08 - capítulo 5 - decisões preliminares

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Quinto capítulo do livro "Técnica de Redação: O que é Preciso para Bem Escrever" de Lucília Helena do Carmo GARCEZ. O restante da obra se encontra na minha conta do Scribd.

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Captulo 5 Decises preliminares sobre o texto a produzir 1. Tomando decises Para escrever um texto, tomamos muitas decises antes e durante o trabalho. Essas decises esto relacionadas queles mesmos aspectos que tentamos descobrir quando estamos lendo textos de outras pessoas. So questes de vrias ordens: textuais, lingsticas, interpessoais, informacionais. Podemos traduzir algumas das decises preliminares nas seguintes perguntas: Quais os objetivos do texto que vou produzir? Que informaes quero transmitir? Qual o gnero de texto mais adequado aos meus objetivos? Que estruturas de linguagem devo usar? Vamos refletir, agora, sobre essas decises. 2. Funes da linguagem Como podemos perceber, a lngua escrita usada com diferentes funes e com os mais diversos objetivos. Cada um dos objetivos vai determinar o formato que o texto vai tomar e, muitas vezes, o veculo em que vai circular. H algumas funes consideradas bsicas e que esto presentes nos textos de forma especial. As diversas funes coexistem e duas ou trs aparecem simultaneamente num mesmo texto, mas sempre TCNICA DE REDAO transparece uma funo preponderante. Focalizaremos, a seguir, cinco funes primordiais da linguagem, conforme seus objetivos estejam centrados: no EU; no leitor; na linguagem e no seu funcionamento; na estruturao do texto e na sua esttica; ou na informao. Vamos detalhar aqui como essas funes se realizam no texto escrito. a) A linguagem como expresso individual - Objetivos centrados no EU Muitos textos tm uma natureza essencialmente subjetiva, esto voltados para a expresso individual. Para a expresso de nossos pensamentos, podemos escrever textos de gneros muito diferentes como: dirios, depoimentos, cartas, bilhetes, artigos, poemas... Dizemos, ento, que a funo da linguagem est centrada no EU, na funo expressiva, pois o objetivo principal do texto transmitir ou registrar os sentimentos, pensamentos e emoes de uma pessoa. A voz que assume a fala nesse tipo de texto a prpria voz do autor, e por isso a primeira pessoa do singular utilizada com muita freqncia. Um exemplo desses textos o dirio pessoal. Vejamos um pequeno texto de Manuel Bandeira: Dirio de Bordo 22 de julho Ontem, noite, tivemos sesso de cinema. A histria do filme se passava na frica, com muita fera, muito negro, Clark Gable, DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR 63 Ava Gardner e Grace Kelly. As feras representando muito bem. Clark Gable disfarando com grande charme a sua velhice. Ava Gardner e Grace Kelly eu s conhecia de fotos nas revistas e jornais. Bonitas, mas no me do vontade de rev-las. Tenho vontade de rever ... Audrey Hepburn. Manuel Bandeira. Flauta de Papel, Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Editora Aguilar, 1967. Nesse trecho, o autor registra suas impresses a respeito de um filme e dos atores. Nos trs ltimos perodos, a funo expressiva mais evidente: a experincia pessoal e as emoes so ressaltadas e as informaes assumem o tom de confisso. Embora nosso exemplo pertena ao universo literrio, pode ser esclarecedor, pois, sempre que escrevemos um dirio, escrevemos para um leitor que a nossa prpria pessoa em outro momento. quase um monlogo, j que o autor fala consigo mesmo. Porm, preciso considerar que esse autor estar exercendo o papel de leitor num segundo momento e, por isso, a mensagem, por mais secreta e enigmtica que seja, deve estar bem elaborada para que possa ser compreendida em outras circunstncias. Trata-se de dar ajuda memria, j que no se pode confiar totalmente nela. Muitas vezes, escrevemos bilhetes para ns mesmos no intuito de no esquecer algum compromisso ou informao e, quando lemos essas anotaes, no entendemos o que queramos dizer. Nomes e telefones de novos conhecidos, por exemplo, sempre causam um pouco de dvida se no estiverem acompanhados de alguma referncia mais especfica. A nossa memria, como j vimos, precisa de mais de um ponto de apoio. Palavras soltas so difceis de ser associadas a fatos, acontecimentos, pessoas, circunstncias. Um conhecimento ou uma informao preexistentes ajudam a sustentar conhecimentos novos na memria por mais tempo. A funo expressiva da linguagem essencial nossa vida, por meio dela que nos construmos como sujeitos atuantes na sociedade e no mundo. A conquista da expresso dos prprios pensamentos e opinies, um instrumento primordial para o exerccio da cidadania. por intermdio da funo expressiva que nos tornamos senhores de nossa prpria histria. Repetir pensamentos de outros , s vezes, muito importante, mas reconstru-los, assimil-los criticamente e assumir a prpria voz essencial. No entanto, nos vestibulares e concursos, nas teses e dissertaes, a expresso subjetiva explcita, ou seja, a predominncia da funo expressiva, geralmente considerada inadequada e d lugar impessoalidade, neutralidade, discusso terica e abstrata em que o eu no se expe com tanta evidncia. Prezado Jos da Silva, Jos da Silva, voc muito especial para ns. E por isso sempre estaremos oferecendo-lhe descontos e promoes em nossos servios. Para que estas vantagens cheguem at voc, Jos da Silva, necessrio que mantenha seu cadastro atualizado. Pedimos que voc verifique a correo dos dados pessoais e do telefone exibidos na conta. Se houver alguma alterao, por favor, Jos da Silva, entre em contato com nossa Central de Atendimento ao Cliente por meio do telefone X(X\9( Obrigado por ter escolhido nossa empresa para chegar mais perto de sua famlia, dos amigos e dos negcios. Continue preferindo nossa operadora. Temos certeza de que cada vez mais atenderemos s suas necessidades de telecomunicaes, com a alta qualidade e a avanada tecnologia da empresa que est pronta para o sculo 21. Atenciosamente, Beltrano Diretor de Servios 64 TCNICA DE REDAO b) Funo centrada no leitor ou apelativa Uma outra funo da linguagem aquela centrada no leitor, ou seja, est presente em textos cujo objetivo influenciar a atitude de quem l, alterando o seu comportamento. Geralmente uma instruo de procedimentos, uma ordem, uma splica, uma orientao, uma sugesto. Vamos analisar esta carta comercial/publicitria: DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR 65 Observe como o propsito da carta influenciou a sua forma. A empresa quer continuar sendo escolhida pelo leitor como sua operadora de servios de telecomunicaes. Podemos dizer que a funo preponderante centrada no leitor, no seu comportamento, na sua reao, na sua escolha futura. Assim as informaes esto todas organizadas de forma a atingir essa meta, colocando as aes do leitor em evidncia. Muito menos eficaz para o objetivo da empresa seria a simples comunicao por telegrama: Atualize cadastro pelo telefone XXX XXX. Agradecemos a preferncia. importante perceber os mecanismos de convencimento que esto implcitos em determinados textos que manipulam o pensamento das pessoas. Por meio desse tipo de texto a sociedade pode ser controlada e submetida dominao poltica e cultural. Quanto mais esclarecidos so os cidados, mais percebem quando esto sendo persuadidos contra a prpria vontade e mais resistem aos processos de tirania e arbtrio. Mas a sociedade de consumo fundamentada em textos apelativos, que criam necessidades de consumo e transformam as pessoas em mquinas desejantes, ansiosas por adquirir mais e mais. Por isso preciso ler com muita ateno e procurar as segundas e terceiras intenes em tudo o que nos chega s mos. c) A linguagem que explica a lngua -funo metalingstica A linguagem pode falar acerca de si mesma, explicar-se. Funo metalingstica a funo da linguagem na qual predominam os enunciados em que o cdigo, ou parte dele, se constitui objeto de descrio. Os exemplos mais claros so os textos da gramtica, dos livros didticos de lngua portuguesa e do dicionrio. a lngua falando sobre a prpria lngua. Observe este exemplo: 66 TCNICA DE REDAO Nvel 1. A locuo a nvel de, modismo desnecessrio e condenvel, tornou-se uma das mais terrveis muletas lingsticas da atualidade, em substituio a praticamente tudo que se queira. Veja alguns casos em que a locuo aparece e como evit-la: Deciso a nvel de diretoria (deciso da diretoria). /Deciso a nvel de governo (deciso governamental). / Reunio a nvel internacional (reunio internacional). / Contrataes a nvel de futuro (contrataes para ofuturo)./ O salrio ser a nvel de 5 mil reais (em torno de). 2. Em determinados casos podem ser usadas as locues no plano de e em termos de. 3. Existe ainda ao nvel de, mas apenas com o significado de mesma altura: ao nvel do mar. Eduardo Martins. Manual de Redao e Estilo - O Estado de S. Paulo. So Paulo: Editora Moderna, p. 190 (com adaptaes). Embora possamos perceber que um autor elaborou o pensamento sobre o item analisado, como se ele estivesse ausente do texto. Em um dicionrio, ainda mais evidente essa ausncia de um autor explicitamente identificvel no texto. Observe os verbetes a seguir: Verbete: cinema [De cinematgrafo.] S. m. 1. Arte de compor e realizar filmes cinematogrficos. 2. Cinematografia. 3. Projeo cinematogrfica. 4. Sala de espetculos, onde se projetam filmes cinematogrficos. /f sinema.] Cinema falado. 1. Aquele em que a projeo acompanhada de uma faixa sonora. Cinema mudo. 1. Aquele em que a projeo no vem acompanhada de som: cena muda. IK 1 cinem [Do gr. knema, atos.] El comp. 1. = movimento: cinemascpio. DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR [Equiv.: cinemat(o)-: cinemtica, cinematgrafo.] Verbete: cinemateca [De cinema- + -teca.] S. f 1. Local onde se conservam os filmes cinematogrficos, em especial os considerados de valor cultural ou artstico. Verbete: cinematogrfico Adj. 1. Respeitante cinematografia. 2. Que, por sua beleza e/ou por outra(s) qualidade(s), digno de ser cinematografado: uma jovem cinematogrfica; paisagem cinematogrfica. 3. Prprio de cinema; que lembra o que se v no cinema: Rilhava os dentes, evocando o beijo cinematogrfico que dera no aeroporto, pouco antes de partir o avio.; (Nlson Rodrigues, 100 Contos Escolhidos. A Vida como Ela . II, p. 42.) Dicionrio Aurlio Eletrnico H um conjunto de recursos que dispensa a voz do dicionarista. Cada verbete, pela forma como est organizado, proporciona ao leitor o caminho para compreender os significados, a morfologia, os possveis usos e as relaes entre as palavras. por meio desses textos que ampliamos o nosso universo lingstico. A lngua um dos instrumentos mais importantes na conquista da prpria identidade e da cidadania. Quando uma pessoa tem um bom vocabulrio e sabe combinar adequadamente as palavras, dispe de uma excelente ferramenta social para exercer suas tarefas na sociedade. Mas quando sua linguagem apresenta problemas, seja no acervo e escolha de palavras, seja na sua combinao, percebemos que alguma coisa no funciona bem: pausas, truncamentos, titubeios na fala e falhas e inadequaes na escrita. Se voc j leu Vidas Secas, de Graciliano Ramos, vai se lembrar do sofrimento de Fabiano por no dominar as palavras. 67 68 TCNICA DE REDAO d) A arte literria -funo potica Encontramos a funo potica da linguagem quando a inteno do autor de um texto extrair da linguagem as suas mais altas possibilidades expressivas, jogar com as potencialidades latentes nas palavras e criar combinaes novas e originais. Essa elaborao provoca no leitor uma espcie de experincia esttica prazerosa, de estranhamento agradvel, ou seja, chama a ateno para a organizao e estruturao do texto, mais que para a informao, o apelo ou a confisso. Dizemos, ento, que o texto opaco, em oposio transparncia do texto informativo, pois chama a ateno para si mesmo, para sua elaborao especial e intencional. Nesses casos, temos a arte que utiliza a linguagem verbal, a palavra, como material de criao: a literatura. O FIM DAS COISAS FECHADO O CINEMA ODEON, na rua da Bahia. Fechado para sempre. No possvel, minha mocidade fecha com ele um pouco. No amadureci ainda bastante para aceitar a morte das coisas que minhas coisas so, sendo de outrem, e at aplaudi-las, quando for o caso. (Amadurecerei um dia?) No aceito, por enquanto, o cinema Glria, maior, mais americano,mais isso-e-aquilo. Quero o derrotado Cinema Odeon, o mido, fora-de-moda Cinema Odeon. A espera na sala de espera. A matin com BuckJones, tombos, tiros, tramas. A primeira sesso e a segunda sesso da noite. A divina orquestra, mesmo no divina, costumeira. O jornal da Fox. William S. Hart. As meninas-de-famlia na platia. DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR A impossvel (sonhada) bolina o, pobre stiro em potencial. Exijo em nome da lei ou fora da lei que se reabram as portas e volte o passado musical, waldemarpissilndico, sublime agora que para sempre submerge em funeral de sombras neste primeiro lutulento de janeiro de 1928. Carlos Drummond de Andrade Boitempo O poema de Drummond exemplifica essa opo pela escrita de forma especial: a disposio das frases no papel, a associao entre as idias, a escolha das palavras, a elaborao original e nica para a expresso de uma interpretao sobre os fenmenos do mundo. Quando citamos um poema no podemosresumi-lo, alter-lo ou transform-lo, como fazemos com um texto de jornal, por exemplo. A estruturao do texto to importante que qualquer substituio constituiria uma agresso autoria do poeta. Nos versos FECHADO O CINEMA ODEON, na rua da Bahia./Fechado para sempre., o jogo de palavras intencional e no pode ser modificado sem que se modifique o efeito dessa escolha sobre a interpretao do poema como um todo. O relato da experincia pessoal, apresentado como uma narrativa no poema, demonstra como as funes se sobrepem, so simultneas. O poema prioritariamente uma elaborao especial da linguagem, mas tambm, ao mesmo tempo, expresso do EU e informao sobre fatos e acontecimentos. Assim, o poema plurissignificativo, polissmico, j que permite vrias formas de leitura, e abre caminho para que os leitores empreendam uma reflexo que pode desdobrar-se em vrias camadas: lrica, crtica social, crtica da cultura, depoimento social de costumes de uma poca, crtica poltica, anlise psicolgica... No exemplo, voc pode observar muitas das caractersticas da literatura que constituem meios para a elaborao especial da linguagem: 69 .70 TCNICA DE REDAO Ritmo Repetio de palavras Repetio de sons Repetio de idias Jogos de palavras Ironias, duplo sentido, humor Criao de novos vocbulos (neologismos) Frases nominais Estrutura sinttica predominantemente justaposta Uso da primeira pessoa do singular A literatura assume, por sua vez, diversas formas e diferentes objetivos. A prosa e o verso se desdobram em outras espcies literrias, O romance, o Conto, o teatro, a poesia narrativa pica so feies diferentes para um mesmo fenmeno: a arte da palavra. E cada uma dessas formas tem subgneros. Por exemplo, o romance pode ser: histrico, de amor, de costumes, policial, de terror, de guerra, de humor... Nosso objetivo principal neste livro no o estudo da literatura, entretanto o conhecimento da natureza do texto artstico imprescindvel para que se compreenda como funcionam os textos no-literrios. A leitura freqente de textos literrios tambm muito importante na formao de uma pessoa, porque a obra de arte oferece interpretaes do mundo que estimulam a reflexo e o conhecimento Alm de proporcionar experincia esttica, o Convvio com a literatura Constitui um exerccio privilegiado de habilidades cognitivas e de familiaridade com as estruturas e Possibilidades da lngua escrita. e) Funo referencial Quando a lngua usada para descrever, definir, conceituar, informar, dizemos que se evidencia a funo referencial, pois se refere primordjalmente a uma noo ou fenmeno. O exemplo a seguir um caso em que a funo referencial preponderante: 72 TCNICA DE REDAO os primeiros grandes diretores: Mrio Peixoto (1911-1993), autor do consagrado Limite (1929-1930), e Humberto Mauro (1877-1983), autor de Brasa Dormida (1928) e de Ganga Bruta (1933). Almanaque Abril 1996 Como voc pode observar, no se trata de um texto expressivo (centrado no EU). No quer provocar algum comportamento no leitor, no trata da linguagem como fenmeno nem busca proporcionar experincia esttica especial. Quem fala, a maneira como fala, quem l e a linguagem em si so questes deixadas em segundo plano. O objetivo transmitir informaes a respeito de uma realidade. Descrever, expor, relatar, conceituar, definir so formas de linguagem que evidenciam a funo referencial. Geralmente, o autor se distancia ou desaparece quase completamente para tornar a informao bastante neutra, imparcial, clara e objetiva. como se a realidade falasse por si prpria, sem a interferncia das impresses do autor. Os recursos explorados pela literatura para chamar a ateno para a estrutura da linguagem (repeties, inverses, eliminao de elementos sintticos etc.) so evitados. Dizemos, ento, que o texto transparente, pois no atrai a observao do leitor sobre a forma como organizado. O que ganha evidncia a informao. Este tipo de texto, no qual os verbos que indicam subjetividade, na primeira pessoa do singular, como penso, sinto, acho, considero, percebo, interpreto, so sistematicamente evitados, o mais valorizado nos meios cientficos, universitrios e acadmicos. 3. Decises em relao s estruturas Iingsticas O falante de uma lngua , de certa forma, um poliglota. Ele fala e usa a lngua em diversas situaes, com distintos objetivos, em diferentes nveis. H distines fundamentais nesses usos que preciso considerar, como as que se do entre: DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR modalidade oral e escrita registro formal e informal variedade padro e no-padro a) Distines entre as modalidades oral e escrita Freqentemente confundimos as modalidades da lngua oral e escrita. Embora pertenam ao mesmo sistema, essas duas manifestaes so apenas parcialmente semelhantes. Considere o seu prprio uso da linguagem e observe que a lngua escrita no dispe dos recursos contextuais, como expresses faciais, gestos, entonao, que enriquecem a oral. Ao escrever, precisamos seguir mais rigorosamente as exigncias da lngua padro, porque o nosso interlocutor est distante e necessrio garantir a compreenso. Podemos esquematizar nossos procedimentos: Na fala somos mais espontneos, no planejamos com antecedncia o que vamos falar, a no ser em situaes muito formais ou delicadas; temos apoio da situao fsica, do contexto, do conhecimento do interlocutor, das expresses faciais, dos gestos, das pausas, das modulaes da voz, das referncias ao ambiente; podemos repetir informaes, explicar algum item mal compreendido, podemos resolver dvidas do ouvinte; usamos frases mais simples, conjunes facilmente compreendidas; muito comum surgirem na fala truncamentos, cortes, repeties, titubeios e problemas de concordncia. Pensamos muito rapidamente e a expresso das nossas idias pode ser, na fala, um pouco atrapalhada, pois podemos, a cada momento, corrigir e explicar melhor; usamos expresses dialetais com mais freqncia. 74 TCNICA DE REDAO Na escrita planejamos cuidadosamente o nosso texto para assegurar que o leitor compreenda nossas idias sem precisar de mais explicaes, pois no temos o apoio do contexto, ou seja, no podemos resolver dvidas imediatamente, no dispomos de recursos como gestos, voz, expresses faciais; revisamos para avaliar o funcionamento do texto e evitar repeties desnecessrias de palavras, truncamentos, problemas de concordncia, regncia, colocao pronominal, pontuao, ortografia; utilizamos sintaxe mais complexa, que permite a exatido e a clareza do pensamento; assim, as oraes subordinadas so mais freqentes na escrita que na fala; procuramos utilizar um vocabulrio mais exato e preciso, pois temos tempo de procurar a palavra adequada; evitamos gria e expresses coloquiais, principalmente quando o texto formal. Portanto, a escrita no a simples transcrio da fala. Tem caractersticas prprias e exigncias diferentes. Podemos sintetizar as diferenas no seguinte quadro: FALA ESCRITA Espontnea Planejada Evanescente Duradoura Repeties / redundncias/ Controle da sintaxe / das repeties / truncamentos / desvios da redundncia Predomnio de oraes Predomnio de oraes coordenadas subordinadas Gran , de apoio contextual Face a face Ausncia de apoio contextual Interlocutor distante DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR 75 b) Formalidade e informalidade Tanto a fala como a escrita podem variar quanto ao grau de formalidade. H uma gradao que vai da fala mais descontrada Oi, t tudo bem? fala mais formal, planejada e mais prxima da escrita Caros ouvintes. Boa tarde! e da escrita mais informal T chegando a. Deixa o parabns pra mais tarde! mais formal Chegaremos ao local da cerimnia com um pequeno atraso em relao programao anteriormente estabelecida. Solicitamos que as atividades sejam adiadas por alguns minutos. Cabe ao falante ou redator analisar a situao, o contexto, e decidir como usar as infinitas possibilidades da lngua da forma mais adequada e aceitvel, segundo os objetivos do momento. Para isso imprescindvel ampliar continuamente o acervo de opes, ou seja. o vocabulrio e as formas de combinao das palavras em frases e textos. Outra vez, chamamos ateno para o seu prprio uso da linguagem e para a necessidade de que voc reflita acerca de seu desempenho. Um dos problemas mais freqentes na produo de textos de jovens redatores a confuso entre a modalidade oral, que permeia a escrita informal, e a modalidade escrita formal. Para que voc tenha ferramentas para analisar essa questo, observe alguns itens que merecem ateno, porque representam estruturas prprias da fala, que podem aparecer em textos informais, mas muitas vezes so utilizadas indevidamente na escrita formal: Formas reduzidas ou contradas. pra (para); t (estou); t (est); n (no ); pera (espere a); c (voc); ta (est a). 76 TCNICA DE REDA O Palavras de articulao entre idias (repetidas em excesso) que substituem conjunes mais exatas: ento, da a; e, que. Sinais utilizados na fala para orientar a ateno do ouvinte: bem; bom; veja bem; certo?; viu?; entendeu?; de acordo? no sabe?; sabe? Verbos de sentido muito geral no lugar de verbos de sentido mais exato: dar ficar dizer ter fazer achar ser. Grias e coloquialismos: papo, enche, velho, manera, pega leve, amarra, se toca, rolando um papo, sem essa. 6. Inconsistncia no uso de pronomes: te, voc seu, sua; a gente, ns. Esses elementos so prprios da fala espontnea, sem planejamento. Aparecem na escrita de forma eficiente quando se deseja dar ao texto um tom coloquial, informal, um efeito de intimidade que simula a oralidade ou o dilogo. muitas vezes o caso do texto publicitrio, como neste texto de uma propaganda de adoante diettico: Voc diz pra gente que a vida corre mansa.., que no seu tempo era diferente Sabe, esse papo s vezes enche! Mas te vendo cansado e fazendo tudo pra agradar, que a gente sente o quanto te ama. Por isso velho, manera, Um usquinho de vez em quando, vai la...V se consegue mudar um pouco sua alimentao, pega leve nas frituras, diminui o acar. Faz como a mame que se amarra num diet. Voc fala pra tomar Cuidado com os excessos, E quando que voc vai se tocar disso? Hoje no tem presente. Mas o que t rolando papo de amigo, sem essa de dinheiro, Pai, a sua sade superimportante pra gente. Voc vive dizendo que pensa no meu futuro. S que eu tambm penso no seu. H recursos da fala e da escrita informal que funcionam muito bem em determinados contextos, mas que so inadequados em documentos oficiais ou em textos formais. Muitas DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR 77 vezes, entretanto, encontramos algumas dessas formas imprprias, vestgios de coloquialismo, em textos que no as admitem. Constituem recursos inadequados para o texto formal escrito. Devem ser considerados os primeiros elementos a eliminar ou substituir quando se deseja transformar um discurso oral informal, espontneo, em um texto escrito formal. O texto formal utiliza o que chamamos de norma, lngua culta ou padro. muito difcil definir o que seja o padro culto de uma lngua, pois estamos lidando com um fenmeno vivo, sempre em evoluo, sujeito a uma infinidade de influncias e transformaes. Assim, no h por que se portar perante a lngua de modo submisso a um poder autoritrio. O que define a norma ou padro culto o uso, consensualmente aceito e consagrado como correto pelos falantes que tm alto grau de escolaridade. Isso diz respeito tanto fala quanto escrita. Historicamente, o padro depende do poder poltico, econmico e social daqueles que o definem e o codificam nas gramticas escolares e o consagram na escrita formal. Assim, a lngua padro o consenso do que est nos documentos oficiais, nas leis, nos livros de qualidade, nos jornais e revistas tradicionais de grande circulao. No incio do sculo, a norma estava nos textos literrios de autores como Machado de Assis, Rui Barbosa e Euclides da Cunha. Eles so os exemplos mais citados em nossas gramticas descritivas e normativas. Entretanto, os grandes escritores modernistas trouxeram para a literatura a fala do povo e novas criaes de efeito estilstico (Guimares Rosa, por exemplo) que constituem desvios, transgresses s formas aceitas at ento na escrita culta formal. O modernismo constituiu uma forma de revoluo na linguagem literria, libertando-a para novas experincias. Portanto, no se deve mais generalizar, como se fazia a respeito dos textos do fim do sculo dezenove, dizendo que a norma culta est na literatura. Atualmente, a norma culta deve distinguir os usos literrios dos no-literrios, ou seja, dos textos informativos. A norma padro assegura a unidade lingstica do pas, uma vez que essa norma se sobrepe s variedades regionais e 78 TCNICA DE REDAO individuais, sem elimin-las. exigida em determinadas circunstncias, mas os dialetos regionais e as particularidades estilsticas pessoais tm seu espao na vida social. A escola deve respeitar as diferenas, democraticamente, oferecendo oportunidade de acesso ao domnio da norma culta, sem o qual a vida profissional pode ficar prejudicada. Observe, a seguir, um texto expositivo contemporneo: Em 8 de julho de 1886, apenas sete meses depois da projeo inaugural dos filmes dos irmos Lumire em Paris, o Rio de Janeiro assiste primeira sesso de cinema no Brasil. No ano seguinte Paschoal Segreto e Jos Roberto Cunha Salles abrem a primmeira sala exclusiva de cinema na rua do Ouvidor. Afonso Segreto quem roda o primeiro filme brasileiro, em 1898, com cenas da baa de Guanabara. Vrias salas de exibio so abertas no Rio de Janeiro e em So Paulo no incio do sculo XX. O perodo de 1908 a 1912 considerado a belle poque do cinema brasileiro. Surge um centro de produo no Rio, e, com ele, histrias policiais, comdias e filmes com atores interpretando a voz atrs da tela. Nos anos seguintes, a produo cai por causa da concorrncia dos filmes norte-americanos. Almanaque Abril 2000, p. 294 (com adaptaes). Analise as escolhas feitas pelo redator. Quanto aos aspectos da lngua verbal propriamente, voc observa que: a linguagem procura ser clara e objetiva; no h inteno de mostrar um estilo muito elaborado, com figuras de linguagem ou inverses sintticas; as frases so curtas; a ordem predominantemente direta; os perodos esto organizados em blocos de idias bem distintos, que obedecem a uma ordem lgica (cronolgica); o texto impessoal, no h manifestao clara da opinio do autor, h uma deliberada neutralidade. DECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR 79 Todas essas caractersticas contribuem para acentuar o carter informativo do texto, a neutralidade com que se tenta convencer o leitor da seriedade e da confiabilidade das informaes. Mas, de fato, no h texto totalmente neutro, pois a prpria escolha das informaes que sero utilizadas e das que sero omitidas j pressupe uma posio diante da realidade. 4. Gnero e tipo de texto Vamos imaginar que voc queira escrever um texto sobre uma experincia esttica que viveu (um bom filme, uma boa msica, um bom espetculo teatral). Antes de comear a escrever, voc tem de decidir se vai contar acontecimentos (narrar). Exemplo: Ontem eu fui ao teatro e via pea... apresentar uma reflexo terica sobre o fato (dissertar). Exemplo: Ir ao teatro e viver a experincia esttica proporcionada pela pea... convencer o seu leitor de seu ponto de vista (argumentar e persuadir). Exemplo: imperdvel o espetculo apresentado pelo grupo de teatro... Simultaneamente a essa deciso preliminar, voc tem de decidir tambm que ponto de vista adotar: voc quer se colocar de alguma forma no texto? Exemplo: Eu fui, Ns fomos, Todos ns... Ou prefere se distanciar? Exemplo: Ir ao teatro uma experincia surpreendente... Quem vai assistir ao espetculo... tem a oportunidade de... Outra deciso correlacionada s anteriores, como j vimos, diz respeito ao nvel de linguagem. Voc quer um texto mais subjetivo, coloquial, informal e facilitado, ou quer utilizar uma linguagem formal, objetiva, distanciada? Essa deciso vai influir: na estrutura da frase, mais simples ou mais complexa; na escolha do vocabulrio; 80 TCNICA DE REDAO na forma como voc se dirige ao leitor, citando-o ou no no texto. Essas decises esto relacionadas ao objetivo da comunicao e, portanto, ao gnero de texto que se quer produzir. Sempre que produzimos uma forma qualquer de comunicao estamos utilizando um dos gneros disponveis na nossa cultura. Cada gnero j traz em si escolhas prvias em relao a estruturas bsicas de linguagem que so automaticamente utilizadas pelo redator. Ns assimilamos esses formatos porque convivemos com eles nas nossas prticas sociais. Sabemos, quase naturalmente, qual a forma de uma carta, quais so as maneiras de comear uma ata, as diversas possibilidades de participao em uma conversa, a melhor maneira de contar uma anedota, como narrar um acontecimento... Ao trabalhar com um determinado gnero utilizamos tipologia variada de texto. Assim, em um romance encontramos partes dialogadas, expositivas, argumentativas e narrativas, que se sucedem compondo o enredo. Para produzir cada tipo de texto algumas habilidades de linguagem so necessrias. Todos os gneros nos interessam como leitores e como redatores. Entretanto, estamos focalizando neste livro os gneros que dizem respeito ao domnio da comunicao, no qual so delineadas e discutidas idias, e so apresentados e transmitidos os saberes. Para transitar nesse domnio, necessrio saber expor, argumentar, persuadir de maneira formal e impessoal. Observe os quadros nas pginas a seguir, em que esto listados alguns dos gneros mais conhecidos. SITUAES DISCURSIVAS LITERATURA POTICA LITERATURA FICCIONAL TIPOLOGIA TEXTUALPREDOMINANTE EXPRESSO POTICA VERSO NARRAO RELATO HABILIDADES DE LINGUAGEM DOMINANTES Elaborao da linguagem como forma de expresso da interpretao pessoal do mundo Imitao da ao pela criao de enredo, personagens, situaes, tempo, cenrios, de forma verossmil. Representao pelo discurso de experincias vividas, situadas no tempo GNEROS ORAIS OU ESCRITOS Poesia conto maravilhoso conto de fadas fbula lenda narrativa de aventura narrativa de fico cientfica narrativa de enigma narrativa mtica anedota biografia romanceada romance romance histrico novela fantstica conto pardia adivinha piada relatos de experincias vividas relatos de viagem dirio ntimo testemunho autobiografia curriculum vitae DOCUMENTAO E MEMORIZAO DE AES LEVANTAMENTO E DISCUSSO DE PROBLEMAS DISCUSSO DE PROBLEMAS SOCIAIS CONTROVERSOS ARGUMENTAO Sustentao, refutao e negociao PERSUASIVA de tomada de posio ata notcia reportagem crnica social crnica esportiva histria relato histrico perfil biogrfico aviso convite sinais de orientao texto publicitrio comercial texto publicitrio institucional cartazes slogans campanhas -folders cartilhas - folhetos textos de opinio dilogo argumentativo carta ao leitor carta de reclamao carta de solicitao deliberao informal debate regrado editorial discurso de defesa requerimento ensaio resenha crtica ARGUMENTAO Sustentao, refutao e negociao de tomada de posio ESTABELECIMENTO, EXPOSIO Apresentao textual de fatos e saberes contratos CONSTRUO E da realidade declaraes TRANSMISSO DE documentos de registro REALIDADES E SABERES pessoal atestados certides estatutos regimentos cdigos TRANSMISSO E EXPOSIO Apresentao textual de diferentes texto expositivo CONSTRUO DE formas dos saberes conferncia SABERES artigo enciclopdico entrevista texto explicativo tomada de notas resumos resenhas relatrio cientfico relato de experincias cientficas INSTRUES E DESCRIO DE AES Orientao de comportamentos instrues de uso PRESCRIES instrues de montagem bula manual de procedimentos receita regulamento - lei regras de jogo placas de orientao 84 TCNICA DE REDAO 5. Decises orientadoras Conforme enfatizamos neste captulo, antes mesmo de comear a escrever, temos que tomar decises importantes em relao ao texto que vamos produzir. Essas decises nos situam em relao aos objetivos do texto, ao seu funcionamento na situao, ao leitor, ao nvel de linguagem, ao gnero. Formulamos uma espcie de projeto de texto, com suas diretrizes fundamentais, as quais vo servir de pauta para o desenvolvimento da escrita propriamente dita. Assim, o objetivo nos prope qual ser a funo da linguagem preponderante no texto. Se escrevemos sobre ns mesmos, a funo ser expressiva; se tentamos influenciar nosso leitor, a funo ser persuasiva; se falamos da prpria linguagem, a funo ser metalingstica; se fazemos arte das palavras, a funo ser potica; se falamos de alguma coisa, a funo ser referencial. A partir da funo, decidimos se vamos utilizar um registro de linguagem mais formal ou mais coloquial; se vamos utilizar a lngua padro ou podemos lanar mo de variaes; se podemos incorporar elementos prprios da oralidade. O gnero de texto sugerido pela prpria situao de comunicao. H em nossa cultura um acervo de modelos de texto entre os quais escolhemos o que vamos utilizar em cada contexto comunicativo. E o prprio gnero oferece parmetros bsicos que nos guiam na formulao do texto. 6. Prtica de tomada de decises a) Prepare-se para se comunicar com a autora deste livro. Embora voc possa escolher um telegrama, um bilhete, um carto-postal, prefiro que opte por uma carta. Quando se decide por um gnero, imediatamente voc j tem alguns parmetros para a produo. O formato tradicional: cidade, data, vocativo, introduo etc. Naturalmente, voc vai optar pelo portugus padro, no ? Afinal, todo o mundo fica constrangido ao escrever para um professor de portugus. Temos fama deDECISES PRELIMINARES SOBRE O TEXTO A PRODUZIR caadores de erros. Mas tente no cair nessa armadilha, pois ela pode conduzir a outros problemas como a linguagem artificial, pedante, ou hipercorreo, que o erro pela vontade extrema de acertar. Agora voc pode decidir o registro de linguagem: formal ou informal? Que funo prefere dar carta? Quer expressar suas opinies sobre o livro? quer fazer algumas perguntas? quer me convencer de alguma coisa? quer me passar informaes acerca de outros livros da rea? quer falar da dificuldade de produo da prpria carta? ou quer colocar um pouco de cada uma dessas funes no mesmo texto? Escreva a carta e ao rel-la veja se ficou coerente com suas escolhas preliminares. Se voc quiser, envie- me a carta. b) Escolha um gnero expositivo e trace um planejamento como se fosse publicar o texto em um peridico que voc tem o costume de ler. Produza o texto e envie como colaborao ao peridico. 85