0621 brasil onu

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    O Brasil e a ONU

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    MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso Amorim

    Secretrio-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimares

    FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio

    das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidadeinternacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizaoda opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para a poltica externabrasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847Fax: (61)3411 9125Site: www.funag.gov.br

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    O Brasil e a ONU

    Braslia, 2008

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    Copyright , Fundao Alexandre de Gusmo

    1 Capa - Cndido Portinari - Estudo para o painel "GUERRA", 1952leo sobre tela 165 x 125 cmProjeto para o painel na sede das Naes Unidas, Nova Iorque.

    Contra Capa - Cndido Portinari - Estudo para o painel "PAZ", 1954leo sobre tela 165 x 125 cmProjeto para o painel na sede das Naes Unidas, Nova Iorque.

    Equipe tcnica:Maria Marta Cezar Lopes e Llian Silva Rodrigues

    Projeto grfico e diagramao:Cludia Capella e Paulo Pedersolli

    Direitos de publicao reservados

    Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes Exteriores

    Esplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847/6028Fax: (61) 3411 9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

    O Brasil e a ONU/Fundao Alexandre de Gusmo. Braslia :FUNAG, 2008

    252p.

    ISBN: 978-85-7631-129-4

    1. Brasil Organizao das Naes Unidas. I. Ttulo.

    CDU: 908(81):061.1ONU

    Impresso no Brasil 2008

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    S U M R I O

    PREFCIO ..............................................................................................7E MBAIXADOR C ELSO AMORIM - M INISTRO DAS R ELAES E XTERIORES

    I. A ATUAO RECENTE DO CONSELHO DE SEGURANA E O BRASIL............ 15M ARCELO V IEGAS

    II. DE SUEZ AO H AITI: A PARTICIPAO BRASILEIRA NASOPERAES DE P AZ ........................................................................ 39R ICARDO SEITENFUS

    III. POR UM MUNDO LIVRE DE ARMAS DE DESTRUIO EM MASSA:DESARMAMENTO E NO-PROLIFERAO................................................. 59C ARLOS SRGIO SOBRAL DUARTE

    IV. O BRASIL E A CRIAO DA COMISSO PARA CONSOLIDAO DA P AZ ........ 83GILDA S ANTOS N EVES

    V. O BRASIL E O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO NAS N AES UNIDAS....... 109SRGIO ABREU E LIMA F LORNCIO

    VI. A AO CONTRA A FOME E A POBREZA ............................................. 145 ALEXANDRE N INA

    VII. O BRASIL E O COMBATE INTERNACIONAL CONTRA A AIDS ..................... 161P EDRO C HEQUER & M ARINGELA SIMO

    VIII.DIREITOS HUMANOS E O PAPEL DO BRASIL.......................................... 183J OS AUGUSTO LINDGREN ALVES

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    IX. AINCOMPATIBILIDADE ENTRE O RACISMO E A DEMOCRACIA:UMA INICIATIVA BRASILEIRA NA COMISSO DE DIREITOS HUMANOS........... 205 ALEXANDRE GHISLENI

    X. DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: DA RIO 92 AT CURITIBA............ 217LUIZ ALBERTO DE F IGUEIREDO

    X.I OS TRS P AINIS SOBRE O IRAQUE NAS N AES UNIDAS..................... 231E MBAIXADOR ANTONIO DE AGUIAR P ATRIOTA & C ONSELHEIRA GISELA M ARIAF IGUEIREDO P ADOVAN & C ONSELHEIRO LEONARDO GORGULHO N. F ERNANDES

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    PREFCIO

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    m seu primeiro discurso na Assemblia Geral da ONU, em2003, o Presidente Lula reafirmou a confiana que o Brasil deposita nasNaes Unidas e no seu papel insubstituvel de promover a paz e a justia. O fortalecimento do multilateralismo o caminho queescolhemos, o nico que nos parece justo e apropriado.

    Acreditamos que a convivncia entre os Estados ser to maisharmoniosa quanto maior for o respeito s normas acordadasmultilateralmente. somente por meio da negociao e do dilogoque podemos avanar na soluo dos conflitos. Tambm por meiodeles que devemos tratar as questes de interesse global, como odesenvolvimento e o meio ambiente. No h instituio internacionalmelhor aparelhada para executar essas tarefas do que a ONU, o forouniversal por excelncia.

    Este livro oferece ao leitor um panorama diversificado dacontribuio do Brasil nas diferentes reas de atuao das NaesUnidas.

    Podemos dividir a agenda da ONU em duas grandesvertentes, conforme estabelecido na Carta de So Francisco: os assuntosrelativos manuteno da paz e da segurana internacionais e os temaseconmicos e sociais.

    No primeiro caso, a responsabilidade primria de preservara paz cabe ao Conselho de Segurana, que tem poderes para agir em

    E PREFCIO

    Celso Amorim Ministro das Relaes Exteriores

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    nome dos Estados-membros. Eleito membro no permanente pelaprimeira vez em 1946, o Brasil um dos pases que mais esteve presenteno Conselho nove mandatos, nmero igualado apenas pelo Japo.Temos, portanto, autoridade para apontar os problemas e osdesequilbrios que afetam o trabalho do Conselho e impem anecessidade de mudanas.

    Nenhuma organizao resiste ao tempo se no souber seadaptar s novas realidades. O processo de reforma da ONU,atualmente em curso, precisa avanar. O aperfeioamento do sistemamultilateral a contraparte necessria do convvio democrtico nointerior das naes.

    Da o imperativo de tornar as instncias decisriasinternacionais mais representativas, legtimas e transparentes. Isso valeem especial para o Conselho de Segurana, que mantm congeladadesde 1945 a composio de seu quadro permanente, apesar do notvel

    crescimento no nmero de Estados-membros de 51 para 191.

    Temas estratgicos e fundamentais, como desarmamento,no-proliferao, sade, crises humanitrias e at mudana do climatendem cada vez mais a passar pela agenda do Conselho deSegurana. Isso torna ainda mais necessria sua expanso nas duascategorias de membros permanentes e no permanentes, objetivoda ao diplomtica do G-4, integrado por Brasil, Alemanha, ndia

    e Japo.

    Sempre que esteve no Conselho, o Brasil se destacou pelacoerncia, iseno e bom trnsito entre as delegaes. A propsito,recordo-me de um momento significativo poca em queocupvamos a presidncia de turno do Conselho no incio de1999.

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    A questo do Iraque havia chegado a um impasse aps osbombardeios da chamada operao Raposa do Deserto. Os P-5estavam divididos e a tenso era grande. Foram ento constitudostrs painis para tratar de desarmamento (inspees), questeshumanitrias e prisioneiros de guerra kuwaitianos, incluindopropriedades tomadas pelo Iraque na primeira Guerra do Golfo.

    O Conselho decidiu oferecer a presidncia desses trs painisao Brasil. Foi um reconhecimento da nossa capacidade de colaborarpara entendimentos que, se no puderam resolver plenamente todasas pendncias, ofereceram uma via multilateral para encaminharproblema to grave e sensvel. Infelizmente, essa via no foi perseguidanos anos subseqentes, com as conseqncias conhecidas.

    Compete ao Conselho de Segurana decidir e aprovar o enviode operaes de paz das Naes Unidas. O Brasil tem tradio nessarea e j participou de mais de 30 misses, incluindo a primeira grande

    operao de paz da Organizao, em Suez, entre 1957 e 1967.

    Desde 2004, o Brasil detm o comando militar da Missodas Naes Unidas para a Estabilizao no Haiti (MINUSTAH).Contribumos com um contingente superior a 1.200 militares, almde muitas outras iniciativas de apoio ao desenvolvimento poltico,econmico e social do Haiti. Entendemos que no basta melhorar asituao de segurana do pas. preciso dar condies reais ao povo

    haitiano para que, com o auxlio da comunidade internacional, possaseguir de forma autnoma a trajetria de seu prprio desenvolvimento.

    A criao da Comisso de Consolidao da Paz, em 2006,abriu um novo captulo nesse esforo por fortalecer a capacidadenacional nos pases recm-sados de conflitos internos. Para que hajauma paz duradoura essencial investir no combate misria e em

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    alternativas para gerar empregos e renda em benefcio da populaolocal.

    Estivemos empenhados em fazer valer o esprito do artigo65 da Carta das Naes Unidas, segundo o qual o ConselhoEconmico e Social (ECOSOC) deve apoiar o trabalho do Conselhode Segurana. Era preciso estabelecer uma ponte entre os dois rgos.Ao defender essa idia, o Brasil apontou a lacuna sistmica que aComisso de Consolidao da Paz viria preencher. Esperamos agoraque a Comisso possa dar assistncia efetiva a pases em fase derecuperao ps-conflito.

    O tema do desenvolvimento tem sido historicamente umelemento central para a poltica externa brasileira, sobretudo no mbitomultilateral. Desde nossa contribuio pioneira UNCTAD,estivemos presentes nos principais debates que se travaram sobre oassunto.

    A Ao contra a Fome e a Pobreza, lanada por iniciativado Presidente Lula em 2004, um exemplo do empenho brasileiroem colocar o desenvolvimento no topo da agenda internacional. Umdos resultados concretos da iniciativa foi a criao da CentralInternacional para a Compra de Medicamentos contra AIDS, malriae tuberculose (UNITAID).

    Na rea de direitos humanos, nossa adeso aos instrumentosinternacionais hoje completa. No ano passado, o Brasil foi eleito para oConselho de Direitos Humanos, que substituiu a antiga Comisso deDireitos Humanos (CDH). Na sesso inaugural do Conselho em Genebra,em junho de 2006, manifestei o ponto de vista brasileiro de que atitudespuramente confrontacionistas so contraproducentes. Quando algunspases so singularizados por razes polticas, enquanto outros so deixados

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    P REFCIO

    de lado sem razo plausvel, o resultado o isolamento e a radicalizao.Isso no contribui para a eqidade nem traz benefcios para as vtimas deabusos.

    Continuaremos ativos na defesa dos direitos humanos, internae externamente. A interligao dessas duas dimenses se reflete emnossa atuao diplomtica.

    Exemplo disso foi a iniciativa brasileira, no ano 2000, de quea CDH reconhecesse a incompatibilidade entre racismo e democracia.Rompemos um tabu: em geral, pases em desenvolvimento nocostumavam apresentar iniciativas sobre direitos civis e polticos.Embora tenha enfrentado dificuldades e resistncias, a resoluoproposta pelo Brasil foi aprovada e as idias que a inspiraram continuama enriquecer o tratamento que se tem dado matria.

    Na rea ambiental, a comear pelo marco representando pela

    Rio-1992, o Brasil tem tomado a liderana em debates sobre odesenvolvimento sustentvel. Em 2006, sediamos em Curitiba duasimportantes conferncias internacionais: a Conferncia das Partes daConveno sobre Diversidade Biolgica (COP-8) e a Reunio doProtocolo de Cartagena sobre Biossegurana (MOP-3). Acaba derealizar-se, no Rio de Janeiro, importante reunio sobre Governanae Meio Ambiente, quando mais uma vez o Brasil procurou lanar asbases de um dilogo construtivo em tema que parecia intratvel.

    Os tpicos cobertos por este livro no esgotam a ao doBrasil na ONU nem o papel da nossa diplomacia multilateral.Poderamos mencionar os trabalhos da Assemblia Geral, rgo derepresentao igualitria e universal que gostaramos de ver fortalecido.Fazemos propostas que a valorizam, como a resoluo a favor de umHemisfrio Sul Livre de Armas Nucleares.

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    Desejamos um mundo mais solidrio, onde o direitointernacional seja respeitado e os Estados procurem resolver seusdiferendos pela via pacfica. Desejamos tambm um mundo menosdesigual, onde o esforo coletivo seja direcionado ao desenvolvimentointegral de todos os povos. A ONU, apesar de todas as suas limitaes,pode ajudar para que esse sonho se torne realidade um dia.

    Ao concluir este Prefcio, quero prestar uma homenagemao brasileiro Srgio Vieira de Mello, meu amigo, vtima de umignominioso atentado contra a Misso da ONU em Badg o maior j sofrido pela Organizao em toda sua histria. Seu exemplo dededicao, idealismo e competncia continuar servindo de inspiraoa todos ns que acreditamos nas Naes Unidas.

    Braslia, 8 de setembro de 2007

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    CONSELHO DE SEGURANA: O QUE

    O Conselho de Segurana um dos seis rgos principaisestabelecidos pela Carta das Naes Unidas (sendo os outros aAssemblia Geral, O Conselho Econmico e Social (ECOSOC), oConselho de Tutela, a Corte Internacional de Justia e o Secretariado).Nos termos da Carta da ONU, o Conselho de Segurana detmresponsabilidade primria pela manuteno da paz e seguranainternacionais, agindo em nome dos Membros da Organizao (Artigo24). O Artigo 25 do mesmo documento estabelece, ainda, ocompromisso de todos em acatar e implementar (suas) decises. Orgo tem a prerrogativa de autorizar o uso da fora, tornado ilegalpela Carta em todos os outros casos exceo da legtima defesa,prevista no Artigo 51, e a adoo de medidas coercitivas - como sanes- contra aqueles que representem ameaa paz e seguranainternacionais.

    Apesar das amplas prerrogativas de que dispe, e dainegvel relevncia de seus trabalhos para a Organizao e para o

    conjunto de seus membros, o Conselho de Segurana um rgode composio consideravelmente restrita. Aps a reforma de1963, que expandiu o nmero de integrantes de 11 para 15, oConselho passou a ser composto por cinco membros permanentes(China, EUA, Frana, Reino Unido e Rssia) e dez membrosno-permanentes eleitos para mandatos no consecutivos de doisanos.

    Marcelo Viegas

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    TRANSFORMAO DE FATO NOS TRABALHOS

    Desde o fim da guerra fria, os trabalhos do Conselho deSegurana passam por profunda transformao. Durante aqueleperodo, o poder de veto dos EUA e da Unio Sovitica tendia ainviabilizar a tomada de deciso no rgo sobre questes de algumarelevncia estratgica para qualquer um dos dois pases. Superado oantagonismo atvico entre as superpotncias da era bipolar, acomunidade internacional redescobriu o Conselho como instnciaefetiva para lidar com crises internacionais.

    Boa ilustrao dessa nova realidade o nmero de resoluesaprovadas nas dcadas imediatamente anterior e subseqente quedado Muro de Berlim. De 1980 a 1989, o Conselho de Segurana adotou184 Resolues, enquanto que de 1990 a 1999 o nmero foi de 637.Mensurado por apenas este referencial, o trabalho no rgo teria maisdo que triplicado entre um perodo e outro. A evoluo at os dias

    de hoje atesta a manuteno deste novo patamar. Outros parmetrospara avaliar quantitativamente o trabalho do rgo, como o nmerode sesses realizadas a cada ms ou a quantidade de declaraespresidenciais, comunicados ou outras manifestaes pblicas doPresidente revelam tendncia ainda mais pronunciada de aumento deatividades.

    A ttulo de exemplo, vale lembrar que quando o

    Representante Permanente do Brasil junto s Naes Unidas,Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg, exerceu a presidncia dorgo, em maro de 2005, a agenda do rgo registrou 26 sessesformais e 19 reunies de consulta (em 23 dias teis), com a aprovaode 9 resolues e 5 declaraes presidenciais. Em termos prticos, oConselho de Segurana, originalmente concebido como rgo deconvocao extraordinria para lidar de maneira pontual com crises

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    que representassem ameaa paz e segurana internacionais, tornou-se rgo de atuao praticamente permanente.

    O aspecto quantitativo, contudo, ainda que expressivo, apenas a dimenso mais evidente da transformao ocorrida no rgo.Como no poderia deixar de ser, a nova dinmica trouxe tambmprofunda alterao na prpria natureza dos trabalhos. Ainda quedecorrncia do desbloqueio da pauta do rgo, esta alterao talvezseja o fator mais importante na explicao do incremento na atividadedo Conselho de Segurana. Com a nova realidade, multiplicaram-seas intervenes aprovadas no rgo, entre as quais as Misses (de paze outras) mandatadas pelo Conselho, as quais passam a exigiracompanhamento de seus membros.

    A soluo das questes includas na Agenda do Conselhodepende de fatores polticos. Influem de maneira decisiva ocomprometimento dos membros das Naes Unidas, em particular

    dos membros permanentes do Conselho detentores de poder de veto(Artigo 27.3), em chegar a acordo quanto a uma soluo, assim comoa capacidade e disposio das partes envolvidas no diferendo em acatare adequar-se s decises do Conselho.

    Anlise mesmo que superficial da agenda recente doConselho de Segurana evidencia a preponderncia de temas recorrentescom relao aos quais a ausncia de um ou mais dos fatores acima

    mencionados impede encaminhamento satisfatrio. Esta realidade temfeito com que se tornem cada vez mais freqentes as Resolues detechnical rollover , as quais, na ausncia de acordo no Conselho deSegurana mesmo quanto a eventuais ajustes que possam aproximar aquesto de seu equacionamento, limitam-se a, geralmente em basesconsensuais, prorrogar, em prazos reduzidos, os mandatosanteriormente aprovados pelo rgo. guisa de exemplo, vale notar

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    que, em 2006, das 41 Resolues adotadas pelo Conselho de Segurana,todas por consenso, 25 referiam-se a renovaes de mandato, e destas,17 praticamente limitavam-se a prorrogar mandatos nas bases acordadasanteriormente.

    O esforo pela adoo de Resolues por consenso, quecaracteriza a atuao presente do rgo, muitas vezes mascara aincapacidade de se chegar a (novos) acordos substantivos e faz comque as decises sejam o estrito mnimo denominador comum possvelentre os cinco membros permanentes.

    A articulao prvia entre os membros permanentes outradas caractersticas da evoluo recente do trabalho do Conselho deSegurana que contribui para o aumento de suas atividades.Especialmente a partir dos atentados terroristas perpetrados contraos EUA em 11 de setembro de 2001, o Conselho de Segurana passoua ser acionado, nos casos em que h convergncia de viso entre os P-

    5, para fazer aprovar medidas de alcance global, com base nasprerrogativas estendidas pelo Artigo 25 da Carta, e com crescentefreqncia a partir do Captulo VII (relativo autorizao do uso dafora), de forma a contornar processo negociador mais amplamentemultilateral. Ademais, a agenda do Conselho foi expandida e passoua incluir decises sobre questes temticas, como o combate aoterrorismo ou o risco da obteno de armas de destruio em massapor agentes no-estatais.

    A agenda temtica de que se dotou o Conselho no serestringe s questes em que o rgo serve de veculo para a adoo demedidas genricas de carter compulsrio. Tambm se verifica aproliferao de itens temticos marginais s ameaas paz e seguranainternacionais em si, como, entre outros, os das crianas ou mulheresem conflitos armados. Com a reduzida capacidade de influncia dos

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    membros no-permanentes nas decises substantivas, tornou-se praxeque os membros eleitos, ao ocuparem a presidncia de turno, busquemilustrar sua passagem pelo Conselho com proposta de questo temticaa ser considerada em debate aberto.

    Um ponto adicional a ser tido em considerao nacaracterizao dos trabalhos atuais do Conselho de Segurana o daflexibilizao no que se refere aos parmetros de atuao do rgo.Exemplos podem ser encontrados na adoo, a partir de meados dosanos 90, de sanes direcionadas e na aplicao de sanes a facesno interior de um determinado pas em conflito.

    O BRASIL NO CONSELHO DE SEGURANA

    O Brasil , junto com o Japo que igualou o feito aoingressar no Conselho em 2005 -, o pas que por mais vezes ocupouum assento no permanente do Conselho de Segurana, tendo sido

    eleito para o rgo nove vezes. No perodo ps guerra-fria, o Brasilparticipou da composio do Conselho nos binios 1993-94, 1998-99e 2004-05.

    A atuao do Brasil no rgo norteou-se, sempre, pela defesado multilateralismo e do respeito ao direito internacional. Por meiode sua presena, o Brasil bateu-se pela preservao e fortalecimentodas Naes Unidas como instncia de encaminhamento das questes

    de alcance internacional e trouxe para o rgo uma perspectiva coerentecom os interesses dos pases em desenvolvimento e da regio latino-americana e caribenha. Nesta ltima passagem pelo Conselho deSegurana, empenhou-se particularmente pelo fortalecimento dacapacidade das Naes Unidas para a preveno de conflitos, pelorecurso diplomacia, mediao, construo da paz e enfrentamentodas causas econmicas e sociais dos conflitos, dentro do respeito

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    soberania dos pases afetados, tendo sido, tambm no Conselho deSegurana, o mais vocal dos defensores do estabelecimento daComisso de Construo da Paz (objeto de captulo prprio) emtermos que no resultassem prejudiciais representao dos pases emdesenvolvimento.

    A presena regular do Brasil no Conselho de Segurana, assimcomo seus esforos pela ampliao e correo nos desequilbrios desua composio so eloqentes demonstraes do comprometimentobrasileiro com o papel do multilateralismo na esfera da promoo dapaz e segurana. Sinalizam, ainda, a percepo, seja interna, seja noexterior, de que o pas tem contribuio relevante a prestar aostrabalhos do rgo. As ltimas passagens do Brasil pelo rgo,especialmente as duas mais recentes, por sua atualidade e pelaimportncia, regional ou global, de que se revestem algumas dasquestes em pauta, permitem ilustrar esta nova realidade dos trabalhosdo rgo, sob a perspectiva da participao brasileira. No se trata de

    realizar anlise pormenorizada, mas to somente de identificartendncias novas na atuao do Conselho e resumir o posicionamentobrasileiro perante tais desenvolvimentos:

    HAITI

    No ps guerra-fria, o Haiti j havia ocupado espao naagenda do Conselho de Segurana quando da passagem do Brasil pelo

    rgo em 1993-94. Naquela ocasio, o Conselho, por primeira vez,estendeu autorizao para que fora externa fosse utilizada pararestaurar a democracia e reconduzir ao cargo o Presidente Jean-Bertrand Aristide. Tambm por primeira vez, os EUA buscaram aautorizao do Conselho previamente a uma interveno nas Amricas.O Brasil no acompanhou a deciso do Conselho (Resoluo 940,aprovada com 12 votos a favor e duas abstenes Brasil e China) por

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    A ATUAO R ECENTE DO C ONSELHO DE SEGURANA E O BRASIL

    considerar que a autorizao do uso da fora nas bases solicitadas eraprecipitada, no estava em conformidade com os interesses de grandeparte dos pases da regio e constitua preocupante afastamento dasprticas e princpios das Naes Unidas no que se refere s aes demanuteno da paz.

    O tema ressurgiu em 2004, quando o mesmo Presidente Jean-Bertrand Aristide deixou o poder no Haiti enviando carta ao Conselhode Segurana. A renncia do Presidente Aristide ocorreu emcircunstncias de forte contestao da legitimidade das eleies sucesso do Presidente Ren Prval (1995-2001), ocorridas emnovembro de 2000, e da qual Aristide saiu vencedor com somente10% dos votos do colgio eleitoral; e, posteriormente, de protestocontra a no-realizao de eleies legislativas em 2003, como previsto.Em meados desse ano, movimento unindo partidos polticosoposicionistas, organizaes civis e o setor privado iniciou campanhapela renncia do Presidente da Repblica.

    A despeito de vrias iniciativas diplomticas da CARICOMe da Organizao dos Estados Americanos, uma rebelio armadaeclodiu em fevereiro de 2004 em Gonaves, espalhando-se rapidamentepara outras cidades. Na iminncia de um banho de sangue, anunciadopelos Governos dos EUA e da Frana, que previam a tomada da capitaldo pas pelas foras rebeldes, na manh de 29/2/2004, o PresidenteAristide partiu para o exlio, em aeronave norte-americana, para a

    Repblica Centro-Africana.

    O ento Primeiro-Ministro Yvon Neptune tomou ainiciativa de implementar variante de plano proposto pela Caricompara a instalao de um Governo Transitrio. Assumiu o cargo dePresidente o ento Presidente da Corte Suprema de Justia, BonifaceAlexandre. Na noite de 29/2, o Representante Permanente do Haiti

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    junto s Naes Unidas submeteu ao Conselho de Segurana cpia dacarta de renncia de Aristide e pedido de assistncia. Na mesma noite,foi aprovada, pelo CSNU, a Resoluo 1529 (2004), que autorizoutropas estrangeiras a entrarem em territrio haitiano.

    O Brasil, aps consultas com os pases da regio, votou afavor da citada resoluo consensual que, para evitar que a instabilidadeno pas pudesse vir a desencadear onda de violncia, aprovou, numprimeiro momento, o envio imediato de fora internacional para amanuteno da ordem. Ao contrrio do ocorrido em 1994, porm, eem ateno a preocupaes externadas em particular pelo Brasil, aResoluo que aprovou o envio da fora multinacional estabeleciaprazo especfico para sua retirada e previa o estabelecimento deOperao de manuteno da paz das Naes Unidas, que a sucederia.

    Tendo em conta a dimenso regional da crise haitiana, o Brasilprontificou-se a participar da Misso das Naes Unidas de

    Estabilizao no Haiti (MINUSTAH), da qual veio a assumir ocomando militar. A presena da MINUSTAH possibilitou a realizaode eleies presidenciais e parlamentares no Haiti e permitiu estabelecergrau de estabilidade institucional propcio conduo democrticados planos de reconstruo do pas com base na ajuda internacional.A atuao da diplomacia brasileira tem contribudo para oreconhecimento da necessidade de se aliar aos esforos de estabilizaoiniciativas paralelas destinadas promoo do desenvolvimento

    econmico, social e institucional do Haiti.

    TERRORISMO

    O terrorismo ganhou espao na agenda do Conselho deSegurana como ameaa corrente paz e segurana internacionaisaps os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA. A reao do

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    Conselho ao ocorrido, consubstanciada na Resoluo 1373 (2001),estabeleceu novos parmetros de atuao. Pelo documento, oConselho de Segurana determinou que todos os Estados membrosdas Naes Unidas deveriam adotar medidas de carter genrico nocombate ao terrorismo, entre as quais a de aderirem a 12 convenesinternacionais relacionadas ao combate ao terrorismo. Na viso dealguns, por primeira vez o Conselho assumia papel legislador, no spela imposio da adoo de textos legais, como tambm porestabelecer mecanismo de acompanhamento do cumprimento daresoluo (o Comit Anti-Terrorismo - CAT) e cobrar dos Estadosmembros relatrios a serem processados naquela instncia.

    bem verdade que a solicitao da submisso de relatriospelos Estados membros no comeou com o Comit 1373, mas o carterde cobrana associado aos trabalhos do CAT e a natureza genricadas obrigaes impostas pela Resoluo monitorada pelo Comitestabeleceram novo patamar no relacionamento entre o Conselho de

    Segurana e os Estados membros. A partir de ento, a requisio derelatrios difundiu-se como novo padro de atuao do rgo. O comitde sanes contra o regime Talib e a Organizao Al-Qaeda, noAfeganisto, conhecido como Comit 1267, criado em 1999,prontamente adequou-se nova realidade, que tambm serviu de basepara os trabalhos iniciais do Comit 1540, criado para combater o riscode acesso a armas de destruio em massa por agentes no-estatais.

    O combate ao terrorismo trouxe, ainda, outras alteraess prticas do Conselho. A principal destas foi a adoo, em janeirode 2002, da Resoluo 1390, impondo sanes contra o Talib e,principalmente, a Al Qaeda, independentemente da evoluo dasituao no Afeganisto, no qual o regime Talib j havia sido afastadodo poder por interveno militar autorizada pelo Conselho deSegurana.

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    O Brasil no era membro do Conselho em 2001-02,quando da introduo das alteraes na dinmica dos trabalhosdo rgo acima descritas, mas participou das negociaes quelevaram ao estabelecimento do Comit 1540, bem como dosexerccios de avaliao e ajuste do CAT e do Comit 1267. Emtodos esses processos a delegao brasileira atuou com o objetivode preservar o carter institucional das decises do Conselho deSegurana, sempre em conformidade com o direito internacionale dentro dos limites estabelecidos na Carta para a atuao dorgo.

    No caso do Comit 1540, estas preocupaes estiveramcomplementadas pela necessidade de preservar-se a integridadedos Tratados de desarmamento e no-proliferao, bem como oequilbrio entre direitos e obrigaes dos Estados membros nelesrefletido. No Comit 1267, a delegao brasileira contribuiuativamente para o esforo de fortalecimento institucional do

    Comit, conforme refletido na Resoluo 1526 (2004),particularmente na preservao de data especifica para a revisodas sanes pelo Conselho. Nas negociaes relativas ao CAT,que resultaram no estabelecimento do Diretrio Executivo doComit Anti-Terrorismo (CTED) por meio da Resoluo 1535(2004), o Brasil engajou-se em esforos para evitar a adoo peloConselho de enfoque excessivamente centrado nos meios derepresso.Sustentou tambm a importncia de assistir os pases

    em desenvolvimento no cumprimento das obrigaes no campodo contra-terrorismo e de associar a proteo dos direitoshumanos luta contra o terrorismo. Apoiou, ainda, a preservaodas prerrogativas de independncia na atuao do Secretariado;das da Assemblia Geral na superviso oramentria; e das doprprio Conselho de Segurana na avaliao dos resultadosalcanados pelo CTED.

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    ORIENTE MDIO

    No se pode falar do histrico recente de atuao doConselho de Segurana sem referncia questo do Oriente Mdio,item voltil de quase perene considerao pelo rgo. A situao noOriente Mdio passou a ser item obrigatrio da agenda mensal doConselho de Segurana a partir de 2002. Foram diversos e de profundasignificao os desenvolvimentos na regio desde ento. O rgo,contudo, na maior parte das vezes, manteve postura secundria noque se refere conduo do tema, apesar de sua inegvel relevnciapara a paz e segurana internacionais, em funo de atitudes contrrias multilateralizao do tratamento do assunto por parte de algunsEstados membros.

    Permanece inalterada a postura dos EUA de fazerem uso deveto sempre que sejam consideradas propostas condenatrias da aode Israel. Mais do que o prprio emprego do veto pelos EUA, que se

    verificou em oito ocasies de 2001 a junho de 2006 (quatro no perodo2004-05, em que o Brasil fazia parte do Conselho), a ameaa de seuuso impede a ao do rgo. O papel secundrio para o Conselho deSegurana no que se refere ao tema ficou consolidado a partir da criaodo Quarteto, integrado pelos Ministros das Relaes Exteriores dosEUA e da Rssia, pelas mais altas autoridades em termos de polticaexterna da Unio Europia e pelo Secretrio-Geral das Naes Unidas,que auto-erigiu-se em garante do mapa do caminho para a resoluo

    do conflito israelo-palestino de 2002.

    Todavia, uma anlise nos padres de votao dos projetosde resoluo sobre o tema vetados pelos EUA significativa, por revelaralterao de comportamentos no Conselho. At 2001, era comumem projetos dessa natureza o voto favorvel por todos os membrosdo Conselho, exceo do veto norte-americano. Foi este o padro

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    de votao para seis dos sete projetos considerados pelo Conselho deSegurana entre 1989 e setembro de 2001. Entretanto, a partir deento no h uma nica votao que repita essa distribuio de votos.O Reino Unido absteve-se na votao de cinco dos seis projetos vetadospelos EUA, em geral na companhia de pases eleitos comorepresentantes no-permanentes dos grupos da Europa Ocidental eoutros (abstenes registradas nas seis votaes), do Leste europeu(cinco abstenes) e, em alguns casos, da frica (duas abstenes).

    Ainda no que se refere ao item Oriente Mdio, o Conselhode Segurana, para alm das semestrais renovaes de mandato da ForaInterina das Naes Unidas no Lbano (UNIFIL), considera comalguma regularidade a situao naquele pas. Em setembro de 2004,foi adotada a Resoluo 1559, pela qual o rgo, em referncia oblqua presena de foras srias presentes no Lbano, conclamava todas asforas estrangeiras restantes a se retirarem. A Resoluo contou apenascom a margem mnima de nove votos necessrios para sua aprovao.

    O Brasil, juntamente com outros cinco membros do Conselho, entreos quais China e Rssia, absteve-se na votao, no entendimento deque a questo extrapolava a alada de atuao do Conselho por imiscuir-se em questo que no constitua ameaa paz e se inscrevia na alada jurisdicional interna do Lbano. A situao naquele pas suscitou,ainda, a criao de Comisso de Investigao Independente para auxiliarna elucidao do atentado que vitimou fatalmente o antigo PrimeiroMinistro libans Hafiq Hariri. No que se refere s incurses e ataques

    israelenses contra o pas, em 2006, contudo, o Conselho de Seguranapermaneceu inerte durante 34 dias, propiciando crticas quanto a suainoperncia. Cabe notar que sete civis brasileiros morreram naqueleconflito e cerca de 3000 tiveram que ser evacuados. Alm disso, oMinistro Celso Amorim visitou o Lbano, onde manteve contatoscom autoridades e percorreu reas afetadas. O Brasil tambm fezdoaes de medicamentos ao Governo libans.

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    IRAQUE

    A resposta da comunidade internacional invaso do Kuwaitpelo Iraque em 1990 foi, poca, considerada por muitos o fatoiniciador de uma nova ordem internacional possibilitada pelo fimda guerra fria. A ofensiva desencadeou reao internacional autorizadapor meio de Resoluo do Conselho de Segurana (Resoluo 678(1990)), que em breve espao de tempo restabeleceu a soberaniakuwaitiana. Ao final daquele conflito, porm, diversas questes noresolvidas, como, por exemplo, as do retorno de propriedades enacionais kuwaitianos e de terceiros pases capturados durante a guerrae do destino dado aos programas de desenvolvimento de armas dedestruio em massa mantiveram o Iraque na agenda do Conselho esob sanes (Resoluo 687 (1991)).

    Confluncia de fatores, entre os quais a readquiridacapacidade de ao do Conselho de Segurana, a ineficcia das sanes

    em obter os resultados almejados e a crise humanitria que afetougrande parte da populao iraquiana em decorrncia das sanes,fomentou a introduo de inovaes nos trabalho do Conselho, comoa criao do programa petrleo por alimentos, maior programa deassistncia humanitria da histria das Naes Unidas, e os esforosde inspeo da UNSCOM, e posteriormente da UNMOVIC.

    O Brasil prestou contribuio de relevo ao esforo para fazer

    prevalecer a via da diplomacia e da negociao na conduo do tema.Em fins de 1998, a conduo da questo iraquiana passou por profundacrise, alimentada pela expulso pelo Iraque dos inspetoresinternacionais da UNSCOM e pelas campanhas de bombardeio dopas levadas a cabo por EUA e Reino Unido, sob o pretexto de queBagd continuava a violar condies estabelecidas em Resoluesaprovadas com base no Captulo VII da Carta. O Conselho

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    encontrava-se dividido entre os que desejavam aumentar a pressosobre o Iraque, e aqueles que consideravam ser insustentvel a situaoa que o pas vinha sendo submetido e propunham o levantamento dassanes. No exerccio da presidncia do rgo, em janeiro de 1999, oEmbaixador Celso Amorim, ento Representante Permanente doBrasil junto s Naes Unidas, lanou esforo para a construo denovo consenso em torno da situao iraquiana. Para tal, contribuiupara a criao de trs painis dedicados a analisar, respectivamente, asituao humanitria no Iraque, a questo do desarmamento do pas eo tema das pessoas e propriedades desaparecidas. Os painis Amorim,como ficaram conhecidos, serviram de base para a elaborao daResoluo 1284 (1999), que estabeleceu os critrios para a conduodo programa petrleo por alimentos em condies mais efetivas emtermos de assistncia humanitria, e tambm determinou com maiorclareza os parmetros para a atestao do desarmamento do Iraque,condio necessria para a suspenso das sanes. Os referenciaisestabelecidos pelos painis orientavam a atuao da UNMOVIC at a

    vspera da interveno militar conduzida margem das Naes Unidaspor coalizo liderada pelos EUA.

    A nova guerra, conduzida sem autorizao do Conselho deSegurana, teve o efeito de suspender as atividades das Naes Unidasno Iraque. Aps a destituio de Saddam Hussein do poder, o esforono Conselho de Segurana passou a ser o de permitir a volta das NaesUnidas ao Iraque para auxiliar na reconstruo do pas, inclusive no

    seu aspecto institucional, prestar assistncia humanitria e encerrar aslacunas deixadas em aberto com a retirada abrupta do pessoal daOrganizao antes do incio da confrontao.

    A tarefa, desde o incio, provou-se mais onerosa, no s emtermos financeiros, e dramtica do que antecipado. O brasileiro SergioVieira de Mello, que se havia notabilizado para alm das Naes Unidas

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    por sua capacidade de conduzir processos de reconstruo nacionalno Kossovo e em Timor-Leste, foi uma das vtimas de brutal atentadocontra a sede estabelecida pelas Naes Unidas, em Bagd, no inciodo esforo de reconstruo, em agosto de 2003. O atentado produziunova retirada das Naes Unidas do pas, e exigiu fosse repensada aestratgia de insero da Organizao no Iraque, a qual passou a sersubordinada s condies de segurana e exigiu maior vinculao comas foras de ocupao.

    Passados cerca de trs anos do atentado, feitos foramalcanados que no teriam sido possveis sem a retomada da presenadas Naes Unidas no Iraque. Entre estes, meno especial cabe starefas para as quais foi estendido papel vital s Naes Unidas noprocesso de reconstruo, como a conduo do restabelecimentoformal da soberania iraquiana; a realizao de duas eleies emmbito nacional para o estabelecimento do atual Governo e doGoverno de transio que o precedeu; e a elaborao de novo texto

    Constitucional e sua posterior aprovao em referendo popular.

    Como membro do Conselho de Segurana no binio 2004-05, o Brasil participou das negociaes relativas ao esforo dereinsero das Naes Unidas e de reconstruo do pas. Emconsonncia com as expectativas do Secretariado, lutou para quefosse reservado papel central para a Organizao no processo dereconstruo poltica, sempre resguardadas as condies de

    segurana para a presena de pessoal no terreno. Sustentou anecessidade de preservao da integridade territorial iraquiana edo restabelecimento pleno da soberania, inclusive sobre seus ativos.Salientou a necessidade de que fossem observadas as normas dedireito internacional, dos direitos humanos e do direitointernacional humanitrio na atuao das foras internacionaispresentes no pas.

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    Apesar dos resultados acima relatados, e dos esforos de boaparte dos membros do Conselho no que se refere ao encaminhamentodiplomtico do dossi iraquiano no rgo, o pas permanecemergulhado em profunda crise, notadamente no que se refere situaode segurana. Com atentados dirios cujas vtimas fatais so contadass dezenas, o pas encontra-se envolto em verdadeira guerra civil, semperspectivas de melhora no curto prazo. As principais deficincias noprocesso de reconstruo do pas verificam-se essencialmente nas tarefase atividades com relao s quais a responsabilidade ficou a cargo dasforas que participaram da ocupao do Iraque, como a manutenoda segurana, a atestao do desarmamento do Iraque, e orestabelecimento da infra-estrutura, inclusive de exportao petroleira.

    TIMOR LESTE

    O item Timor-Leste na agenda do Conselho de Seguranatem sido reiteradas vezes apresentado como uma histria de sucesso,

    em que a interveno da ONU permitiu a transio de um regime deocupao pela Indonsia para um quadro jurdico-institucional e polticode crescente estabilidade. O Brasil, em seu mais recente mandato noConselho de Segurana, assumiu a liderana do tema, antes sob aresponsabilidade do Reino Unido, e buscou, sempre que possvel,coordenar-se com a Misso de Timor-Leste junto ONU para advogaro interesse do Governo timorense nas reunies do CSNU.

    A delegao do Brasil no Conselho de Segurana teve papelde realce nas negociaes relativas s Resolues 1543 e 1573 (2004),que autorizaram as ltimas extenses do mandato da UNMISET( United Nations Mission in East Timor ), e 1599 (2005), que estabeleceuo UNOTIL ( United Nations Office in Timor-Leste ). Com o statusdemisso poltica especial, a sucessora da UNMISET foi instituda coma funo de coordenar a assistncia internacional e identificar doadores

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    bilaterais para substituir as Naes Unidas nas reas em que o Timor-Leste continuaria a necessitar de apoio internacional aps oencerramento do mandato da misso.

    FRICA

    A participao do Brasil no Conselho de Segurana no binio2004-05 voltou-se aos temas africanos com destacado interesse.Atendendo s novas diretrizes da poltica externa nacional, dedicada,entre outros aspectos, ampliao de suas j tradicionais relaes comas naes africanas, a delegao brasileira no Conselho pautou suaatuao pela busca de resolues satisfatrias para as questes docontinente. Dedicou-se o Brasil a incentivar o desenvolvimento sociale econmico das naes africanas, trabalhando sempre em consonnciacom os membros africanos do Conselho e buscando examinar as causassubjacentes dos problemas regionais, ademais da preocupao com apaz e segurana. Ressalte-se que a atuao brasileira baseou-se,

    sobretudo, no respeito soberania das naes africanas e no estmuloa resolues regionais para as questes do continente, diretrizconsubstanciada no apoio do Brasil ento recm-criada UnioAfricana.

    O mandato brasileiro no Conselho de Segurana coincidiucom importantes desdobramentos nas questes de paz e segurana docontinente africano. A delegao do Brasil trabalhou ativamente pela

    concluso e manuteno dos acordos de paz entre o Governo deCartum e o Governo do Sul do Sudo, processo que culminou naassinatura do Acordo Amplo de Paz, em janeiro de 2005, na cidadede Nairbi. Manifestamos ainda nosso apoio criao da UNMIS( United Nations Mission in Sudan ), cujo mandato estabeleceu a funoessencial de garantir o cumprimento do tratado firmado na capital doQunia.

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    A questo de Darfur foi tambm objeto das atenesbrasileiras, dado o carter urgente de tragdia humanitria assumidopelo conflito na regio. Trabalhou o Brasil por uma atuao efetivadas Naes Unidas em prol da cessao da violncia em Darfur, semse descurar, contudo, do respeito absoluto pela soberania do Sudo,evitando fazer do conflito pretexto para interveno nesse pas africano.

    No que concerne regio dos Grandes Lagos, o Brasiltrabalhou ativamente para fortalecer o mandato das Misses das NaesUnidas atuantes na Repblica Democrtica do Congo (MONUC) eno Burundi (ONUB), procurando estender sua atuao temtica dodesenvolvimento local. A delegao brasileira no Conselho deSegurana defendeu o tratamento regional dos conflitos nos pasesvizinhos, de modo a envolver as naes afetadas em todas as etapas doprocesso de resoluo de suas questes internas. Nesse sentido,trabalhou com afinco pela realizao da Conferncia dos GrandesLagos, objetivando facilitar a consecuo da paz, segurana e

    estabilidade locais.

    A delegao teve, ademais, papel ativo nos trabalhos doComit de Sanes da RDC, sobretudo no sentido de singularizar aexplorao ilegal dos recursos minerais como causa da manuteno deconflitos. O Brasil advogou, nesse contexto, a adoo de medidasdestinadas a coibir prticas ilegais no campo da minerao.

    A participao do Brasil no Conselho de Segurana no binio

    2004-05 deu-se, ainda, no sentido de obter a devida ateno dacomunidade internacional situao na Guin-Bissau, cuja estabilidadefoi profundamente afetada por rebelio contra o Governoinstitucional. Ciente da urgncia da questo guineense e dos forteslaos que o unem a este pas membro da CPLP, o Brasil atuou noCSNU de modo a conseguir que o tema voltasse a ser objeto de umaresoluo, e no apenas de trocas de cartas entre o presidente do

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    Conselho e o Secretrio Geral da ONU. Obteve-se, desse modo, arenovao do mandato da UNOGBIS por meio de resoluo doConselho de Segurana, garantindo questo guineense a visibilidadeapropriada.

    Durante seu mais recente mandato no Conselho deSegurana, o Brasil no se omitiu perante as complexas questesafricanas, que compreendem a maior parte da agenda de paz e segurana.Pelo contrrio, a delegao brasileira esforou-se por ser voz deconciliao e resoluo pacfica de contenciosos, defendendo,resolutamente, a autodeterminao das naes africanas e seu direitode decidir soberanamente sobre seus assuntos internos.

    Seria impossvel cobrir todos os ngulos de atuao doConselho de Segurana em reflexo que no se quer exaustiva.Deixaram de ser retratadas neste curto relato questes importantes naagenda do rgo no perodo, como as do Kossovo e do Tribunal

    Penal Internacional. Todas estas, no entanto, ressalvadas asespecificidades inerentes a cada caso, serviriam para ilustrar a novarealidade de trabalho do rgo que aqui se tentou demonstrar erefletiriam o posicionamento de defesa do multilateralismo e de respeitoao direito internacional que orientam a atuao da delegao brasileira.

    Retrato abrangente da relao do Brasil com o Conselho deSegurana transcende, no entanto, o mero posicionamento adotado

    pelo Pas quanto a questes pontuais na agenda do rgo. O Brasilfoi co-responsvel por uma frmula inovadora introduzida noConselho no perodo em questo: em sua ltima passagem pelo rgo,e em cumprimento a deciso do Presidente da Repblica, a delegaobrasileira junto ao Conselho de Segurana incorporou diplomataargentino durante o ano de 2004. Em reciprocidade, diplomatabrasileiro participou em 2006 da delegao argentina no Conselho.

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    Tambm forosa meno ao carter de promoo datransparncia, da qual no est dissociada a iniciativa acima referidade intercambio de diplomatas nas delegaes ao Conselho, que sempreorientou a participao brasileira. Durante sua presidncia, em marode 2005, o Brasil retomou prtica, que contribura para estabelecer napassagem anterior, de realizar sesso aberta ao final do ms para queos demais membros da Organizao possam passar em revista a atuaodo rgo. Na ocasio, em vista da quantidade de questes relacionadas frica na agenda do rgo, a sesso foi dedicada discusso dosconflitos africanos.

    Necessrio mencionar tambm o compromisso do Brasil coma reforma do Conselho de Segurana. Conjuntamente com Japo,Alemanha e ndia, e com o apoio de boa parte dos membros daorganizao, inclusive membros permanentes do Conselho deSegurana, o Brasil engajou-se em esforo pela reforma do rgo coma expanso de sua composio nas categorias de membros permanentes

    e no-permanentes.

    O Conselho assume papel cada vez mais preponderante nostrabalhos das Naes Unidas e, na ausncia de ajustes em suacomposio, tender a aumentar o questionamento de sua legitimidade.A excluso de inteiras regies, como a frica e a Amrica Latina, dacomposio do ncleo decisrio poder sacrificar a eficcia do sistemacomo um todo, com conseqncias imprevisveis para o ordenamento

    internacional.

    Se o desempenho do Conselho de Segurana e daOrganizao como um todo no confirmou as expectativas maisotimistas de quando da criao das Naes Unidas, a atual situaoiraquiana serve de alerta para o fato de que so pronunciados os limitespara a atuao margem do amparo do direito internacional propiciado

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    pelo arcabouo onusiano. O Brasil, conforme revelam suas passagenspelo rgo, tem contribuio relevante a prestar para os trabalhos doConselho e dispe-se a assumir responsabilidades adicionais nocontexto de uma reforma que incorpore membros permanentes domundo em desenvolvimento ao Conselho de Segurana.

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    INTRODUO

    A ativa participao na busca de solues pacficas e negociadasdos litgios internacionais constitui caracterstica marcante da poltica externabrasileira.

    O Brasil contribuiu com os esforos das organizaes de alcanceregional, caso da Unio Pan-americana, no passado, e da Organizao dosEstados Americanos (OEA), no presente. Houve igualmente participaoem esquemas de concertao poltica (casos do Pacto ABC integrado porArgentina, Brasil e Chile e do Grupo do Rio) e em iniciativas informais adhoc segundo o modelo do Grupo de Pases Amigos. O Brasil tambmintegra, no mbito do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o sistemade preveno formalizado pelo Protocolo de Ushuaia.

    No plano internacional, o Brasil integrou a Sociedade (ou Liga)das Naes (SDN), no passado, e membro da Organizao das NaesUnidas (ONU), na atualidade.

    A etapa decisiva dos processos de soluo de litgios porvezes longos, dramticos e com elevado custo humano e material

    Ricardo Seitenfus1

    DE SUEZ AO HAITI:A PARTICIPAO BRASILEIRA NAS OPERAES DE PAZ

    1 Ricardo Seitenfus Doutor em Relaes Internacionais pelo Instituto Universitriode Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra, Professor Titular naUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), Diretor da Faculdade de Direitode Santa Maria (FADISMA) e autor de vrias obras sobre relaes internacionais,poltica externa brasileira, organizaes internacionais e Direito Internacional Pblico.Foi Enviado Especial do Governo brasileiro ao Haiti. Seu stio www.seitenfus.com.br.

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    R ICARDO SEITENFUS

    consiste na operacionalizao das decises adotadas. Trata-se datransferncia de uma vontade coletiva formal, embora objetiva, do planodas intenes para a realidade a concretizar-se no teatro de operaes.

    Segundo o Departamento de Operaes de Manuteno da Pazda ONU (DPKO), 107 Estados participavam como contribuintes, nofinal de 2005, nas operaes de paz das Naes Unidas. Mais de 70 milhomens em misso estavam envolvidos nestas operaes. A grande maioria(94%) do pessoal civil, militar e policial oriunda dos pases emdesenvolvimento, sendo que o Brasil ocupava a 14a posio entre os Estadoscontribuintes s misses de paz.

    A presena fsica de terceiros, dotados de mandato legtimo elegal, no prprio campo onde se enfrentam os litigantes, tem sidoimprescindvel para fazer com que a palavra transforme-se em ao e avontade em atos concretos. Neste contexto, desempenham papelprimordial as operaes de paz. Consciente de sua obrigao frente aos

    dramas que penalizam a sociedade internacional, especialmente seusintegrantes mais frgeis os Estados desestruturados e a populao civil o Brasil estipulou como princpio constitucional2 o que j havia adotadocomo prtica de sua atuao externa: a efetiva contribuio para a soluopacfica dos conflitos internacionais.

    O PRELDIO

    Apesar de ter deixado a Liga das Naes em 1926, o Brasilparticipou ativamente, na primeira metade da dcada de 1930, dosesforos de mediao feitos pela SDN e pelo Pacto ABC no conflitoque ops Colmbia e Peru na regio do trapzio de Letcia. A disputa

    2 Entre os princpios que regem a atuao brasileira no sistema internacional, segundoa Constituio Federal de 1988, esto a defesa da paz, a soluo pacfica de conflitose a cooperao entre os povos para o progresso da Humanidade (artigo 4).

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    DE SUEZ AO H AITI : A PARTICIPAO BRASILEIRA NAS OPERAES DE P AZ

    sobre o territrio, situado no corao da Amaznia e contguo ao Brasil,foi objeto de mediaes nos mbitos regional e universal complementares embora por vezes concorrentes que concederamganho de causa Colmbia. Para implementar a deciso foi criada, sobos auspcios da SDN, uma Comisso Administrativa que encarregou-se, entre junho de 1933 e maio de 1934, da administrao do territrio.

    Alm de inaugurar o que posteriormente transformou-se numatradio da diplomacia brasileira, ou seja, a participao em misses depaz promovidas por organizao de alcance universal, o conflito deLetcia permitiu que o Brasil anunciasse o princpio basilar a orientarsua atuao. Assim, o Brasil determinou ao seu representante naComisso Administrativa, que ele deveria observar a necessidadeabsoluta em que se encontra o nosso pas de no se desviar um smomento da sua atitude de perfeita imparcialidade no litgio.3

    No alvorecer da Organizao das Naes Unidas, o Brasil

    participou com diplomatas e militares, da Comisso Especial das NaesUnidas para os Blcs (UNSCOB) criada pela Resoluo 109(II) daAssemblia Geral das Naes Unidas. Preocupados com a interveno daAlbnia, Bulgria e Iugoslvia na guerra civil grega, a UNSCOB encarregou-se do monitoramento fronteirio e da assistncia aos refugiados.

    Contudo, foi durante dois perodos mais recentes que aparticipao brasileira adquiriu grande relevo. Assim, entre os anos

    3 Instrues do Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil ao Capito-de-Fragata Albertode Lemos Bastos, da Marinha, indicado pelo Brasil para integrar a Comisso Administrativade Letcia. Cf. MELLO FRANCO, A A de, Um Estadista da Repblica, Rio de Janeiro, Jos Olympio, p. 1463. Durante longo perodo o princpio da neutralidade constituiuelemento incontornvel da mediao. O interveniente externo somente poderiadesempenhar seu papel caso demonstrasse iseno e ausncia de parti-pris. Os Estadosainda possuam o direito guerra. A evoluo recente do sistema multilateral de manutenoda paz e da segurana internacionais acena com a possibilidade da proibio da guerra comoatributo do Estado e o fortalecimento de mecanismos de imposio da paz.

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    de 1957 e 1967, o Brasil aumentou sua participao nas Operaes dePaz contribuindo de maneira decisiva em seis misses das NaesUnidas, especialmente no Sinai e na Faixa de Gaza. Aps 1989, o pasdiversificou e incrementou sua participao contribuindo em vintemisses de paz das Naes Unidas, com especial importncia na quese desenrola presentemente no Haiti.4

    O BRASIL NAS OPERAES DE PAZ DO ORIENTE MDIO (1957-1967)

    A contribuio brasileira mais significativa durante esta faseocorreu com o envio de importante contingente militar para o Sinai eFaixa de Gaza no mbito da Fora de Emergncia das Naes Unidas(UNEF I). Havendo contribudo com outras misses de paz (conformeQuadro I), nossa participao na UNEF I sobressaiu entre as demais,com o Batalho de Suez, composto por cerca de 6.300 integrantes.Ademais, o Brasil exerceu o comando das operaes da UNEF I, comos Generais de Diviso Carlos Paiva Chaves (janeiro a agosto de 1964)

    e Syseno Sarmento (de janeiro de 1965 a janeiro de 1966).

    Quadro I - O Brasil nas operaes de paz das Naes Unidas (1957-1967) 5

    4Alm do Haiti, atualmente o Brasil contribui com as misses de paz das Naes Unidas noChipre, na Pennsula de Prevlaka, no Timor Leste e na Misso de Assistncia para aRemoo de Minas na Amrica Central (MARMINCA) com a interveno de 11 militares.5 Fonte: MRE e FONTOURA, P. R. C. T. da, O Brasil e as Operaes de Manuteno daPaz das Naes Unidas, Braslia, Editora Fundao Alexandre de Gusmo (FUNAG),1999, p. 201.6 A partir de 1995 dois militares brasileiros integram o Estado-Maior do batalho argentinoque compe a UNFICYP no Chipre.

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    O Brasil foi o nico pas sul-americano que manteve suacontribuio ao longo de toda a misso. Esta constituia, num primeiromomento, no controle da Linha de Demarcao do Armistcioresultante do cessar fogo aps o desfecho da crise do Canal de Suez ea consequente retirada das tropas britnicas, francesas e israelenses.

    Alm da superviso da regio do Canal de Suez, os militaresbrasileiros foram encarregados de manter a paz e a segurana na Faixade Gaza e na fronteira internacional da Pennsula do Sinai em sua faceocidental. A retirada das foras das Naes Unidas, em maio de 1967,por exigncia do Egito, colocou um termo misso, episdio queprecedeu o desencadeamento da Guerra dos Seis Dias.

    Entre as participaes militares pontuais brasileiras referidasno Quadro anterior, relevante nossa contribuio s operaes depaz no Congo, pois ela anunciou uma importante novidade. Comefeito, alm de participar das operaes de natureza militar

    propriamente dita, o Brasil colaborou com o transporte e a distribuiode gneros alimentcios, suprimentos e medicamentos para a populaocivil congolesa. Portanto a contribuio brasileira adquiriu um cartermarcadamente humanitrio.

    Aps uma interrupo de alguns anos em razo das reticnciasdo regime militar, o retorno dos civis ao poder levou o Brasil a retomar suaparticipao nas operaes de manuteno da paz das Naes Unidas. Abre-

    se ento uma nova fase de cooperao que se estende at os dias atuais.

    UM SERVIO PRESTADO HUMANIDADE: O PERODO DE 1989A 2006

    O Brasil contribuiu em vinte operaes de paz das NaesUnidas durante este perodo. H grande diversificao destas aesno somente no que tange aos variados destinos, a implicar todos os

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    continentes, mas igualmente no tocante ao escopo de nossa atuao,mais abrangente e de carter multifacetado. Adicionamos s operaesmilitares clssicas de separao de combatentes e de controlesecuritrio, outros ingredientes tais como o apoio populao civil, odilogo poltico, medidas para aumentar o nvel de confiana entre asPartes envolvidas no conflito, a reconstruo da infraestrutura decomunicaes e a distribuio de vveres e de medicamentos.

    O quadro a seguir resume a contribuio brasileira,merecendo destaque nossa participao nas misses de paz no TimorLeste, em Moambique e, sobretudo, em Angola.

    Quadro II - O Brasil nas operaes de paz das Naes Unidas(1989-2006)

    Em junho de 1994, o Brasil enviou uma Companhia deInfantaria Para-quedista a Moambique, no mbito da ONUMOZ, como

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    contribuio ao processo de paz, segurana interna e organizaodas eleies. Moambique tentava extrair-se das dificuldades de umalonga guerra de libertao nacional que havia se transformado em guerracivil. A manifestao da vontade do povo moambicano ocorreu nofinal de 1994, com a realizao de eleies gerais, conduzidas sob controledas Naes Unidas. A assuno das novas autoridades colocou um termoa este drama e demonstrou o acerto da contribuio brasileira. Contudo,restava ainda a luta contra as doenas tropicais, a desativao de mais dedois milhes de minas e a reconstruo de sua economia.

    Quando tem incio a Misso das Naes Unidas no TimorLeste (UNAMET, junho de 1999), o Brasil decidiu enviar 5 Oficiaisde Ligao Militar, 6 observadores policiais e 22 observadores eleitoraispara acompanhar o referendo sobre a independncia. A violncia queassolou o pas a partir de 10 de setembro daquele ano obrigou asNaes Unidas a criar a Fora Internacional no Timor Leste(INTERFET). O Brasil participou desta com um Peloto de Polcia

    do Exrcito, alm de especialistas em sade e comunicaes.

    Com o fim da violncia e a retirada das tropas indonsias, criada, em fevereiro de 2000, a Administrao Transitria das NaesUnidas para o Timor Leste (UNTAET), sob a chefia de Srgio Vieirade Mello, com a qual o Brasil decide colaborar para o nascimento e aconsolidao deste novo pas. As eleies de abril de 2002 conduziramXanana Gusmo Presidncia timorense e permitiram que o Brasil

    agregasse sua colaborao de carter militar, outra de natureza civilnas reas da sade, educao, agricultura, administrao da justia ecom especialistas em eleies (juizes eleitorais, tcnicos em informtica,escrutinadores, consultores do Tribunal Superior Eleitoral).

    A participao brasileira na UNAVEM I (Angola, 1989-1991)limitou-se a fornecer 16 militares (observadores militares e equipe mdica

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    do Exrcito) bem como o comandante dos observadores militares. NaUNAVEM II (1991-1995) nossa contribuio foi materializada com o enviode 120 pessoas (observadores militares, oficiais mdicos, enfermeiros, oficiaismilitares e civis observadores eleitorais).

    A grande participao brasileira ocorreu com a UNAVEM III(1995-1997) quando o pas manteve em Angola de maneira permanente1.115 homens assim distribudos: 36 observadores (19 militares e 17 policiais),39 integrantes do Estado-Maior e 1.040 integrantes da tropa (800 no Batalhode Infantaria, 200 na Companhia de Engenharia e 40 nos Hospitais deCampanha).7 A composio demonstra o carter multidisciplinar daparticipao brasileira. Com efeito, alm de uma atuao estritamente militar,muitas aes comunitrias foram realizadas nas reas de sade, de educaoe desporto e na recuperao da malha rodoviria.

    A dramtica situao provocada pela guerra de independnciaque desembocou, tal como ocorrera em Moambique, em um sangrento

    conflito civil, penalizou pesadamente Angola. O Brasil foi o primeiro areconhecer Angola independente e sentiu-se solidrio, moral e politicamente,a prestar seu concurso para pr fim crise. Contudo, localiza-se nocontinente americano a mais importante contribuio brasileira s missesde paz: trata-se de nossa participao na Misso de Estabilizao das NaesUnidas no Haiti (MINUSTAH).

    UMA PARTICIPAO ESPECIAL: A PRESENA BRASILEIRA NO HAITI

    (2004-2006)

    No final do primeiro semestre de 2004 o Brasil aceitouparticipar - comandando as tropas e contribuindo com 1.200

    7 Cf. MARTINS FILHO, E. R., O processo de paz em Angola e a participaobrasileira, in AGUILAR, Srgio Luiz Cruz (Org.), Brasil em Misses de Paz, SoPaulo, Ed. Usina do Livro, 2005, p. 120.

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    militares - de operao de paz das Naes Unidas no Haiti. Criadapela Resoluo 1.542 (2004) do Conselho de Segurana (CS), aMINUSTAH substituiu a fora multinacional de emergncia(Resoluo 1.529/2004 do CS) que havia sido reunida s pressasem razo da vacncia do poder no Haiti decorrente da partida, em29 de fevereiro de 2004, do Presidente Jean-Bertrand Aristide.

    A atual crise haitiana arrasta-se por duas dcadas e emborasuas motivaes tenham origem essencialmente interna luta pelopoder, desrespeito aos principios bsicos da democraciarepresentativa e do Estado de Direito,8 violncia poltica e mafiosa,recorrente crise econmica suas repercusses so transversaisprovocando um aumento da fragilidade do tecido social que poderiadesembocar em guerra civil e desestabilizar o conjunto da Bacia doCaribe.

    O Brasil compartilhou das concluses do CS e decidiu

    que havia chegado o momento de prestar solidariedade naohaitiana e ajudar a reintegrar o Haiti na comunidade dos Estadosdemocrticos das Amricas.9

    8 No existe tradio democrtica no Haiti. No entanto, a sua primeira Constituio,promulgada pelo Presidente Alexandre Ption em 1816, estipulava que os dirigentesdo pas seriam escolhidos atravs do voto de todos os cidados exceto as mulheres, oscriminosos, os idiotas e as pessoas de condio servil. O rol de exigncias implicava nodescarte de 97% da populao fazendo com que a escolha dos dirigentes fosse

    monopolizada pela elite e pelos militares.A primeira eleio presidencial foi realizadasomente em 1957. Portanto a crise recorrente que afeta o pas desde 1986 deve serconsiderada como uma norma pois o contrrio dela, ou seja, a estabilidade polticasomente alcanada com a ditadura. Frente ao emaranhado confuso que caracteriza avida poltica haitiana resultante de uma ruptura e no de um pacto o poder semprefoi concebido como total e absoluto.9 Apesar de escassas relaes, so numerosos os laos que unem o Brasil ao Haiti : oterrvel trfico de escravos que assolou as duas sociedades durante sculos ; similitudesdas estruturas de produo econmica durante o periodo colonial ; muitas crenas evalores compartilhados nas artes, na religio, no desporto e na cultura.

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    O objetivo central da MINUSTAH durante o perodode transio foi o de tornar possvel a livre expresso da vontadedo povo haitiano na escolha de seus novos dirigentes.10 Foramconfeccionados e distribudos novos ttulos eleitorais, definidasas regras da campanha eleitoral, os locais de votao e ainfraestrutura necessria para operacionalizar o exerccio dademocracia.

    A maioria dos observadores estrangeiros e a imprensainternacional mostravam-se cticos com o pleito e previam queeste seria desorganizado e violento j que havia sido adiado emvrias oportunidades. Efetivamente ocorreram dificuldades : nemtodos os potenciais eleitores dispuseram de ttulos ; houveproblemas de comunicaes, de infraestrutura e para o acesso aoslocais de votao nas regies remotas do pas.

    O voto no sendo obrigatrio, esperava-se uma elevada

    absteno tal como ocorrera nas votaes anteriores. O quadro abaixoreproduz este fenmeno.

    Participao eleitoral (1987-2000) 11

    Ora, a participao no 1 turno das eleies presidenciais elegislativas de 7 de fevereiro de 2006 alcanou o patamar histrico

    11 Estes dados foram compilados pelos servios da MINUSTAH e extrados de vriasfontes oficiais haitianas.

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    de 63% do total dos inscritos. Jamais houve votao no Haiti quealcanasse tal percentual de participao, j que esta dobrou seconsiderada a mdia histrica.

    A realizao do pleito de 7 de fevereiro de 2006 propicioua substituio do Governo Provisrio por outro resultante davontade dos eleitores. Houve uma dupla reconquista da soberania:a do povo que manifestou sua vontade de maneira livre e ordeirae a do Estado que poder auto-administrar-se.

    O novo Presidente haitiano, Ren Prval, eleito noprimeiro turno, reconheceu a importncia da contribuiobrasileira para a construo da democracia em seu pas. Suasegunda viagem internacional, aps visitar a RepblicaDominicana, foi feita ao Brasil. O simbolismo do gesto reveladore demonstra o apreo pelo que foi realizado.

    OS FUTUROS DESAFIOS DA COMUNIDADE INTERNACIONAL NO HAITI

    Na triste condio de pas mais pobre do Novo Mundo nico a integrar a lista dos pases menos avanados (PMA),segundo critrios das agncias das Naes Unidas o Haitiapresenta dilemas de imensa complexidade.

    Com a assuno dos novos dirigentes, inaugura-se uma

    etapa que abriga muitas incgnitas. Por um lado, h consensosobre a necessidade da continuidade do apoio da comunidadeinternacional. Por outro, imprescindvel que esta cooperaopossa ir alm das legtimas preocupaes securitrias e comporteuma dimenso scio-econmica, de reconstruo da infraestruturae das instituies pblicas. A cooperao internacional deveriaoperar em quatro planos no Haiti.

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    1) A segurana o Haiti conta com somente 4 milpoliciais para uma populao superior a 8 milhes de indivduos.Como as Foras Armadas foram extintas pelo ex-Presidente Aristide,no h Polcia Militar (Guardas Estadual ou Departamental) eMunicipal. Esta situao exige um ateno especial da MINUSTAHe deve permanecer como um dos objetivos permanentes dacooperao internacional. Alm disso imprescindivel mudar acultura da ao policial renitente ao respeito dos Direitos Humanos,pois inspirada na experincia truculenta da era Duvalier.

    2) A reconstruo da infraestrutura H muitos anos, arede de comunicaes, a gerao e distribuio de energia, osaneamento bsico e as rodovias encontram-se em completoabandono. A gerao energtica catica, pois o pas no dispede recursos naturais e sofre estrutural dependncia nesta rea, aprovocar graves e irreparveis danos ao meio ambiente. necessrio e urgente uma recuperao do sistema de saneamento

    bsico e um mutiro para sua ampliao. A higiene e sade pblicasso pesadamente afetadas e os ndices elevados de enfermidades ea reduzida esperana de vida demonstram que o enfrentamentodo problema sanitrio constitui desafio inadivel.

    3) A refundao do Estado O Haiti o nico exemplona atualidade a demonstrar a possibilidade de convvio social anteuma virtual ausncia de Estado. O Estado haitiano sofreu um

    processo de desgaste ao longo dos ltimos vinte anos, com impactonegativo sobre o sistema judicial e o conjunto das instituiespublicas.

    4) O Pacto de garantias e liberdades democrticas Astransies polticas latino-americanas tornaram possivel atransferncia do poder dos militares aos civis graas a concluso de

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    pactos de governabilidade estipulando o respeito das regras do jogo democrtico e propiciando o convvio poltico. A transiohaitiana no conheceu at o momento semelhante evoluo. Osderrotados tendem tradicionalmente a contestar a legitimidade dopleito e o vencedor tenta subjugar a oposio. Trata-se de umverdadeiro canibalismo das foras polticas. Portanto torna-seindispensvel a assinatura e o respeito a um pacto de garantias eliberdades democrticas, proposto e incentivado pelo Presidenteda Repblica eleito.

    CONCLUSO: O QUE MOVE O BRASIL NAS OPERAES DE PAZ

    H conscincia de que o sistema de soluo de conflitos dasNaes Unidas que continua sendo uma construo poltico-diplomtica e, portanto, ajurdica deva adquirir maior eficcia. Estaexigncia tanto mais importante para os Estados do Sul do planetana medida em que os litgios blicos que marcaram o mundo no ps-

    1945 penalizaram essencialmente os pases em desenvolvimento, aopasso que os Estados do Norte conquistavam relativa estabilidade.

    At 1945, a guerra justa ou injusta. Desde ento, ela lcitaou ilcita. H uma importante mudana de perspectiva. consolidadoo princpio de cooperao que se torna fundamento domultilateralismo das Naes Unidas.

    Os freqentemente malogrados esforos de mediao parasolucionar esses conflitos se explicam pela prpria estrutura do poderinternacional: os pases desenvolvidos que logicamente dispem demeios de dissuaso e de interveno, o fazem seguindo as percepesde seus supostos interesses nacionais. Disso decorrem soluescasusticas aplicadas de maneiraad hoc e que percorrem os caminhosde maneira errtica.

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    Para tentar romper o ciclo marcado pela indiferena e/oupela ineficcia das solues sugeridas frente aos conflitos que afligemos pases em desenvolvimento indispensvel um repensar sobre osprprios mecanismos de soluo e mediao de conflitos. Em outraspalavras, para dot-los de um nvel de capacidade de interveno nosconflitos que os afetam necessrio que eles demonstrem capacidadede elaborao de uma nova matriz ideolgica e operacional capaz defornecer uma alternativa ao atual sistema de soluo de litgios. Apresena brasileira no Haiti corresponde ao exerccio de uma diplomaciasolidria e insere-se nesta perspectiva.

    A diplomacia solidria pode ser definida como sendo aconcepo de uma ao coletiva internacional e sua aplicao, sob osauspcios do CS, num conflito interno ou internacional, feita porterceiros Estados desprovidos de motivaes decorrentes de seuinteresse nacional e movidos unicamente por um dever de conscinciaou por interesses difusos.12

    Alm da hiptese suscitada, h um outro questionamento,fundamental para uma possvel teorizao da diplomacia solidria. A justificao para a ingerncia solidria moral ou tambm jurdica?Uma possibilidade de enfrentamento dessa questo pode estar nopensamento de Kant, que diferencia a moral do direito. A moral espontnea e incoercvel, ao passo que o direito coercvel. Aespontaneidade do ato de natureza moral decorrente da motivao

    do indivduo que o pratica; ele est convencido, intimamente, de quesua ao boa. O ato jurdico depende, por sua vez, de um dever, dealgo externo ao indivduo. Este pode ser um caminho para se perguntarse a ingerncia solidria (que pode ser assimilada aplicao prtica

    12 No h ganho real na interveno. H somente a idia de que esta fortalece o sistemamultilateral, moldando-o segundo percepes dos Estados intervenientes na medidaem que da prpria interveno decorre uma maior autoridade moral e poltica.

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    dos princpios da diplomacia solidria) realizada pelos Estados porum convencimento prprio, ou se h alguma norma, ainda que muitogeral, na qual ela encontra suas razes.

    Quando um Estado ente desprovido de sentimentos toma a deciso pela interveno em outro Estado ? H dois conjuntosde fatores principais: por um lado a suposta existncia de interessesobjetivos (financeiros, militares, estratgicos, polticos, diplomticosou de prestgio) que fazem presso para que os Estados intervenham.Por outro, h a sua opinio pblica a exigir uma resposta do Estado-sujeito com vistas a colocar um ponto final ao sofrimento de outrem,especialmente da populao civil indefesa.

    O que ocorreu no caso da atual crise haitiana? Nenhumdesses dois grupos de interesses pressionou o Estado-sujeito paraagir. Ele o fez por motu proprio, ausentes a presso da opiniopblica e os interesses materiais a serem defendidos. Portanto no

    houve nem ao moral (da opinio pblica) nem material (dosinteresses) que impelissem o Estado-sujeito a intervir. Neste caso,ele o fez contrariando os fundamentos da teoria realista das relaesinternacionais.

    O chanceler brasileiro, embaixador Celso Amorim, forneceuma valiosa e original contribuio teoria da diplomacia solidriaao declarar que o Brasil est profundamente comprometido no

    Haiti, poltica e emocionalmente,13

    e isso no longo prazo. Ao faz-lo, indica que os parmetros sobre os quais o Brasil tomou a decisode intervir devem ser compreendidos luz de critrios outros queos decorrentes da fria razo (ou interesse) de Estado.

    13 Sublinhado por mim.

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    Porm, no fica excluda a hiptese de se fundamentar adiplomacia solidria no direito kantiano. As idias clssicas deEmmanuel Kant podem indicar um caminho para a compreensofilosfica da diplomacia solidria, a qual existe de fato e exige umaexplicao cientfica. As afirmaes sobre a aplicao da diferenaentre moral e direito em Kant so preliminares e, muito antes deser uma resposta, constituem uma indagao que os pesquisadoresdas relaes internacionais e do direito internacional devemconsiderar.

    Um grupo de Estados muitos dos quais latino-americanosa desempenhar um papel secundrio no sistema internacional esto frente da MINUSTAH. No h participao de nenhumaPotncia14 excetuando a presena de 125 policiais da Chinacontinental.15

    A indita composio do grupo de Estados participantes

    coloca a indagao sobre o fato de nos encontrarmos no limiar deuma nova etapa da mediao e da soluo dos conflitos, atravs deum instrumento coletivo e desinteressado. A grande incgnitacolocada pela diplomacia solidria saber se essa nova forma deinterveno possui a capacidade de ser reestruturante e aportarbenefcios duradouros populao do pas e organizao de umEstado que responda aos desafios do presente. Ou se, ao contrrio,ela simplesmente uma nova roupagem para uma velha prtica

    que provocou, entre outras conseqncias, uma dependncia crnicae uma desresponsabilizao social nas sociedades e Estados objetosde interveno.

    14 H somente um pequeno grupo de oficiais dos Estados Unidos e Frana posicionadosno comando das vertentes policial e militar da MINUSTAH.15 Inclusive esta participa, pela primeira vez, em misso de paz da ONU.

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    PATRIOTA, Antonio de Aguiar, O Conselho de Segurana aps aGuerra do Golfo: a articulao de um novo paradigma de seguranacoletiva, Brasilia, FUNAG, 1998, 226 p.

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    C ARLOS SRGIO SOBRAL DUARTE

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    III.

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    I ARMAS DE DESTRUIO EM MASSA

    A designao armas de destruio em massa geralmenteaplicada s armas biolgicas, qumicas e nucleares em razo do seugrau de letalidade, potncia destrutiva e efeitos de carterindiscriminado. Essas mesmas caractersticas constituem tambm umadas grandes motivaes dos esforos para control-las ou proib-las.

    Na histria recente, tais esforos tm origem no sculo XIX,com a proibio internacional do uso de armas venenosas, numprimeiro momento apenas em nvel regional europeu, por meio daConveno de Bruxelas sobre Leis e Usos da Guerra, de 1874.Posteriormente, essa proibio foi includa em instrumentos deaspirao universal, como aqueles decorrentes das Conferncias dePaz da Haia de 1899 e 1907. Aps a primeira guerra mundial e o usode armas qumicas no conflito, foi adotado, em 1925, o Protocolo deGenebra de proibio de gases venenosos ou asfixiantes e de mtodosde guerra bacteriolgica.

    Embora de escopo mais amplo que os instrumentosanteriores, o Protocolo de Genebra institua uma proibio limitadaao uso dessas armas - e no ao seu desenvolvimento, produo,aquisio e estocagem -, e no continha mecanismos de verificao.Alm disso, por meio da aposio de reservas, diversos signatriosresguardavam o direito de retaliao com o mesmo tipo de arma.Os ataques qumicos da Itlia contra a Abissnia, em 1935, e do

    Carlos Srgio Sobral Duarte*

    POR UM MUNDO LIVRE DE ARMAS DE DESTRUIO EM MASSA:DESARMAMENTO E NO-PROLIFERAO

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    Iraque contra o Ir, em 1984, foram as mais notrias violaes doProtocolo. O Brasil assinou o Protocolo em 1925, porm s veioa ratific-lo em 1970.

    Em 1972, as armas biolgicas foram objeto de instrumentoespecfico, a Conveno sobre a Proibio de Armas Biolgicas(CPAB), mais precisa em suas proibies (desenvolvimento,estocagem, produo, transferncia, alm de obrigaes dedestruio dos arsenais), porm tambm desprovida de mecanismode verificao. No caso das armas qumicas, somente aps o fim daguerra fria, em 1993, foi possvel adotar tratado multilateralabrangente, a Conveno sobre a Proibio de Armas Qumicas(CPAQ), instrumento-modelo que tambm prev a destruio dosestoques existentes dessas armas e institui mecanismo completo deverificao. O Brasil assinou e ratificou ambos tratados.

    Apesar de as armas nucleares serem as mais potentes e

    devastadoras das armas de destruio em massa em existncia, estasno foram at hoje objeto de um tratado de proibio geral, comonos casos das armas biolgicas e qumicas.

    II NAES UNIDAS, DESARMAMENTO E ARMAS DE DESTRUIO EMMASSA

    A Carta das Naes Unidas geralmente considerada menos

    ambiciosa em relao a medidas de desarmamento do que seu antecessorhistrico, o Pacto da Liga das Naes, que considerava, em seu Artigo8, a reduo de armamentos um dos elementos especficos necessrios manuteno da paz. Os Artigos 11 e 26 da Carta da ONU,respectivamente, atribuem Assemblia-Geral a responsabilidade defazer recomendaes a respeito dos princpios que disponham sobreo desarmamento e a regulamentao de armamentos, e ao Conselho

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    de Segurana a formulao de planos para o estabelecimento de umsistema de regulamentao de armamentos, a fim de desviar para asarmas o menos possvel dos recursos humanos e econmicos domundo.

    Observe-se que a Carta no faz referncia explcita s armasde destruio em massa, embora o mundo j conhecesse a natureza eos efeitos das armas qumicas e biolgicas data de sua assinatura,26 de junho de 1945. Poucas semanas depois, teria incio a era nuclear,com a realizao, no deserto do Novo Mxico, nos Estados Unidos,do primeiro teste explosivo, em 16 de julho, e com o lanamento,no incio de agosto, das bombas atmicas nas cidades japonesas deHiroshima e Nagasaki.

    O impacto do advento da era nuclear e de suas gravesimplicaes para a segurana internacional se fez sentir desde o inciodas deliberaes da Organizao recm-criada. No deixa de ser notvel

    que a primeira resoluo adotada na primeira sesso da Assemblia-Geral, - a resoluo 1(I) - j procurava tratar do problema gerado pelanova arma. Tal resoluo, aprovada no dia 24 de janeiro de 1946, emLondres, estabelecia, como rgo especial do Conselho de Segurana,a Comisso de Energia Atmica das Naes Unidas (UNAEC) para,entre outros objetivos, fazer propostas especficas (...) para aeliminao dos arsenais nacionais de armas atmicas e de todas as outrasarmas de maior porte adaptveis para destruio em massa.

    Apesar desse mandato e das atribuies gerais das NaesUnidas no campo do desarmamento, desde o incio do funcionamentoda Organizao evidenciaram-se grandes obstculos a que seentabulassem negociaes multilaterais sobre a matria. Nos primeirosanos do ps-guerra, tal situao foi exacerbada pela rivalidade polticae pela competio militar entre os Estados Unidos e a Unio Sovitica,

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    sobretudo aps o primeiro teste nuclear sovitico, em 1949, dandoincio ao perodo da Guerra Fria.

    III A COMISSO DE ENERGIA ATMICA

    O Brasil fez parte da Comisso de Energia Atmica desdesua origem, em 1946. Nesse foro, assim como nos outros dos quaisviria a participar no campo do desarmamento e da no-proliferao,o Brasil sempre atuou em favor da proibio e eliminao das armasde destruio em massa.

    Vale ter presente que o representante brasileiro na Comisso,o Almirante lvaro Alberto, exerceria papel fundamental noestabelecimento da poltica nuclear brasileira e na criao, em 1951,do Conselho Nacional de Pesquisas (atual Conselho Nacional deDesenvolvimento Cientfico e Tecnolgico). At o estabelecimento,em 1956, da Comisso Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o CNPq

    teve, alm da funo de promover o desenvolvimento cientfico etecnolgico, responsabilidades especficas na proteo das matrias-primas nucleares nacionais e na pesquisa, industrializao e aplicaoda energia nuclear no Brasil.

    O incio da dcada de 50 viu a extino da Comisso deEnergia Atmica, aps longo impasse em torno da principal propostasubstantiva a ela submetida em 1946 pelos Estados Unidos: o

    estabelecimento de uma agncia internacional para controlar todas asatividades relacionadas energia nuclear. Tal proposta (conhecida comoPlano Baruch, em nome do ento representante dos EUA naComisso, Bernard Baruch) foi rejeitada pela Unio Sovitica, queno desejava cercear seu prprio desenvolvimento nuclear sujeitando-o ao escrutnio e a controles internacionais. A URSS tampouco aceitavacertas medidas previstas na proposta, tais como a ausncia de

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    obrigaes quanto destruio, no incio da implementao do Plano,das armas nucleares ento existentes (na poca, apenas nos EUA), assimcomo a proibio de os membros permanentes do Conselho deSegurana recorrerem ao veto em caso de violaes.

    O esgotamento da Comisso de Energia Atmica deu lugar criao, em 1952, da Comisso de Desarmamento das Naes Unidas,rgo de composio universal com responsabilidade tanto sobre armasnucleares quanto convencionais. O antagonismo entre EUA e URSSfez, no entanto, com que, por muitos anos, os avanos registrados nombito da Comisso fossem poucos, seno nulos.

    A Comisso de Desarmamento das Naes Unidas, foro decarter deliberativo/no negociador, tem, no entanto, papelimportante na orientao das atividades das Naes Unidas na reado desarmamento e permanece ativa at hoje (o Brasil presideatualmente um de seus dois Grupos de Trabalho), embora enfrente,

    tal como os demais rgos multilaterais nesta rea, srias dificuldadespara fazer propostas substantivas que renam o consenso de seusintegrantes.

    IV NEGOCIAES EM GENEBRA

    Paralelamente aos esforos no mbito das Naes Unidas,EUA e URSS decidiram estabelecer, em Genebra, um foro com a

    finalidade precpua de negociar medidas de desarmamento, inicialmentecomposto de dez naes, cinco da Organizao do Tratado do AtlnticoNorte (OTAN) e cinco do Pacto de Varsvia. Criado em 1959, doisanos mais tarde esse rgo foi ampliado em oito novos membros, pasesneutros e no-alinhados, entre os quais o Brasil, e passou a denominar-se Comit das Dezoito Naes para o Desarmamento (Eighteen NationDisarmament Commission - ENDC).

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    D ESARMAMENTO NUCLEAR

    Nesse mesmo ano, EUA e URSS apresentaram AGNU eao ENDC propostas de desarmamento geral e completo, o que deunovo mpeto s negociaes internacionais na matria. Nos primeirosanos de funcionamento do ENDC, o Brasil desenvolveu importanteatuao no mbito daquele foro na busca de frmulas deimplementao para tais propostas que fossem aceitveis para ambassuperpotncias.

    Tornou-se, no entanto, novamente evidente a extremadificuldade de EUA e URSS acordarem medidas de desarmamentonuclear. Essa situao tendia a desviar as discusses para outras medidas,chamadas colaterais, entre as quais figuravam a proibio de testesnucleares - proposta