no momento em que ele promover a rescisão contratual, ele tem quedevolver as parcelas já pagas. E por que ele tem que fazer isso? Porque é nula,porque é abusiva toda e qualquer cláusula de decaimento, também chamadacláusula de perdimento. É aquela cláusula que dispõe que na hipótese deConstituição em mora do devedor, ele perde todas as parcelas pagas. Se forconstituído em mora, perde tudo. É abusiva e afronta diretamente o art. 413, doCódigo Civil (esse artigo é importantíssimo, nunca esqueça ele) que,expressamente, fala da equidade da cláusula penal (multa):

  Art. 413. A penalidade deve ser reduzidaeqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidadefor manifestamente excessivo, tendo-se em vista anatureza e a finalidade do negócio.

O juiz pode fazer de ofício. Eu tinha uma promessa de compra e venda. Me

comprometi a pagar 50 e paguei 25, e cláusula penal é de 1000, quanto vou pagar?500, porque cumpri a obrigação parcialmente. O que o CC está dizendo é quetoda cláusula de decaimento é nula de pleno direito. Se é assim, o promitente

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comprador vai receber o dinheiro de volta. Mas não recebe integralmente porque o juiz vai fixar cláusula penal (multa) e vai fixar também taxa de ocupação, espéciede aluguel. O juiz fixa o valor da cláusula penal e taxa de ocupação. E, para tanto,se valerá de prova pericial. O juiz fixa a cláusula pena, fixa a taxa de ocupação queé uma espécie de aluguel. O juiz fixa a cláusula penal, fixa a taxa de ocupação, faz

a conta, com juros e correção, honorários e custas (art. 389) e a diferença serádevolvida para o promitente comprador.

 Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde odevedor por perdas e danos, mais juros e atualizaçãomonetária segundo índices oficiais regularmenteestabelecidos, e honorários de advogado.

Nada impede que o promitente vendedor, ao promover a rescisão, jáacumule perdas e danos com o ônus de prova dele, de demonstrar essas perdas edanos. Já é possível, sim. Mas aí surge uma coisa: O promitente compradorinadimplente foi constituído em mora pelo promitente vendedor (que pode ajuizar areintegração de posse, que pode ajuizar a rescisão de contrato). Na rescisão decontrato, pode cumular com perdas e danos, pode pedir de volta. Mas se opromitente vendedor não tomar nenhuma providência depois do inadimplemento,pode caracterizar esbulho e viabilizar o usucapião do bem pelo promitentecomprador.

Antes de entrar na teoria geral dos direitos reais de garantia, eu queria quevocê fizesse duas observações.

1ª Observação: A celebração de um contrato de promessa de compra evenda, precisa da aquiescência do cônjuge do promitente vendedor? A promessa de

compra e venda não é compra e venda, mas gera direito real à aquisição e se éassim, viabiliza a venda. Pois, então, está respondido: exige-se a outorga, exige-seo consentimento do cônjuge do promitente vendedor (não é do promitentecomprador), com base no art. 1.647, salvo se for casado no regime de separaçãoporque aí o Código dispensa o consentimento, a outorga. Também não se exige seele viver em união estável. É a posição do STJ hoje pacífica. Quem vive em uniãoestável não precisa de outorga, de consentimento.

2ª Observação: Vai lá no início da aula e relembre a diferença entre açãopossessória, publiciana e reivindicatória. Eu queria saber o seguinte: o promitentecomprador que já quitou, ele tem direito à aquisição forçada e vai dirigir suapretensão contra o promitente vendedor. Vimos há pouco que essa aquisição

forçada pode se dar pelo procedimento especial do CPC ou pelo procedimentocomum do art. 466.-B. Mas eu queria que você pensasse, não numa pretensão dopromitente comprador contra o promitente vendedor, mas contra terceiro. Oterceiro pode violar o interesse do promitente comprador e se isso acontece,chegamos onde eu quero. Qual é a ação cabível? Na ponta da língua: possessória.Qual é o efeito da promessa? Conferir posse. Sem dúvida o mecanismo comum dedefesa do promitente comprador perante terceiros é a ação possessória porqueassim ele defende a sua posse. Mas o que eu quero saber é: se ele não pode ou nãoquer se valer da ação possessória, ele teria direito a que ação? Ele tempropriedade? Não. Ele tem domínio. Então, ele teria que apelar para a açãopubliciana, não é isso?

Só que aí, o STJ, no REsp 5941/DF, entendeu que como o promitentecomprador um dia vai ser proprietário, se ele estiver em dia, se ele já estiver

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adimplido sua obrigação, ele já pode promove a ação reivindicatória. É bacana esseacórdão porque o STJ está dizendo nesse julgado que mesmo na promessa decompra e venda já é possível o manejo de ação reivindicatória. Atenção! Deordinário, o promitente comprador deveria promover ação publiciana, porque eleainda não tem título. Não vem ainda, mas vai ter. Então, já pode promover direto a

ação reivindicatória contra terceiros, não lhe sendo necessária a utilização da açãopubliciana.

4. TEORIA GERAL DOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA

Se lembre que a teoria dos direitos reais de garantia encontra sua origemnuma lei histórica lex    poetelia   papiria. Essa lei é um marco histórico nademocratização do direito. Ela tem como grande referencial, como grande pontosimbólico, o fato de que ela pôs fim à responsabilidade pessoal (olho por olho,dente por dente, Talião) e consagrou a regra da responsabilidade patrimonial. E,claro, na medida em que o devedor deixou de responder com a sua personalidadede passou a responder com o seu patrimônio, é claro, que nesse momento, nóspodemos dizer que há uma valorização das garantias patrimoniais. Olha só! Nomomento em que o ordenamento diz: “devedor, não se preocupe, ninguém vai tematar ou te prender por dívida (exceto dívida de alimentos), mas em contrapartida,você precisa ampliar o volume de garantia.” É nesse ambiente que ganhamvalorização as garantias reais. E as garantias reais são os direitos reais degarantias.

E o que é uma garantia real ou direito real de garantia? É a vinculação dopoder do credor sobre um bem pertencente ao devedor. Garantia real ou direito

real de garantia é a relação de poder do credor sobre um bem pertencente aodevedor. É o credor possuindo direitos sobre o bem do devedor. Você deve estarpensando que isso se confunde com as garantias creditórias. Lembra das garantiascreditórias? Dos privilégios creditórios? Alguns credores tem privilégios:trabalhistas, alimentícios. Outros credores não têm privilégios. São os credorescomuns, também chamados quirografários. Como eu disse que o direito real degarantia é o poder que vincula o credor a um bem do patrimônio do devedor, issose confunde com privilégio creditício? Não. Sabe por que não? Porque o privilégiocreditício é exercido sobre todo o patrimônio. O direito real de garantia é exercidosobre bem específico, certo e determinado. Vale dizer, se eu sou credorprivilegiado, eu posso tirar qualquer bem do patrimônio do devedor para exercer omeu direito privilegiado. Mas se eu sou credor real, eu exerço meu direito sobre o

bem certo e determinado do devedor.

E digo mais. Aqui, você deve perceber a mais significativa diferença entredireito real de gozo ou fruição e direito real de garantia. No direito real de gozo oufruição, o titular recebe parcela dos poderes do domínio para ter a coisa consigo,para retirar as utilidades da coisa. No caso de um direito real na coisa alheia degozo ou fruição, o titular recebe parcela dos poderes do domínio para ter a coisaconsigo, para retirar as utilidades da coisa. Nos direitos reais da coisa alheia degozo, de fruição, o terceiro recebe parcela dos poderes do domínio para ter a coisaconsigo, para retirar as utilidades. Vale dizer, nos direitos de gozo ou fruição, oterceiro recebe a coisa e vai dela usufruir. Nos direitos de garantia, não.

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“Nos direitos de garantia, o terceiro apenas e tão-somente recebe parcelados poderes do domínio, SOMENTE, PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DE UMAOBRIGAÇAÕ PREEXISTENTE.” 

Vale dizer, nos direitos de garantia, os poderes recebidos pelo terceiro são

poderes limitados porque esses poderes têm a finalidade única de assegurar ocumprimento de uma obrigação. Você acabou de aprender que nos direitos degarantia é proibida a cláusula comissória, também chamada de pacto comissório,na forma do art. 1.428, do Código Civil. Cláusula comissória é aquela que permite,na hipótese de inadimplemento, que o credor real fique com o bem para si. Acláusula comissória ou pacto comissório é a disposição contratual que permite aocredor real ficar com o bem para si na hipótese de inadimplemento. Havendoinadimplemento, ele pode ficar com o bem para si. Exemplo: você dá sua casa emgarantia (hipoteca) e tem uma dívida. Não pagou a dívida, o credor hipotecário nãopode ficar com a casa para si. Ele é obrigado a promover a execução da garantia. Éimprescindível a execução da garantia. Art. 1.428, proibição de cláusulapromissória.

 Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor   pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com oobjeto da garantia, se a dívida não for paga novencimento.

Parágrafo único.   Após o vencimento, poderá odevedor dar a coisa em pagamento da dívida.

A proibição da cláusula promissória é a mais eloquente prova da distinçãoentre direito de gozo ou fruição e direito de garantia porque no direito de gozo oque o terceiro faz é usar a coisa e no direito de garantia ele não pode, sequer, ficar

com a coisa para si na hipótese de inadimplemento, tendo, sempre, que executar agarantia.

Mas tem exceção! Alienação fiduciária em garantia. A exceção é a alienaçãofiduciária em garantia. Apesar de o Código Civil dizer uma coisa, ele foi tacitamenterevogado. O art. 67, da Lei 10.931/04, permitiu cláusula comissória na alienaçãofiduciária. Até porque na alienação fiduciária tem um detalhe interessante já que oque se transferiu para o credor foi a propriedade. Então, ele apenas estáreivindicando o que é seu. A cláusula comissória é lícita, é possível porque o credorfiduciário pode ficar com o bem para si. Ele já é proprietário do bem, já recebeu apropriedade em garantia.

Na teoria dos direitos de garantia há uma delimitação precisa entre direito degarantia e direito de fruição e no direito de garantia, o titular (credor real) não podeficar com o bem para si (proibição de cláusula comissória), exceto, na alienaçãofiduciária em garantia.

Minha opinião pessoal, foi inclusive o que escrevi no livro, é de que aproibição de cláusula comissória associa-se também ao devido processo legal.Entendo que a proibição de cláusula comissória, está associada, de algum modo, aodevido processo legal porque o devedor tem o direito de se defender, de impugnaros juros, enfim. Está associada ao devido processo legal. E, por isso, entendopessoalmente que não foi recepcionada pela Constituição a execução extrajudicial

de hipoteca do SFH (Sistema Financeiro de Habitação), com subsídio do governocom taxas melhores (da CEF). O decreto-lei 70/66 diz que nas hipotecas do SFH emque o credor é a CEF, não precisa ir ao Judiciário. Ela promove a execução

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administrativa, extrajudicial. Que coisa linda! Você lembra de Kafka, “O Processo”?É igualzinho. A Caixa Econômica diz de quanto é a dívida. Se você pagar, ótimo. Sevocê não pagar, ela mesma se imite na posse e toma tudo de volta. Isso é mais quenão ter sido recepcionado. Isso é surreal! Quer a melhor notícia? O STJ entende quea execução extrajudicial hipotecária pelo sistema do SFH é harmônica com a

Constituição. Para o STJ, essa execução extrajudicial é compatível com o sistemaconstitucional. Só se for do Afeganistão.

Por fim, a proibição de cláusula comissória não impede dação em pagamento(depois do inadimplemento, quando o próprio devedor espontaneamente resolveentregar em pagamento um bem diferente daquele previsto). A dação empagamento só ocorre depois do inadimplemento e a cláusula comissória é umaprevisão antecipada. Em outras palavras: cláusula comissória não pode, mas daçãoem pagamento pode porque depende de vontade exclusiva do próprio devedor. Elepróprio pode praticar dação em pagamento.

 Art. 1428, Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.

Nós estamos tratando aqui da teoria geral dos direitos de garantia. Jáapresentei a diferença entre direito de garantia e privilégio creditício, entre direitode garantia e direito de fruição, abordando a questão da proibição da cláusulacomissória e quero fechar esse assunto:

REQUISITOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DOS DIREITOS DE GARANTIA

Requisitos subjetivos, em relação aos sujeitos e

Requisitos objetivos em relação à coisa dada em garantia.a) Requisitos Subjetivos – Em relação aos Sujeitos – Art. 1420

Ι . Capacidade do devedor – Só quem pode dar em garantia é quemtem capacidade. É ato de disposição de direito.

Ι Ι . Titularidade do bem – só quem pode dar em garantia é o titular,em outras palavras, quem pode alienar.

Ι Ι Ι . Consentimento do cônjuge – Se casado o devedor. Mas você já

sabe que esse consentimento é dispensado se for casado noregime de separação absoluta. Também não precisa deconsentimento se viver em união estável.

Mas em meio a tudo isso , eu gostaria de chamar a atenção para algunsaspectos muito interessantes em relação a esses requisitos subjetivos.

Se porventura o devedor for incapaz, a constituição do direito de garantiadepende de autorização judicial. Olha o que você aprendeu! A representação ouassistência é insuficiente para constituir garantia contra o incapaz.

Outro detalhe importante. Quando falava de condomínio, eu falei da

possibilidade de alienar ou onerar o bem condominial. Repito: para alienar ouonerar o bem condominial, precisa do consentimento de todos. Mas se um deles seobjetar imotivadamente, cabe suprimento judicial. Então, por analogia, dar em

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garantia o bem condominial, só com o consentimento de todos. Claro, se um delesse recusa imotivadamente, cabe suprimento judicial por abuso do direito. Nãoesqueça que se a garantia ofertada não é do bem condominial, mas somente dacota-parte, não precisa do consentimento de ninguém, bastando a vontade dopróprio titular.

A compra e venda de ascendente para descendente (de pai para filho) éanulável, salvo consentimento dos demais (art. 496, do Código Civil). Lembrandodesse artigo, eu quero dizer que ele não se aplica nas garantias reais. O pai podeoferecer um bem em garantia ao filho validamente, mesmo sem o consentimentodos demais. Não se aplica, enfim, o art. 496, no âmbito das garantias reais.

b) Requisitos Objetivos – Em relação à coisa

Qual é o requisito objetivo necessário à constituição de uma garantia real?Para criar direito real de garantia o requisito objetivo é que o bem oferecido emgarantia seja alienável e penhorável. Lógico! Se aquele bem não pode ser objeto dealienação e penhora, não pode ser dado em garantia. Com isso, você acabou deperceber que os bens gravados com cláusulas restritivas (art. 1911) sãoinsuscetíveis de garantia real. E quais são essas cláusulas restritivas? Estão no art.1911: inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

 Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, impostaaos bens por ato de liberalidade, implicaimpenhorabilidade e incomunicabilidade.

A propósito, você está vendo aí no art. 1911, que a cláusula deinalienabilidade faz presumir as demais. bens gravados com cláusulas restritivas

são insuscetíveis de garantia real. Faz sentido. Mas tem pegadinha. Você marcariana prova que um bem que não pertence ao devedor pode ser dado em garantia? Eutenho uma dívida e vou garantir a minha dívida oferecendo um bem que pertença a

 Juliana. Pode? Pode! O Código Civil permite que se dê em garantia coisa alheia. É oart. 1420, § 1º:

Claro que você já sabe que é condição eficacial da garantia a aquisiçãosuperveniente da coisa, como diz especificamente o § 1º, do art. 1420:

 § 1º A propriedade superveniente torna eficaz,desde o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono.

Por condição eficacial, entenda: para que aquela garantia produza efeitos, épreciso que o devedor adquira aquela propriedade. Em outras palavras, se eu derem garantia um bem que pertença à Juliana e jamais adquirir a propriedade, essagarantia jamais produzirá efeitos. Ela é existente, válida, porém, ineficaz.

Dois pontos polêmicos:

Imóvel financiado não pode ser dado em garantia enquanto não houver aquitação (DL 8618/46).

O bem de família pode ser dado em garantia? A resposta agora é sim, épossível. E quando alguém oferece um bem de família em garantia promoverenúncia tácita do bem dado em garantia, renúncia tácita da proteção legal. Se

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ofereceu um bem de família em garantia, ele está tacitamente renunciando àproteção que a lei lhe deferiu. Mas aí vem o problema: é que a criatura pode estaroferecendo em garantia um bem de família para a proteção de um crédito que nãointeressa ao mundo familiar. Por isso, o STJ diz que a validade dessa garantia sedará somente se o crédito se reverter em benefício do núcleo familiar.

Olha que questão bacana: concurso público para polícia civil de Goiás. Caiuexatamente o que estou falando: Angélica, mãe solteira, tem dois filhos e umúnico imóvel. A fim de ajudar uma irmã a obter capital para abrir um pequenocomércio, na condição de terceiros garante, consentiu em dar sua casa emhipoteca. Vencido o débito e não pago, o banco requereu a penhora. Diante docaso, assinale a correta:

a) o imóvel é penhorável, pois foi dado em hipoteca pela proprietária;b) o imóvel é impenhorável, pois a hipoteca não redundou em benefício da

família;c) o imóvel é penhorável, pois foi dado em garantia pela entidade familiar,

representada pela mãe;d) o imóvel é impenhorável, por ser único.

Alternativa certa: B. A jurisprudência do STJ limitou a incidência de garantiareal (de direito real de garantia) sobre o bem de família.

EFEITOS DE UMA GARANTIA REAL

Quais são os efeitos que decorrem de uma garantia real?

1. Sequela2. Excussão – é o direito de executar a coisa na hipótese de

inadimplemento. De levera a coisa à praça ou leilão. Até porque você viu que nosdireitos de garantia não se pode ficar com o bem para si. Mas não haverá direito deexcussão quando se tratar de alienação fiduciária (aqui há o direito de se mantercom o bem).

3. Indivisibilidade da garantia – A remissão parcial não libera agarantia. O pagamento parcial não libera a garantia. Se eu dei um imóvel de 200para garantir uma dívida de 100 e já paguei 90% da hipoteca, eu posso liberar oimóvel da parte já quitada? Não, porque a garantia somente é liberada com 100%

do pagamento. Toda garantia real é indivisível. É o tudo ou nada. Enquanto nãohouver quitação, não se libera a garantia.

4. Sub-rogação – Se o bem dado em garantia perecer e a seguradorapagar a indenização. Exemplo: penhor de veículo. Você deu seu veículo emgarantia, mas ele foi roubado. A seguradora pagou a indenização para o credorpignoratício que se sub-roga no crédito, como efeito da garantia.

5. Direito de preferência – O credor real tem preferência no concursode credores. Aliás, vamos lembrar um pouco de direito falimentar. O art. 83, danova Lei de Falências (Lei 11.101/05), estabeleceu uma nova ordem de crédito

privilegiado. Agora é assim: primeiro vem o credor trabalhista, o credor real (antesvinha a Fazenda Pública, o credor fiscal) e o credor fiscal. Depois disso, os credores

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comuns (quirografário). Os direitos de garantia são tão importantes que sobrepujamo crédito fiscal.

5. ANTICRESE

A anticrese é direito real de garantia sobre bem frugível (que produz frutos).É o primeiro direito real que iremos estudar. Anticrese é direito real de garantiasobre bem frugível, seja móvel ou imóvel.

A anticrese é o primo pobre dos direitos de garantia. É uma vergonha paraum professor de direito civil vir ensinar anticrese, porque você vai concluir toda suavida profissional sem nunca ver uma anticrese, que é um instituto de duvidosautilidade prática. Só para atrapalhar a vida de quem vai fazer concurso. Você vaiestudar comigo agora e nunca mais na sua vida volte a isso porque não lhe servepara nada.

A anticrese é um direito de garantia sobre os frutos da coisa. O credoranticrético recebe a coisa para poder explorar os seus frutos. A anticreseexcepciona a regra dos direitos de garantia. O credor real não recebe a coisa, mas aanticrese é uma exceção porque a posse do bem será transferida para o credoranticrético para que possa retirar os frutos. Pense numa fazenda. Você deu umafazenda em anticrese. O credor anticrético pode morar na fazenda? Não. Mas elepode retirar os frutos. E para si? Também não. Ele pode explorar economicamenteos frutos. Mas ele nem pode ficar para si, nem pode utilizar a coisa. Não esquece.Anticrese é direito real de garantia! Então, ele pode explorar os frutos da coisa. Ede que maneira? Ele vai retirar os frutos e vai abater da dívida. E vai abater,

primeiro dos juros e depois do principal. O credor anticrético recebe a coisa pararetirada de frutos e se faz isso, explora a coisa economicamente. Recebe os frutos eabate da dívida garantida. E faz isso, primeiro dos juros e depois do principal. Sabeo que é isso, na prática, é uma imputação no pagamento. Razão pela qual eu disseque a anticrese é de duvidosa utilidade e é de duvidosa utilidade porque, emverdade, concretamente ela não é outra coisa senão imputação no pagamento. Atéporque é ruim para todo mundo: é ruim para o devedor, que perde a posse do beme é ruim para o credor que recebe a posse do bem parcialmente. Ele não recebepara fazer o que quiser, mas para retirar frutos.

Como a anticrese confere poderes parciais ao credor anticrético, aconstituição em anticrese não impede a constituição de hipoteca. São institutos

compatíveis porque têm finalidades distintas.

O prazo máximo de anticrese é de 15 anos. É o prazo de libertação daanticrese. O contrato pode estabelecer prazo menor, nunca maior. Depois de 15anos, a dívida se extingue? Não. O que se extingue é a garantia. A dívida pode atécontinuar. Ou não.

Não esquece, por fim, que se o credor anticrético recebe o bem para retiradados frutos, a anticrese admite ação de prestação de contas promovida pelo devedoranticrético pelo credor anticrético para que ele preste contas dos frutos retiradosviabilizando o montante que foi quitado. Permitindo que se saiba do montante que

foi quitado. A ação de prestação de contas tem natureza dúplice e permite a própriaexecução do valor remanescente encontrado, que já pode ser executado na própriaprestação de contas.

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