066 - cadernos de teatro

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cadernos de teatro, ;:,.ao. .. AMORTE 1 O DEMôNIO -Frank Wedekind DOS JORNÁIS ..... 66 EXPRESSÃO CORPORAL ...... Nelly Laport . MANIFESTO EXPRESSIONISTA':'" Paul Kornfeld ASSASSINOJSPERANÇA DAS MULHERES - Oskar Kokoschka , (' i s -, ·,'

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066 - Cadernos de Teatro

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cadernos de teatro,

~I

;:,.ao.

..

AMORTE1ODEMôNIO -Frank Wedekind

DOS JORNÁIS

.....

66

EXPRESSÃO CORPORAL ...... Nelly Laport

.MANIFESTO EXPRESSIONISTA':'" Paul Kornfeld

ASSASSINOJSPERANÇA DAS MULHERES - Oskar Kokoschka

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~~DgRN()S .DE; 'TEAJRO N. 66julho/agosto/setembro-I 975

Publ!cação ~'O TABLADO patro~inado peloServIço NaCIonal de Teatro (MEC)

Redaçãa. e Pesquisa d'O TABLADO

Dire/ar-respansável - JoÃo SÉRGIO H.nnn. N• .1YJ1WfutO UNES

Dlretar-execu/iva - MARrA. CLARA MACHADO

Reda/ar-chefe - VIRGlNIA VALLI .

Dire/ar-tesoureiro - EDDY REZENDE NUNES.

Secretário '.,-:-SÍLVIA Fucs. . .:

.Redação: OTABLADü

'. Ay.-Lineud~ Paüia Ma-cnadó;'795" ZC; 20' ."Rip de Jaaeim - Brasil .. ' . .

o: texto~ public~dos nosCiDERNOS-DE TEATROso pod - ..erao se: representados lJlediante autorizaçãoda SBATo (SocIedade Brasileira de AldorúTeatrais),avo A.Imlrante Barroso 97 R' 'd' T • •

-; -. ..' '. /O e Janeiro.

...l

COMO VIVER >::

GROTOWSKI

É difícil falar aqui de algo que se chama "programa- idéia básica de nosso trabalho" e assim por diante;porque isto se coloca em categorias de pensamento abstra­tas; oque fazemos está em relação apenas com aprática,mas talvez ainda mais com um certo estilo de vida, debusca das pessoas, de encontros. Falando francamente, éuma questão que formalanos a nós mesmos: como agente poderia viver. Se o fazemos no terreno teatral, éporque foi este o nosso começo. Em dado momento denossa vida, encontramo-nos nessa enão em outra profis­são e, nesse terreno profissional, começamos abuscar umaresposta para aquestão aque me referi: como se poderiaviver, se em lugar de representar, não se representasse;sem em vez de se ocultar, a gente não se ocultasse ­justamente o inverso daquilo que se faz em teatro ... ena vida. Mas se agíssemos em outro campo, procuraria­mos igualmente uma resposta e para a mesma questão.

Acoisa não' está em relação com um terreno defi­nido. Não posso dizer que no teatro existente universal­mente - se se pode utilizar tal fórmula dado que ela émesmo assim muito diferenciada - que nesse teatro nãoexistam fenômenos que me envolvam à sua maneira. Acorrente condutora desse teatro me envolve? Não. Mastambém: o teatro como arte me interessa? In.dagando deoutra maaera: será ele básico, essencial? Não. Não possodizer comu alguns: "amo o teatro". Não amo o teatro.É apenas a área eolugar, e apenas me oferece olocalonde encontrar outros homens e fazer que se os amem.Mas não que isso tenha um valor em si. Ohcmen buscaalgo na vida. Não é? Em certo terreno. Há muitas dessasáreas. Epenso que cada um podia procurar em sua pró­pria área, eque muitos buscam realmente amesma coisa,mais ou menos concientemente, mas buscam. Essa buscapode se tomar um domínio em si. E\~dentemente há emmim um certo ceticismo em relação àcorrente condutorado teatro, mas não é isso que decide o que fazemos..

Nos próximos cr, publicaremos o debate de Ryszard Cies­Jak sobre o Projeto -Especial de Grotowski.

No domínio daquilo que se considera como próximode nossa busca, no domínio do teatro, pensa-se antes emrepresentar, em armar-se, em ocultar-se. Como na vida.Nós procuramos o inverso: se a gente não se armasse?Se não se representasse. Se tentássemos nos desarmar, nosrevelarmos inteiramente? Não no sentido como dissealguém aqui, de uma "revelação espiritual", de um des­nudamento "espiritual". Mesmo se isso existisse, o quenão creio porque para ser real arevelação deve ser tctal,Arevelação plena do ser. Que quer dizer "corporal","espiritual" etc.'? Essas divisões são uma fuga. Que seseja crente ou não, pouco importa, em todo caso enquantoohomem vive na terra, ele está encarnado. Eohomempode não se ocultar, tal como é, inteiro. Então, olimiteémuito estreito entre o que é avida e o que éa arte.Porque éuma arte na qual se decide aquestão - comoviver.

(*) Fragmentos das respostas dadas por JG numa confe­rência .realizada em 1971 no Teatro Ateneum, organizada pejoCentro Polonês do JIT e estenografadas, conservando-se oestilocaracterístico em que foi pronunciada. Transcrito de The Thea·fre ia Polaa~ n, especial abril-maio/J975.

embaixo da armadura, toda nossa peje está coberta enãopodemos respirar, os pés esqueceram o contato com aterra, orosto desaparece eohomem jaz em alguma partesob tudo isto, esmagado. Talvez se pudesse começar outracoisa. Talvez fosse possível se descobrir? Sim, justamente,fazer ooposto. Quem sabe épossível? Creio que éposí­veL Eé nisto que se resume a nossa busca. Nisto estánossa finalidade eobjetivo. Porque acreditamos que épre­ciso partir de algum começo cm alguma parte, num siste­ma, num grupo em que os outros nos dêm um sentimentode segurança, porque édifícil agente se revelar como seé, de repente, sem saber diante de quem agente se des­cobre. É uma coisa complicada e para poder começar,devemos ter o sentimento de que o outro énosso pró­ximo, não caçoará de nós, não nos tratará mal, não noscriticará, que ele me aceitará tal como sou.

cada vez mais as possibilidades, eacontece cada vez maisna TIda que ele não pode fazer coisa alguma. Como issoétriste. É como se fossemos divididos entre uma imagemde felicidade, vaga e confusa e um breve momento deprazer (ou aTIda "arrumada") - oque não éamesmacoisa. Assim como prazer e felicidade não são amesmacoisa. Isso engrena mas não éamesma coisa. Egradual­mente, algo começa ase romper dentro de nós. Tenho osentimento de que muitas vezes a gente começa a seapagar, que apartir de detenninado momento se começaarenunciar amuitas coisas, começa-se aconsiderar mui­tas coisas fechadas enasce uma espécie de lassidão. Umcerto aprisionamento num único círculo, como em umafortaleza, num ambiente. .. admite-se apenas um gênerode reação, incessantemente repetido, sempre os mesmosrostos, não se descobrem novas pessoas, feam as velhasamizades que começam a se tornar aborrecidas, semprecom as mesmas piadas. Ora, acho que em algum lugar(numa descrição muito imperfeita porque não quero obje­tivar) , há algo errado em algum lugar - se se podedizer assim. Entretanto, não é apenas um erro, é tam­bém um processo de evolução natural que fez com que,como uma grande comunidade humana, seguimos avoca­ção do nosso gênero. Mas sem dúvida nós também come­temos um grande erro no caminho. Algo como uma re­~gnação inteiranlente inútil e sobretudo o fato de nosarmarmos para viver no medo e na derrota.

Porque as observações das crianças são semprêSür:preendentes? Não são sempre engraçadas, às vezes sãoreveladoras. Porque nos causam tanto espanto? É queatrás de seus propósitos, mesmo em seus erros, há algumacoisa que éamensagem absolutamente direta desse homemque tem - digamos - cinco anos. E mais tarde essemesmo homem começa aarmar-se (por causa do medo eda apreensão, o medo direto de outro homem, ele seprotege, se mascara, se oculta, arma-se contra ele) por­que tem medo de perder sua posição, seu lugar, de perderoque copquistou. Quantos exemplos trá~cos de pessoasque arriscaram sua vida, tudo arriscaram na luta por umacoisa que consideravam essencial e, quando os anos pas­sam, algo neles se rompe e, então, têm medo de arriscaroseu salário. Não éassim?

Tudo isso junto é como amontoar armas, como oamontoamento de coisas que podem nos proteger, somosesmagados por isso, morremos sob isso, não há rosto

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que era o efeito produzido no estrangeiro, sem dúvidanão éexalo. Esse grande movimento de pessoas que nosprocuravam, nós já tínhamos no final do período deOpole e sobretudo depois de nossa mudança para Wro­claw, isto é, antes de nossa primeira viagem ao estran­geiro. Essas pessoas podem ser definidas, classificadasem categorias do ponto de vista social? Não sei. Eramintelectuais? É o que se diz geralmente quando alguémnos ama ou nos aprecia, diz que são com certeza inte­lectuais ou então a"elite intelectual eartística", equando

, alguém não gosta de nós nem nos aprecia, diz que "sãocom certeza snobs". É esta a opinião média suas duas. 'vanantes. Elas não são verdadeiras, em todo caso doponto de vista informativo porque não se pode aplicarem. re!a~ão às pessoas que nos são próximas categoriassoc~~I~gIc.as, como a educação por exemplo, que seriamveriíicáeis. As pessoas que nos vsiíam rezularmente sãode meios diferentes, de diferentes níveis de instrução. Nãose. pode definÍ-las absolutamente de maneira exata, queseJ~m pO,r ~xemplo ~studantes universitários ou pessoas domen artlstIco. Que eque as une? Não poderia dar nenhu­ma definição objetiva, acho que estão ligadas por algoque nos é ~parentado - não, isso não basta - algoque entre nós éfraternaL Eles prceuram sem dúvida umaresposta àmesma questão. Primeiro, são entretanto, apa­ren~ement.e, pessoas muito diferentes. Segundo, são agoramuno mas numerosas do que antes.

Acho que écansativo para todos nós - para cadaum de nós - ter de continuar um jogo que nos foiimp~sto na vida e que, entretanto, todos esperam quecontmuemos. Esse jogo universal é favorecido tambémpor uma pres~ão: como se ?e~e ser, como se comportar,co~o CO~d?Zlr uma ~onferencIa - todas essas questõesestao defmldas anteCIpadamente e conforme ocomparti­mento em que nos colocaram, esperam que nós ofaçamosdessa ou daquela maneira. Talvez isso seja natural masé. muito cansativo. Há diversos papéis a represent~ naVIda. Uma pessoa se comporta em casa de uma maneirac~m os amigos de outra e ainda de outra quando estã~sos ou trabalhando. Esses papéis muitas vezes são incoe­r~ntes entre ~i, são como vozes misturadas que se sobre­poem umas as outras, em algum lugar entre um e outropapel; c,omeça-se amentir, não há coerência nos pontosde c~ntato, mas omais importante ainda éque oindiví­duo e esmagado por uma carga crescente não de coisasque ele faz na TIda, mas de seus traços eele vê se fecharem

Quando eu ouvia alguém dizer que fazia teatro paratodos, que o teatro deve ser compreendido por todos,que deve ser um teatro capaz de interessar a todos eassim por diante, tinha a impressão de que havia nissoum triste embuste e também uma espécie de íerrersno.Porque éisto que se diz no começo. Depois se distribuemingressos àforça, há uma caça aos estudantes, os jovenscole~ais são forçados a ir ao teatro, -as pessoas sãolevadas à força. Devemos convir que esse processo nãoé honesto. Não se devia evitar as falsas aparências? Ese o teatro é inútil aos homens, talvez as pessoas nãotenham necessidade de teatro, pelo menos a maioria.Porque não se havia de vê-lo dessa maneira? Talvez eleseja apenas necessário à minoria e então essa minoriatalvez ~enha seus direitos? Quanto a nós, há anos quer~nunClamos a~ualquer forma de pressão sobre opúblico;nao queremos ISSO. De resto, quando alguém diz "amotodos os homens", amará alguém realmente? Se se amatodo mundo, éum amor mais ou menos grande eentãonão se pode falar de sentimento; mas como se pode dizer

__ "amo todo mundo"? Amar todo mundo éum estado ideal­mente indiferente porque esse "todo mundo" quer dizernin?ém e não sei se pode resultar alguma coisa disso.Alem d~so, se verificarmos bem ahistória, quantos malesforam feItos ~os outros por aqueles que anlavam todos osoutros equeriam imiscuir-se em sua \dda.

No início, as coisas para nós iam muito mal. Durantedois anos aqueles que procuravam nosso teatro eram oito,sete, nove pessoas; ~ra necessário então acreditar profun­damente que se continuávamos aviver, a evoluir dentrode nós ddxmdonos guiar não por uma coqueteria paracom aqueles que queriam vir, mas pelo desejo de estarde acordo com oque faziancs, conosco, de renunciar afin~, as nossas pessoas nos encontrariam. Após dois anosaind~ em ?pole,,deu-se aTIrada, onúmero de pessoas qu~quenam VIr anos de repente aumentpu. Se se diz agora

Obscrvo, não com prazcr mas antes com tristeza, quequase em toda parte no mundo cada vez mais há ummaior número de pessoas que vão ao espetáculo nãoporque sintam nccessidade, mas pelo sentimento de "devercultural". Diria que aquilo que buscamos é ele próprioum gênero de domínio, separado do teatro, e não sintoJ1enhum desejo que esse domínio suplante os outros isto, 'c, odo teatro ou algum outro - digamos - fenômenode vida. Não tenho esse desejo.

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A EXPRESSÃO CORPORALNA ARTE ENA VIDA

NELLY LAPORT

AExpres$ão Corporal não foi inventada por ninguém.Ela nem mesmo éprevilégio exclusivo do ser humano. Oarreganho furioso do gato diante do cão que oenfrenta;osacudir alegre da cauda do cachon'o diante da chegadado dono, são formas animais de Expressão Corporal.É que, COlilO um computador programado inteligentemente,cada indivíduo em cada espécie animal carrega, desde onascimento, as informações básicas que lhe permitem"reagir", comportar-se de maneira a garantir a sobre­vivência.

AExpressão Corporal éuma dessas formas de reação,de eomportansnto do ser vivo em sua relação com osoutros seres, na intercomunicação não verbal e, portaaío,anterior àprópria existência da palavra. Éportanto, umaforma de comunicação.

Entre os seres humanos, algumas atitudes, algumasexpressões denotam claramente o estado de ânimo doindivíduo. Assim é que ombros caidos, cabeça pendentesão sinais de desânimo, tanto quanto olhos brilhantes efaces coloridas costumam denotar vivacidade edisposiçãoalegre.

Aprátic.a da observação adquirida na própria vidade relação nos ensina adistinguir einterpretar cada 1!madessas expressões.

Mas Mtambém as várias f0l111aS de andar, de estarde pé e de sentar-se. De falar, de gesticular, de olhar,de tonalidade da voz. Tudo que oser humano realiza narealidade de todo o dia exige uma Expressão Corporalque pode denotar um especial estado de espírito.

Através da Expressão Corporal consegue-se, amaio­ria das vezes, distinguir osexo do indivíduo. Muitas vezes

sua idade e, com alguma prática, a sua classe social.Tudo isto, éclaro, não em suas nuances eminúcias, masde uma íorna bastante significativa esuficiente para nosajudar aorientar anossa própria conduta.

A Expressão Corporal transcende os simples objeti­vos práticos da nossa vida de relação. Ela éoresultado detoda uma interação, de um conjunto de ações e reações,do crescimento, do amadurecimento e da conscientiza­ção gradativa da pessoa humana em tomo de seus obje­tivos, de sua forma de encarar avida, da constrnção doseu caráter.

Estudá-la é, porém, uma íorna de tomar conheci­mento do seu significado, da sua importância, do lugarque ocupa no relacionamento de todo o dia. Ese cadaindivíduo, cada pessoa humana, assume no mundo umpapel que lhe é designado pelos acontecimentos, pelaposição do seu nascimento, pela própria adoção consci­ente, então, a Expressão Corporal é muito importantepara que cada um assuma asua própria personalidade...

Épor isso que, quando procuramos nos conscientizardo papel da Expressão Corporal, temos que primeiramentesaber quem somos, o que somos, o que desejamos ser.

Em geral não devemos nos preocupar em desem­penhar um papel, a não ser que a nossa profissão sejajustamente a de atar. Oque precisamos é desempenharonosso papel, aquele que nos cabe por herança familiar,por escolha e pelo esforço que realizamos para ser oupara nos transformarmos em algo melhor.

Apartir da consciência de si mesmo, do papel quetemos a desempenhar na vida e do desejo de constanteaperfeiçoamento é que se pode tirar real proveito daExpressão Corporal.

No que diz respeito àExpressão Corporal no teatro,a sua função é importante e enriquecedora. Sua origempode ser situada no proto-teatro, nas danças e represen­

: tações rituais dos selvagens. Abem dizer, a Expressãoi Corporal no teatro precede mesmo àprópria palavra, ao

próprio diálogo. Os rituais dos quais nasceu oteatro, em: muitos casos, dispensava apalavra.i

Mas, ao que sabemos, desde as primeiras manifesta­ções do que hoje se chama teatro eque, de acordo coma.tradição, teria aparecido na Grécia, a Expressão Cor­poral sempre esteve presente na afllação dos atores,

embora no teatro grego os personagens usassem máscaras,vestimentas características ecoturnos destinados aaumen­tar a estatura dos atares. Além disso, utilizavam-se deinstrumentos próprios para aumentar ovolume da voz,

· sabendo-se que as representações eram feitas em recinto· amplo e aberto. Essas práticas para facilitar avisão e a

audição da platéia não podiam deixar de prejudicar as· nuances da Expressão Corporal do ator, que teria de: recorrer aos gestos largos eàs expressões mais óbvias.I

, Mais tarde, com os mimos e as pantomimas, queobtiveram enorne popularidade em Roma, a ExpressãoCorporal atingiu grandes virtualidades. A queda doImpério Romano eoadvento do cristianismo provocou aperseguição aos atares, principalmente os mímicas, queeram considerados instrumentos do demônio. AExpressãoCorporal voltou àcena com os funâmbulos, saltimbancos

·e histriões, reaparecidos na Idade Média e atingiu novoi auge com aCommedia dell'Arte. Goldoni eMoliere foram· os continuadores mais importantes das conquistas cênicas, dá CO/llmedia dell'Arle.

Oatar tornara-se novamente um profissional, tole­rado mas ainda não muito benquisto pela sociedade. Opróprio Moliére, quando de sua morte, teve impedido seusepultamento em cemitério cristão;

AExpressão Corporal continuava sua evolução atra­vés do modo de atuação dos atares, com suas caracterís­ticas próprias no Classicismo de Racine, requinte paraaristocratas; no teatro de Shakespeare, ecumênico social­mente, pois tanto era levado na corte para a própriarainha, quanto para a plebe no Teatro Globo. Mas naInglaterra da época ainda não se aceitava amulher comoatriz. Assim, as Julietas, as Desdêmonas e as LadiesMacbeth eram interpretadas por homens.

Depois alenta conquista de um statlls para aprofis­são eaevolução dos gêneros com Beaumarchais, Schiller,Victor Hugo eoRomantismo e a teorização do desem­penho em Paradoxos sobre oAtar, de Diderot. Em 1837,oatar brasileiro João Caetano, em suas Lições Dramáti­cas, chama a atenção para a importância da ExpressãoCorporal quando diz: "ninguém poderá conseguir dizerbem o papel que estudou sem que de antemão tenhaaprendido todas as dificuldades do gesto". Econtinua comuma série de observações sobre o uso do corpo comoauxiliar da expressão dramática que, até certo ponto,

podem ser consideradas surpreendentes na data em queforam feitas. Pois, André Antoine, ainda em 1903, quei·xava-se da inexpressividade, da pomposidade, do uso depadrões estereotipados na gesticulação dos atares daque­la época, na França. Diz mesmo que tais atares apenasusam dois instrumentos na atuação: voz e fisionomia.Oresto dos seus corpos não participa da ação.

Para Antoine, sem dúvida o fundador do teatromoderno, a movimentação do aíor é o seu mais intensomeio de expressão. Foi o primeiro a enfatizar a consd­entização da Expressão Corporal como 'um dos meiosmais poderosos e intensos da linguagem interpretativa.

Com Stanislavski foi salientado otrabalho da depen­dência do corpo com respeito àalma. Na criação de umpapel oaíor deveria trabalhar principalmente oseu fluxointerior que criaria a vida do personagem. Isto, é certo,sem esquecer a configuração física externa, que deveria,entretanto, reproduzir o resultado do trabalho criadorde suas emoções.

Por fim Meyerhold, anteriormente associado aSlanis­: Javski no Teatro de Arte de Moscou, discordou do méto­. do psicológico deste epreconizou um ouro que denominou

de bio·mecânica que tem como objetivo a suprema for­mação física e social do ator. Amissão mais importantedo ator seria odomínio absoluto eouso correto de todosos movimentis do seu corpo.

Das experiências de Meyerhold eseus sequazes deri­vam praticamente todas as correntes avançadas do teatrocontemporâneo, bastando citar, entre as principais, a deErwin Piscaíor que.preparou oadvento do Teatro Épico}de Bertolt Brecht; oTeatro Total americano einglês, quetem em Peter Brook sua figura exponencial e, até mesmo,o Teatro do Absnrdo descendente das teorizações deAntonin Artaud,

Ultimamente onome de Jerzy Groto\Vski eseu TeatroPobre ganhou enorme dimensão. Suas teorizações têmconquistado o aplauso de importantes personalidades doteatro de todo o mundo. Entretanto a prática do seumétodo de exercícios físicos, destinados a conquistar oextremo domínio da Expressão Corporal, é, ao nossover, excessivamente complexa e extenuante.

Não podemos deixar de nos referir, também, acertostipos de trabalhos preparatórios, de experiências de gruposck atores, denominados de Laboratório edestinados acriar

oclima propício àintegração de cada um nos respectivospapéis. Em alguns casos esses trabalhos tendem a assu­mir oaspecto de psicodramas, realizados, entretanto, sema assistência do terapeuta psicodramatista. Esses tipos deexperiência podem, em certos casos, desencadear proces­sos neuróticos e, até mesmo, psicóticos em personalidadesmais suscetíveis. Opscodrama éum processo de terapiagrupal que envolve problemas pertencentes a áreas com­plexas que somente especialista com extenso pcríodo de

: treinamento está apto aenfrentar e resolver.

i Em resumo, em nosso entender, aExpressão Corpo­!ral no teatro tem afunção de denotar todas pecalaridsdes,físicas do personagem, criando uma realidade teatral ade-quada aos propósitos do espetáculo, de acordo com a

;concepção original do Diretor.

Em caso de espetáculos exclusivanlente mímicos atécnica a seguir será, obviamente, outra, obedecendo acritérios próprios desse gênero. Em princípio, porém, otreinamento básico, os exercícios físicos, destinados àconquista de uma virtuosidade necessária àrepresentação,são os mesmos.

Agora vamos passar a examinar alguns princípiosteóricos epráticos cujo conhecimento é indispensável aotreinamento destinado àobtenção de uma Expressão Cor­

:peral mais livre, espontânea e adequada auma persona­;!idade autêntica.

SENTIDO CINESTÉSICO (Percepção do movi­mento)

Osenso cinestésico é aquele que lhe informa o queseu corpo está realizando no espaço, através da sensaçãoou percepção do movimento nos seus músculos, tendões earticulações. Assim é que, se você estica o braço vocêsabe que ele está estendido porque oseu senso cinestésicolhe transmite essa informação.

Por outro lado amemória desses movimentos reali­zados, de suas diversas formas, é muito mais sensorial,cinestésica, do que própriamente intelectual. Desenvol­vendo-se esse tipo de percepção, facilita-se amemorizaçãodos movimentos porque a lembrança cinestésica églebalenquanto que amemória intelectual é feita por partes, édividida em momentos.

Quando oestudante consegue perceber todas as infor­mações que oseu senso cinestésico pode lhe proporcionar.

....

o que é resultado de estudo e treinamento adequados, oseu próprio auto-conhecimento égrandemente aumentado.Ele percebe quando está usando mais tensão do que anecessária ou quando, pelo contrário, aque está utilizandoéinsuficiente. Também tem consciência de que sua posturareflete o estado de espírito que ele deseja representar:direita evencedora; de espectativa esuspense ou simples­mente relaxada. Se ele realmente treinou devidamentetodos esses movimentos de forma correta, relembraráquais aqueles que são adequados a determinada posturaeestará apto arecriá-los em sua essên.cia. Isto :an~~ém ~ajudará, quando em dificuldade emccicnal, POlS,.Jll teraaprendido como se comporta oseu corpo ao expenmentardeterminadas emoções.

Em todo caso, as seguintes perguntas são funda-mentais:

l) Sua respiração foi afetada pela emoção?2) Qual éocentro de tensão no seu corpo?3) Aemoção ofez sentir-se descontraído e expan­

sivo ou fechado e concentrado?

Se oestudante estiver em condições de responder aestas questões, poderá, provavelmente, recriar essa emoçãoquando quiser.

Em qualquer caso, para o ator ou p~a .0 estu~an~eda técnica de Expressão Corporal, éda maior imporlãncnsaber como a emoção oaíeta fisicamente.

POSTURA (Equilíbrio Corporal)

Ocentro de gravidade ou equilíbrio no corpo humanoestá localizado na região pélvica. As pernas são a estru­tura que suporta ocentro eos pés vêm aser abase dessesuporte.

A posição ideal é quando se mantém cada partemóvel uma acima da outra para que a linha central degravidade e o sentido de gravidade passem pela pernaepelos pés.

Amanutenção de uma postura adequada pode serconseguida através de um exercício consciente, da práticaconstante dessa postura até que ela se transforme numhábito e se incorpore definitivamente à maneira de ser,física, da pessoa. Portanto, acarreção da postura dependeapenas de um esforço próprio.

Os exercícios fí~cos são utilizados para a seguintefinalidade:

1) Coordenação, flexibilidade, força e resistência:

2) Aperfeiçoar apercepção cinestésica de forma queapessoa passe a ter consciência permarente dassuas ações egestos;

3) Os exercícios físicos não devem ser encaradoscomo um divertimento ou uma tarefa. Não sedeve iniciar exercícios, executá-los por algumtempo edepois esquecê-los. Os exercícios devemser considerados sempre como um desafio esti­mulante. Todo. mundo pode sempre esticar-semais um pouco esaltar um pouco mais alto.

No próximo n.O: Rrpressão Corporal Jl

SENTIDO DO ESPAÇO

oespaço para oatol' éopalco onde ele representa.Sua presença deve corresponder ti espcctativa da platéia.Ele deve, portanto, ocupar esse espaço, não esquecendonunca que há outros atares que ocuparão, como ele, opalco e que também terão por obrigação preencher odito espaço. Ê preciso, assim, que tudo se encadeie comouma máquina bem regulada.

Antes de se representar num palco desconhecido _o que sempre acontece quando se excursiona ~ o atol'tem por obrigação tomar cantata com o novo espaço,percorrendo-o em todas as direções, com bastante calma,inteirando-se do novo espaço disponível. Deve, pois, fazeruma espécie de "levantamento" para cada uma das dife­rentes cenas em que terá de agir. Saber de onde évisto,de onde não oéetc.

Exercícíos

Para finalidade de treino, devemos distinguir osseguintes tipos de espaço:

espaço orgânicoespaço vegetalespaço animalespaço sensível.

1. Espaço orgâllico

De pé. Posição ereta. Ampla respiração. Sentir-se iraumentando de volume, à medida que respira. Depoisdimiuuindo. Procurar ocupar o maior espaço possívelapenas com arespiração.

2. Espaço vegetal

De pé. Pernas afastadas.

Procurar tocar com as mãos omaior espaço possí­vel, podendo mesmo flexionar as pernas, sem que os pésse movam, como se estivessem enraizados. Lançar-se emtodas as direçães de maneira a delimitar uma esfera (amaior possível). Dentro desse mesmo princípio:

- buscar, com a cabeça, o milximo de espaço:ouvindo e vendo;

~ apoiando-se numa perna, tentar, com a outra,atingir um objelo imaginário que se encontrabem afastado, sem tocar o solo (os braços emdireção oposta, contrabalançando, assim, opesoda perna da frente);

- levar o objeto imaginário o mais longe possívelnas quatro direções, conservando o equilíbrio.Valiar as posições: de joelhos, de pé, com ospés juntos.

3. Espaço allimal

Se quero maior espaço, sou obrigado acair, avançar,subir (andar, correr, saltar). Vejamos osalto.

a) agachado, ir levantando-se, procurando aíingirum teta imaginário, primeiro com uma das mãos,em seguida com ambas: queda (estando intei­ramente RELAXADO);

b) o mesmo exercício de ambos os lados. Osalto,no caso, é um meio de atingir alguma coisa,estando a atenção apenas presa a um máximode espaço.

4. Espaço sellsível

Tomar posse do espaço que orodeia além do limitecorporal.

a) expressar um "adeus".De pé, fazer um círculo bem grande com osbraços, tendo a sensação de que o gesto ultra­passa a mão, atingindo os que se vão. Fazer oexercício lentamente.

b) De pé, imóvel, relaxado. Concentrar-se. Respirarbem, enchendo asala ou opalco com sua pre­sença, sentindo-se ao mesmo tempo ocupandotodos os lugares.

c) Omesmo começo, mas fazendo abstração doslimites (estar só numa praia). Fazer lentamente.Fazer com convicção. Apenas oexecutante podesaber se o exercício foi bem executado ou não.

d) Exercício combinado. Resumindo os quatro espa­ços de uma só vez.

Aplicação

~ Chegar correndo, parar, olhar, escutar, no limitede seu espaço "vegetal".

(j) Reduzir as possibilidades de movimentos, as_pe:~nas permanecendo eretas, o tronco em posçaovertical acabeça imóvel. Somente os olhos fun­cionam: Imóvel, "encher-se" do espaço onde seencontra.

(Cadernos de Tealro n. 11).

(*) Ao publicar, em 1913, o seu drama ASEDUçÃo, PaulKornfetd acrescentou-llle um posfácio que, embora imediata­mente alusivo à técnica de representação do novo teatro (carac­teri~ado pelo fraJlco replidio de toda e qualquer forma derealismoj, constitui um verdadeiro manifesto da drama/urgiaexpressionista, que todavia em alguns pontos se aproxima (em­bora com espítiro distintoj de certas proposições breclllianas.doteatro épico;' '

DENIS BABLET:

ANTES DE SER UM ESTILQ, OEXPRESSIO­NISMO FOI ESSENCIALMENTE UM MOVI­MENTO· DE RUPTURA, UM FENÔMENOQUE SE SITUA DE MODO. EXATO NAHISTÓ~ DA SOCIEDADE E DO TEATRODO SECULO 20.

10 EXPRESSIONISMO'

1913

PAUL KORNFELD

EPílOGO PARA OATOR*

num ~~~osel se e~tad ~ça alguma vez será representada

S. . ~er aeeque ela foi escrita para oteatro

enunca sebir a " .uma' cena, aceItareI todas as explicações menos

d·.asaber, que o seu estilo não é teatro Se a1gue'm

me lsser qu ~ 'd' .f .. e nao e Igna de ser oferecida ao público~e requenta .os teatros; não concordo nem disco d

as protestarel energicamente se alguém afi r o.embora di d . umar que,

• A • gua, e. ser representada, ela não corresponde àseXIgenClas propnas do teatro.

d ~to ~Plica que nem o encenador nem os atoreseverao p~ a em cena de um modo que seja contrário

a? seu esplfItO. Mas cO,mo aarte do ator se tem desenvol­VIdo no decurso das ultimas décadas esse perigo eXISt''num detenninad tid D' ' . ede diri . osen o'. aI que eu smta anecessidade

grr ao atar as segtllntes palavras.Que oatar, ao representar esta peça, se não com..

port~ ~omo se os pensi1lllentos e as palavras que tem aexprnrur houvessem nascido no seu espírito apenas noexato momento em que ele os decIania. Se tiver dem cena ~. . emorrer, que nao VISIte previamente um hospitalaprender "como se morre"; eque não vá auma ta~:~para .ver como as pessoas se comporti1lll quando estãoembnagadas. Que ele não tenha pejo de abrir os abraçosatoda largur! ed~ falar como nunca tiver falado na vidare~ IQue nao seja um imitador nem procure os seusmo e~os num mundo estranho ao atar. Numa palavra,que n~o s~ envergonhe de estar representando; eque tenhaconSClenCla desse fato. Que não renegue o teatro nemprocure ~gir a realidade, primeiro, porque o resultadonunca sena pleni1lllente satisf~tório' e depois'essa contrafacção da,~ealidade apena; se obtém ~!~:~quando aarte dramatica se rebaixa ao nível da imitação

1

mais ou menos afortunada da realidade física e da vida I tiante do que horrível. Mostrar como se morre équestãode todos os dias ainda que diluída em emoções, preceitos de espírito de observação erelativa habilidade, mas mos-morais ou aforismos. trar uma pessoa que morre éuma questão de vivência.

Se oator constrói as suas personagens inspirando-se Que oator proceda auma seleção dos atributos essen..na sua experiência das emoções ou dos destinos que lhe ciais da realidade eseja apenas oexpoente das idéias, decompete interpretar em cena, e,mediante gestos adequa- sentimentos ou do destino!dos aessa experiência, em vez de se basear na recordaçãode pessoas que tenha visto sentir essas emoções ou ser!Vítimas desse destino; se oator abolir por completo essasrecordações da sua memória erenunciar atentar reprodu-zi-las, observará com efeito que aexpressão de um sen-timento que não for genuína e tiver sido artificialmenteprovocada émais pura, mais nítida emais forte do quese um estímulo real a suscitar. Aexpressão real de umser humano nunca écristalina, porque ele próprio nuncaécristalino. Um ser humano nunca se reduz aum únicosentimento e ainda quando se reduzisse, esse sentimentoúnico tornar-e-ia múltiplo em função das várias luzessobre ele incidentes. Mesmo que julgue assumir uma expe-,riência singular, há todavia inúmeros fatos psíquicos exis-tentes no seu âmago que contrariam determinados aspectosdo seu conponanento. Asombra do circunstancialismopresente incide sobre ele tanto como a sombra do seupassado. Muitas pessoas representam para si próprias; econtudo oator, que se limita a desempenhar um papel,exprime-se com. mais verossimilhança do que muitosdaqueles que são vítimas de um destino efetivo. Aconsi-deração simultânea de várias coisas impede as pessoas, navida real, de se exprimirem completi1lllente; na sua memó-ria, inúmeros fenômenos lançari1lll raízes, crazan-se den-tro delas as radiações de milhares de acontecimentos. Porisso em cada momento elas são apenas uma soma variávelde comporti1lllentos. Oator, porém, está livre de todasestas contingências; ele éaunidade que nada falseia; eisporque só ele pode ser cristalino eretilíneo. Ecomo éapersonificação da unidade, assume-a integral eesplendida-mente. Modelando ocaráter que lhe toca representar, oator descobre sem risco de extravio, o caminho condu­cente àre\tlação da sua essência.

Amelodia de um largo gesto possni uma eloqüênciasuperior ao mais consumado naturalismo.

Que oator pense na óp'era, onde ocantor mon'bundoainda tem forças para soltar um dó de peito e com seucanto fala-nos melhor da morte do que esbracejando eofegando. É mais importante saber que amorte éangus-

Numa peça naturalista vemos os caracteres pelo lado defora, enquanto numa peça expressionista subordinamos, quandonão a pomos de parte, a realidade objetiva, procurando erprimir,antes de tudo, a vida interior dos caracteres. Uma radiografia11M apresema qualquer semelhança com um ohjelo, tal comoexteriormente o vemos, mas revela·nos asna estrutnra ímimacomo nenhuma fotografia seria capaz de o fazer.

EUlER RIrE

o expressionismo não busca reproduzir, em sen­tido naturalístico, omundo, mas antes servir-se de todosos recursos da arte do teatro (palavras e gestos, luzes esons, umas e outros levados ao seu grau de mais espas­módica intensidade) para transmitir ao espectador umavisão própria do mundo. "Os artistas do novo movimento- escreve Edschmid - não tiram fotografias: têmvisões "- ou, como diria Rimbaud, que foi aliás um dosmais diretos precursores da poética expressionista, illllni­nações. Ese essas visões tomaram, as mais das vezes, oaspecto de um alucinado pesadelo, isso deveu-se aque omundo que literal e figuradamente os cercava, se lhesmostrava hostil e agressivo, eriçado de contradições ere~do por leis absurdas. Assim aconteceu no teatro deErnst Toller ede Karel Capek, nos filmes de Fritz Lange de Robert Wiene, nas telas de Kokoschka e de MaxBeckmann, nos desenhos de George Grosz ede Kirchner- eno seu equivalente romanesco, que éa obra angus-

. tiante egenial de Franz Kafka (1)

Oexpressionismo nasceu, pois, de uma necessidadeviolenta e irreprimível de revolta contra uma realidadeadversa eodiada. Strindberg revoltara-se contra acinzentamesquinhez da quotidiana existência burguesa; \Vedekindcontra as suas interdições, os seus tabus, os seus precon­ceitos asfixiantes. Os anos de guerra (antevista por KarlHauptmann, irmão de Gerhart em cuja esteira percorreuos caminhos do naturalismo edo simbolismo antes de seafastar dele em direção ao expressionismo num drama de1913, intitulado premonitoriamente Guerra: UIII Te-DeuIII)vieram desvendar uma outra face - cruel e sangrenta _dessa realidade. E aquela necessidade de revolta exacer­boa-se, tomou-se .tanto moral como fisicamente maisimperiosa, até explodir no grito desesperado, quase.inuma-

2 no, dos dramas anti-bélicos de Walter Hasenclever (Jlll/í.

gana) (2), Fritz von Unruh (Uma família), Reinhard Goe­ring (Batalha Naval), toqos de 1917, Hans Franck (escra­vos livres), e Ernst Toller (TrallSformação) , ambos de191h que, depois da segunda guerra mundial, um poetade pulmões esfacelados pela tortura e o longo cativeironas prisões nazis, Wolfgang Borchert (1921-1947), fariaressoar em Diante da parla (l947): odrama daqueles que"voltam àcasa eno entanto não aencontram, porque jánão têm casa: a sua casa é lá fora,na rua, ànoite e àchuva, diante da porta ... "

Adolorosa experiência da guerra veio dar uma novaorientação àrevolta expressionista: oprotesto individualde um Kokoschka, um Sorge, um Barlach, adquiriu resso­nâncias sociais em Kaiser, von Unruth, Toller, cujo teatromessianicamente anuncia oadvento de uma nova humani­dade. Hopla! estamos vivos!, de Ernst Toller (1927), éuma das obras que melhor traduzeni oestado de espíritoda época: Karl Thomas, seu protagonista, que lutara"por que acabasse esta guerra e todas as guerras, por ummundo em que todas as crianças pudessem viverfelizes",écondenado por um crime que não cometeu eenforca-se ..na cela, momentos antes de lhe ser comunicada a anula­ção da sentença- que injustamente ocondenara.

Toller é, sem dúvida, o dramaturgo que mais exem­plarmente assume oideário expressionista, a sua estética,o seu espírito, as suas limitações também. Asinceridadeda sua revolta traduz-se em desesperados protestos, ao pédos quais as interjeições mecânicas de Kaiser, os gritosconvulsos de Arnolt Bronnen se desvanecem. Tragica­mente dividido entre anecessidade de agir eum idealismoque o acompanharia até o fim da vida (como StefanZweig, como Hasenclever, como tantos outros seus com­patriotasj Toller suicidou-se no exílio), as suas peças, eem especial Homem-Massa, "drama da Revolução socialdo século XX" (escrito em 1919 eencenado por JurgenFeh1ing em 1921, no "Volksbú]me") e Hopla! estamosvivos! (uma das melhores encenações de Piscator em1927}, testemunham uma dolorosa desarticulação entre oindivíduo eacoletividade, que se defrontam num esforço­sobrehumano para se identificarem. Hinkemann (1923)éomomento mais alto do seu teatro: opobre diabo queregressa· da frente de batalha privado de sua virilidade,que não consegue adaptar-se ao mundo que aguerra lhelegou, é bem a cruciante metáfora de uma Alemanhamutilada, vítima dos próprios mitos que forjou.

l.

,..i

(~; Diretamentf.para o t~a!ro, Kt~~s~e:eg ~~:a:breve ato de enigmatica e amblgua pro un a e.

Tlíl1llllo. . al'(2) Animados do mesmo espírito anti-belicista, e .atu l­

zando também mitos clássicos, outros dramas se p~blicara:contemporâneamente ao de Hasenclever, como 1s TrOianas, AFranz Werfel (1915), leremias, de Stefan Zwe~g (1917) B~liaPaz de Lion Feuchtwanger (1918), a que Eurípeles, a• AnotAi.n._, sarvirarn, resnectívamenle. de paradIgma.

HINKEMANN

19 QUADRO (III ATO)

ffiNKEMANN (sozinho) - Amanhã_ disse ele ... Amanhã ... Comose pudesse haver um amanhã ...Agora vejo... Oh, os meus olhos,os meus pobres olhos... Aluz...Como doem os meus olhos ...

Desfalece. O que segue deverádesenrolar-se como um pesadelo do,\'eu espírito conturbado. As persona­gens cercá-lo-ão como para o opri­mir edepois, reabsorvidas pela som­bra, afastar-se-ão~

De todos os lados, avançando emcírculos concêntricos, aparecem inú­meros mutilados de guerra, llllS semum braço, outros só com uma perna.Todos trazem ll1n realejo a tira-coloe cantam, indiferentes, uma cançãomilitar:

Vestiram-lhe um uniformeemandaram-no para aguerra,ederam-lhe por recompensasó quatro palmos de terra.

Bruscamente, imobilizam-se. Ederepente, l1In após outro, epor fim emcoro, gritmn:

Tocou a reunir!

HINKEMANN - Epor cima de mimaeteruidade do céu, ., Aeternidadedo céu...

que começaram abaixar com os pri­meiros acordes da marcha militar,extinguem-se gradualmente. AmlÍsicaafasta-se. Hinkemmlll levanta-se len­tamente.

As QUATRO - Os soldados! Vêmaí os soldados! Hipl hip! hurrah!

A cena esvazia-se rapidamente.Hinkemann fica sozinho. As luzes,

A3g ea4g prostitutas lutam. Bor­borinho. De repente estalam os acor·des de uma marcha militar muna ruapróxima: flautas e tambor&, depoistrombones e cometas.

De todos os lados acodem prosti­tutas.

Passam.

DIVERSAS VOZES - Caíu umhomem ao chão! - Teve um ataque!_ Chamem apolicia! - Éohomemda feira, aquele que engole ratosvivos! - Ah) então não admira quese tenha sentido mal!

HOMEM COM UM CASSETETE - Éum vermelho. na certa ... Na Prússia

APRIMEIRA - Se ele quiser podevir dormir comigo. Tragam-no paraomeu quarto. Dar-lhe-ei vinho parareanimá-lo.

OVENDEDOR - Aúltima desco- ASEGUNDA - Não, não, levem-berta da medicina contra aimpotên- no antes para aminha casa!cia: Cantaróides! A TERCEIRA - Para a minha!

OBURGUÊS - Obrigado. Eu uso Para aminha!Damianox. A QUARTA - Isso querias tu,

OVENDEDOR - Damianox?!á velha bêbeda vidosal Nem sequernão se fabrica. Provou-se que nao tiraste alicença! Preci~~vas qu~ eu tedava resultado. Vendem-se agora os . denunciasse! Põe-te Ja daqUi pararestos como pomada para engraxar . fora!sapatos.

Passmn. Um camelô aproxima-sede um burguês de co/alinho engoma­do e monóculo.

UMA VELHA VENDEDORA DE Do- central é que sabem tratar-lhes daCES _ Não diga mal dele; meu . sàúde... põem-lhes um revólver nasenhor! Ele éonovo Messias, oque mão, e ai deles se não metem logonos há de salvar a todos. Para e~~ uma bala nos miolos Deutsch/and,vai toda a minha esperança, e ja Deutchland IIber alies Acanalhasinto aproximar-se a Terra prome- tem de ser ensinada. .. Achicote,tida. se for preciso ...

UM CLIENTE - Eentretanto vai HOMEM COM LANÇA-CHAMAS ~Éroubando as suas economias! uma tolice prendê-los... Omelhor

AVELHA - Que importa odinhei- sistema ainda é este: dar uma voltaI I 'ti' ti' do um pon Obsculidade total.ro, meu senhor, o dinheiro é pape com ees num SI ore ra, . .

que se amarrota... E uma velha tapé no cu e um tiro .na nu~~ .. ,.Ecomo eu tem porventura alguma coisa . depois p~rtiêipa,se que o·pm;9.nerro. " .aperder? As desgraças d~ste mundo.· fOi abatido' ao tentar por-oe em.já não me afligem. Passei por todas . fuga .. :elas eagora aminha alma anseia porlilertar-se, Esei que omeu Salvadornão me abandonará ...

1

Desaparecem enquGllIo dois velhosftldeus atravessam acena.

rio de todas as academias do mundoc agraciado pelo papa!

SÉTIMO VENDEDOR DE JORNAIS ~Últimas notícias! Aqueda do dólar!Baixa na Bolsa de Nova-Iorque! Des­valorização da moeda!

OITAVO VENDEDOR DE JORNAIS .,Últimas notícias! Aaposta mútua paraas classes pobres! Cem por cento dedividendo! A questão social resol­vida!

TODOS (em coro) - Edição espe­cial! Últimas notícias! Últimas notí­cias!

PIuMEIRO JUDEU - É sempre amesma história, Arrancaram-nos dacama em plena noite, bateram-nos,levaram nossas mulheres e nossasfilhas ... Amão do Senhor abateu-sesobre nós!

SEGUNDO JUDEU - E chamam­nos aRaça Eleita! Eleita para osofri­mento epara adesgraça, sim!

Passam

UMA JOVEM PROSTITUTA - Eleera tão simpático, tão meigo ... Etãonovo ainda... por isso deixei-meficar com ele a noite inteira...pagou-me só quatro marcos, era to­do o dinheiro que tinha ...

OSEU COMPANHEIRO - Quatromarcos! Apróxima vez que tornaresafazer-me uma dessas encho-te acarade bofetadas... Talvez assim te pas­se amania do sentimentalismo.

Acena éinvadida por vendedoresde iornais.

PRIMEIRO VENDEDOR DE JORNAIS- Edição especial! Ogrande acon­tecimento do dia! Inauguração de umnovo cabaré! Mulheres nuas! Jazz­band! Champagne! Bar americano!

SEGUNDO VENDEDOR DE JORNAIS:- Edição especial! Notícias da últi­ma hora! Massacre de judeus emGalícia! Asinagoga incendiada! Milpessoas queimadas vivas!

UMA Voz - Bravo! Morram osjudeus!

TERCEIRO VENDEDOR.DE JORNAIS- Últimas notícias! Iria-Irei, amaisbela de todas as estrelas de cinema!protagonista do sensacional filme deaventuras "A Mu[her-Vampiro"! Umfilme brutal que sacode os nervos!

QUARTO VENDEDOR DE JORNAIS _Últimas notícias! Peste na Fmlândia!As mães afogam os filhos! Apopula­ção revolta-se! Onosso goveruo en­via tropas para manter a ordem!

QUINTO VENDEDOR DE JORNAIS _Últimas notícias! Oemocionante filmereligioso A paixão de Nosso-Senhor!O despertar do sentimento moral!Uma superprodução que custou du­zentos milhões de marcos! Completao programa uma sensacional repor­tagem do jogo de box entre Dempsêye Carpentier!

SEXTO VENDEDOR DE JORNAIS ~Últimas notícias! Amaior descobertado século XX! Omilagre da técnica!Omais poderoso de todos os gasesasfIxiantes! Uma esquadrilha deaviões capaz de destruir uma cidadeinteira, com todos os seus habitantes!Oinventor foi eleito membro honorá-

Avitória será nossa!Esmagaremos aFrança!Será essa anossa ~ória,

a nossa maior esperança!

Ordem! Ordem!Velhos combatentes!Apátria precisa de vós!Meia volta, volver!

Mas nenhum se afasta para darpassagem aos outros. Etomam agri­tar em coro:

Os realejos entrechocam-se com umruído vio[enlo. Ochoque obriga-osareCUQ1~ m1ançmu[0 de novo em se­guidfl Ims contra os outros. Entram,correndo, válios agentes da políciamilitar, que gritam:

Areunir!

odiabo leve oKaiser,leve odiabo ao Czar,o diabo leve Lloyd George,eme leve amim também.

A[guns segundos de silêncio. Afêque, como se obedecessem a umaordem, sentam-se todos no chão, can­tando e tocando os realejos. Depois[evantanlrSe e põem-se em marchallllS contra os outros, como se se pre­parassem para tomar de assalto umabarricada, cantando e tocando fulio­samente os realejos:

Silêncio absoluto àvoz de coman­do. Como impelidos por uma mo[a,os mutilados peljilam-se, fazem meia­volta regulamentar evão saindo empasso de marcha, conservando entresi as respectivas distâncias, enquantocmllam acompanhando-se ao realejo:

4

Tal concepção conduz auma ilustração exterior vã,, aum engurgitamento supérfluo, auma dispersão da aten­

ção do espectador. Os cenários de Reigbert para ames­ma peça dirigida por Falkenberg em Munique, em 1923,correspondem aesse espírito. As formas, aí também, sãodistorcidas, mas Reigbert se esforça para criar no planoposterior a visão de uma capital fria, mecanizada, deuma cidade caótica dominada, aqui também, por uma

supérfluo decorativo como rejeita a cópia da realidade.Sua arte éuma arte de "visão" direta da obra dramática,visão que deve concordar com a do diretcr. Como jádissemos, ele deseja "desnaturalizar" o palco e, deixarlugar ao drama. Mas os recursos que emprega diferemconforme ele materializa essa visão, conforme a figuraem um cenário, ou construa um espaço cênico arquite­turado, deixando a alguns elementos, à evolução dosatores, ao jogo de luz ocuidado de evocá-lo no espíritodo espetador. No primeiro caso,' o cenário permanecepictural, no segundo ele é antes de mais nada organiza­ção do espaço cênico.

Será necessário dizer que as dramatizações excessi­vas do cenário pictural, as perspectivas voluntariamentedeformadas, os elementos truncados, a substituição dasverticais pelas oblíquas, o gosto da linha chamada "ex­pressiva", as 'dissÍU1etrias propositadas, em uma palavra,o caos organizado com finalidade de expressão, são emgrande parte responsáveis pelas críticas diri~das ao ex­presionismo? Em seu desejo de ultrapassar as realidadeshabituais, de traduzir a emoção. que o drama provocanele e de projetá-la sobre .o ,espectador, o'cenógrafoacrescenta à peça elementos que apenas a "teatralizam"eque conduzem oespectador aum fantástico muitas ve­zes artificial e até arbitrário.

Sievert, falando. dos, esboços para" Tambores. daNoite, assÍnl explica sua inspiração:

"As paredes permanecem durante toda ape­ça como símbolos de caos e de revolução. Umaatmosfera carregada de tensão e de força. Nãose pode imaginar um começo nem ver aí umfim. .. Em outras cenas, loucura de uma noitedurante a revolução... Uma flamejante visãode vermelhos e amarelos, e sempre acima detudo a lua como um olho injetado de sangue.Acontecimentos reais num mundo real estiliza­do na realidade lírica da balada edo sonho".

fazer de cada elemento cênice, do ator, do cenário oude parte deste, da luz e da música, um "elemento dechoque", um elemento "que age", portador do "grito daalma" ou da idéia. É bastante significativo que o anode 1905 tenha sido testemunha da fundação do primeirosalão expressionista, em Dresde, o Brücke, do apareci­mento da Arte do Teatro, de Gordon Craig. Pela suarejeição do realismo, pela sua promoção, do símbolocomo recurso artístico, por sua condenação do atar na­turalista e sua teoria da Supermarioneta, GC anunciavaoexpressioqismo, do mesmo. modo que opreparava qaan­do escrevia:

EXPRESSIONISMO E CENÁRIO

Ocenógrafo expressionista não tenta dar àpeça umquadro histórico exato, criar um meio social verdadeiro,nem mesmo uma aímcsíera um tanto real. Ele recusa o

"A arte do teatro não énem o jogo do ator,nem a peça, nem a direção nem a dança; elaé formada dos elementos que os compõem: dogesto que é a alma do jogo; das palavras quesão o corpo da peça; das linhas e das cores,que são o próprio cenário; do ritmo, que é aessência da dança."

Do mesmo modo, Appia itsistia na importância. da,luz, fator vital do teatro. ,

Dessa revolta brutal contra onaturalismo eoimpres­sionismo, os diretores expressionistas mobilizam diversosrecursos proporcionados pela arte e pelo equipamentotécnico moderno para "desnaturalizar" a cena. Cada umcom sua técnica própria, mas o objetivo permanece co­mum. Trata-se de desembaraçar a cena de todo caráter

, descritivo, de toda inútação realista para exprimir aí "aessência do drama", pelo jogo antinaturalista do ator,osimbolismo do objeto, da 'linha, da cor eda iluminaçãocênica. Poderá parecer paradoxal que uma arte que con­dena a este ponto a realidade exterior faça antes apeloa meios visuais; mas sua utilização deve permiíir ao es­pectador, não captar o lugar de uma ação, seu quadro,mas o"acontecimento", arealidade profunda do drama:"Nós dominamos oimpressionismo exterior, nós osubs­tiíuinos pelo evento expressivo, que se deve apresentarde maneira atual por meio de indicações concentradas."(Jessner)

,

r,

OS COMPONENTES DO EXPRESSIONISMO NACENA

Tem-se dito e repetido que o expressionismo nãoera um estilo definíve~ mas uma tendência do espírito,uma atitude, um "subjetivismo apaixonado", uma "ten­são da alma". Suas manifestações são de fato contraditó­rias: alguns diretares, como Falkenberg em TamboreslI(i Noite, de Brecht, utilizam um cenário' completo, en­quanto outros, como Jessner, conservam apenas oessen­cial. Mas a contradição é apenas aparente.

Oobjetivo do diretor expressionista, quer apresenteuma peça de Kaiser ou uma de Shakespeare, éde tornaro drama infeiramente eficaz, de assegurar-lhe "expressi­vidade" má.\Íma, de atincir diretamente o oúblico. de

sonho (Traumbilder) ede apresentar as coisas não comdsão mas como poderiam ser, e em vez das próprias coi­sas, a sua siguificação. Ela é criadora neste sentido que,rejeitando apassividade, se apoia sobre aexpressão, mo­vimento do interior para oexterior que, de acordo comDiebold, "modela a natureza graças à atividade espiri-tual do eu". Chega até a substituir "a expressão formal

, da emoção do artista pela representação do objeto queÉ incontestável que o movimento expressionista" pode fazê-la nascer." Tenta exprimir a emoção pelos

reação violenta contra orealismo eonaturalismo, "grito meios pictoriais independentes da realidade física doda alma" contra as aparências da realidade material, objeto pintado". Essa arte, que nasce da inquietude doconheceu exageros e prolongamentos anárquicos. Mas hcnen, tend,e para aabstração e o símbolo. Repele ostende-se a confundir isto com os fundamentos que, o' ,proc,essos c1ás~cos, ~ perspectiva, as regras da anatoniía;provocaram eos meios de que usou. Quaisquer que sejam' a simetria, recusa a descrição, 'a' 'ilusão: '''O 'müüdo' ãlseus excessos, sua contribuição para o teatro moderno ésta,.d!z Edschmid - seria absurdo repeti-lo; buscar suapermanece considerável. substância, criá-la de maneira nova, esta é a tarefa pri-

mordial da arte." ,Ahistória do teatro prova que as revoluções pictó­

ricas prefiguraram sempre as revoluções cênicas. Oex­pressionismo não escapou àregra. Enquanto aproduçãodramática do expresionismo se desenvolveu desde antesda guerra de 1914, énecessário esperar a crise do após­-guerra para que se aíirne como estilo teatral, com asdireções de Jessner e de Karl Heinz Martin em Berlim,de Weichert em Frankfurt, de Falkenberg em Munique,'de Hartung em Darmstadt ou de Fehling. Ele ganhará aEuropa central, aAustria, a Checoslováquia, a Polônia,a Iugoslávia; algumas realizações russas e italianas seaproximarão, os diretores ecenógrafos americanos scíre­rão sua influência. Raros são os países que oignorarão:aFrança éum deles.

DIREÇÃO E CENOGRAFIA

EXPRESSIONISMO

AATITUDE EXPRESSIONISTA

Após a guerra de 1914-18, a Alemanha sofreuuma das crises mais graves de sua história. Os sonhosimperialistas desmoronaram, ainflação cresceu, oEstado'ficou arruinado, ogoverno foi levado àfalência. Aguerradestruiu todas as ilusões. Diante do confornlismo bur­guês, da submissão ao naturalismo, oexpressionismo apa­rece então como uma súbita expressão da alma alemã, 'uma recusa da realidade exterior, uma arte de diversãoe de liberação. Não se trata mais de repetir ou reprodu­zir omundo das aparências, mas de criar a imagem davida interior: "Como sentimento do mundo, onovo espí­rito siguifica uma revolta contra l1S fórnmlas mortas dotempo atual. É a nostalgia por um aprofundamento davida." (Bernaard Diebold)

, Esse novo espírito se manifestara desde 1905 nodomínio da pintura. Aarte de Kokoschka, de Marc deKandinsky, de Javlensky e de Beckmann é uma re~cãocontra o impressionismo que é rejeitado por se ver ;elea arte de um~ época passada e incapaz de criar.

Oinlpressionista é definido como um ser passivo,cujo "olho físico" só pode captar a realidade terrestree a 'casca' das coisas. A esse "olho físico" se opõe o"olho interior" do expressionista, que penetra até oinvi­sível, até o "âmago" e que permite ao artista descobriras profundezas do "eu", a "fisionomia latente" dos. obje­tos além do "despedaçamento atônúco" proposto peloimpressionismo. Anova arte se esforça por traduzir o

6 mundo do pensamento, a inlaginação, as imagens de

lua manchada de sangue) imagem simbólica da Berlim interior cria sua própria imagem, às vezes mais bela, maisda Revolução. impressionante, mais verdadeira, mais natural, mais ine-

Essas deformações, essa truncagem voluntária d~s diata que aque u~ ?hetor cri~ria no espa~o I!mitad? daproporções que fizeram afama de Gabinete,do dr. Ca!l. cena. ~eç~ que oVIZinhO me d;g,a apenas ollldlsp~nsave~:

gari, têm sua explicação, Descjando trsduzir a emoçao cas~, jardin, sala, m~, plamcle) flo~esta, .. Nao vCJoque experimenta, o cenógrafo a inscreve na forma re- I cO:Jas) veJo f1ores~a, smío omar) nspro aíerra. :. ~aocriada de uma janela, de uma porta, de uma parede, veJo um drama, VIVO odrama .. , Aluz do olho IntenorAlém disso os elementos são traçados tal como spare- que penetra qualquer sombra) possue um poder de per-ceriam ao espírito do personagem principal (d. cenários cepçio ede criação mais forte emais variado que odosde Klein para Da Aurora ri Meia-noite de Keis~r): Essa olhos ff~icos.". Emmel, comentando esse t~xto,. acrescen-atitude corresponde, igualmente~ a certas ,tendencms .da ta que e p,reclso ,dar ~ov~ente ao ,olho m~eno~ do ,es-mística expressionista. Lotte Elsner escre:e a respeito pectad?r) a sua lIlla~açao) o~ meios de . ver': dai aem Tela Demoníaca: "Não se deve subestimar opoder necesidnle de reduzir ocenário ao essencial, de mode-da abstração oue se acrescenta à visão expressionista. lar oespaço cênico) de jogar fora todo esse amontoadoPara uma defo~ação selecionada acriadora, ensina-nos decorativo, de reencontrar a"essência do teatro". AcenaGeorg Karzinsk)' em seu livro Método do Expressionis- se torna freqüentemente um "vazio" eas cortinas negrasmo (1921) oartista dispõe de recursos que lhe permi- são utilizadas com afinalidade de criar um espaço deter-tem represe~tar a complexidade psíquica com a intensi- minado) que deixe àimaginação do espectador seu poderdade: ligando-a auma complexidade ótica, ele pode re- de criação.produzir a vida interna de um objelo, a expressão de Ojovem movimento expressionista de A Tribuna,sua "alma". Os expressionistas apelam apenas para as fundado em Berlim em 1919, declara, igualmente) emimagens depositadas na memória, desse modo chegam seu manifesto, que "a revolução teatral necessária devenaturalmente aessas paredes oblíquas que não têm rea- começar por uma transformação do espaço cênico", elidade estática, É uma das características das "imagens pelo estabelecimento de uma nova relação entre opalcoimaginadas" - de representar os objetos de viez, vistos eoauditório. Rejeita os equipamentos técnicos modernos,do alto, captados em mergulllO; este ponto de vista fad- o ciciarama, as cenas ~atórias etc. Sua finalidade élita uma apresentação exata do conjunto." "revelar a alma e os sentimentos". É no podium nu de

Resta saber se essa forma de expressão não conduz ATribuna que Karl Heinz Martin apresenta, em outubrofina1me~te a um impressio~ismo ampliado) tendendo à de 1919, A Metamorfose de Toller, cujo herói - umabstraçao. .Essas def.o.rmaçoes ~. tornaram uma .moda, patriota entusiasmado pela guerra _ se torna revolucio-uma. soluçao de fadlidsde, frequenteme?te repetida. É .nário.'Os cenários de Neppach são constituidos de ele-prec./SO, entr~tanto) reconhecer que essa fonnula de ceno- mentos pintados com contornos angulosos que se desta-graíia ,?e hberav~ o~ ele;nentos. de sua ordem natu~a1 cam sobre o fundo de tapeçaria. Servem apenas para(o cenano expresslolllsta ea maor parte do tempo n- situar aação Apalavra éddrada ao atarcompleto: ausência de teta, elementos não ligados enm ., . . I' •

si e distribuídos na cena vazia eíc.) para escolher os Esse espmto amda e mais acentuado.na obra demais expressivos, constituiu um poderoso recurso de luta Jeseer, de quem apenas de ,fala como .0 ~ventor das

. contra o espírito decorativo) as tendências pseudo-rea- famosas escadas-Jessner. Na epo~~ da cnaçao de Meta-listas, e ajudou apromover um cenário "significante". morfose. pela Tn'buna, ~essner dlflge o Te~tro Estadual

Essãiendência representa apenas um dos aspectos d~ Berlim. Apresenta a, ent~e outras, Gllllhenne Tell,do expressionismo cênico e muitos teóricos) entre eles Ricardo III, Otelo, oNapoleao de Grabbe) e Macbeth.Felix Emmel (O Teatro Estático, 1924)) condenam todo .Aorganização cênica tradicional não pode convir acenário que freie o"desdobramento dinâmico do drama". Jessner: "Fora com o naturalismo pictural das paisa-Emmel volta ànoção do "olho interior"; cita aexperiên- gens suíças (sobre G. Tell) em cuja realidade nenhumcia do cego Kurt Kuchler: "Independentemente da ima- espectador civilizado pode crer; fora com todo oamon-gem exterior, do proscênio, do buraco do ponto, dos ce- toado teatral das perspectivas) das coxias! Isto pertencenários, das roupas e dos rostos maquilados, mell olho auna era passada, vivemos nl1m tempo novo que se apoia

.r

em outras hipóteses e que deve, tanlbémse manifestarno teatro de maneira significativa".

Jessner eseus cenógrafos (Pirchan para Ricardo IIIe ale/o. Klein para Napoleão) recusam qualquer apeloao naturalismo ou ao impressionismo de um Reinhardt.Muito se falou do "espaço dinâmico" ou do "espaço rit­mico" (esta noção mais cara a Appia e a Jaques Dal­croze). As produções de Jessner são sua realização prá­tica. Recusando a ilusão, Jessner e seu cenógrafo cons­troem para cada peça uma arquitetura que se adapta aoritmo da ação, cujas linhas dominantes são valorizadas.Trinta anos antes, a organização do tablado anuncia osdispositivos do TNP. Praticáveis, podiums, inclinados eescadas permitem uma mise-en-scene tridimensional (omovimento da frente para trás ou de daníe para trás, seele émantido por um plano inclinado ou por uma esca­da, adquire um valor sugestivo muito maior), clarificama ação, ajudam o atar) "diferenciam" os personagens(determinado atar subindo do fundo da cena echegandoao meio da cena, tomará uma posição dominante) e osopõem com mais nilidez, Os degraus de Jessner não"ligam" mas "separam") isolam, criam uma distância dra­mática entre um grupo eoutro. Há aí um poderoso ins­trumento de simbolização, Quando se pensa em RicardoIII: cortando acena) uma parede que domina uma plata­forma eàqual conduz uma escada de muitos patamaresque se incorporam à ação, materializará a ascensão e aqueda de Ricardo. No fim do drama, ele tropeçará dedegrau em dregau até ser afinal abatido no d~positivoinferior.

Esta simbolização) que não deL'{a de ter relaçõescom as idéias de Craig, está na utilização e'escolha doelemento cênico. Não se trata de "representar" atorre deLondres ou o quarto de Desdêmona, mas de dar-lhe a"idéia", o sinal essencial. As sugestões de uma paredecinza esverdeada com uma porta ora visível eora ocultapor uma escada, bastarão para criar olocal dramático deRicardo III. Um elemento, um leito, uma coluna, cuja

.fonna se aproxima da abstração, oângulo de uma casa sedestacam. sobre ofundo convencional de um ciclorama)um duplo podiul/I olímpico, nada mais énecessário paraacentuar a ação de Otelo.

Mas àbrancura do leito .se oporá em violento con­traste orosto do Mouro. É af que aparece osimbolismodas cores usado pelos dramaturgos expressionistas e deque Emmel se torna ardente defensor: acor éuma tona·lidade afetiva, pesada ou leve) triste e doce, mística e

clara. Mas ela possue prindpalmente um poder dramá­tico inegável. Admirável recurso de expressão, ela é"alegre-graciosa, atraente, apaixonada,.. ardente, cheiade alegria". Ovennelho da roupa do Cristo no quadro deRubens (Ressurreição de Lázaro) não éuma impressãocolorida, é uma "força de fogo", o "poder ardente davida". Jessner, como a maioria dos diretores erpresio­nistas, recorrerá freqüentemente àcor como fator dramá­tico) não só na iluminação colorida do ciderama, cujatonalidade se modifica durante a ação e se adapta àsdiversas cenas, como na coloração do dispositivo (escadavermelha de Ricardo III) e a simbolização das roupasque se tornam uma .espécie de uniforme psicológico edramático: Ricardo III inicia por um monólogo de Ricar­do vestido de preto sobre um fundo preto) Riehmond ter.mina apeça vestido de branco sobre um fundo de tapeça­rias brancas; nas cenas de batalha os soldados de Ricar­do estão de preto) as tropas de Richmond de branco. Essesimbolismo pode parecer muito primário, mas não deixoude libertar aroupa do dscoraíiriano, conferindo-lhe umvalor de signo.

As diferenças entre os cenários picturais de um Sie­ver! eos co~untos plásticos de um Pirchan são, assim)consideráveis: sua oposição reside mais nos meios queeles empregam esuas conseqüências do que em seus finsessenciais. Todos dois querem desnaturalizar acena) masoprimeiro muda apenas oaspecto exterior da antiga téc­ruca decorativa no sentido de que) se transforma oespaçocênico de um ponto de vista ilustrativo e abandona adescrição realista, não revoluciona os dados fundamen-

. tais: permanece fiel àtradição "representacional", se bemque seus cenários sejam por assim dizer paródia daquela.Osegundo, ao contrário, retoma os princípios fundamen­tais de Craig ede Appia, modifica-lhes a direção e criaum. novo espaço cênico. Para os expression~tas ocená­rio deve "jogar com" (mitspielen )'; em Sievert) ele é"mitspielend" porque "dubla" o atar (Sievert não dizque aatmosfera que ele cria éum "segundo eu" para oatar); na obra de Pirchan, ele oécomo suporte "dinâ­mico" da ação.

EXPRESSIONISMO E ILUMINAÇÃO CÊNICA

Quer pinte um estado d'alma) uma paisagem ondeinscreve sua emoção ou um "grito", como ofez Munch,precursor da pintura expressionista, apartir de 1895, opintor só dispõe de uma luz ['{a. Por suas deformações,

.­~':;...a.

.,"

..»

seu quadro ainda que pareça se anImar, prolonga-se notempo, a luz, uma vez projetada sobre a tela, permanece

.. constante. No teatro, ao contrário,' as possibilidades devariação de intensidade, de cor, de direção da luz, deunião ou de luta de iluminações difusas e diretas, sãoexploradas ao máximo pelos diretores expressionistas. VanGogh escrevia: "Em lugar de reproduzir exatamente oquetenho sob os olhos, sirvo-me da cor mais arbitrariamentepara me exprimir fortemente". É também para exprimir.-se fortemente que os realizadores como Jessner eFehlingusarão arbitrariamente da luz.

Não se trata mais para eles de imitar 'a natureza ededar ao espectador aimpressão de que aluz vemde fontesnaturais, porque, igualmente nesse domínio eles recusamailusão. Ailuminação lhes permite concentrar.a atenção,articnlar a ação, acentuar a tensão, e isto colorindo aemoção do público. Aluz, também, é um elemento de"jogo com" do teatro expressionista. Se eles utilizam ociclorama, como Jessner em Otelo, ora deixando-o nasombra, ora iluminando-o ecolorindo-o, não épara suge­rir um céu de inverno ou uma manhã de primavera, maspara criar um fundo neutro, equivalente colorido de talou qual momento dramático, que se inserirá no espíritodo espectador elhe comunicará oestado de alma do prin­cipal personagem. Se aluz da lua parece penetrar por umajanela, como num cenário de Sievert para Tambores naNoite, não é tanto para evocar um luar como para defor­mar os ob~tos, projetar sombras sobrenaturais eaumentaratensão patética. Asombra permite aumentar essa tensão,mas como ocenógrafo revolucionava omundo dos obj»tos, ele ampliava as sombras até os limites do gigantesco,iluminando ator ou objeto por baixo (o que também é.um meio de desnaturalizá-lo) ou dos lados. Que se vejaaesse respeito amaqueta de Cesar Klein para Hõlle, /Veg,Erde de Kaiser: opersonagem está isolado, destaca sobreuma primeira massa de um branco brilhante imensamentesombreada que oarranca ao universo dos objctos mergu­lhados na sombra. Para Otelo e Ricardo III, Jessnerempregará freqüentemente as sombras que se tornam parao personagem um segundo "eu". Fehling, em MasseMensch, de Toller, as utilizará também, massas imensas emóveis, formas abstraIas, símbolos de ameaças desconhe­cidas.

À iluminação geral, odiretor prefere uma iluminaçãopor zonas, por manchas, por. fTashes q.ue, no moment.ocrucial prende um ator num feire de proietores que oreIL·

~O ram b:uscamente do universo que o cerca, suprime suas

relações com o mundo exterior, os outros personagens,para isolá-lo num momento extático.

Ailuminação cênica, que toma um valar ainda maissignificativo nas realizações plásticas de Jessner, aparece,assim, como um equivalente do dispositivo. cênico: criarupturas, relações enlre os personagens. Segue aação nãocomo uma ilustração, mas como um intérprete que repre­senta as fases essenciais (a preocupação de destacar asfases essenciais corresponde à construção dramática dasestações dramáticas. de que falava Guarnier). Parece aomesmo tempo. dirigi-la eser diri~do por ela. Como ofaziaacor, explica um estado de alma ou um caráter (os pro­jetores iluminam aentrada de um personagem considera·do "bom").

Acena será mantida ora na penumbra, ora risadapor feixes luminosos, ora animada por violentos ccníras­tes, modlíicando-se as cores. "Acompanhamento arbitrá­rio" da ação - diriam. Abritrário, se nos colocamos emrelação àrealidade habitual, mas ló~co do ponto de vistada técnica cênica expressionista. Aí também énecessário ­denunciar os abusos, as rupturas demasiado violentas, eafalta de gosto pronunciada, particularmente nas ihmi­nações coloridas (Jessner coloria às vezes seu cicloramade amarelo, de salmão), mas épreciso não esquecer desubstituir essa concepção do papel da luz no seu contexto .histórico: odiretor expressionista quer antes de mais nadaa eficácia dramática, a "essência do drama". Sua buscanão éformal. Adramatização excessiva é ainda oresul­lado de uma vontade de "desilusionamento" levada aoextremo eoexagero provem do fato de que oexpressio­nismo não é uma arte estabilizada, mas um movimentorevolucionário.

OEXPRESSIONISMO EOATOR

Simbolização, acentuação, concentração - tais ascaracterísticas essenciais da arte expressionista, que seencontram na técnica dQ atorque não émais tanto umintérprete como o "portador" de idéia. "O atar, pararesponder ànova vontade da arte, deve se liberar da rea­lidade, ese separar dos atributos desta, para ser apenas orepresentante do pensamento e do destino". (Kornfeld)Em uma época em que os animadores fundavam suas bus­cas na volta às tradições profundas da arte do cemeli­ante, oteatro expressionista modela oator: ametamorfosedo comediante em herói de tragédia é rejeitada: não se

. trata mais de encarnar esse ou aquele personagem, de

revelar situações, mas de traduzir estados de alma con­forme uma transposição simbólica, de sublinhar as carac­terísticas fundamentais dos personagens e dos momentosessenciais da ação, donde este fenômeno de amplia~o

que ultrapassa consideravelmente as leis habituais da óticateatral. Oator expressionista, ao qual odispositivo cênicotraz uma espécie de pedestal, representa fisicaml?llte. Omovimento reencontra um valor que perdera: gestos brus­cos tendendo para aabstração, que exprimem as articula­ções do drama e a "tensão" do personagem; gestos quepodel)l até não se concluir, bastando um esboço paraindicar·lhe osentido (em Ricardo 111), o,início do gestodo' assassino "indicou oassassinato de. Clarence se!U quenenhumcontáto físico ilusionista venha efetivá·lo". Ira-'ta-se antes de convencer do que representar; Falou-semnitas vezes de staccato apropósito do teatro expressio­nista: o termo corresponde justamente ao jogo do ator,seqüência de é/ans e de rupturas. Aestilização excessivado movimento corresponde à deformação dos cenários eàs modificações bruscas da luz. Osimbolismo das curesencontra no jogo seu equivalente: é o sinbolisno dasatitudes. Ocorpo humano, forma evolume, se adapta ao .estado de alma, tornando-se sua tradução plástica. E épelo movimento abstrato, fora de toda verossimilhançanaturalista; que ele recria a"tensão da alma"; As atitudesde KOfÚler, principal ator expressionista, são significati­vas a esse respeito.

Apesar do "delusionamento" certo, a arte do atorpermanece como o elemento mais contestável do teatroexpressionista. Asimplificação abstrata, as quebras abusi·vas, os rictus levam freqüentemente a uma teatralizaçãoconvencional emelodramática. .

. CONTRIBUIÇÃO DO EXPRESSIONISMO

Seria interessante analisar as realizações expressio­nistas fora da Alemanha, na Europa ena América, edediscernir as diferenças de estilo nascidas de situações his­tóricas, ecooômieo-sociais, artísticas emorais bem defini­das. Mas gostariamos de sublinhar as características essen­ciais, destruir preconceilos e tirar do expressionismo aslições que ele ainda pode dar ao teatro. Por iso limita­mos nosso estudo à Alemanha, que é a inicJadora domovimento.

Muito mal se tem falado na França desse estilo quepouco se conhecia. Foram vistos seus excessos (fantás­tico fácil epatético barato) ehoíe équalificado de "sane-

rado" de "fora da moda" ou de "germânico" quando nãoo condenam com uma única palavra: "Estética 1920".Não se trata de fazer aqui opanegírico, c muito menosdesejar que aníaadcres voltem ao expressionismo dosanos 25 impondo-o h* ao teatro: seria uma insensatez.Antes de ser um estilo, o expressionismo foi essencial­mente um movimento de ruptura, um fenômeno que sesitua de modo exato na história da sociedade e do. teatrodo século 20, eque não corresponde mais nem aos dadosnem às necessidades atuais. Não se trata também de vol­tar aos seus exageros. Adoutrina do "01110 interior", a"visão" da "essência do drama" eram outros tantos ele­mentos suscenveis de.orientar uma arte pára osconstran:.gínientos de um idealismo individualista que pôdhi'con;duzir e que conduziram em certo ponto aiJin teatro pu.ramente "estético", a uma arte desligada da realidade' erepousando sobre um jogo de .associações fictícias. .

Mas que certos pintores expressionistas tenham pre­gado uma volta à realidade procurando, como GeorgGrosz, uma "nova objetividade", isto é um sinal signifi­cativo. Oexpressionismo não podia ser um fim. Arte dediversão, de liberação, de crise, sofria de suas própriascontradições: como podia ao mesmo tempo recusar arealidade exterior e se fazer o acusador público de uma .sociedade?.Arte de transição; destruia certos princípiosdo teatro burguês do final do século 19 e do início do20, e esboçava os meios que deviam dar lugar ao nasci­mento de uma nova dramatargia ede uma nova fórmulade apresentação cênica. São esses princípios'novos, essesmeios inéditos que permanecem válidos hoje com acon­dição de serem orientados não conforme necessidadesmetafísicas do olho interior, mas a fim de reencontraruma realidade mais profunda e expressá·la mais total·mente.

. Égraças ao expressionismo que uma arte de revela­ção pode se substituir auma arte de encarnação. Ela pre­gou aunião de todos os recursos cênicos, que nada temaver com a·"obra de arte total" de Wagner ou com anoção do teatro total cara aalguns de nossos animadores,porque essa união não éaadição ou asucessão de efeitosou de agentes cênicos (ator, cenário, luz etc.) mas suainterpenetração em vista da transcrição da ação dramá­tica, mas aparticipação de cada uma delas no desenvol­vimento dessa ação que se acha dessa forma explicitada.Seu simbolismo se situava ao nível da idéia; era possívelorientá-lo de maneira diferente e de elevá-lo ao nível darealidade. .

culo à sua volta, gritando em cres- mem e a Mulher encontram-se aocendo. centro, diante do portão de ferro.

Pausa.· .Afim de que os princípios fundamentais do espns­

siomsmo permanecessem fecundos, era necessário libertá­lo de suas contradições. Ele recusava oilusionismo tradi­cional, mas aniscava atornar-se um ilusionismo da vidainterior: era essa arte que era preciso rejeitar. Duas viaseram possíveis easituação do teatro alemão contempo­r~Deo éoreflexo d:~sa dupla possi~ilidade. Uma que se

.sItua no plano estetlco e conduz as realizações de umSellner em Darmstadt edos netos de Richard Wagner emBayreuth. Aoutra se situa no plano de um teatro nãoalienado: o expressionismo conduzia aBrecht. À idéiaà. "~s:ência do drana", Brecht substitui~ pela realidad~'~~t~~ca.p~~fu.n.da). o.Gl}m.dge~!~! ;Ew.nw9~. dp.m~ç~sio­~~mo tudo que oprendiRa4lda auma .te~l!'aljzação ene­nor, eacresceiltou~lhe apotência desmistificadora fazendoum princípio de revelação da realidade social; coloc~u asíntese dos recursos cênieos aserviço do teatro de equipe:pense-se em Mãe Coragem, na degradação do curso dotempo, durante ocurso da guern, dos elementos cênicosedas roupas. Do simbolismo Brecht fez um instrumentode sugestão realista (o emblema da Mãe Coragem aéoruniformemente cinza das roupas eíe.), Aluz, p~lo seupoder dramatizante, era oagente cênico mais delicado aser manejado:. g~~dou dela as possibilid~des de acompa­nhamento arb.ttrano no quadro do "eferto- de distancia­mento" (mudança de luz nas cenas das canções) edesen­volveu seu poder desnaturalizante tomando emprestadoao construtivismo russo aforma da visibilidade das fontesluminosaS. Seria também interessante ver como autiliza­ção das máscaras em Círculo de Gis Caucasiano retoma

"o simbolismo expressionista tomado instrumento de suges­tão da realidade social.

Denis Bablet

2 tThédire Populaire - n. 221janeiro 1957)

Apresença' de um pintor (Kokoschka) e de ume~cu!tor (Barl~ch) e~~e os primeiros dramaturgos erpres­slOmstaspenmte- verifiear as origens plásticas do nioVi~

m~nto, ~ 'que diretamente se ligam as atividildes dos grupos~le ~mcke (1905) eDer Elalte Reiter (1911), em ciijoambJt.~ e~preend~ram Kandinsky ePaul Klee as primeiraserpeneacas de pmtura abstrata, que uma década após oTeatro da Bauhaus procurou tomar extensivas àarte dra­mática. Aliás, o teatro exerceu um pronunciado fascíniosobre os pintores abstratos, que viam no espaço cênicouma equivalência do. espaço cósmico, onde as linhas, osvolumes eas cores, evoluindo sob aação transfignradorada luz se unem àpalavra e ao som para criar aimagemabstrata emovente do homem no mundo: recordem-se osprojetos de Kandinsky para vários espetáculos de teatroe ba!lado eoseu artigo acerca Da Composição Cênica,publicado em 1912, os estudos cenográficos de MondrianUger, Picasso, Moholy-Nagy, as marionetes de KJee. '

Luiz Francisco Rebello

Arealidade deve ser criada por nós. Não devemos"contentar-nos com ofato observado que se julga verda­

deiro. Aimagem do mundo deve ser refletida em toda asua pureza eautenticidade. Mas é apenas dentro de nósque ela existe. Os fatos não têm importância senão namedida em que oartista apreende, através da sua formaexterna, oque se oculta por detrás deles. Uma casa nãoé apenas·um objeto: há que sJlrpreender-lhe a sua maisíntima essência, captar-lhe a sua forma mais profunda.Assim também ohomem deixa de ser um indivíduo, ligadoao dever, àmoral, àsociedade eàfamí1i~ para ser unica­mente oque há de mais sublime emiserável ao illesmotempo: 1Il1l homem.

Kasimir Edschmid

ASSASSINO,ESPERANÇA DASMULHERES*

de

OSKAR KOKOSCHICA

Tradução de

LUIS FRANCISCO REBELLO

PERSONAGENS:

OHOMEMAMULHERCORO DE GUERREIROS E MULHE­

RES

Céu noturno. Urna torre cujo por­tão é uma grade .vermelha de ferro.A iluminação édada apenas por ar­chotes acesos. Ochã9 énegro, sobeem degraus do proscênio até atorre,dando a impressão de as persona­gens aparecerem em relevo.

OHomem, de rosto branco, amw­dura azul, um lenço cobrindo umaferida,. rodeado por um gmpo deguerreiros de aspecto selvagem, per­nas nuas, trajes brancos, pretos ecastanhos, le/iços cinzentos everme­lhos, brandindo os archotes acesos,murmurando confusamente; com mo­vimentos lassas procuram deter amarcha do cavaleiro eda ~Ia mon­tada e derrubá-la; mas o Homemsegue em freme eeles abrem um dr-

CORO DOS GUERREIROS - Nóséramos odisco flamejante àtua vol­ta, o disco flamejante à tua velta,assaltante da fortaleza inexpugnável!

Seguem-no hesitantemente COI/lO

numa procissão que ele conduz, le­vando à sua frente um homem dearchote aceso.

CORO DOS GUERREIROS - Homemdo rosto pálido, sê o nosso condu­tor!

Quando estão prestes a demlbarocavalo, ogmpo das mulheres sobepela esquerda, conduzido por limamulher alta, vestida de vermelho, ca­belos louros caídos sobre os ombros.

A MULHER (alto) - A minharespiração faz tremer o disco ama­relo do sol. Os, meus olhos agarramo entusiasmo -dos homens. A suabalbuciante luxúria rasteja como umbicho à minha volta.

~s mldheres que aseguem sepa­ram-se dela. Só depois notam apre­sença do cavalheiro armado.

La MULHER DO CORO - Mulher!Oseu hálito cola-se-lhe!

1.0 GUERREIRO (aos outros) ­Onosso chefe écomo alua que des­ponta no oriente.

2.a MULHER (desviando a vista)- Quando é que eles se enlaçarãojubilosamente?

Os dois coros dispersam-se emgrupos, ao longo do palco. OHo~

AMULHER (observa-o fascinada;para si) - Quem éeste estrangeirocujos olhos pousaram em mim?

Ocoro feminino reune-se no pros­cénio.

LU MULHER DO CORO (reconhe­cendo-o, num grito) - A sua irmãmorreu de amor!

2.a MULHER - Ó melodia dotempo, flores que ningném viu.

OHOMEM (surpreendido; o cor­tejo conduzido por ele para) - Soueu por ventura real? Oque disseramas sombras? (Erguendo orosto paraela) Olhaste para mim? Olhei eupara ti?

AMULHER (dividida entre odese·jo e o medo) - Quem é este ho­mem de rosto pálido? Não odeixemavançar!

LU MULHER DO CORO (recuando,num grito estridetite) -.Porque lhepermitiram que entrasse? Este é oque estrangnla amínha irmã quandoreza no templo.

1.0 GUERREIRO (dirigindo-se à],amulher do coro) - Viao-lo atra­vessar o fogo, e os seus pés nadasofreram.

2.° GUERREIRO - Torturou ani­mais até àmorte, com apressão dassuas coxas matou as éguas que relin­chavam.

3.° GUERREIRO - Cegou os pás­saros, que voavam diante de nos, afo­gou peixes vermelhos na areia. .

OHOMÊM (irritado, {eciiado) ­Quem éesta criatura que orgnlhosa.

I,

o"

.1

Os. guerreiros executam aordem.~4 Brandindo os archotes, lutam com

* Escrita em 1907, representada emViena no ano seguinte (e tulllullllOSame!ileacolhida), publicada em 1910 nii revista"Der Sturm", convertida em ópera por Paul 'Hindemith em 1921, Mõrder, Hoffllllllg derFrauen é considerado, historicamente, oprimeiro drama expressionista. Apesar dasua "inconsistência literária" (sublinhadapor Bernhard Diebold), delineiam-se nelaos temas e o estilo próprios do teatroexpressionista na sua primeira fase: atrans­posição metafísica da luta dos sexos, umoexaltação místico-pagã ainda não inteira­mente desprendida de sugestões simbolis­tas, a abstração das personagens, o tomvisionário, extático, do diálogo, elll que ogrito eo canto se substituem à linguagemfalado o predomínio dos elementos plásti­cos e' visuais sobre os valores literáriospropriamente ditos. A versão aqui apresen­tada baseia-se em parte nUllla livre. adap­tação iuglesa de Michael Hamburger.(Nola do tradutor)

CORO DOS GUERREIROS EDAS Mu­LHERES - Odemônio! Dominai-o!Salvem-se! Salve-se quem puder!Tudo está perdido!

O Homem caminha sobre eles,ma/mldo-os como moscas edeixandoum rastro de sangue atrás de si.Muito ao longe os galos cantam.

aproxima o seu fim, muna tensãoque depois de atingir o paroxismodecresce num grito estrangulado. AMulher cai e, na sua queda, arrastaconsigo o archote aceso do guia docoro masculino. Oarchote apaga-see uma chuva de ceutelhas inunda opalco. O Homem está no degrau

. superior; os guerreiros eas mulheresnuma tentativa de fuga, acabam porse lançar no caminho gritando:

Os galos cantam.

OHomem agora está de pé, abreoportão de ferro, com os dedos tocana mulher - que recua rigidmnente,mortalmente pálida, sentindo que se

A MULHER (tremendo) - Nãomorres?!

OHOMEM (com força) - Estre­Ias e Lua! Mulher! Em sonhos ouacordado, vi uma criatura inundadade luz que cantava. Respirando, ascoisas escuras tornam-se claras paramim. Mãe.... Assim me perdes!

AMULHER (cobre-o com seu cor­po; depois separa-se e através dagrade abre lentamente oportão; mur­mura em voz maixa) - Não meesqueças ...

OHOMEM (esfrega os olhos).­Opensamento do ferro em brasa nãome sai da idéia.

AMULHER (abre aboca como sefosse falar).

OHOMEM (para si mesmo)..­Tenho medo!

AMULHER - Vampiro, não tedeixarei viver, aos poucos vais-medevorando, roubando-me as forças.Amaldição caia sobre ti. Hei de ma­tar-te. Acorrentas-me - tu que euvenci e encarcerei, tu que me pren­des agora. Larga-me. Não me pren­das. Oteu amor aprisiona-me comose fossem cadeias de ferro. Sufoca­-me. Solta-me! socorro! (desprende--se das grades, agita-se em convul-sões .como um animal mortalmenteferido).

o HOMEM (abre a boca parafalar, mas não se ouve nenhumsom).

As vozes dissolvem-se. Um galocanta, uma pálida luz desponta aofundo.

morrer; como ele está pálido! (Ron­da o portão como uma pantera.Agarra-se lascivamente às grades;inscreve uma grande cruz branca no11luro; grita.) Abri este portão; Que­ro estar com eleL (sacode com deses­pero as grades.)

CORO DOS GUERREIROS EDAS Mu­LHERES (enlaçados num 11lurnllí/ioconfuso) - Perdemos a chave. Va­mos procurá-Ia. Quem atem? Quemaviu? Aculpa não énossa. Não sa­bemos quem ele é...

AMULHER ( passa um braço atra­vés das grades earranha-lhe aferida,sibilando como uma serpente) ­Rendes-te homem de rosto pálido?, .

Ê medo que sentes? Ou estás apenasadormecido? Estás acordado? Ouves­-me?

OHOMEM (respirando ofegante­mnte, levanta com dificuldade aca­beça; depois move úma das mãos,ergue-se lentamente; cantando cadavez mais alto) - Vento que va- .guejas, tempo que repete o tempo,solidão! Orepouso e a fome con­fundem-se! Mundos que rodopiam,ar parado! Tempo longo como anoi­te!

AMULHER (começa ater medo)- Quanta luz a escorrer da feridaaberta! Quanta força a.desprender-.-se do cadáver em que ele se tornou!(As~llSta-se de novo, tremendo. 9Homem levantou-se lentamente, en­costou-se às grades. Amulher, escar­ninha). Encerrei nesta jaula um eni-

A MULHER (gelnendo, em tom mal selvagem. Ê a fome que te faz. vingativo) - Não pode viver nem . Imlrar?

. Três homens mascarados apare­, cem no topo do muro epor meio de

cordas descem um caixão; oHomemferido, quase inerte, é encerrado natorre. As mulheres e os guerreirosretiram-se para uma zona escura dopalco. O' velho levanta-se e fecha àchave oportão. Escuridão total, cor-

, tada apenas por um archote que, 110

alto da torre, espalha uma luz azul.

CORO DOS GUERREIROS - Liber­tai este .homem possesso, tirai-lhe odemÔnio do corpo! Ai de nós ino­centes! Ê preciso enterrar o con-

, quistador. Já não o conhecemos.OHOMEM (em convulsões, san­

grando da ferida, canta) - Fomesem sentido de horror para horror!Insaciáveis rotações no vácuo! Oh,ingrato mundo! Extinguiram-se oslouvores que me dirigiam.

CORO DOS GUERREIROS - Nãooconhecemos; Poupai-nos! (Às mu­lheres) Vinde celebrar as nossasnúpcias no seu leito de angústia.

CORO DAS MULHERES - Oseu. aspecto enche-nos de terror. Antes

da vossa· vinda, já vos amávamos.

: Precipita-se sobre o Homem comuma navalha, ferindo-o 110 flanco. O

~ Hoinem cai.' '

AMULHER (solta um grito con­vu/oso de dor) - Afastai de mim

: estes homens - cadáveres devoran­, tes!

ela, dominando-a; então um velho,. com um ferro em brasa, rasga-lhe o

vestido emarca-a.

P MULHER - Pouca sorte adele!

1.0 GUERREIRO - Pouca vergo­nha adela!

A MULHER - Porque me pren­des homem com o teu olhar fixo?

" .Luz devoradora que obscurece anu-nha chama! Vida devastadora queme avassala! Arranca-me a minhaterrível esperança!

OHOMEM (enraivecido) - Com­panheiros, marcai-a agora com omeu ferro; gravai-lhe o ferro embrasa na sua carne rubra!

Os guerreiros, Tlesitmltes, avan­çam. As mulheres assustadas agm­pam-se aum canto. AMulher apro­:lima-se do Homem apassos lentos,cautelosos, como 11I11 caçador atrásda sua presa.

mente, como um animal, se apascen­ta no meio do seu rebanho?

1.0 GUERREIRO - Ela adivinhao que os outros não entendem.

2.0 GUERREIRO - E aprende oque ninguém viu nem ouviu.

3.0 GUERREIRO - Dizem que atéos pássaros mais tímidos se acercamdela e deixam-se agarrar.

ta MULHER DO CORO (ao mesmotempo que os guerreiros) ...... Senha"Ia, vamo-nos embora!

2.a MULHER - Fujamos, senho­ra!

3.aMULHER - Que ele não sejanosso hóspede nem respire o ar querespiramos. Que não partilhe anos­sa habitação. Oseu aspecto causa­-nos pavor. ..

Às suas últimas palavras, entrapela porta central o marquês Casti­-PiaI/i. É um homem de elevadaestatura, ·com oçrânio calvo ,a fron­te alta, grandes olhos negros melan­cólicos, nariz marcadamente aquilinoe fartos bigodes negros wendentes.Enverga um casaco preto, um coletede fantasia escuro, calças cinzentasescuras, sapatos de verniz, gravatapreta com llIn alfinete de brilhantes~

CASTI-PIANI ' ». '. UI vênia) -Que deseja, m .ora?

ELFRlDA (ÚbJa) - Ainda hápouco disse à seLhora que me aten­deu, tão claramente quanto éhuma­namente possível, a razão' porqueestou aqui.

CASTI-PIANI .; A senhora disse­-me, com efeito, porque está aqui. E .disse-me também que pertence àSo­ciedade Internacional da Luta con­tra aProstituição.

ELFRIDA - Exatamente: soumembro da Sociedade Internacionalda Luta contra aProstituição. Mas

·mesmo que o não fosse, não teriapodido evitar esta caminhada, pormaís que ela me custasse. Há novemeses que ando no rasto desta infe­liz criatura. Sempre que eu chegavaa um sítio, tinham acabado de alevar para outro. Mas agora está

anúncios, cescreveu uma carta muitocorreta, oferecendo-se para ocupar olugar falsamente indicado nesseanúncio. Foi desta maneira que aconheci.

ELFRIDA - Eatreve-se adizer-meisl0 com esse cinismo?

CASTI-PIANI - Sim, minha senho­ra, atrevo-me a contar-lhe isto comtoda aobjetividade.

ELFRlDA (muito excitada, de pu­nllOs cerrados na Slla direção) ­Aquele. monstro que atirou arapari­ga para adesgraça éentão osenhor?

CASTI-PIANI (sorrindo com melan­colia) - Se a senhora desconfiassequais são verdadeiramente as causasda sua tremenda excitação, teria tal­vez ainteligência suficiente para nãose assnstar com o monstro que eulhe pareço.

ELFRlDA (seca) - Não percebo.Que quer dizer?

CASTI·PIANI - A senhora... 6ainda. .. virgem?

ELFRIDA (ofegante) - Com quedireito me faz uma pergunta des~

sas?! .

CAsrrcPIANI - E quem é que,em todo ouuiverso, me proibe de afazer? Mas deixemos isso. Em todoo caso, não é casada. Tem, comodisse há pouco, vinte eoito anos. Es­tes fatos demonstram-lhe suficiente­mente que em confronto com asoutras mulheres, mesmo sem falarnaquela criatura por causa de quemaqui veio, a senhora possui umaquantidade mínima de sensualidade.

ELFRlDA - Nesse ponto adJnitoque tenha razão.

CAsrrcPIANI - Estou muito lon­ge de lhe atribuir tendências anor­mais. Mas a senhora sabe de que

zeres sensuais e das piores deprava­ções. Ecu, tão estúpida que não via,com os meus vinte eoito anos,quena manhã seguinte a rapariga tinhao aspecto de quem passara a noiteem claro! Em toda a minha vida,nunca soube o que era passar umanoite sem dormir! Equando entravade manhã no meu escritório,'nemsequer perguntava a mim mesmacomo podia haver uma tão grande~~~?r~~~ :e~~e os meus papéis!

CASTI-PIANI. :-::-::..1\ JaPari.ga,~ynão estou em.erro,.~ entrado-aoserViço dós 'seus pàis, para p'equenostrabalhos ças~~os?

ELFRlDA - Sim, por infelicidadesua! Tanto aminha mãe como omeupai esetavam encantados com a suaeducação, asua modéstia. Para meupai, que é funcionário ministerial eburocrata até à medula, a sua pre­sença era como um raio de luz.Quando ela, de repente, fu~u de nos­sa casa, os meus pais deixaram dechamar àminha atividade de associa­da uma mania de velha solteirona,declarando-a abertamente um delitoperigoso!

CASTI-PIANI - A. rapariga éfilhanatural de uma lavadeira? Por ven­tura sabe quem era opaí?

ELFRlDA - Não, nunca lhe per­guntei. Mas afinal quem' éosenhor?Ecomo sabe tudo'isto?

CASTI-PIANI - Bem. .. a rapari­ga tinha lido um relatório da vossaSociedade que nos jornais diários sepublicavam certos anúncios, medianote os quais os comerciantes de rapa­rigas, com hábeis subterfó~os, atra­íam a si as jovens para as conduzirao mercado do amor. Arapariga pro­curou então no primeiro jornal quelhe veio parar às mãos um desses

os seus altos prop6sitos, deverá satIs­fazê-la a severa fiscalização quesomos obrigados a exercer.

ELFRIDA - Sou membro da nossaSociedade há já quase três anos. Cha­mo-me Elfrida von Ma1chus.

CASTI-PIANI - Elfrida vcn Mal­. chus?!

ELFRlDA - Sim, Elfrida vonMalchus. Conhece omeu nome?

CASTI-PIANI - Leio todos os anoso' relatório. da vossa Sociedade. ·:Senão estou em erro,.fei ·0:ano passa­do uma conferência na reunião~.an~~

de Colônia, não éverdade? .ELFRlDA .; Por desgraça minha!

Durante dois anos inteirosnâo fizmais do que escrever efalar, falar eescrever, sem descobrir em mim acoragem para combater diretamenteo comércio das mulheres, até queeste negócio infanle encontrou final­mente a sua vítima debaixo do meupróprio teto,na minha própria famí-li la.

CASTI-PIANI - As causas dessadesgraça, se estou bem informado,não foram asua correspondência, osseus livros, as revistas que não soubeesconder da rapariga por cuja salva­ção se encontra agora aqui?

ELFRlDÁ - Tem perfeitamenterazão! Desgraçadamente não opossocontradizer! Noite após noite, en­quanto eu, satisfeita comigo e comomundo, me deitava na minha camapara um sono de dez horas, quenenhum instinto humano perturbava,aquela criatura de dezessete anos,sem que eu tivesse amenor suspeita,entrava no meu escritório e alimen­tava a sua ima~nação sequiosa deamcr com os meus livros que ilustra­vam aluta contra aprostituição comas maís sedutoras descrições dos pra-

I.I·

Quanto tempo terei ainda de espe- . nesta casa! Sei que está ainda aqui!rar! (outra pausa longa). Quanto Confessou-mo a... senhora que metempo terei ainda de esperar! (de- atendeu sem quaisquer rodeios. Efezpois de nova pausa, levanta-se, des- mais: prometeu-me que mandava virpe o casaco pondo-o sobre uma a esta sala a rapariga, de modo apoltronGj e tira o chapéu, que põe poder conversar tranquilamente comsobre o casaco. Em seguida percorre ela asós. Ê por ela que espero. Nãoduas vezes a cena, visivelmente agi- . tenho vontade nem vejo motivo detada. Parando). Quanto tempo terei suportar um segundo interrogatório.de esperar! CsATI-PIANI- Peco-lhe minha se-. ,

nhora, que não se enerve. Arapari­ga deseja apresentar-se decentemen­te vestida. A ... "senhora" que aatendeu, receando que os seus nervosa arrastassem aqualquer ato irrefle­tido, pedui-me para lhe vir dizer isto,a fim de atenuar quanto possível odesagrado que deve causar-lhe ter deesperar num lugar destes!

ELFRlDA (enquanto nervosamentecaminha de um lado para outro dacena) - Peço-lhe que me poupe asua conversa de salão. Aatmosferaque reina aqui nada tem de novopara mim. Quando entrei pela pri­meira vez numa casa destas, tive delutar contra um verdadeiro mal-estarfísico. Só nesse dia tive consciênciade que era preciso vencer-me amimmesma se quisesse vir a ser ummembro ativo da nossa Sociedade.Ao princípio, as nossas aspiraçõeseram para mim um simples passa­tempo, no qual eu tomava parte SÓ

para não me tornar uma criatura inú­til, quando envelhecesse.

CASTI-PIANI - As suas palavrasdespertam em mim um profundo in­teresse. Conceda-me todavia ahonra.de provar-me que pertence à Socie­dade Internacional da Luta contra aProstituição. Sei, por experiência,que muita gente tem em mira esseemprego com um objetivo bem diver"so da salvação das raparigas perdi­das. Se pretende alcançar seriamente

PERSONAGENS:

OMARQUÊS CASTI-PIANIELFRIDA VON MALCIlUSLISISKAKÕNIGTRÊs RAPARIGAS

ELFPJDA - Quanto tempo tereide esperar! (longa pausa, durante aqual permanece sentada e imóvel).

Uma sala com duas poltronas ver­melhas, uma em frente da outra, ecujas janelas têm os cortinados cor­ridos. No proscênio, àdireita eàes­querda, há de cada lado uma peque­na parede de hera, atrás das quais épossível uma pessoa esconder-se dasrestantes personagem sem que deixede ser vista pelos espectadores.Atrás de cada uma dessas paredes,há uma pequena poltrona vermelhaIPorta centra/. Portas laterais.

EIMda von Malchus está sentadanuma poltrona. Nota-se que não estáà vontade. Veste um traje austero,com chapéu, casaco e luvas.

de .' ,'\FRANK W~~~I~::: l/i·lil· \~\((

Tradução deLurz FRANCISCO REBELLO

A MORTEEODEMôNIO

maneira conseguiu calar, por muitodébeis que fossem, os seus instintossensuais?

ELFRIDA - De que maneira?CASTI-PIANI - Entrando para a

Sociedade Internacional da Lutacontra a Prostituição!

ELFRIDA (com ira contida) ­Qucm é o senhor?! Eu vim aquipara libertar das garras do vício umacriatura infeliz. Não foi para ouvirseus discursos de mau gosto!

CASTI-PIANI - Nem supus nun­ca uma coisa dessas. Mas partindodeste ponto de vista, estamos maisperto um do outro do que poderiasonhar oseu orgulho de burguesinhavirtuosa. A natureza dotou-a comuma sensualidade quase inexistente.Em mim as tempestades da vidacriaram há muito um deserto terrí­vel. Mas o que para a sua sensuali­dade é a luta contra a prostituição,é justamente o comércio das mulhe­res para a minha sensualidade, seainda quiser reconhecer em mimqualquer coisa desse gênero.

ELFRIDA (indignada) - Não sejahipócrita! Julga talvez que me iludecom as suas charJatanices sentimen­tais de aventureiro, a mim, que háquase um ano sigo o rasto destarapariga dum antro de vício para ou­tro! Eu, neste momento, não soumembro da Sociedade Internacionalda Luta contra aProstituição! Estouaqui como uma criminosa, que, semsaber, atirou uma jovem indefesa àmiséria e ao desespero! Não descan­sarei até ao fim dos meus dias en­quanto não tiver arrancado estapobre rapariga à ruína que aesprei­ta! Quer fazer-me acreditar que umacuriosidade doentia me arrasta para

8 esta casa?! Osenhor é um mentiro­so! E nem se quer acredita no que

diz! Não foi por sensualidade insatis­feita que vendeu esta rapariga, maspor avidez de dinheiro! Sim ven-,deu-a apenas para fazer um bomnegócio!

CASTI-PIANI - Um bom negócio!Sem dúvida! Mas os bons negóciossão aqueles que dão vantagens aam­bas as partes! Eu só me ocupo denegócios vantajosos! Todos os outrossão imorais! '" Ou pensa talvezque onercalo do amcré um maunegócio para amulher?

ELFRIDA _. Que quer dizer comisto?

CASTI-PIANI - Apenas isto: nãosei se neste moinento se encontraem condições de me ouvir com umacerta 'atenção.

ELFRlDA - Poupe-me, por cari­dade, esse prefácio!

CASTI-PIANI - Em suma, o meuraciocínio éeste: quando um homemse encontra em estado de necessida­de, muitas vezes não lhe resta outrasolução qu não seja roubar ou mor­rer de fome. Quando, porém, se tratade uma mulher, resta-lhe ainda apossibilidade de se vender a si pró­pria. Eisto porque, vendendo oseuamor, não precisa de experimentarnenhum sentimento. Desde que omundo émundo amulher tem feitouso deste privilé~o. Mesmo que seponha todo o resto de parte, o ho­mem é por natureza incomparavel­mnte superior àmulher, pela simplesrazão de que ela tem de sofrer paradar à luz. ,

ELFRIDA - Mas éessa amais evi­dente de todas as contradições! Sem­pre otenho dito! Dar filhos ao mun­do é tortura e sofrimento; criarfilhos éconsiderado um passatempo!Abenigna providência, que aliás é

tão pródiga em atas insensatos,acumulou dores e angústias sobre osexo mais frágil!

CASTI-PIANI - Nesse ponto, mi­nha senhora, somos os dois da mes­ma opinião!. .. Eagora quer roubaràs suas infelizes irmãs oúnico privi­légio que... Ainsensata providên­cia lhes concedeu perante ohomem,isto é, oprivilé~o de poder, em casode extrema necessidade, vender oseu amor? Êassim que julga defen­der os direitos da mulher?!

ELFRIDA (quase em lágrimas) - Apossibilidade de nos vendermos pesasobre o nosso sexo como uma des­graça indizível, uma eterna maldi­ção!

CASTI-PIAt'lI - Mas se o comér­cio do amor grava como que umamaldição eterna sobre o sexo íemi­nino, Deus sabe que a culpa não énossa! Oideal para nós, comercian­tes, seria que omercado do amor sedesenvolvesse publicamente, semperturbações, como qualquer outronegócio honesto! Onosso único fitoé atin~ no mercado os preços maisaltos. Atire as suas censuras à carada sociedade burguesa, se quer com­bater a opressão do seu sexo infeliz!Se quer defender os direitos naturaisdas suas irmãs, comece por comba­ter aSociedade Internacional da lutacontra a Prostituição!

ELFRIDA - Não lhe consinto queprocure iludir-me com esses sofis­mas! Estou absolutamente convenci­da de que não pensa um só instante"em dar a liberdade a essa rapariga!Eeu, tão estúpida, que me deixo fi­car aqui a ouvir os seus discursos,enquanto a pobre é metida à forçanuma carruagem, levada àestação docaminho de ferro mais próxima e

conduzida sabe Deus para ,onde! Istoé, sei muito bem: para um sítio ondea Sociedade Internacional da LutaContra aProstituição não conseguirámais encontrá-la! Agora sei o queresta fazer!

Pega ochapéu eo casaco.

CASTI-PIANI (sorrindo) - Sesoubesse, minha querida senhora,quanto esse acesso de ira embelezao seu rosto burguês, não teria tantapressa em se irembora.

ELFRIDA - Deixe-me sair! Nãotenho tempo a perder!

CASTI-PIAt'H - Onde tenciona iragora?

ELFRIDA -,-- Sabe-o tão bem comoeu!

CASTI-PIANI - (Agarra Elfridapelo pescoço, aperla-lhe a Iraquéia,e obriga-a asenlar-se numa poltro­na) - Deixe-se ficar aqui! Tenhoainda umas coisas a dizer-lhe! Eex­perimente gritar, se acha que vale apena! Aqui estamos habituados a to­da a espécie de gritos humanos!Vamos, grite omais alto que puder!(/argando-a). Quero ver se sou ca­pai de lhe iluminar o cérebro, antesque saia daqui para se queixar àpolícia!

ELFRIDA (ofegallle e sem voz) ­É a primeira vez na minha vida quesuporto uma violências destas!

CASTI-PIANI - A senhora temfeito, na sua vida, tantas coisas inú­teis para a redenção moral das mu­lheres de prazer! Faça ao 'menosqualquer coisa de útil para a reden­ção moral do prazer! E verá entãoque as pobres criaturas deixarão delhe despertar compaixão! Como essaéconsiderada amais abjeta evergo-

nhosa de todas as profissões, as mu­lheres de sociedade preferem entre­gar-se gratuitamente a um homemdo que fazer-lhe pagar os seus favo­res! É assim que elas desonram opróprio sexo, tal como um alfaiatedesonra o seu ofício ao fornecergratuitamente os ternos aos seusclientes!

ELFRIDA (ainda entonlecida) ­Não percebo uma só palavra do quetem estado a dizer-me! Entrei paraa escola aos seis anos elá fiquei atéaos quinze. Três anos depois fiz oneu exame de professora. Enquantoera nova, freqüentavam a casa demeus pais os senhores da melhor so­ciedade. Um deles, que tinha herda­do uma propriedade de vinte milhasquadradas, e que teria ido atrás demim até ao fim do mundo, pediu-meem casamento. Mas eu senti que nãopodia amá-lo. Talvez tivesse errado.Talvez me faltasse apenas aquele mí­nimo de paixão que para casar ésempre necessário.

CASTI-PIANI- Considera-se final­mente vencida?

ELFRlDA - Explique-me aindauma coisa: se arapariga, com avidaque leva, tem um filho, quem tomaconta dele?

CASTI-PIANI - É a si e às suascolegas da associação' que competepensar nisso! Mas então as senhoras,que reclamam os direitos das mulhe­res, têm alguma coisa de mais im­portante a fazer neste mundo? En­quanto houver na terra uma mulherque receia ser mãe, a emaucipaçãofeminina não passará de um mito!Amaternidade épara amulher umanecessidade da, natureza, tal comodormir erespirar. Aburguesia équetem barbaramente diminuido este di-

reito inato da mulher! Um filhonatural é considerado uma vergonhaquase tão grande como opróprio co­mércio do amor! Chama-se prostitu­ta àmãe de um filho natural, exata­mente como a uma rapariga destacasa! Oque sempre me fez nojo novosso movimento feminino, foi amo­ralidade que enxertaram nas vossaseducandas antes de as iniciar para avida. Mas a senhora acreqita que ocomércio do amor teria sido procla­mado aos quatro ventos como umescândalo, se ohomem pudesse fazerconcorrência à mulher! Inveja, des­peito, enada mais! Anatureza con­cedeu àmulher oprivilégio de nego­ciar o seu 'amor, e por isso aburguesia, que é diri~da pelos ho­mens, compraz-se em apresentar essecomércio como omais depravado de

todos os crimes!ELFRlDA (/evanfa-se, despe ocasa­

co que põe sobre acadeira; andandode 1/111 lado para 01/11'0) - Não pos;so, neste momento, digo-lhe sincera­mente, verificar até que ponto assuas afirmações estão certas ou erra­das. .. Mas como é possível a umhomem com asua cultura, a sua po­sição social, asua superioridade inte­lectual, passar a vida entre os ele­mentos mais indignos da sociedadehumana? Foi talvez a brutalidadedos seus argumentos que me levoua tomá-lo asério. Mas sinto que meobrigou a pensar em várias coisas,coisas em que eu, sozinha nunca teriasonhado em pensar! Há três anos queouço todos os invernos entre doze avinte conferências, proferidas pejasmaiores autoridades femininas emas­culinas sobre amatéria. Não me lem­bro de ter ouvido nunca uma palavraque fosse tão ao fundo da questãocomo as que hoje lhe ouvi dizer!

CASTI-PIANI (destacando as pala- mim! Para onde quer que vá, eu hei tuições culturais nascem para ser r Não espero felicidade maior do que ELFRlDA - Ecom essa horrorosa de professores porfiavam em atirarvras) - Nós, minha querida senho- de precedê-lo! Se for para uma casa ultrapassadas. Ahumanidade há de estar ajoelhada a seus pés, ouvindo comparação quer o senhor explicar- sobre o meu pobre corpo indefeso,r~, devemos partir sempre do princí- de correção, irei à sua frente! Se o ultrapassar ocasamento como ultra- as suas palavras! -me a união desinteressada e indis- não eram nada comparados às bofe-po de que andamos como os sonâm- levaram da prisão ao patíbulo, irei passou aescravidão. Olivre mercado CAsn-P.!ANI (sem aolhar)- - Já solúvel entre ohomem e a mulher? tadas, aos murros eaos pontapés quebulas à beira dum telhado e de que à sua frente! Não deixe fugir esta do amor, em que triunfam apenas alguma vez perguntou a si mesma o Meu Deus, por que experiências deve o destino se encarniçou em desferirtoda a ~úbita iluminação nos pode ocasião! Case comigo, suplico-lhe! os tigres, baseia-se nas eternas leis que éocasamento? ter passado! contra aminha alma indefesa!fazer can de repente... Case comigo! Assim nada poderá da natureza. Que orgulho sente a ELFRIDA - Até agora nunca ti- CASn-PIANI - Ohomem só com ELFRlDA (beija-o) - Se tu sou-

ELFRlDA (olhando-o com os olhos . atin~r-nos! mulher, ao conquistar o direito de nha tido essa curiosidade. (Levan- uma mulher é economicamente m~s besses como eu te amo por todasmuito libertos) - Que quer dizer CASTl-PIANI (acarieia-lhe os cabe- se vender pelo preço m~s alto que talldo-se) Mas diga-me o senhor! forte do que sem nenhuma. Mas é essas coisas horríveis!com isso? Que enormidade vai dizer- los sem aolhar) - Que você, meu ohomem lhe oferece! Os filhos natu- Farei tudo para amoldar-me às suas também economicamente mais forte CASTI-PIANI - Avida humana é-ne ainda? brªvo animalzinho, me ame ou não; rais ficam melhor ao pé da mãe do exigências! porque não tem que pensar em duas morte dez vezes pior do que amorte!

CASTI-PIAm (muito tranqiiilamen- é-me completamente indiferente. Não que os le~timos ao pé do pai. E CASTl-P.!ANI (sentando-a IIOS joe- ou mais mulheres. Esta éapedra sn- · E não só para mim. Para si, parate) - Digo isto apenas em relação imagina sequer quantos milhares de como soa triunfalmente a palavra lhos) - Venha cá, minha pequeni- guiar do casamento. todos os homens! Para um homemàs suas opiniões, das quais até há vezes tive de suportar as mesmíssi- "prostituta"! Na história do paraíso na! Eu explico-lhe. (Como Elfrida ELFRlDA - Osenhor afinal éum simples, avida éfeita de dores, sofri-po~co se sentia tão segura que não mas explosões sentimentais. Não é está escrito que o céu concedeu à hesita um momento.) Não se assus- pobre homem, digno de compaixão! · mentos e torturas que o seu corpohesllava em as distribuir auns eou- que eu desvalorize oamor. Longe de mulher aforça da sedução. Amulher " . te! Teve alguma vez um lar? Uma mãe · tem de sofrer. Ese ohomem, lutandotros, como se tivesse recebido de mim tal idéia! Pena é porém que o seduz quem quer equando ~uer. Não

,,

Deus o encargo de julgar o gênero amor tenha de servir de justificação espera o amor. Asociedade burgue- ELFRlDA - Nunca me sentei nos que otratasse quando estava doente, na esperança de fugir às torturas ;\0

humano. a tantas mulheres· que satisfazem sa combate esse perigo infernal para joelhos de um homem! que lhe lesse histórias durante acoa- corpo, alcança uma existência mais

ELFRIDA (sem deixar de fitá-lo) unicamente a sua sensualidade sem nossa sacrossanta cultura, criando a CASTI-PIANI - Dê-me um beijo! valescença? A qual' pudesse confiar alta, então avida representa para ele,quando alguma coisa lhe pesava no dores, sofrimentos e torturas que a :;,:

pretenderem amínima compensação, mulher numa atmosfera de nebulosi-- Que grande homem! ... Que ho-

e que com asua indigna ofeita nos dade artificial. As adolescentes' são E/frida beija-o.coração, e que o ajudasse sempre, sua alma tem de sofrer e ao pé das

mem superior!arruinam onegócio. mantidas cuidadosamente na igno- sempre, mesmo quando desesperava quais as torturas do corpo chegam a

CA?TI-PIANI - As suas palavras rância do que seja ser mulher. Do já de encontrar algum auxílio no ser suaves ... Aprova mais evidentereabmam a ferida mortal que eu ELFRlDA - Case comigo! Está contrário seria subversão de todas as CASTI-PIAN· - Obrigado. (repe-. mundo? de que avida humana éum martírio .~

trouxe ~omigo ao mundo e que há ainda a tempo de começar uma vida instituições do Estado! Aburguesia lindo-a) Quer então saber o que é está no fato de os homens se terem -~1

CASTI-PIANI - O que me acen- -..!.:...•de ser amda a causa da minha more nova! Ocasamento fará de si uma ocasamento? Diga-me primeiro qual visto obrigados a inaginar um Ser s.

não hesita diante de nenhum golpe teceu em pequeno não sucede a ne-te. (Deixa-se cair sobre uma pollra- pessoa regrada. Pode vir a ser reia- baixo, quando é a sua defesa· que émais forte: ohomem que tem um nhuma criatura humana sem lhe des· que é só bondade e amor, e que \+

na.) Eu sou... um moralista! tor de jornais socialistas, deputado, está em jogo. Omercado do amor cão ou o homem que não tem ne- truir ogosto de viver até ao fim dos imploram todos os dias, a todas as

ELFRIDA. - E queixa-se de que que sei eu! Casando comigo ficará a aumenta na razão direta do progres- nhum? seus dias..Ima~a o que seja um horas, para suportar a vida!

lhe tenha SIdo dado opoder de tór- saber ao menos uma vez na vida, de so cultural. Quanto mais inteligente ELFRlDA - O homem que tem rapaz de dezesseis anos aquem ainda ELFRIDA (acariciando-o) - Se nos

nar outras pessoas felizes? (Depois quanto sacrifícios sobre-humanos é éomundo, mais vasto éomercado

f·um cão, evidentemente. batem porque não lhe.entra na cabeça casarmos, todas as torturas do corpo

duma breve luta interior a/ira-se-lhe capaz amulher com oseu amor sen dp amor. E a nossa tão apregoada CASTI-PIANI - E agora diga-me' a tábua de logarítimos?! Equem me eda alma terão fIm! Não terá que ~e, ,

limites! cukura deixa, em nome damorali- ainda qual ê mais forte: o homem preocupar mais com todas essas ter-aos pes). Case-se comigo por amor batia era o meu pai. E eu devolvia-de Deus! Nunca tinha imaginado a CASn-PIANI (acarieiroldo-lhe os dsde, que milhões de prostitutas que tem só um cão, ou o que tem lhe as pancadas! Batia-lhe com ode- riveis questões! Aminha mãe possui

possibilidade de me entregar a um cabelos, sem aoUlar) - Os seus sa- morram de fom~, ou então priva-as dois? sejo de omatar! De uma vez, tanto um patrimônio privado de sessenta

homem antes de o ter conhecido! crifícios sobre-humanos causar-me- da honra, do direito .à vida, e atira- ELFRlDA - Penso que é aquele lhe bati que omatei! Asenhora sabe mil marcos, de que o meu pai nem

Nunca tinha pressentido, até agora, -iam náuseas na melhor das hipóte- -as para o reino. dos animais! Tudo que tem uasó, porque deis cães tor- quem são as criaturas que aqui vivem sequer suspeita, apesar dos seus vinte

qual fosse o significado da palavra ses! Os únicos animais que eu fui isto em nome da moral! Há .quantos nam-se ciumentos um do outro. comigo. Pois nunca ouvi de nenhuma e cinco anos de felicidade conjugal.

"~or". É junto de si que pela pri- capaz de amar foram os tigres; ao pé séculos dura esta imoralidade, que CASTI-PIAN - Isso seria ainda o delas os insultos que na minha infân- Não lhe agrada a perspectiva de ter

mera vez o compreendo! O amor das cadelas sentia-me sempre como grita aos céus vingança, epor quan- menos. Arazão é outra. É porque cia ouvi diri~ àminha mãe, eque de repente sessenta mil marcos àsua

enaltece ohomem para além do seu um pedaço de madeira. Só me ccn- to tempo encherá ainda omundo de tem de dar de comer a dois cães, se . ela justificava, dia após dia, com disposição?

próprio ser desgraçado! Eu sou uma sola aidéia de que ocasamento, que estragos, em nome da moral! não fu~am-lhe, ao passo que um só . novas indignidades. Mas tudo isto são CA8n-PIANI(empurrando-a, nervo- .. mulher medíocre evulgar, mas omeu a senhora exalta com tanto entusias- ELFRlDA (gemendo, sem voz) - cão pensa em si próprio e no seu coisas sem importância. As bofeta- samente)" - Asenhora não sabe Q

amor por si torna-me tão livre e mo epara oqual se criam as cadelas, Case comigo! Ê a primeira vez que dono, e, se for necessário, defende-o das, os murros, os pontapés que o que éuma carícia! Comporta-se comoousada que nada éjá impossível para é uma instituição cultural. As insti- ofereço a minha mão aum homem! ainda dos assaltos dos ladrões. meu pai, a minha mãe e uma dúzia um burro que quise.sse parecer um

cãozinho de luxo, As suas mãos cau- . CASTI-PIANI - Não, minha se- neste mundo se não aadoração desin-sam-me dor! Bem se vê que não nhora, não acredito! Tire daí o sen-

t<'

teresssda desta felicidade que enche receio em tingir com bofetadas, o I KONlG - Tu estás saciada de pra- Mas isto é exatamente o contrário

aprendeu coisa nenhuma. Aservidão tido! de alegria e compensa o homem de meu rosto pálido e exangue. Para zer intenso e esperas ocansaço pro- daquilo que eu sempre ima~nei!

amorosa da sociedade burguesa cnn- ELFRlDA - Estou tão profunda- todas as torturas da existência com uma prostituta, isso é ainda uma vacada pelas dores e pelas lágrimas; CASTI-PIANI ([lara si, 110 seu escon-tamina todos os seus gestos. O seucorpo não tem raça. Falta-lhe a sen-

mente convencida da importância oprazer dos sentidos. honra ... Lamentos, soluços e gemi- só assim alcançarás um profundo derijo, com pavor) - Oh diabo! Oh

sibilidade necessária! Asensibilidademoral de tudo oque me diz, que scei- ELFRlDA - Parece-me que vem dos não devem sequer impressioná-lo. repouso, que nem de dia nem de noite diabo! Isto é exatamente ocontrário

eopudor! Falta-lhe osentimento dataria sem uma hesitação omaior sacri- alguém! Acumule sem piedade tortura sobre acalma o teu desejo ardente! daquilo que eu sempre imaginei sobre

efícácia das carícias; aquele senti- fício que me fizesse vencer omeu sen- CASTI-PIANI - Deve ser Lisiska?tortura! Mesmo que os seus punhos L S d oprazer dos sentidos!• . ISISKA - e eu a ormecesse

tido burguês emesquinho da existêJl-me partissem a cara, o meu desejO . '

menta que toda a criatura de raça ELFRlDA - Lisiska? Quem éLisis- d t • f . . d . d pedia-te que me acordasses com mm LISISK - Não me abandone!

traz consigo ao mundo desde que cia! ka?ar en enao icana am asaca o. b f t d Escute-me! Eu era uma criança ino-oea a.

nasce! .CASTI-PIANI - Não, não, não me CASTl-PIANI - É aquela raparigaKÕNIG - Confesso que não vinha KONlG - Otom éfalso! Ovidro cente ecomecei avida com seriedade

ELFRlDA (levantando-se, indigna- deixo iludir com esse estratagema! A que estudou em sua casa os livrospreparado para tais palavras ... tem uma racha! Podes desprezar a e com o sentido do dever! Muitas

da) - E atreve-se a dizer-me isso vida já é suficientemente horrível! consagrados àluta contra aprostitui-As~mse desejam as ~oas-vindas a felicidade, e até'a íua própriá vida! vezes ouvia os meus professores, .e

nesta casa?! Não, minha senhora! Não queira spa- ção! Agora pode ver, pelos seus pró-um hóspede? Falas c6mose o pur- Musa sono? Não, isso seria uma até os meus irmãos, falarem de mim

CASTI-P1ANI (levantando-se por gar o único raio de luz dívina que príos olhos, se eu exagerei ou não!gatório fosse já para ti um prazer ... blasfêmia!

em voz baixa com todo orespeito, e

sua vez) - Atrevo-me a dizer-lhe penetra na noite medonha da nessa Aqui estamos, por scne preparados LISro - Ao contrário! Avclú- os meus pais diziam: "Tu serás uni

isto nesta casa! martirizada existência terrestre! Por- para estas ocasiões. (Leva-a até o pia, esse monstro, a~ta-se eterna- LISISKA - Eu não sou propriedade dia aalegria da nossa velhicel" Ecis

ELFRlDA - Que me falta anees-que vivo eu afinal? Não, não, aúnica proscênio da direita). Sente-se atrás mente como uma fúria no meu peito. sua! Osenhor não émeu tutor! Por que, de repente, um belo dia, tudo

sária dclicadeza de sentimentos? Queflor pura que existe ainda no denso desta parede de hera. Daqui poderá Julga que eu, pasto dos demônios, isso não esteja a poupar com tanto isto se desvaneceu! E oprazer, uma

me falta o pudor recessirio? !matagal encharcado de suor ede san- observar o amor sem véus de duas teria jamais vindo para esta casa se cuidado os meus bens terrenos! Não vez acordado venceu todos os obstá-

CAsn-PIAN! - Que lhe faltam ogue que éavida, não deve ser espe- criaturas unidas pelo prazer dos sen- me pudesse libenar da alegria atroz tente consolar o meu coração com cnlos, dominou todos os meus pensa-

pudor e a necessária delicadeza dezinhada. Acredite-me: se acima das tidos! do bater do coração?! Aalegria eva- sentimentos de humanidade! Eu res- mentos, passou por cima de todos os

sentimentos! Atrevo-me a dizer-lhelágrimas desesperadas e dos gemidos pera-se como uma gota de água sobre peito sobretudo quem me bate sem sentimentos. Fiquei tão surpreendida

isto nesta casa de má nota! Conven-que brotam das dores do parto, das Elfrida senta-se na poltrona que

a pedra quente! E a volúpia insatis- dó nem piedade. Pergunta-me se ainda com o que me estava a acontecer e

ça-se, de uma vez para sempre dodores da existência e da tortura da está junto ao proscênio da direita.

feita, qual esfomeada imagem da sou capaz de corar? Bata-me, e terá tão intensamente me deslumbrava, .

tato com que estas mal afamadasmorte, não brilhasse esta única e re- Casti-Piani vai à porta central, dá

desolação, lança-se atodos os abismos a resposta! que não vi o relâmpago cair-me ao

raparigas exercem o seu ofício! Afulgente estrela, há meio século que uma olhadelrr para fora edepois sen-

para encontrar amorte! Se osenhor KONlG - Correm-me arrepios pela lado, nem ouvi o trovão à minha

mais humilde rapariga desta casateria metido uma bala na cabeça! ta-se atrás da parede da esquerda.

não for cruel comigo, pior para si. espinha e pelo peito. Deixa-me ir beira. Acreditei então que avida nos

conhece a alma humana melhor do ELFRlDA - Não consigo, por mais Kiinig e Lisiska entram pelo centro.Que lhe importam os meus gritos embora. Ao vir aqui, esperava colher tivesse sido dada para fi gozarmos

que omais célebre professor de psico- que me esforce, adivinhar o sentido Ele tem vinte ecinco anos, veste umquando me bater! da planta odoce fruto. Em vez disso infinitamente.

logia. Eu reconheço à primeira vista das suas palavras. Que raio de luz terno esporte daro, calções curtos. KÕNIG - Se em ti éinato oimpu!- disso ofereces-me apenas os espinhos. KONIG - E essa esperança orgu-

é esse que penetra na noite de sua '" Como é que conseguiste passar do lhesa não se verificou? Mas eu estoua mulher que é feita para o amor, Lisiska veste um simples vestido bran- I so negro de desceres de abismo em

porque as linhas do seu rosto irra- existência? Que flor é essa que não co que lhe chega ameio da perna, abismo, então sinto remorsos de ter caminho florido para omatagal cer- a falar-te como um cego que falasse

diam inocência e felicidade. (Obser- deve ser calcada aos pés? meias pretas, sapatos decotados de. haver escolhido, a ti, entre todas as rado? de cores ...

vando atentamente Elfrida). Nos tra- CASTI-PIANI (tomando Elfrida [leIa vel'11iz preto, fita branca nos cabelos tuas companheiras ... Mas havia nos LISISKA - Não deixe insatisfeito LISISKA - Não, foi apenas oins-

ços do seu rosto, minha querida mão esegredando-lhe misteriosameu- soltos. teus ollios uma luz de inocente feli- o meu desejo! Não se afa~te com tinto infernal, que não deixou tenha-

senhora, não se lê a felicidade nem te) - É oprazer dos sentidos, minhacidade que deslumbrou os meus senti- tamanha crueldade! Julga que este ma alegria atrás de si.

a inocência. senhora! O trumfante prazer dos .KONIG - Não venho aqui passar dos ... desejo ardente nasce porque estamos KõNIG - Quantas raparigas mor-

ELFRIDA (hesitando) ~ portanto sentidos, iluminado pelo sol! Opra- voluptuosamente o tempo na prisão LISISKA - E entretanto o tempo presas nesta casa? Não! Só a avidez reram de amor! E em todas elas o

não acredita que eu possa ainda zer dos sentidos é o raio de luz, a dos teus encantos; e ficar-te-ei reco- vai passando sem que a fúria dos torturante dos sentidos nos prende desejo ficou insatisfeito? Como épos-

aprender, com aminha força de von- flor sem par, porque éaúnica felici- nhecido se puder sair daqui sem em- nossos sentidos encontre os caminhos aqui! Mas até esse cálculo éfeito sem sível então que as mulheres se lancem

tade, com a minha energia, com o dade que nada perturba, aúnica ale- briaguez. por onde se há de escoar. .. Lá em pensar. Noite após noite, eu vejo com aos milhões no mesmo caminho que

meu enorme entusiasmo por tudo o gria pura egenuína que se oferece à LISISKA - Não me fale com tanta cima, com os estatutos e o reló~ouma nitidez maior que até nesta casa tu escolheste? Oh, cala-te, caJa-te! A

;2que ébelo, adelicadeza de sentimen- nossa existência terrestre! Creia q~e delicadeza. Aqui, éosenhor odono, em punho, está sentada a tia Adélia; os sentidos não encontram paz. palidez do teu rosto deixa ver clara-

tos em que falava? •desde há meio século nada me retém é o senhor quem manda. Não tenha conta ecalcula sem tréguas os minu- ELFRIDA (para si, 110 seu esconde- mente que a juventude fugiu-te comtos da nossa felicidade. rijo, com estupefação) - Meu Deasl a rapidez do vento, E quando per-

deste assim a tua inocência, aquele onde veio eescreva com um sorriso aalma se une aoutra alma, assim ttl ''\v' ELFRIDA (precipita-se para fora do meu valor! E comprometo-me sob I mais do que sensualidade insatisfeita!que te roubou deixou-te na miséria? o meu nome na sua agenda... Ea me pertences! Só assim eu sou teu! seu esconderijo; apaixonadamente) juramento a não oenvergonhar aos Mas juro-lhe que a minha sensuali-

LISI5KA - Não, mas veio outro mim. . . Amim resta-me ahorrível Das íomnas infernais subiste ao céu, - Que foi isto? Como éque eu pude olhtls dos seus clientes! dade não é fraca! Exija-me provas!

que encontrou prazer e sofrimento. maldição, oinstinto infernal que não ejá não ouves omarulhar dos dese- imaginar, no meu cérebro árido, o CASTI-PIANI (quase louco) - Quer que obeije como louca?

Jurei sempre eterna fidelidade atodos deixa atrás de si nenhuma alegria! jos do amor. Será isto que eu devo prazer sensual? Avida nesta casa é Orem me impede de dar um tiro na CASTI-PIANl (no auge do deses-esscs jovens ingênuos. Esperava que a KaNlG (milito sério) - Não acre- dizer aos homens. Em poemas casto~, sacrifício de si próprio, ardente mar- cabeça? Quem me ajuda a suportar pero) - Eoque são esíes gritos aosminha torlura desaparecesse com os dito no que ouço! É uma declaração darei a conhecer ao mundo os sofri· tírio! Eeu, na minha falsa arrogância, estes arrepios gelados de morte?! meus pés, que me dilaceram os ouvi-outros. Eera sempre aamargura que de amor que me estás afazer?! Que mentos do amor que se vende. Juro-o no meu estúpido orgulho vittuoso,

ELFRIDA - Ajudo-o cu! Venda- dos?! Estes gritos de desgraça, queeu encontrava, sem nunca achar dss- horror! Desprezado pelas mulheres, em nome dos eternos astros celestes, considerava esta casa um antro de uivam pelas dores do parto, pelascanso, porque era somente um insíin- quantas noites passei achorar perdi- da luz mais brilhante que ilumina a depravação! me! Efieará salvo!

dores da existência e pelas torturasto infernal que não dei,ava atrás de damente! E agora é uma prostituta nossa noite! Dá-me uma prova econ- CASTI-PIANI - Estou aniquilado! CASTI-PIANI - Mas quem é a mortais! Não posso mais suportá-los!si nenhuma alegria. que me balbucia,pela prineira vez na fessa-me eom 'inteira sinceridade: o

ELFRIDA - Gastei miseravelmente senhora? Não posso mais tolerar os gritos das

KaNlG' - Assim acabaste por vir vida, palavras dê amoi:!Não"te.êntre~ amor alguma vez te deixou satisfêita?aminha juventude, que océu fez tão ELFRlDA - Quero encontrar a dores humanas!

ter aesta casa, onde levas uma exs- gas 'aqui, seláescolher, àqueles 'que te LISISKA (fá-lo levantar-se) - As rica de sede e de capacidade para morte no prazer dos sentidos! Quero ELFRlDA (torcendo as mãos) - Setência de brilho efêmero! Ressoa a escolliem? Eéamim que pedes cen- minhas palavras não poderiam ser amar, no lodo escuro da estrada que ser massacrada no altar ensanguenta- quiser, sacrifico-lhe aminha isccên-música, o espumante corre sobre as solação?! Se eu estivesse mais junto outras, ainda que me quisesses matar. sufoca aalma! do dos amores sensuais cia! Se quiser, dou-lhe aminha pri-mesas, rebentam gargalhadas em cada de ti, omeu destino encher-me-ia de Apenas encontrei oinstinto infernal,

CASn-PIANI (atordoado) - Esta CAsn-PIANI - Asenhora? Veil- meira noite de amor!pavor! que não deixa atrás de si nenhumaalvorada que desponta. Olongo dia

alegria... Assim é de resto nesta é a luz, clara como o dia, que sem dê-la ... asi?! CAsn-PIANI (gritando) - Era sóde trabalho só conhece o rumor de LISISKA - Não acredite no meu se esperar atira por terra o sonâm- o que faltava! (Ouve-se um tiro delínguas escaldantes, que murmuram amor! Aqui, éum dever fin~r que se casa: todos aqueles para quem oamor ELFRIDA - Quero morrer como

é tortura infinita e desejo insaciado bulo que anda na beira do telhado! mártir, morrer como, aquela rapariga pistola. Elfrida solta um grito quepalavras de amor. Ao pé de ti, sober- ama. Quer que eu jogue consigo a trespassa aalma. Casti-Piani vacila,ba rainha do prazer, sinto-me um vul· este jogo maldito? Que, em troca do aqui se encontram. Enão tomamos ELFRIDA (apaixonadamente) - que há pouco aqui esteve! Não tenho

asério os outros visitantes que entram Esta éaluz, clara como odia! porventura os mesmos direitos huna- na mão direita segura orevólver aindagar mendigo! Vim ao teu encontro seu prazer, eu sinta apenas repulsa? fumegante, apertando o peito com lipara comprar com omeu dinheiro uns Mas se maltratar omeu corpo com as e saem. Homens como tu são raros, CASTI-PIANI - Que faço eu ainda nos, exatamente como os outros?l

mão esquerda. Cai sobre uma pol-instantes de prazer. Ah, como eu gos- suas mãos fortes erijas, isso poderá porque não contam, como nós, que neste mundo, se até o prazer dos CASn-PIANI - Deus me livre! trona). Per... doe ... Isto ... istotaria de te mancar raivosamente os unir-nos até que amorte me arran- somos comparadas aos animais irra- sentidos não émais do que um mas- (Num esgar forçado). Isto - isto quecabelos! Uma ânsia obscena de prazer que de si! cionais. Mas aceitas consolar este sacre infernal de carne humana, como vê - isto éoriso infernal de escár-

não ... foi ... ele ... gente ... da

te mantém agarrada àvida! Só pode meu desejo selvagem? toda a existência terrestre? Eéeste nio que acompanha a minha quedami ...nli .. parte ...

KaNJG - Vestes a túnica brancaser teu amigo quem se divirta ade-da inocência... Nem mesmo esta KaNJG - Embora sejam obscuros o úuico raio de luz que penetra na no abismo! ELFRlDA (levantando-se de um sal~

prezar os limites da humanidade! Eucasa conseguiu violar-te a alma. Os os caminhos pelos quais atua mão me ' noite tenebrosa da nossa vida mani- ELFRIDA (deixa-se cair aseus pés)

to ecurvando-se sobre ele) - Deusprocurava apenas refrescar-me, respi·

meus olhos estão deslumbrados com guia, uma estrela resplandece no alto T rizada! Ah! Porque não meti eu, há - Venda-me! Venda-me!do céu! Feriu-se?!

rar o vento puro das montanhas, ea tua pureza, omeu coração não se enos acompanha. meio século, uma bala na cabeça? CASTI-PIANI - Não ... me...

não sinto vontade de me afogar no Ter-me-ia sido poupada esta vergo- CASTI-PIANJ - Diante dos meuslodo mais sórdido deste mundo! cansa de mirar atua imagem. Entre- LrSISKA (abraça-o e beija-o) - nhosa bancarrota da minha almal ~Ihos desfilam os temp.os mais hcrrí- grite. .. tão... tão alto... aos ...

gando-te a todos os excessos, suici- Então vem, meu amorl Conheço há veis da minha vida. Vendi uma vez no meus ouvi... dos... por... porLISISKA (suplicando) - Fique! Se das-te sem tréguas elutas com aalma muito uma re~ão da maior voluptuo- ELFRIDA - Quer que lhe diga o

mercado do amor uma criatura que [a... vor...me abandona, faz-se outra vez noite a sangrar de dores jamais pressenti- que pode fazer ainda neste mundo? Êà minha volta! Não se vá embora!

sidsde, onde orepouso é eterno enegociante de mulheres, não éverda- não tinha sido feita para isto! Por ELFRIDA (recna at~rrada, levando

das, com amorte no rosto, eocora- nada jamais o pertuba. Ah, se eu causa desse delito contra a natureza as mãos à cabeça e fixando Casti-Cada palavra que sai dos seus lábios ção a transbordar de um ódio esal- pudesse morrer às tuas mãos! de? Egaba-se de oser! De qualquerpassei atrás de uma grade seis anos Piani. Num grito) - Não! Não! Não!magoa-me como se fosse uma cbico- dante por toda avã felicidade deste modo, mantém as melhores relações

tada e atiça o meu desejo ardente. mundo! (Ajoelha-se em frente dela). com todas as praças importantes em inteiros da minha vida!

Mas eu desejaria que me odiasse com Deixa-ne ser o teu amigo, o teu ' Saem os dois àdireita. matéria de tráfico de mulheres. Pois ELFRIDA (abraçando-o pelos joe· Depois do tiro disparado en/ra-taI intensidade que em vez de me irmão! Adádiva do teu corpo está bem: venda-me! Suplico-lhe: venda- lhos) - Suplico-lhe por tudo, pela ram pelas três portas da sala trêsferir com os lábios me agredisse com muito abai'lo de nós. Tão alto coase- CASn-PIANI (precipitmldo-se para me a uma casa como esta! Comigo minha própria vida: venda-me! O raparigas jovens e magras, vestidasos punhos eenchesse omeu corpo de guiste elevar-me! Posso jurar-te que, fora do seu esconderijo; desmlimado) .. pode fazer um bom negócio! Eu nun- senhor tinha razão! Aminha atividade como Lisiska. Olham curiosamente à

34 dores. Uma vez saciado, volte para deste momento em diante, assim como - Que foi isto?! ' ca amei, mas isso em nada diminui o na luta contra aprostituição 'não era sua volta. Depois de lima hesitação,

avançam até junto de Casti-Fiani e, torrente de lágrimas). De certo nunca "r FRANK WEDEKIND DOS JORNAIStrocando sinais mudos entre si, pro- sonhaste que fosse uma virgem a

I

curam discretamente socorrê-lo na fechar-te os olhos! (Fecha-lhe os (1864./1918)sua luta contra amorte. olhos e cai aos seus pés chorando

desesperadamente) .

CASTl-PIANI (vendo as raparigas)- Quem... são estes... estes ... BÁRBARA HELIODORAespíritos ... de vingança ... espíritosde vingança?.. Não... não! ...

FW nasceu em Hanover (Alemanha), filho de um DOUTORA EM SHAKESPEAREEsta... esta é... Mariella! ...

médico liberal que, desgostoso com o fracasso da revo-

Bem... bem vejo ... que és tu! ...lução de 1848, deixou a Alemanha para' se refugiar na

Esta. .. éEufemia!. .. E esta. .. éAmérica. Filho de uma antiga cantora de ópera alemã

Teófila!. .. MmieIla ... MarieIla!-que acabou cantando vaudeville em S. Francisco. Em

Beija-me. .. Mariella!... (A mais1872, afamília de FW sai da Alemanha por motivos polí-

esbelta das três raparigas curva-se ,""ticos, para viver na Suíça. Em 1884 parte para Munique JAN MICHALSKI

sobre Casti-Piani e beija-o na boca.para estudar direito. Em 1885 Wedekind já tem vários

Casti-Piani, aterrado) - Não,trabalhos literários (poemas e peças) em que rejeita o

não ... não! - Assim não! - Bei-naturalismo, apesar de se dar com os escritires socialistas

ja-me ... beija-me ... doutra manei-naturalistas. Perseguido e condenado à prisão por suas Pela primeira vez, oRio tem um Doutor em Teatro:

ra!. .. (A rapariga volta a beijá-idéias eseus escritos, escreveu as seguintes obras, algumas Bárbara Heliodora defendeu, na Escola de Comunicações

I) A . I A' . Iproíbidas pela censura: Arte ek1ammon e Despertar de e Artes da Universidade de São Paulo, a sua tese de

o. sslm.... sSlm. .. assIm....per. ..doem-me. .• Eu... enganei-

EIÍlI, OMundo Novo, ODespertar da Primavera (1880), doutoramento intitulada A Expressão Dramática do

as!... O... prazer... dos senti-Fritz Schll'igerling (1892), OEspírito da TeITa (1895), Homem político em Shakespeare, tendo sido aprovada com

dos... tortura humana... servidãoRei Nicolau, Marquês de Keith, Hidalla Caixa de Pan- distinção e com nota 9,6 pela banca integrada pelos pro-

humana ... eenfim... a... a... adora (1904), A Morte eoDemónio (1905, final da tri- fessores Antônio Cândido, Jacob Guinsbnrg, Célia Berret-

rendenção!. .. (Está rigidamentelega Lulu), iV1úsica, Censura (1907), Daha e outras. tini e Paulo Vizioli e presidida pelo professor Frederic

direito, os músculos contraídos, osSuas peças, a princípio, são inviáveis como repre- Lííto, orientador da tese. Até hoje apenas alguns especia-

olhos desmesuradamente abertos). n sentação, pois o naturalismo domina os teatros. Toca listas de São Paulo haviam alcançado, através de traba-

preciso... é preciso... receber ...guitarra, canta em cabarés, e representa fazendo alguns lhos dedicados ao teatro, o título máximo da carreira

de pé... o... o... o Senhor...papéis de suas principais peças quando consegue firmar-se acadêmica. O acontecimento é significativo, na medida

(Cai morto). * Tod und Teufel, "dança macabra em como ator. em que coloca oficialmente no mapa universitário dotrês cenas", escrita por Wedekind em 1905 r F\V é um dos primeiros autores que recusam o Brasil o quantitativamente modesto scholarship teatral

ELFRIDA (chorando, às raparigas) e representada pela primeira vez em 1912, tempo como elemento dramático em favor da exposição carioca. Por outro lado, oacontecimento étambém signi-- E agora? Nenhuma de vocês tem é uma das peças mais características da

temática e do estilo do grande dramaturgo de um tema. Nele surge, igualmente, uma das primeiras ficativo no sentido de que coroa uma carreira de pes-coragem? E no entanto foram, para alemão. O fogo gelado que, de extremo a personagens do te"lro contemporâneo: o indivíduo iníe- quisas eestudos caracterizada por uma obstinada eapsixo-

este homem, muito mais do que eul extremo, a percarre, o tom polêmico que grado (teatralmente) num grupo. nada dedicação aum assunto sagradamente teatral: aobra

(As três raparigas, recuam sacudindo nela a denlÍucia do farisaísmo burguês "O expressionismo, que dominará os palcos europeus de William Shakespeare. Dedicar-se ao estudo de Shakes-

acabeça, com uma expressão gelada, assume, a violêncio da luz que derramasobre (Jj raízes físicas epsíquic(Jj do amor,

e sobretudo alemães depois da grande guerra, o expres- peare no Brasil ealcançar nesse terreno um prestígio inter-

hesitante emedrosa. EI/rida volta-se, a crueza com que as relações entre o sionismo, movimento cultural que trouxe para o teatro nacional, enfrentando aconcorrência - se éque se pode

soluçando, para o cadáver de Casti- homem eamulher são desfibradas epostas não só alibertação da conceituação dramática do íeatro usar este termo - de milhares de especialistas estran-

Pianê). E tu perdoa-me, perdoa a a nu, o desenho exasperado d(Jj persona, naturalista, como oherói simbólico ou alegórico, acons- geiros esuperando as dificuldades de acesso às fontes degellS, as bruscas, por vezes contraditórias,

esta pobre miserávell Eu sei que, no mutações do seu comportamento, - tudociência do cenário como siguo, a parábola da intriga, a pesquisa, virtualmente inexistentes entre nós, éum engaja-

mais fundo da tua alma, me despre- isto, que em AMorte eoDiaba éevidente, consciência de uma moral social; a consciência de que o mento profissional que exige boa dose de coragem ecoe-

zavas! Mas perdoa-me se me atrevo marca uma ruptura deliberada com adra- teatro espetáculo éuma arte (irmã da pintura eda poesia; rênda, e ao qual Bárbara Heliodora tem permanecido

aaproximar-me de ti! (Beija-o desvai-maturgia naturalista, então dominante, e "ll começam afundamentar-se as noções de encenação) ede fiel desde asua juventude. Oque não a impediu, ébom

36 radamentenlT boclT, rompendo numaanuucia o alvorecer, 110 teatro, do expres. que éuma arte social (moralizadora eproblemática)". que se diga, de diversificar ao máximo as Suas alividadessionismo. (Nota do tradutor.)

ligadas ao teatro, que abrangem a cótica jornalística oestudo de Shakespeare tem sido para mim praticamente '''r métodos especificamente shahspearianos da expressão Oque o homem político de Shakespeare teria a dizer(inclusivc, durante vários anos, no JB), acrítica ensaística ininterrupto, com períodos endêmicos e períodos epidê- I dramática: o que mais me fascina é sua caracteóstica ao homem político brasileiro de 1975?(em várias revistas nacionais eestrangeiras), uma atuação micos, naturalmente. básica de autor popular, sua inacreditável capacidade de

BH - Provavelmente que todo indivíduo devemarcante como diretora do Scrviço Nacional de Teatro encontrar caminhos fáceis, acessíveis, para conduzir o(de 1964 a 1967), a encenação de vários espctáculos COI/IO teve a idéia de apresentar a sua tese? Visou a espectador às mais complexas e profundas visões ima~-

estar sempre alerta, para poder ter consciência do con-(shakespearianos ou não), dezenas de conferências e atender com isso a lima necessidade concreta? Por que nativas de uma imensa gama de expsriêacias humanas. texto político, sempre cambiante, em que ele se insere.cursos avulsos, além de uma permanente atuação no ersi- em São Paulo enão no Rio? Por outro lado, considero que o que coloca Shakespeare Foi por esse tipo de aguda consciência do que aconteciano. Atualmente, Bárbara leciooa Literatura Dramática e muito acima de todos os seus contemporâneos (e da asua volta que Shakespeare pode escrever suas peças bis-História do Teatro na Escola de Teatro da FEFlEG, e BH - Aidéia de fazer o doutoramento por tese grande maioria de todos os outros autores) éofato dele tólÍcas, e dar-lhes significação tão grande, ao contrárioministra cursos monográficos em nível de pós-graduação partiu de Fred Litto, oprimeiro ame convidar para ensi- criar universos sócio-políticos reconhecíveis em todas as de seus contemporâneos, que de modo geral ficavam nona Universidade de São Paulo, sendo que o curso deste nar na Universidade de São Paulo, eque foi omeu orien- suas obras, enquanto os outros ficam no plano da obser- cronológico eno anedótico. E, creio, deve ser ressai tada asemestre é totalmente dedicado ao Rei Leal', como odo tador. Foi ele que insistiu que eu tinha de me doutorar, vação psicológica (na qual ele é igualou melhor que preocupação do poeta com aapresentação do problema dosemestre anterior foi dedicado aHamlet. Bárbara já teve já que estava ensinando e as exigências de titulação são qualquer outro). Por esse caminho enveredei pelas pe- bem-estar da comunidade, tão mais importante por estartambém algumas cxperiências como atriz, aprimeira. das cada vez mais rigorosas. Todos nós que ensinamos na

ças históricas inglesas e nelas procurei identificar as si- presente não só nas chamadas peças políticas, como tam-quais altamente sintomática: muito jovem ainda ela fez a Escola de Teatro da FEFlEG estamos há anos enfren-

tuações colocadas em termos dramáticos. Do que verifi- bém em todas as outras, sempre associada ao problemasua estréia no elenco do Teatro do Estudante do Brasil tando esse problema. Ê extremanlente complexa aquestão ,..,.

quei nesse. estudo pani para uma tentativa de identifica-do bom e do mau Governo.,

de exigência de titulação para os professores de Teatro,interpretando de saída nada menos do que aRainha deção do desenvolvimento do pensamento político do pró-Hamlet, papel posterionnenteassumido por Cacilda pois só agora aprópria Escola de Teatro foi reconhecidaprio autor que pudesse ser considerado como motivador Muitos trabalhos teóricos sobre Shakespeare abrirani

Becker. Embora não goste muito de relembrar asua car- pelo Conselho Federal de Educação; os professores vie-daquele constatado por meio dos textos dramáticos. Parti caminho auma revisão das encel'llações shakespearianas.

reira de intérprete, écom uma justificada ponta de orou- ram do teatro, porque não havia escolas reconhecidas e, Acha que asua tese pode conduzir aexperiências cêni-lho que Bárbara constata ter sido provavelmente aúnica agora, as exigências do magistério superior são muito difí- das primeiras influências, que ele receberia da família,

cas apoiadas !las idéias que você expõe?atriz ater tido Cacilda como substituta... ceis de se atender. Na USP, que eu saiba, já houve três da escola eda igreja (a frequência era obrigaíéria}, ele-

doutoramentos na área do Teatro: Clóvis Garcia, Miroel mentos todos ligados àmais estrita ortodoxia Tudor. De- BH - Basicamente algumas de minhas idéias po-

Quando ecomo começou oseu interesse por Shakespeare?Silveira e Jacob Guinsburg (Décio de Almeida Prado e pois, nessa sequência, viriam as influências de Plutarco, dem condicionar algumas alterações de linhas interpre-Sábato Magaldi defenderam suas teses na Faculdade de Innocent Gentillet (que usei como símbolo da ddorma- tativas de certos personagens. Ê claro que qualquer alte-

Desde então oseu estudo do assunto tem sido ininterl'llpto? Letras). Oproblema éque são todos da área teórica, ea ção do pensamento de Maquiavel, em função de ter ele ração interpretativa tem de ter consequências na encena-BH - Não posso dizer com muita precisão, mas área prática, direção einterpretação, continuam sem solu- esoito uma obra que se tornou muito popular, com o ção; porém creio que há menor contribuição para uma

devia ter uns 12 ou 13 anos quando minha mãe me deu ção. Quanto aprocurar aUSP para omeu doutoramento, título de Le Contre-Machiavel) e, finalmente, opréprio linguagem cênica propriamente dita nesta tese do que emum volume com as obras completas de Shakespeare. creio que foi uma coisa ló~ca, já que a área de teatro Maquiavel. um aJtigo que publiquei na Inglaterra sobre Otelo, háClaro que omeu iuglês não dava para mais do que ciscar, está tendo todo esse apoio e desenvolvimento por lá. E Ê praticamente impossível dizer assim em poucas alguns anos. Mas éclaro que toda nova visão crítica ím-

um pouco de leve, por trechos famosos e. coisas assim. como venho dando cursos na USP desde 73, a questão palavras, o que está na tese. Quanto ao qJie considero plica nova linguagem cênica; acontece apenas que,para

Mas a vantagem de me llabituar desde oprincípio aler da necessidade de cantata constante com oorientador nãoT mais olÍ~al, além da identificação de VIDaS recursos escrever sobre o tema que escolhi, meu enfoque não foi

apresentava problemas. Confesso que sinto muito orgulho plÍoritatiamente cênico.Shakespeare no original foi tremenda. Aqui, na antigade ter obtido meu título lá; confesso também que gestara

dramáticos caracteósticos do autor, creio que devo men-Faculdade Nacional de Filosofia, tive dois ótimos profes-

de ver aFEFlEG com seus problemas resolvidos eafere-cionar dois pontos, sendo oprineiro uma interpretação

sores ingleses, os lendários Miss Hull eMr Church, que cendo pós-graduação aqui no Rio. nova para a inversão da ordem cronoló~ea dos reis nadentro de um programa panorãmico, me puseram no bom composição das duas tetralogias histólÍcas. Osegundocaminho. Mas foi nos Estados Unidos, aonde fui com uma

Qual foi o seu processo na elaboração da tese? Comoponto é a proposta da influência de Maquiavel na obra

bolsa-de-estudos, que comecei a descobrir realmente o de Shakespeare ,que tem sido ignorada ou contestada.mundo shakespeariano. Tive a sorte incrível de estudar poderia resumir as idéias principais do seu conteMo? Hoje em dia estou totalmente persuadida de que, depoiscom Dorothy Bethurum Loomis, do melhor tipo de Quais as hipóteses originais que você levanta? de aceitar por algum tempo a versão de Gentillet, elescholar. Basicamente medievalista (ela me ensinou Chau- BH - Aelaboração foi dolorosa, como énormal chegou aconhecer e compreender com considerável ela-cer, também) ela éuma shakespeatiana excelente e tem em toda tese. Talvez valha a pena dizer que a minha reza li Príncipe e, provavelmente, I Discorsi, de Maquia-aquela capacidade excepcional de professor, a de tomar tendência inicial foi a de não mexer com Shakespeare, vel. Não creio que tenha aceito totalmente oque leu, masoestudo excitante e desafiador. Comecei aler cótica, a mas Fred Litto acabou me convencendo de que eu possivelmente terá identificado o sucesso político dos

~8descobrir os prazeres da apreciação devidamente (ou pelo tinha de me testar no campo que sempre tinha estudado. ,.", Tudors com alguns aspectos básicos do pensamento domenos um pouco mais) informada. Realmente, desde então Já fazia algum tempo que eu vinha me interessando pelos autor florentino. (Do lomal do Brasil 30.8.75)

De um Debate sobre Censura, Visão - Por que exatamente o fim dos anos 50? Que '- PUnia Marcos - É hora sim. Essas coses qúe o nais do teatro, da música, do cinema estava falando mais

houve de especial nesse momento?I Paulo disse são mais importantes para a classe teatral ou menos a mesma linguagem. Como não havia apres-

promovido pela revista VISÃOdo que para acensura, porque aclasse realmente se aco- são da censura, havia um movimento de libertação cultu-

. Paulo POIli:S - Exatamente porque essa luta para modou. São poucos os homens da classe teatral que po- raL Desde omomento em que a censura se restabelece,

Impor durante séculos Ulll teatro nacional e popular se dem raciocinar em termos tão brilhantes como o Paulo restabelece-se com ela o colonialismo cultural. Acensu-

tem travado no seio da classe média. Quando, por volta fez. Além do mais, entraram para o teatro, a partir de ra éum braço do colonialismo cultural, éum agente.

de,1955, depois de uma década de democratização, o 1968, muitos empresários que ainda não têm compro-

pas começava a se revolver, a cultura e, palticularmen- misso com oespetáculo-idéia. Oproblema deles ébilhe- Plínio Marcos - Ocolonialismo cultural é a ex-

Paulo Autran - Oque não entendo são as relações te, o teatro sentiram os reflexos. E criou-se aqui uma teria e ganhar subvenção. Esses caras não vacilam em pressão da dominação econômica. Omaior exemplo disso

do teatro com a censura no Brasil. É absolutamente in- dranaugia voltada para a análise dos problemas brasi-nenhum momento em mpcrtar cultura e não arriscam são os Bob Wilson que vieram. Quando nó ano passado

compreensível a gente sentir que uma parte do governo leiros. Aquela luta pela implantação do teatro popularum tostão numa peça perigosa, isto é, que possa ser proi- a temporada do teatro em S. Paulo estava caindo pelas

fala em amenizar acensura - éverdade que não se fala atingiu oponto mais alto nesse momento e, pela primeirabida pela censura. Isto tudo tem que ser alertado neste tabelas, eles resolveram financiar um festival de nível

em abolir - enquanto outra parte trabalha para estabe- vez, teve-se a certeza: é preciso criar um nexo forte en-momento. Esse negócio de que agora não devemos falar, internacional. E então vieram espetáculos em língua es-

kcer maior rigor. Outro paradoxo é que o teatro não tre acultura da classe média eacultura do povo para senão. trangeira e alguns falados em língua nenhuma. É o que

existe oficialmente no Brasil, não há profissão de ator. fazer um teatro autenticamente popular. Não era uma Paulo Pontes - Não estamos em desacordo. Achoeles usam para abalar a existência de mais de quatro-

E, no entanto, é justamente contra essas pessoas sem aliança estética, em que oartista da classe média se co- '·""'1centas peças nacionais proibidas.

profissão que ogoverno exerce um controle descabido. loca como um oportunista, tirando do povo suas íormasque o teatro brasileiro, comprometido com toda uma

exóticas de cultura. Não. .corrente de pensamento que foi golpeada, esse continuou Visão - Pelo que disseram, pode-se chegar àconclusão

Orlando Miranda - Embora oproblema da censu- Antes de ser uma aliança política entre aclasse mé-resistindo. Cometeu muitos equívocos, às vezes se deses- de que o colonialismo cultural é o elemento

rn aíete toda uma política que o SNT possa pretender dia e o povo, compreende-se nas mesmas contradiçõesperou, em alguns momentos se omitiu, em outros tentou estrutural eacensura oconjuntural?

traçar, quero deixar bem claro qne oproblema da censu-deboche, se autodebochou, tudo como manifestação de-

ra é do Ministério da Justiça e não nosso.e encontrando-se para superá-Ias. Oque se golpeou nos formada de sua impossibilidade de se exprimir. Mas hoje, Paulo Pontes - A censura já' se transformou emanos 60 foi toda uma frente política que se refletiu na depois do desespero, depois da importação de vanguar- elemento estrutural também. Desde Anchieta o teatro

Plínio !'vIarcos - Acensura égrave, mas para mimcultura, quando a classe média e o povo se juntaram da, depois da omissão e do autodeboche, acho que está tem sido censurado e colonizado. Ocolonialismo é,' napara formar aqui um projeto nacional. Opovo não era, demonstrado que só há uma saída para teatro brasileiro:

o mais grave é que muitos artistas estão acomodados, como se pensava, um rebanho de marginalizados. Era évoltar a se ligar aos problemas do povo brasileiro.verdade, a expressão da dominação econômica. Quando

fazendo textos medíocres e culpando a censura.eram os portugueses, a luta do dramaturgo brasileiro

uma coisa ideologicamente mais complexa. Era todo cosistia em tentar impor aprosódia brasileira nos palcos;

Pontes - Oacomodamento, se há, é resultante dagrupo, pessoa ou classe social interessado efetivamente Plínio Marcos - Certo. Mas como é que você vai quando eram os ingleses, a cultura era inglesa. Porém,

censura. O problema não depende do nosso arbítrio.na emancipação econômica do país enão comprometido concorrer com espetáculos testados na Broadway, que mais grave do que a transposição de espetáculos ou pe-

Vamos refletir mais profundamente sobre oproblema dacom as classes espoliadoras do processo de criação de vêm precedidos de uma tremenda propaganda, que en- ças teatrais éaimportação de padrões de crIação. Trazer

censura, que não é apenas da nossa época e nem sóriqueza do país. Isso é que foi golpeado. Tentou-se im- tram aí esmerilhando? uma peça dos Estados Unidos para cá não importa tan-

referente a uma divisão do Departamento de Polícia por ao povo um movimento inverso àquele. Em vez de 1"to; oque importa é que a estética nascida naquele país,

Federal. Vamos aproveitar esta mesa redonda para ver fazer uma frente com o povo, a classe média se une Visão - Paulo Pontes disse que um dos maiores obstá- os padrões de criação se transpõem para aqui, eoartista

como se tem travado aluta para fazer um teatro nacional agora aos interesses dos exploradores e tenta criar um culos ao desenvolvimento. de 11111 teatro nacio- brasileiro vira um braço do colonialismo cultural. Por

epopular, que encontrou sempre dois inimigos: acensura modelo que, aliás, já se está escoando. Neste momento, nal epopular tem sido acensura eocolonia- ex.emplo, que significação tem para nós toda essa esté-

eocolonialismo cultural. Aí está aluta de João Caetano o que está sendo golpeado é a aliança de setores mé- Usmo cultural. Qual arelação entre um e01111'0 tica desesperada que se importou para oBrasil em nome

para tentar fazer uma companhia brasileira quando só dios com o povo para criar um projeto nacional. Neste fator? do vanguardismo, quando o vanguardismo de ua país

havia companhias portuguesas aqui; aí está opadre Ven- momento não adianta culpar os burocratas da censura,subdesenvolvido tem de nascer das necessidades mais in-

tura, nosso primeiro empresário, com o pecado de ser que obedecem aordens. Oproblema éqne há uma orien- Plínio Marcos - Um serve ao outro, mas o colo- portantes e profundas da própria sociedade?

crioulo e brasileiro, dentro do Brasil, tentando empresar tação geral que diz: essa estética, essa cultura, essa visão nialismo é picr.O empresário oportunista - falo com •••••••• " •• ' •• ,1, •• , •• , 1 1 1 ••••• , •• ,' •• , •• , •••

teatro; e a luta do ator Vasques tentando representar do país são enfoques que não nos interessam politica- ressalvas, porque realmente há os preocupados com a

como ohomem brasileiro, do jeito que ele era; aí temos mente. Diante disso tudo, começar a questionar qual foi censura - e a censura são dois braços do colonialismo. Rangel - É evidente que há contradições inerentes

a luta dos comediógrafos da década de 30 para impor o artista que vacilou, qual foi o pobre coitado que teve ao Governo, mas estas existem até dentro do Govemo

a prosódia brasileira aos povos brasileiros. Odesfecho de sobreviver, qual foi aquele mais próximo de sua sen- Range/- OPaulo Pontes já falou muito bem disso, da China. EntendemoE essas contradições e estamos dis-

tOdesse processo éaquele sobre oqual todos concordamos: sibilidade, pegou aqui, alugou ali, não tem omenor sen- .'" mas gostaria de acrescentar que o que aconteceu apar- postos inclusive não apenas adialogar, como até a cola-

foi no fim dos anos 50. tido. Não acho que seja ahora. tir de 1955 éque um número mnito grande de profissio- borar com aqueles que lutam pela distensão. Aprópria

-------------------------------.....,

1. ampla difusão de diretrizes, objetivos e critériosmetodológicos relativos à inserção das artes cênicas noquadro das atividades docentes;

2. valorização da atividade nas propostas curricula­res com aprevisão de lima carga horária suficiente paraum trabalho eficaz;

O1.0 Encontro Nacional de Professores de ArtesCênicas, realizado em Brasília nos dias 11, 12 e 13 dejulho de 1975, sob opatrocínio do Serviço Nacional deTeatro com o apoio do Programa de Ação Cultural doDepartamento de Assuntos Culturais do Ministério daEducação eCultura, da Secretaria de Educação e Culturado Distrito Federal e da Fundação Educacional do Dis­trito Federal com aparticipação de representantes de 15Estados e mais do Distrito Federal, teve como objetivo,olevantamento da situação do Teatro na Educação nasvárias re~ões do país e oencaminhamento de sugestõesque equacionassem soluções para os problemas existen­tes.

Segundo o depoimento dos representantes dos vá­rios Estados, verificou-se que aLei que estabelece aobri­gatoriedade da Educação Artística no sistema de ensinodos 1.0 e 2.° graus, não está sendo aplicada ou, noscasos de aplicação, funciona de forma precária.

A precariedade dessa aplicação manifesta-se espe­cialmente pela carência de recursos humanos suficiente­mente preparados e pela ausência de condições que im­pulsionem o seu desenvolvimento.

Diante do quadro de carência, do interesse das au­toriedades responsáveis e da grande demanda por partede educandos eeducadores, aAssembléia do I EncontroNacional de Professores de Artes Cênicas julgou oportu­no recomendar:

RESUMO DAS RESOLUÇÕES DO l.0 ENCONTRONACIONAL DE PROFESSORES DE ARTES

CÊNICAS

.. , .

(De Visão,29/6/1975)

Paulo Pontes - Está bem, Plínio, mas por termosapanhado não vamos voltar para casa chorando. Em facedesse problema, está começando asurgir aseguinte men­talidade: vamos criar um circuito paralelo, um mercadojunto ao estudante etc. Acho que mercado paralelo écoisa importante, mas aluta principal épara defender opalco brasileiro como centro de nossa atividade. Se sur­giram no Rio 200 mil espectadores, temos que disputá­-los. Vamos tentar criar um espetáculo para essas 200mil pessoas. Fugir delas éirpara omarginalsmo, que éapior solução.

Plíllio kJarcos - Nós tentamos disputar, com oAbajur, efomos esmagados.

Paulo Pontes - Como disse oJuca de Oliveira, éum fenômeno contraditório. Não ésó negativo.Vai haverrealmente melhores condições de trabalho para um setorda classe teatral. Mas odado fundamental éque ofenô­meno vai expropriar das fontes de produção do teatro noBrasil os artistas e autores que mais têm contato com arealidade, eoprejuizo cultural vai ser grande.

Mas se estavamos vivendo a Idade Média e chegaocapitalismo, não vamos ficar lamentando: "Ai que sau­dades da Idade Média". Onegócio é arealidade que seimpõe. Asaída eu acho que édisputar esse bolsão.

magando a,nossa forma de defesa. É.~m.maI muito gran- • SERVIÇO NACIONAL DE TEATROde que esta varrendo a nossa corscenoa do palco bra-sileiro. Agente não fica bravo quando se reune um grupode pessoas para produzir Shakepeare, porque ele acres-centa algo àcultura do povo brasileiro. Mas para venderandroginia, hippy e todos esses modismos, combato sim,até as últimas consequências.

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Juca de Oliveira - Mas nós não nos vamos colocarcontra a existência de uma indústria de espetáculos. Istoéauspicioso, até mesmo para acultura brasileira. Aexis­tência de uma Broadll'ay não éum mal, éexcelente, mes­mo porque não seria lícito argumentar com os atoresque esses espetáculospagam bons salários, mas não sãobons.

, Paulo Pontes - Oque está acontecendo no mo­mento, agravado pelas dificuldades da censura é que co­meça a se criar em S. Paulo e no Rio um bolsão comexcessivo poder aquisitivo: Uma porção de novos ricos,como resultado da concentração de riqueza. Gente quehá dez anos fumava Hollywood sem filtro e agora estáfumando Rothmans com ponta dourada; comprava fuscae está com projeto de comprar Galaxie e botar chofer.No mercado de diversões, não havia um produto àfeiçãodesse novo consumidor. Agora esse bolsão de poder aqui­~itivo começa a impor também o seu gosto e os seuspadrões de consumo ao mercado de diversão. E aí entrao empresário oportunista de que falou Plínio, alicerçadonesse problema de base que é a excessiva concentraçãode riquezas num setor da população. Mas aquele empre­sário tradicional, o que escolhia a peça para montar,esse vai acabar. Em seu lugar vai ~urgir o especulador,como já está surgindo. Evão naser neste país, que émedieval no nordeste epre-capitalista em Minas, aBroad­way eaoff-Broadll'ay.

Plínio Marcos - No momento em que agente nãotem condição de defender onosso mercado de trabalho,coloco-me contra. Recebo muitas cartas dizendo: "Plínio,você que éa favor da liberdade de expressão, por quecombate a andro~nia, aimportação de cultura? Elas nãotêm direito de se expressar?" Não, porque elas estão es-

fuea de Oliveira - A insegurança e o pânico deque é tomado o teatro afastam qualquer investidor. Oteatro tornou-se uma aventura de pânico.

minha, tenho de passar a viver de expedientes: meagarrar em fio desencapado, trepar em pé de vento etc.

Visão - Esses prejuizos estariam afastando prováveisinvestidores ou deslocando seu interesse paraoutro tipo de teatro?

...................................... - .

Plínio - Fui do mais humilde censor aos escalõesmais altos, sem queimar etapas. Em todos consegui umtratamento do mais alto nível de respeito humano. Sóque nenhum tinha condições de tomar decisão para li­berar, só decisão para proibir. Oque chamam diálogoparece ser a paciência que eles têm de ouvir os nossosargumentos para fazer prevalecer odeles. Culminou comuma audiência marcada com oMinistro da Justiça, quenão me recebeu e mandou um chefe de gabinete quefazia questão de declarar a todo momento: "Não estouaqui para falar, estou aqui para ouvir". E ouviu, ouviu,ouviu. Conclusão, só eonversei com pessoas que não po­diam tomar decisão.

Visão - Plínio, você tem fama de ser um autor meiozangado, mas oFlávio se referin às suas an­danças em Brasília em busca de aprovaçãopara sua peça. Com quem você conversou?

Visão - Quanto l'ocê chegou aínvestir l1a peça?

Plínio Marcos - Ao mesmo tempo, quando vocêfala cm contradições dentro do governo, a gente tem deter cuidado também com mmobrs;

Por exemplo: 11e~te momento em que oAbajur Lilásprovoca um debate, aparecem memgros do partido dogoverno querendo transferir a censura do Minstêrio dajustiça para oMinistério da Educação, como se os doisministérios fossem de outro governo. Não achamos quea censura feita por um policial seja diferente da censurafeita por intelectual. Estão querendo dar dignidade àcensura, coisa impossível, porque censura é sempre cen­snaNão queremos Conselho Superior de Censura, pois,como disse Milor Fernandes, se écensura, não pode sersuperior.

parada de lcalro~ aqui em S. Paulo não foi um ato deprovocação, nm ao contrÍlrio um ge~to em basca do diÍl­logo.

Plínio Marcos - Não fui eu. Oprejuizo quem tevefoi oAmérico Marques da Costa, uma pessoa ligada aoteatro que produziu apeça animado com apossibilidadede uma abertura. Ele gastou quase 200 mil cruzeiros. O

12 meu prejuizo ésimples: cada vez que proibem uma peça

3. esclarecimento junto aos diretires dos estabeleci- "'!"14': TEATRO DULCINA TEATRO IPANEMA TEATRO MESBLAmentos de ensino, para que sejam criadas condições ao

,(Tel. 232-5817) (Te!. 247-9794) (Te!. 242-4880)

pleno exercício das atividades de artes cênicas;

4. conscientização dos educadores quanto ao po- Tudo na Cama, de Jean Hartog. Testemunhas da Criação, de Do- A Venerável Mme. Goneau, detencial globalizador das atividades teatrais na ação edu- MOVIMENTO TEATRAL Direção de Derci Gonçalves. Com mingos de Oliveira. Direção de João Bethencourt, direção do autor.cativa, independentemente de áreas de estudo e discipli- Derci Gonçalves, Angelo e Leda Domingos de Oliveira. Preço 30,00. Com Hildegard Angel, Milton Morais,nas pedagógicas; Amaral. Preço 40,00. Corpo aCorpo, de O. Viana Filho. Ivan Cândido eoutros. Preço 50,00.

5. concretização, em todo o país, da licenciatura OAuto da Compadecida, de Aria- Direção de Aderbal Júnior, com Gra- Oh, Carol! de José Antônio decm Educação Artística com possibilidade de habilitaçãó no Suassuna. Dircção de Agildo cindo Júnior e Daise Poli. Preço Sousa. Direção de Jô Soares. Comem Artes Cênicas, na forma da lei; (JULHO-AGOSTO-8ETEMBRO-1975) Ribeiro. Com Agildo Ribeiro, Marcia 40,00. Teresa Raquel, Sandra Brea eoutros.

6. adoção de critérios mais f1exiveis no aproveita- Windsor, Dirce Migliaccio, Ivan Sena, Preço 50,00.mento de pessoal credenciado por uma experiência com-

IRoberto Azevedo, Domido Costa,

provada no setor, enquanto não se dispuser de um sufi- . Edson Guimarães e outros. Preço TEATRO JOÃO CAETANOciente número de professores legalmente habilitados; \

40,00. (Tel. 221-0305)TEATRO DE BOLSO ,,,, ~

7. utilização, pela sua importância, das manifesta- TEATRO MAISON DEções culturais brasileiras, a nível regiorial e local, nas (Tel. 287-0871)

TEATRO GINÁSTICOUm Grito Parado no Ar, de Gian- FRANCE (Tel. 252-3456)

atividades de artes cênicas com osentido de preservar e francesco Guarnieri. Direção de Fer-revitalizar as raizes de nossa cultura como condição in- Família Pouco Família, de Gerard (Tel. 221-4484) nando Peixoto. Com Othon Bastos,dispensável a atingir a integração nacional; Savary. Direção de Aurimar Rocha, Marta Overbeck, Miriam Mehler, A Cantada Infalível, de Feydeau.

8. articulação dos diversos orgãos públicos, fede- com Isolda Cresta, Aurimar Rocha, Gaiola das Loucas, de Jean Poiret. Renato Borghi, Márcia Real eoutros. Direção de João Bethencourt, com

rais, estaduais e municipais, aos quais cabe o compro- Heloísa Helena, Betty Saddy, Vera Direção de João Betheaccurt, com Preço 10,00. Sueli Franco, Milton Carneiro, André

misso de assumir a responsabilidade de evitar que se Brito e outros. Preço 40,00. Jorge Dória, Carvàlbinho, Nélia Pau- Caminho de Volta, de Consue]o ViIlon eoutros. Preço 40,00.

dispersem e se ff~gmentem iniciativas isoladas de real la, Mário Jorge eoutros. Preço 40,00. Castro. Direção de Fernando Peixoto.valor. Com Othon Bastos, Armando Bogus,

9. constituição de regras de trabalho para o deta- TEATRO COPACABANARenato Borghi, Flá\~o S. Thiago e

lhamcato operacional de cada uma das recomendações TEATRO GÚUCIO GIL outros. Preço 10,00. TEATRO NACIONAL DEapresentadas neste documento. (Tel. 257-0881) (Tel. 237-7003) Mockinpot, de Peter Weiss, direção COMÉDIA (Tel. 224-2356)

de Luís Gomes, pelo Teatro de Arena

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-<'iI. ção de Antônio Pedro. Com Buzaham Direção de Cecil Thiré. Com I no Suassuna. Direção de Luis Men-Tônia Carrero, Rogério Freis, Rosita Ferraz, Ginaldo de Souza, Érico de donça, com Maria Pompeu, HaroldoTomas Lopes, Djenane Machado, Freitas, Ivan Seita, Marco Nanini, de Oliveira, IIva Nino, Ruth MezzekFelipe Wagner eoutros. Preço 50,00. Taia Perez eoutros. Preço 30,00. e outros. Preço 30,00.

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ABarca d'Ajuda, de Benjamin San- I Becque. Direção de Fernando Torres.I Rudá, de Francisco Pereira da SiI·tos. Direção do autor, com Edgar I Com Fernanda Montenegro, SuziRibeiro, Atenodoro Ribeiro, Marcia ....;.o.. Arruda, Eduardo Tornaghi e outros. va. Direção de J. Wilker. Pelo Grupo

\4 Cisneiros e outros. Preço 30,00. Preço 50,00. Reló~o Emocionado. Preço ]5,00.

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TEATRO DA PRAIA Lapsky, Com Costinlm e outros. Bingo, oCoelho Xerife, de Brigite I Àvenda na Secretaria d'O TABLADO....(Tel. 227-1083) Preço 40,00. Blair, no Teatro Miguel Lemos.

As Aventuras de um ReizinflOTransas da Noite, de Frank Gilroy. Medroso pelo Grupo Fanhsia, no

Direção de Antônio Pedro. Com Teresa Raquel.Débora Duarte, Paulo César Pereira OUTROS ESPETÁCULOSe outros. Preço 50,00. OGato, oRato eaPantera cor de

Abóbora, de Elíseu Miranda.Em outros teatros foram apresn-

O Burrinho Avançado, de JairTEATRO PRINCESA ISABEL talos os seguintes espetáculos:

Pinheiro, no Teatro Galeria.(Tel. 236-3724) ALiberdade está lá fora, de Flávio OQuati Papa Ovo, de João Ama-

Peixoto, no Teatro Duse. do.Feira de Adultério, de diversos Os Peixes da Babilônia, de Miguel

autores. Direção de Jô Soares. Com Oniga, na Sala Moliere. Os Três Porquinhos, de RicardoMauro Mendonça, Resanaria Murti- Lavalas. "1

nho, Arlete SaJes e outros. Preço Um Homem, uma Mulher, no Iea-A História do Espantalho,50,00. tro Jaime Costa. no

OFilho Pródigo, no Teatro PedroMiguel Lemos. NO PRóXIMO N.o:

Jorge. Alice 110 País das Maravilhas, deGrol'owski - Pmjeto especialTEATRO SANTA ROSA O Atol' Cara de Bolacha versns Jair Pinheiro, no Teatro de Bolso.

(Tel. 247-8647) Mimi Flaflu, de Marcilio Morais, pelo AGata BD/ralheira, de Jair Pinhei- Martins Pena - Inglês MaquinistaGrupo Ensaio, no Teatro da Divina 1'0, no Teatro de Bolso. Autor: MARIA CLARA MACHADO Cervantes - Retábulo das Maravilhas

Os Portugneses, poemas de diversos Providência.

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ras, no Gláucio Gil. Roberto Castro, pejo Carrossel.t Cebolinhas, Chapeuzinho Vermelho

ANoite dos Campeões, de Jason Era ullla vez ullla Ilha, de Paulo Quem Quer Casar com D. Barati- OBoi eoBun'o eABrrLYinha que30,00Miller. Direção de Ceci! Thiré. Com Afonso de Lima, no Museu de Arte nha, de Roberto Castrq. era Boa ........ ··············

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(Tel. 232-8531) Tavares, no Teatro da Praia. no Iearo João Caetano. Pluft (gravação) ................. 20,00 d'O TABLADO mediante pagamento com chequeMargarida Curiosa visita aFloresta Zé Vagão da Roda Fina esua Mãe Embarque de Noé (música-gravação) 20,00 visado em nome de Eddy Rezende Nunes - O

Veludo oCostureiro das Dondocas, Negra, espetáculo de bonecos pelo Leopoldina, de Sílvia Ortof, no Tea- Tribobó (gravação-musical), ........ 20,00 TABLADO, pagável no Rio de Janeiro.46 de Jorge Murad. Direção de Olga Carreta, no Teatro Casa Grande. . tro Opinião.

Textos àdisposição dos leitores na Secretaria d'O TABLADO

48

Anan-IeunAnônimo (séc. 15)Andrade OswaldArrabal Fernando

Brandão· RaulBrccht BertoltCervantes

Coctcau JeanChecov Anton

França JúniorLabiche EugcneMacedo J ManuelMachado de AssisMachado MC

Marinho LuizMartins PenaMaeterlinckQorpo-Santo

Souto AlmeidaSynge JMTardieu Jean

Yeats

oGuarda dos Pássaros 64Todomundo 62A Morta 52Piquenique no Front 54Guel'llica .,., ... , ,', ,.. ,.. " , 50ODoido e a Morte 63A Exceção e II Regra 61OTribunal dos Divórcios 63ORetábulo das Maravilhas ., ,..... 66Édipo Rei , ,............... 58O Urso 29O Jubileu ., ,.,........................ 46Os Iv/ales do Fumo 49Maldita Parentela 55A Gramática 47O Novo Otelo 43Lição de Botânica , , , , 61Os EmbmlllOs 47As Inleijerências 56Um Tango Argentino 57A Derradeira Ceia 59As Desgraças de uma Criança " ". 45A fntl'llsa "." ,., .. ,.. ,... 65Eu Sou aVida 45Mateus & Maleusa 65OJogo da Independência ,.. , , . 54A Sombra do Desfiladeiro , 51Conversação Sinfonieta , , ,........•. ,. 48Um Gesto por Outro 64OÚnico Ciúme de Emer ,.. , ,.. 43

Acham-se esgotados os seguintes ns, dos CADERNOS:D,o 1/16-19/23-30/42.

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I'I!

J IGmRPAF:esso porJ.. ICA EDITORA DO LIVRO LIDA\ Rio de Janeiro, Brasil 'I