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  • 8/8/2019 04. Emanuel Filho

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    Revista dos Estudantes da Faculdade de Direito da UFC (on-line). a. 4, n. 9, jan./jul. 2010

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    AORDEM ECONMICA NA CONSTITUIO DE 1988: CONCEITO, ORIGEM,

    FINS E PRINCPIOS

    EMANUEL TEFILO FURTADO FILHO*

    RESUMOA presente pesquisa trata do fenmeno da jurisdicizao da ordem econmica. Foi sobinspirao dos ideais de socializao que perpassavam pelo mundo no incio do sculo XX,que o Brasil, a partir da Constituio de 1934, passou a emprestar dimenso jurdica ordemeconmica. Mesmo tendo sido essas normas edificadas sobre esse af de socializao, nohouve modificao do modo de produo, mantendo-se o capitalismo. Assim o papel doEstado passou a ser tentar ordenar vida econmica, no a deixando ao sabor do mercado,como pregava o liberalismo. Como arrazoa o artigo 170 da CF, a ordem econmica visaassegurar a todos existncia digna baseada na justia social. Os objetivos deste trabalho

    constituem-se, portanto em uma anlise sobre a regulao constitucional da atividadeeconmica no Brasil, investigando a transio do Estado Liberal ao Social; intentamos,outrossim, esboar um exame acerca do conceito, dos fundamentos e da finalidade da ordemeconmica constitucional; alm de ter como base principal uma inquirio sobre os princpiosda constituio econmica, os quais esto insculpidos no artigo 170.

    Palavras-chave: Ordem Econmica. Constituio Econmica. Transio do Estado Liberalao Estado Social.

    ABSTRACTThis research is about the phenomenon ofconstitucionalizaton of the economic order. It wasbased on the inspiration of socialization ideals, that were common around the world in thebeginning of 2oth century , that Brazil, supported by the Constitution of 1934, started toattribute legal dimension to the economic order. Even considering the fact that these standardshave been established based on this socialization spirit, capitalism continued to be the base oftheir economic system. The State started, therefore, to control the economy of the country, notleaving it to the markets will, as the liberalism suggested. As the article number 170 of theFederal Constitution says, the economic order aims to provide everyone with a dignifiedexistence based on social justice. This research aims, therefore, to make a critical analysis ofthe constitutional regulation of the economic activity in Brazil, investigating thetransformation of the Liberal State into Social State; we intent to discuss about the concepts,fundaments and purposes of the economic constitution, which are based on the article number170.

    Keywords: Economic Order. Economic Constitution. Transformation of the Liberal State intoSocial State.

    1 INTRODUO

    * Aluno da Graduao em Direito da Universidade Federal do Cear. Monitor Bolsista da Disciplina de TeoriaEconmica e Direito.

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    A presente pesquisa est dividida em quatro momentos, nos quais fazemos diferentes

    anlises acerca do fenmeno econmico na Constituio. No primeiro, Das Constituies

    Liberais s Constituies Sociais, tratamos da transio do Estado Liberal ao Estado Social,

    intentando mostrar como as constituies passaram a dar importncia ao econmico. Em

    seguida, em Constituio Econmica e Ordem econmica: conceito e evidncias prticas,traamos o conceito de Constituio Econmica e de ordem Econmica, j elencando algumas

    evidncias prticas dessas definies na Constituio de 1988. Em A Ordem Econmica na

    Constituio de 1988, tratamos dos objetivos e dos fundamentos da ordem econmica

    constitucional brasileira e, por fim, em Dos princpios Econmicos apontados no artigo 170

    da Constituio Federal, fazemos uma abordagem de cada um dos princpios econmicos

    enquadrados no artigo 170 de nossa Lei Maior.

    2 DAS CONSTITUIES LIBERAIS S CONSTITUIES SOCIAIS

    O incio formal do fenmeno do constitucionalismo, evidenciado, principalmente, pelo

    surgimento das primeiras constituies escritas, como a Constituio dos Estados Unidos de

    1787 e as Constituies francesas de 1791 e de 1793, bem como outras constituies

    promulgadas ou outorgadas na Europa e nas Amricas ao longo do sculo XIX, foi uma

    concretizao da difuso do Liberalismo, corrente de pensamento econmica, jurdica e

    filosfica advinda do intelecto dos maiores pensadores desde os idos do sculo XVIII.

    Significava uma reao contra o absolutismo e a origem divina do poder, partindo deuma idia bsica contratualista inspirada nos princpios sustentados por John Locke,Jean-Jaques Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Adam Smith, Stuart Mill e tantosoutros.1

    Apregoava essa teoria que deveria o Estado abster-se de intervir na rbita econmica.

    O setor produtivo ficaria ao sabor do mercado. Inspirado nos ensinamentos da Escola

    Fisiocrata francesa, a qual instituiu o lema laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-

    mme , o escocs Adam Smith, em seu livro Da Riqueza das Naes (1776), sustentava que a

    melhor contribuio que cada um poderia dar ordem social seria a contribuio de seu

    egosmo pessoal. Escreveu que o mercado era regularizado por uma mo-invisvel, que

    impulsionava os indivduos a exercer atividades econmicas visando exclusivamente ao lucro

    1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 23.

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    e a seu prprio bem-estar, produzindo, assim um benefcio a toda a coletividade, no sendo

    necessria atuao do Estado para que sua economia se fortificasse.2

    O Estado, ento, intervm o mnimo possvel. Desempenha somente suas funes

    tpicas, como exerccio do poder de polcia, distribuio de justia.

    O primeiro Estado jurdico, guardio das liberdades individuais, alcanou suaexperimentao histria na Revoluo Francesa. E tanto ele como a sociedade, quala idearam os tericos desse mesmo embate, entendendo-a como uma soma detomos, correspondem, segundo alguns pensadores, entre os quais Schmitt, to-somente concepo burguesa da ordem poltica.3

    As Constituies edificadas sob a mcula do Liberalismo objetivavam,

    primordialmente, proteger o indivduo de possveis arbitrariedades do Estado, contemplando,

    portanto, os conhecidos como direitos fundamentais de primeira gerao ou de primeira

    dimenso, quais sejam, os direitos de liberdade e de defesa, criando mecanismos de garantia

    da limitao do poder do Estado. Os princpios bsicos eram a autonomia da vontade e a

    liberdade negocial. Nas lies de Ferreira Filho, a idia de Constituio que sculo XVIII

    consagra:

    Visa a estabelecer uma organizao limitativa do poder poltico que sirva paragarantir contra o abuso a liberdade e a liberdades individuais. Abuso este que, a

    juzo dos pensadores da poca, somente proviria do Governo, ou melhor, do Rei e deseus ministros, como ento era o caso. As constituies que formam a primeiragerao do constitucionalismo no contm, por isso, normas destinadas a disciplinara vontade econmica.4

    A Histria revelou, entretanto, as inmeras crises econmicas que desse modelo deEstado resultaram. A atuao sem limites dos detentores de capital geraram embates sociais,

    como o exacerbamento do conflito capital X trabalho, levando a massa populacional a uma

    condio de misria e de sofrimento acirradas. Viu-se, portanto, impossvel a auto-regulao

    dos mercados, tendo em vista a incapacidade de as leis naturais da economia promoverem a

    distribuio da riqueza em nvel suficiente para assegurar digna existncia a todos.

    A realidade do poder econmico tornou-se incoerente com os princpios que regiam o

    af liberal do perodo, visto que se contraps aos prprios ideais de liberdade, igualdade e

    fraternidade. Infere o professor Eros Grau acerca da no subsistncia desses trs paradigmasda Revoluo Francesa:

    2 SMITH, Adam. Da Riqueza das Naes. v 1. So Paulo: Abril, 1983, p. 379.3 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, 8. ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 42.4 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Direito Constitucional Econmico. So Paulo: Saraiva, 1990, p. 3.

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    A pretexto da defesa da concorrncia, suprimiram-se as corporaes de ofcio, masensejou, em substituio do domnio pela tradio, a hegemonia do capital. Aliberdade econmica, porque abria campo s manifestaes do poder econmico,levou supresso da concorrncia. [...] A igualdade, de outra parte, alcanavaconcreo exclusivamente no nvel formal. Cuidava-se de uma igualdade moda doporco de Owell, no bojo da qual havia como h os iguais e os mais iguais.[...] Quanto fraternidade, h toda evidncia no poderia ser lograda de umasociedade na qual compareciam o egosmo e a competio como motores daatividade econmica.5

    Assim, vemos que o Liberalismo, embora tendo apregoado a liberdade de iniciativa e

    de competio, no atentou para a preservao das condies de competio. Falava-se em

    igualdade e liberdade, mas no existiam instrumentos em face do Estado para a efetivao

    prtica desses valores, esquecendo que, para que se possa competir, preciso dispor de

    condies para tal. Com maestria, exprime o professor Paulo Bonavides:

    O velho Liberalismo, na esteira de sua formulao habitual, no pde resolver oproblema essencial de ordem econmica das vastas camadas proletrias dasociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise. A liberdade poltica comoliberdade restrita era inoperante. No dava nenhuma soluo s contradies sociais,mormente daqueles que se achavam margem da vida, desapossados de quase todosos bens.6

    Surgem, ento, em meio a essa crise do Liberalismo, para conciliar esses modos de

    pensar acerca da estruturao da sociedade em face do Estado, legislaes protegendo a

    competitividade e evitando o monoplio.

    Nesse mesmo contexto, principalmente aps a Segunda Guerra Mundial essas

    legislaes infraconstitucionais do causa ao nascimento de Constituies Sociais, aquelas

    que so escritas e que em cujo corpo aparecem normas destinadas a reger o fato econmico,

    assumindo o Estado o papel de agente regulador da economia. Esse fato se deu no mundo em

    duas vertentes, a saber, o Estado Socialista e o Estado Social Democrtico.

    O primeiro assentou-se sob uma face totalmente oposta do liberalismo. Foi edificado

    pela Revoluo Russa de 1917, na qual foi abolida a propriedade privada de meios de

    produo e a livre iniciativa. A respeito desse modelo, disserta Vizeu Figueredo:

    Baseado na valorizao do coletivo sobre o individual, o poder pblico passa a ser ocentro exclusivo das deliberaes referentes economia. Os bens de produo soapropriados coletivamente pela sociedade por meio do Estado, de modo que estepassa a ser o nico produtor, vendedor, e empregador. A livre-concorrncia e aliberdade de mercado so literalmente substitudas pelo planejamento econmicoracional e centralizado em torno do poder pblico, rejeitando-se, sistematicamente, a

    5 GRAU, Eros Roberto, A Ordem Econmica na Constituio de 1988 (Interpretao e Crtica). So Paulo:Revista dos Tribunais, 1990, p. 40-43.6 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2004, p. 188.

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    autonomia das decises privadas. Preocupa-se basicamente com o bem comum e asnecessidades da coletividade, em detrimento do liberalismo individual.7

    O segundo modelo, objeto de nosso maior interesse para os fins desta pesquisa, foi o

    Estado Social Democrtico, que buscava suavizar as injustias econmicas e sociais que se

    desenvolveram sombra do liberalismo. O Estado Social significa intervencionismo,patronagem, paternalismo. No se confunde com o Estado Socialista, mas com este coexiste.

    O mundo moderno f-lo uma necessidade, no importa sob que regime poltico.8

    Teve seu primeiro suspiro com a Constituio mexicana de 1917, a qual apontava

    reconhecimento de direitos sociais, como educao e fazia uma previso de reforma agrria,

    fruto de uma Revoluo de camponeses que almejavam recuperar suas terras, que, no decorrer

    do perodo colonial e no sculo XIX haviam sido tomadas pelos grandes latifundirios.

    Somente em 1919, contudo, a Constituio alem, que ficou conhecida como

    Constituio de Weimer, fixou esse modelo, surgindo, assim, a Constituio Econmicaformalmente considerada. Esta Constituio, de fato, contm uma seo intitulada Da vida

    econmica, na qual esto contidas grandes linhas de uma sistemtica regulao da economia.

    A partir da, as Constituies, que antes serviam apenas como meros instrumentos de

    reconhecimento da organizao poltica dos Estados passaram a esboar em seu contedo,

    expressamente, normas de contedo econmico. Importantes observaes fazem os

    professores Eros Grau e Celso Bastos, quando lembram que:

    Atuao no campo econmico, o Estado sempre desenvolveu. Apenas, no entanto,agora o faz sob e a partir de renovadas motivaes mediante dinamizao deinstrumentos mais efetivos, o que confere substncia a essas polticas. De resto,ainda no tempo do Liberalismo era o Estado, seguidas vezes, no interesse do capital,chamado a intervir na economia.9

    A partir daquele sculo, as Constituies passaram a conter normas de naturezaespecificamente econmicas, isto no quer dizer que s ento tenha surgido aConstituio econmica. Na realidade o que ocorreu foi que ela tornou-se explcita,ao revs do que se dava at ento, quando era implcita.10

    Mesmo prevendo tais mecanismos de ingerncia do Estado na esfera econmica, as

    Constituies Sociais no se desapropriaram do modo de produo capitalista, porque seapiam essencialmente na iniciativa privada e na apropriao dos meios de produo. Pelo

    contrrio, esse sistema modernizado e legitimado. So mantidos integralmente o modo de

    7 FIGUEREDO, Leonardo Vizeu, Lies de Direito Econmico. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 30.8 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2004, p. 203.9 GRAU, Eros Roberto, op. cit., 1990, p. 40.10 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional. 22. ed. So Paulo: Saraiva, 2001, p. 34.

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    produo, os esquemas de repartio do produto e os mercados. Objeta com propriedade Eros

    Grau:

    Da porque interessa ao Capitalismo uma constituio progressista. Justamente noser progressista que a constituio formal no apenas ensejar a manuteno daordem capitalista, mas conferir operacionalidade plena ao poder detido pelasclasses dominantes. [...] O crescimento populacional implica a ocupao dos espaos

    do mundo. Mas essa ocupao fragmentada, na medida em que a intercomunicaoentre os indivduos comprometida. Embora os homens estejam mais prximos unsdos outros, no se comunicam entre si: a competio em que esto envolvidos osaparta. [...] e assim, o que mais importante para a integridade do Capitalismo, essafragmentao, alm de comprometer a autenticidade da representao poltica,impede a superao da ordem capitalista, que apenas se autotransforma, isto , seaperfeioa. 11

    A postura intervencionista, que visava a regular, e no a reger (como no socialismo)

    veio, ento para salvar o mercado. No queria extirp-lo, pelo contrrio, apresentou-se mais

    como uma sada para o capitalismo, servindo para corrigir os vcios do Liberalismo, embora

    tenha, de certa forma, como vimos, limitado suas expresses.

    3 CONSTITUIO ECONMICA E ORDEM ECONMICA: CONCEITO E

    EVIDNCIAS PRTICAS

    Tendo em vista toda essa transio social poltica e econmica acima examinada, e

    devido a essa importncia do tema econmico no Estado Social adotado por diversos

    pases, no puderam suas Constituies deixar de elenc-lo, sob pena de se tornarem frvolas,

    fugindo do encargo de serem a Lei Fundamental, definidora e matriz de todo o Direito

    Positivo.

    Assim, a Constituio econmica passa a ser a base das medidas de polticas

    econmicas que vo compor a vida do pas. Essa presena do econmico nas Constituies

    modernas tem levado os autores a aplicar-lhe a expresso Constituio econmica visto como

    representam os artigos correspondentes, em boa tcnica, reunidos em Ttulos

    Especializados12.

    Esse conjunto de preceitos e instituies jurdicas que instituem determinada

    organizao econmica e funcional da economia, com normas de fora constitucional,

    portanto, so as chamadas Constituies Econmicas. Aparecem nos textos constitucionais

    como espcie de um adendo, no existindo Constituio Econmica em um documento

    exclusivo.

    11 Id. Ibid., 1990. p. 71-72.12 SOUZA, Washington Peluso Albino de, Direito Econmico. So Paulo: Saraiva, 1980, p. 201.

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    A Constituio econmica compe a base da organizao jurdica da economia.

    Restringe-se apenas ao essencial da regulamentao da Economia, refreando-se apenas a

    designar os princpios gerais, que garantem a estrutura de determinada economia.

    Devemos distingui-la entre constituio econmica formal e constituio econmica

    material.Como vimos, a primeira tentativa de se emprestar contedo expressamente econmico

    a um texto constitucional se deu na Constituio alem de 11 de agosto de 1919, a

    Constituio de Weimar. Essa disposio de normas econmicas formalmente apontadas nas

    Constituies concebe as Constituies Econmicas Formais, mais precisamente: A

    Constituio Econmica Formal o conjunto de normas que, includas na Constituio,

    escrita, formal do Estado, versam o econmico.13

    A respeito da Constituio germnica acima citada, continua o autor:

    O modelo de Weimer, todavia, no importava num tratamento completo da matriaeconmica. Longe mesmo fica de abordar todos os pontos fundamentais de umaordenao jurdica da economia. Contm, sobretudo, afirmaes de princpio, noraro declaraes pias de intenes generosas, bem como numerosos lugares comuns. indiscutvel, porm, que nessa Constituio, como nas que lhe seguiram os passos,se encontra uma constituio econmica formal. H regras formalmenteconstitucionais que definem pontos fundamentais da organizao jurdica daeconomia. 14

    A Constituio econmica Material, por sua vez, alcana todos os pontos essenciais

    de normatizao da economia estejam ou no includas no texto constitucional. Caracterizam-

    se no pela forma, mas pelo contedo. Nos dizeres de Sousa Franco, as constituies

    econmicas sob seu ponto de vista material:

    Integram o ncleo essencial de normas jurdicas que regem o sistema e os princpiosbsicos de instituies econmicas, quer constem quer no do texto constitucional:mxime, quer seja ou no dotada da particular estabilidade que caracteriza asnormas nos textos constitucionais.15

    H quem critique e mesmo afirme ter morrido a teoria da Constituio Econmica,

    tendo em vista que as regras de cunho econmico esto espalhadas pelo ordenamento, sendoimpossvel constarem todas num texto constitucional, como nota Carlos Ferreira de Almeida:

    13 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, op. cit., 1990, p. 6.14 Id. Ibid., 1990, p. 7.15 FRANCO, Antnio Souza de. Noes de Direito Econmico. v 1. Lisboa: Associao Acadmica daFaculdade de Direito de Lisboa, 1982, p 91.

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    O Conceito de Constituio Econmica envolve uma fico, pois que as normas jurdicas que o preenchem no so na verdade constitucionais, tanto do ponto devista orgnico quanto de sua colocao hierrquica. A necessidade de consideraruma constituio econmica material o reconhecimento de que os fundamentos daordem econmica se no contm exclusivamente na Constituio Poltica. Ento omelhor ser dar s normas constitucionais o seu verdadeiro lugar na ordem jurdica emximo valor na hierarquia da vigncia e o mais abstracto no enunciado dosobjetivos, sem os confundir com os dados nicos, ou mesmo principais, paracaracterizao da ordem econmica.16

    Feito esse colquio acerca das Constituies econmicas, podemos agora partir para

    uma anlise dos conceitos de ordem econmica, com os olhos voltados a nossa Constituio

    Federal de 1988.

    A expresso ordem econmica ganhou espao no mundo jurdico principalmente na

    primeira metade do sculo XX, quando do surgimento das Constituies econmicas formais.

    No Brasil, as Constituies de 1934 at a de 1967 (tambm com a EC n 1, de 1969)

    faziam referncia a uma ordem econmica e social, exceto a Constituio do Estado Novo(1937), a qual se remetia apenas a uma ordem econmica. Somente vamos encontrar

    separadamente uma ordem econmica e uma ordem social na Constituio de 1988.

    A expresso ordem econmica pode assumir distintas conotaes, sendo

    considerada, por isso, muitas vezes, ambgua.

    Em uma primeira acepo, Ordem econmica vista como um conceito de fato, vale

    dizer, um conceito do mundo do ser e no de um conceito normativo ou de valor. Seria o

    modo de ser emprico de determinada economia concreta.

    O que a caracteriza a circunstncia de referir-se no a um conjunto de regras ounormas reguladoras de relaes scias, mas sim a uma relao entre fenmenoseconmicos e materiais, ou seja, relao entre fatores econmicos e materiais, ouseja, relao entre fatores econmicos concretos; conceito do mundo do ser, exprimea realidade de uma inerente articulao do econmico com o fato.17

    Num segundo significado, o termo ordem econmica estaria enquadrado no mundo

    do dever ser. Seria alusiva ao conjunto de todas as regras, jurdicas, morais religiosas, enfim,

    sociolgicas referentes ao econmico.

    expresso que designa o conjunto de todas as normas (ou regras de conduta)qualquer que seja a sua natureza (jurdica, religiosa, moral etc.), que respeitam regulao do comportamento dos sujeitos econmicos; o sistema normativo (nosentido sociolgico) da ao econmica.18

    16 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito Econmico. Lisboa: Associao Acadmica da Faculdade de Direitode Lisboa, 1979, p. 712-713.17 Id. Ibid., 1990, p. 6918 Id. Ibid., 1990, p. 69.

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    Em uma terceira interpretao, ordem econmica seria a ordem jurdica da

    economia. Bastante prximo do conceito de Constituio econmica. So, pois:

    O conjunto de princpios jurdicos de conformao do processo econmico, desdeuma viso macrojurdica, conformao que se opera mediante o condicionamento daatividade econmica a determinados fins polticos do Estado. Tais princpiosgravitam em torno de um ncleo, que podemos identificar nos regimes jurdicos dapropriedade e do contrato19.

    A confuso desses sentidos da expresso ordem econmica bastante comum. Nem

    sempre, ao nos depararmos com um instrumento normativo o qual contenha essa expresso,

    estar ela empregada no sentido jurdico.

    Podemos exemplificar por meio do artigo 170 da Constituio de 1988: A ordem

    econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

    assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os

    seguintes princpios.

    O leitor, ao encontrar-se com o referido dispositivo normativo, pode esperar,

    naturalmente, que a expresso esteja em seu sentido jurdico (o ltimo de que tratamos).

    Entretanto, se pararmos para uma anlise sob o ponto de vista das trs faces do sentido da

    expresso ordem econmica, veremos que o alcance aqui empregado uma indicao do

    modo de ser da economia brasileira, a articulao do econmico como fato, ou seja, a ordem

    econmica como conjunto das relaes econmicas (o segundo sentido por ns acima

    elencado).

    O enunciado do artigo 170, ento, assim deveria ser lido: as relaes econmicas (ou

    as atividades econmicas) devero ser (ou devero estar) fundadas na valorizao do trabalho

    humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos a existncia digna, conforme os

    ditames da justia social, observados determinados princpios, atendidas as normas que

    seguem (normas essas que comporiam a ordem econmica no sentido jurdico do vocbulo

    ordem econmica). Por isso, assim opina o professor Grau:

    O esclarecimento dessas distines indispensvel correta compreenso dassentenas nas quais esteja sendo utilizada a expresso. No obstante a obviedadedisso seja plena, fora de dvida que, inmeras vezes, seja por culpa de quem apronuncia, seja por falta de quem a ouve ou l, a fluncia e a coerncia da sentenaresultam comprometidas.20

    19 Id. Ibid., 1990, p 72.20 Id. Ibid., 1990, p. 69.

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    Feitas essas anlises acerca da dimenso do conceito de constituio econmica e de

    ordem econmica, iniciaremos um inspeo especificamente voltada a como se mostra a

    ordem econmica em nossa Constituio de 1988.

    4 A ORDEM ECONMICA NA CONSTITUIO DE 1988

    Antes de nos lanarmos a um raciocnio em torno do que arrola o primeiro artigo do

    Captulo I do Ttulo VII (artigo 170) de nossa Constituio Federal, faamos uma breve

    anlise axiolgica de nossa Carta.

    A dignidade da pessoa humana o fundamento material da Constituio. Reza o

    artigo 1 da Constituio Federal: A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio

    indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

    Democrtico de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III a

    dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o

    pluralismo poltico.(grifo nosso)

    Ainda que esse fundamento esteja explcito junto a outros quatro no artigo 1 da

    Constituio, sob o ponto de vista de uma anlise sistmica esmerada, podemos concluir que

    todos os preceitos constitucionais devem ser interpretados adotando como marco referencial a

    dignidade humana. Justifica essa afirmao a exata lio do professor Glauco Magalhes

    Filho:

    O direito foi criado para o homem, que fim e meio. O princpio da dignidade dapessoa humana, embora esteja consagrado na Constituio, um valorsuprapositivo, pois pressuposto do conceito de Direito e a fonte de todos osdireitos, particularmente os fundamentais. [...] A Constituio axiolgica, vista emsua dinamicidade, um processo dialtico que tem a dignidade da pessoa humanacomo princpio regulador. [...] A pessoa humana o valor bsico da Constituio, oUno do qual provm os direitos fundamentais no por emanao metafsica, mas pordesdobramento histrico, ou seja, pela conquista direta do homem.21

    Assim, devemos confrontar as normas constitucionais do Ttulo VII intitulado A

    Ordem Econmica e Financeira com a perspectiva da dignidade da pessoa humana. Essa

    dicotomia se d de tal forma que Raul Machado Horta assim a contextualiza:

    A ordem econmica da Constituio est impregnada de princpios e soluescontraditrias. Ora inflete no rumo do Capitalismo neoliberal, consagrando osvalores fundamentais desse sistema, ora avana no sentido do intervencionismosistemtico e do dirigismo planificador com elementos socializantes.22

    21 MAGALHES FILHO, Glauco Barreira, Hermenutica e Unidade Axiolgica da Constituio. 3. ed. BeloHorizonte: Mandamentos, 2004, p. 206-207.22 HORTA, Raul Machado. Direito Administrativo e Constitucional. So Paulo: Del Rey, p. 141.

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    As normas diretoras da Ordem econmica so, em sua maioria, diretivas, conhecidas

    tambm por doutrinrias ou programticas, ou seja, enunciam diretrizes, fins, programas,

    objetivos a serem seguidos pelo Estado e pela sociedade. Isso no reduz sua importncia, pois

    elas norteiam por onde se deve ir e aonde se deve chegar. Revelam um compromisso entre asforas polticas liberais e as reivindicaes populares de justia. Empresta maior consistncia

    ao que foi dito sobre as normas econmicas o professor Jos Afonso da Silva: So traduzidas

    nos textos supremos apenas em princpio, como esquemas genricos, simples programas a

    serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinrios.23

    O artigo 170 tem sobre si os fundamentos e o fim da ordem econmica brasileira.

    Aduz o caput desse artigo que A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho

    humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os

    ditames da justia social, observados os seguintes princpios.Da leitura desse dispositivo conclumos que o fundamento da ordem econmica

    brasileira a valorizao do trabalho humano e a livre iniciativa.

    A previso da valorizao do trabalho dentre os fundamentos da ordem econmica no

    inovao em nosso sistema constitucional, visto que o aludido fundamento j se encontrava

    disciplinado no artigo 160, II, da Constituio de 1969. O termo valorizao do trabalho

    compreendido, na dico do professor Celso Ribeiro Bastos desta forma: O trabalho deve

    fazer jus a uma contrapartida monetria que o torne materialmente digno.24

    A livre iniciativa apareceu expressamente pela primeira vez na Constituio de 1946,em seu artigo 145, tendo sido esse dispositivo reproduzido pela Constituio de 1967. Havia,

    contudo, esse princpio implicitamente considerado nas constituies anteriores, desde a

    Constituio Imperial.

    Compreende-se por livre iniciativa a liberdade de indstria e comrcio, vale dizer, esse

    preceito essencialmente capitalista consagra a liberdade de lanar-se ao mercado sem

    restries do Estado, conduzindo a livre escolha do trabalho, sendo assim uma das expresses

    fundamentais da liberdade humana. Pressupe a liberdade contratual, em que os

    compromissos firmados por meio de contratos so livremente estipulados pelos seus agentes.

    Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que a Constituio consagra um princpio

    que mantm vivo o sistema capitalista (livre iniciativa), d prioridade ao valor humano do

    trabalho, vale dizer, em vez de reconhecer a luta entre trabalho e capital, historicamente

    23SILVA, Jos Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo. 6. ed., So Paulo: Revista dos Tribunais,1990, p. 659.24 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional. 22. ed., So Paulo: Saraiva, 2001, p. 279.

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    comprovada, o texto constitucional, ao reverso, transmite uma idia de harmonizao,

    integrao, conciliao, de tal sorte que assegura a livre iniciativa, mas exige que seja feita

    resguardados os valores do trabalho humano. Complementa esse raciocnio o professor Rgis

    Frota:

    Assim, deve existir alguma interveno estatal, com aes principalmenteregulatrias, objetivando corrigir imperfeies do mercado geradas pelo sistemacapitalista, de modo a conferir dignidade ao trabalho humano. No podem existirpreconceitos contra o trabalho, nem rebaix-lo a ponto de no ser materialmentevivel. [...] Est, pois, superada a desumana explorao do trabalhador pelaeminente burguesia contempornea Revoluo Industrial, a qual contratava ostrabalhadores por qualquer quantia, submetendo crianas e mulheres grvidas a

    jornadas de, em mdia, 17 horas por dia.25

    Por conseguinte, a interveno do Estado na economia deve ter por escopo fazer valer

    os valores sociais do trabalho, os quais, no apenas so fundamentos da ordem econmica,

    mas tambm da Repblica Federativa do Brasil (artigo 1, IV).

    Patente est, outrossim, no dispositivo em anlise, a finalidade da ordem econmica

    constitucional brasileira, a qual conforme escreve o artigo 170, tem por fim assegurar a todos

    existncia digna, conforme os ditames da justia social.

    Corolrio da dignidade da pessoa humana, vemos ento que o objetivo especfico do

    desenvolvimento da atividade econmica a existncia digna, ou seja, buscar a erradicao

    da misria, com garantia da satisfao das necessidades bsicas do homem.

    Em que pese o fato de pases emergentes, como o Brasil, encontrarem srias

    dificuldades no tocante concentrao de renda e enfrentamento das desigualdades sociais,

    coloca-se como uma meta do Estado a conjugao de todos os esforos no sentido de tornar o

    desenvolvimento econmico voltado melhor distribuio de renda, o que por certo, garantir

    a propalada existncia digna.

    Quanto terminologia justia social, deixou-nos o constituinte originrio com

    dificuldades de precisar o seu alcance e o seu delineamento. Em sendo assim, tendo em vista

    a dificuldade da compreenso da amplitude desse conceito, podemos afirmar que pelo menos

    essa expresso traduz um afastamento no que diz respeito a disparidades profundas no

    atinente riqueza e renda. No intento de precisar a definio de justia social, Celso Ribeiro

    Bastos assevera: A justia social consiste na possibilidade de todos contarem com o mnimo

    para satisfazerem suas necessidades fundamentais, tanto fsicas quanto espirituais, morais e

    artsticas. dizer: justia social significa repartir o produto econmico entre todos 26.

    25 ARAJO, Francisco Rgis Frota, Direito Constitucional Econmico e Financeiro. Fortaleza: Abc, 2007, p.142.26 Id. Ibid., 2001, p. 143.

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    Rende-nos sua precisa ratificao acerca da justia social o professor Jos Afonso da

    Silva:

    Um regime de justia social ser aquele em que cada um deve poder dispor dosmeios materiais de viver confortavelmente segundo as exigncias de sua natureza

    fsica, espiritual e poltica. No aceita as profundas desigualdades, a pobrezaabsoluta e a misria. O reconhecimento dos direitos sociais, como instrumento detutela dos menos favorecidos no teve at aqui a eficcia necessria para reequilibrara posio de inferioridade que os impede o efetivo exerccio das liberdadesgarantidas.27

    Difcil , conforme conclumos da leitura acima, em um regime de acumulao e

    concentrao de capital e renda, propiciar uma justia social efetiva. O que est escrito na

    passagem constitucional que devem o legislador e o aplicador do Direito observar essa

    finalidade quando da elaborao ou interpretao das normas.

    Sua contribuio est, principalmente, em dar as diretrizes principais, os caminhos quedevemos seguir, a base hermenutica para a interpretao desse tipo de normas. Desta

    maneira esclarece Josaphat Marinho:

    A ordem econmica, configurada na Constituio, prev apenas algumas medidas eprincpios que podero sistematizar o campo as atividades criadoras e lucrativas ereduzir desigualdades e anomalias diversas na proporo em que as leis seconvertem em instrumentos reais de correo das contradies de interessesprivados.28

    Assim, a Constituio incumbe ao Estado o dever de pelo menos moderar os excessosadvindos do capitalismo. Conclui com perfeio nosso estudo dos fins e fundamentos da

    Constituio brasileira o pensamento de Jos Afonso da Silva:

    Assim como as declaraes dos direitos do homem do sculo XVIII postularam arealizao dos valores jurdicos da segurana, da ordem e da certeza, as declaraesconstitucionais dos direitos econmicos e sociais, revelada nesses elementos scio-ideolgicos, pretendem a realizao do valor-fim do Direito: a justia social, que uma aspirao do nosso tempo, em luta aberta contra as injustias do individualismocapitalista.29

    5 DOS PRINCPIOS ECONMICOS APONTADOS NO ARTIGO 170 DA

    CONSTITUIO FEDERAL

    27 Id. Ibid., 1990, p. 66128 Id. Ibid., 1990, p. 660.29Id. Ibid., 1990, p. 660.

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    Trataremos, neste momento, dos princpios constitucionais da ordem econmica, vale

    dizer, aqueles que esto tomados a rol no artigo 170, os quais concretizam a ordem econmica

    sob o ponto de vista conceitual da ordem jurdica da economia, sobre a qual j dissertamos

    alhures.

    Nesta feio esto dispostos os princpios, in verbis:

    Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livreiniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da

    justia social, observados os seguintes princpios: I - soberania nacional; II -propriedade privada; III - funo social da propriedade; IV - livre concorrncia; V -defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamentodiferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e servios e de seusprocessos de elaborao e prestao; VII - reduo das desigualdades regionais esociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresasde pequeno porte constitudas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede eadministrao no Pas.Pargrafo nico. assegurado a todos o livre exerccio de qualquer atividade

    econmica, independentemente de autorizao de rgos pblicos, salvo nos casosprevistos em lei.

    5.1 Soberania Nacional

    A soberania um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil (artigo 1, I),

    alm de ser, igualmente um princpio de suas relaes internacionais (artigo 4: A Repblica

    Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes internacionais pelos seguintes princpios: I -

    independncia nacional...).

    Soberania, na definio de Alexandre de Moraes, consiste em:

    Um poder poltico supremo e independente, entendendo-se por poder supremoaquele que no est limitado por nenhum outro na ordem interna e, na sociedadeinternacional, no tem de acatar regras que no sejam voluntariamente aceitas e estde p a igualdade com os poderes supremos de outros povos.30

    No h pleonasmo quando a Constituio, no artigo 170, enuncia a soberania nacional

    como princpio geral da ordem econmica, visto que, nessa ocasio, temos a expresso com

    significado de soberania nacional econmica, a saber, deve-se extrair do inciso I do artigo 170

    a noo de no-subordinao, de independncia perante os estados estrangeiros

    economicamente mais fortes.

    Mesmo sendo pas emergente, o Poder Constituinte Originrio no acabou com o

    sistema capitalista, mas deixou a tarefa desse buscar uma maior independncia econmica,

    isto , a busca de um capitalismo interno autnomo. Remata esse raciocnio Jos Afonso da

    30 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 2. ed., Rio de Janeiro: Atlas, 1987, p. 169.

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    Silva: Essa uma tarefa que a Constituinte, em ltima anlise, confiou burguesia nacional

    na medida em que constitucionalizou uma ordem econmica de ordem capitalista.31

    Pondera o professor Eros Grau acerca da soberania econmica: No supe o

    isolamento econmico, mas antes, pelo contrario, a modernizao da economia e da sociedade

    e a ruptura de nossa situao de dependncia em relao s sociedades desenvolvidas.32

    Por isso, esse dispositivo no salvaguarda o xenofobismo ou o repdio ao capital

    estrangeiro, reservando, lei infraconstitucional, inclusive, o dever estabelecer o regramento

    do capital estrangeiro: art. 172: A lei disciplinar, com base no interesse nacional, os

    investimentos de capital estrangeiro, incentivar os reinvestimentos e regular a remessa de

    lucros, entretanto, devem estes respeitar a soberania nacional econmica.

    5.2 Propriedade privada

    Assim se expressa o artigo 5 XXII de nossa Constituio Federal:Todos so iguaisperante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

    estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade,

    segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - garantido o direito de

    propriedade [...]Logo, propriedade dado status de direito fundamental.

    O Direito Constitucional Brasileiro passou por uma lenta e contnua evoluo

    concernente ao conceito de propriedade. Isso se deu em virtude do fenmeno conhecido por

    Constitucionalizao do Direito Privado, ao qual, aps a Segunda Guerra Mundial, o mundo

    assistiu. Samos de um ordenamento patrimonialista para um ordenamento personalista, efeito

    denominado pelo jurisconsulto Jorge Miranda33 de Giro Coprnico do Direito.

    Assim, o conceito patrimonialista de propriedade, arraigado no individualismo,

    evoluiu para um conceito baseado, principalmente no interesse social, o qual supera,

    definitivamente, a antiga concepo individual de propriedade. Anota Caretella Jnior:

    Antes, a propriedade tinha um sentido nitidamente individual, exclusivo; hoje, a propriedade

    tem um sentido social. A expresso destinao social ope-se expresso destinao

    individual.34

    31 Id. Ibid., 1990, p. 666.32 Id. Ibid., 1990, p. 242.33 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. v IV. Coimbra: Coimbra, 1988.34CARETELLA JNIOR, Jos. Comentrios Constituio de 1988. 2. ed., Rio de Janeiro: ForenseUniversitria, 1993, p. 396.

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    Vale lembrar que o antigo conceito de propriedade, por meio do qual o indivduo

    podia usar, gozar e dispor vem sendo afastado pelo constitucionalismo ptrio desde a

    Constituio de 1934.

    O direito propriedade continua protegido pelo direito brasileiro, com sua titularidade

    garantida e seus direitos assegurados. Mas esses direitos esto atrelados a deveres. Oproprietrio passa a ter deveres sociais a cumprir: fazer a terra produzir, garantir o bem-estar

    de quem labuta na propriedade, torn-la frtil, sem esgot-la, enfim, ter sempre que dar uma

    destinao social propriedade, seja ela urbana ou rural, ou seja, o direito propriedade

    encontra seus limites na funo social da propriedade,prximo princpio que exploraremos.

    Faz uma muito conveniente ressalva regra da funo social da propriedade o

    professor Eros Grau. Observa que a propriedade est dividida em propriedade de funo

    individual e propriedade dotada de funo social, ou seja, somente algumas propriedades

    podem servir ao princpio da funo social; quelas que reclama a subsistncia do indivduo ede sua famlia no justifica tal princpio. J a propriedade dotada de funo social, ainda

    conforme o entendimento do ilustre doutrinador: S pode ser aquela que exceda o padro

    qualificador da propriedade dotada de funo social.35

    Vai mais longe quando enuncia a propriedade privada dos bens de produo afetados

    pelo princpio da funo social: O princpio da funo social da propriedade tem como

    pressuposto a propriedade dos bens de produo e de bens que excedam o quanto

    caracterizvel como propriedade afetada como funo individual.36

    Assim, a afetao do princpio da funo social repudia o conceito de propriedade

    como exclusiva fonte de poder.

    5.3 Funo Social da Propriedade

    Est esse princpio estampado em nosso ordenamento constitucional dede a

    Constituio de 1934 at a atual Constituio, exceto pelo silncio da Constituio de 1937.

    Est tambm elencado como direito fundamental no artigo 5 XXIII: a propriedade

    atender a sua funo social.

    Diante disso, no pairam dvidas que, em no havendo uma destinao adequada ao

    interesse social, a propriedade privada que no se enquadrar nesses princpios no ter

    proteo do direito brasileiro.

    35 Id. Ibid., 1990, p. 257.36 Id. Ibid., 1990, p. 257.

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    Esse princpio advindo dos ensinamentos da Igreja Catlica, segundo os quais, sobre

    toda propriedade particular, pesa uma hipoteca social. Tradicionalmente a Igreja sempre

    defendeu, atravs de Encclicas Papais, por exemplo, a autenticidade crist do direito de

    propriedade, contudo, sem nunca deixar de fazer o condicionamento do bom uso da

    propriedade.Essa adequao da propriedade privada aos interesses de sua funo social de

    fundamental importncia para a convivncia harmoniosa em sociedade. No sculo XIX j

    dizia Rousseau: Cada um de ns coloca a sua pessoa e toda potncia sob a direo suprema

    da vontade geral; e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisvel do

    todo.37

    Apesar da importncia do cumprimento de sua funo social, este princpio no pode,

    de forma arbitrria, suprimir a propriedade privada. Deve haver muito cuidado do intrprete

    quando da interpretao desses preceitos levada a cabo no caso concreto. Gilmar Mendesassim confirma esse pensamento:

    No tendo a Constituio de 1988 estabelecido nenhuma hierarquia entre os valoresconsubstanciados no direito de propriedade e na sua funo social, resta aointrprete/aplicador resolver seus eventuais conflitos luz do caso concreto,mediante judiciosa ponderao, optando, afinal, por aquele cuja prevalncia, nascircunstncias conduzir a uma deciso correta e justa e, assim, realizar a justia emsentido material como referente fundamental a idia de direito.38

    5.4 Livre Concorrncia

    A livre concorrncia um dos alicerces da estrutura da economia, e est muito

    relacionada com a livre iniciativa, da qual j tratamos anteriormente. A vinculao to

    notria que podemos dizer que s pode existir a livre concorrncia onde houver livre

    iniciativa, no entanto, o inverso no verdadeiro, podendo existir a livre iniciativa sem que

    haja a livre concorrncia. Desse modo, temos que a livre concorrncia algo que se associa

    livre iniciativa, consistindo na situao em que os diversos agentes produtores se lanam na

    concorrncia dos seus rivais

    Vale ressaltar que o princpio da livre concorrncia foi uma inovao do constituinte

    originrio, haja vista que at a Constituio Federal de 1988, ele nunca havia estado

    expressamente presente no texto das constituies anteriores.

    37 ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do Contrato Social. So Paulo: Hemus, 1981. p. 28.38 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo. Curso de DireitoConstitucional, So Paulo: Saraiva, 2008, p. 1357.

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    Essa garantia advinda do princpio da igualdade, no mbito do domnio econmico.

    Por essa razo, impe ao Estado no apenas as prevenes e a punio do abuso de poder

    econmico, mas tambm obsta que o Poder pblico crie distines ou estabelea benefcios

    arbitrrios para determinadas empresas, setores ou grupos econmicos, a menos, claro, que

    a distino esteja no prprio texto constitucional.Exemplo que qualifica essa situao o que temos no inciso IX do artigo 170, o qual

    exige que em princpio da ordem econmica, o tratamento favorecido para as empresas de

    pequeno porte constitudas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administrao no

    Pas.

    Outro tratamento de diferena que nossa Constituio confere na tentativa de atingir a

    equidade o exposto no artigo 179, nos termos do qual, A Unio, os Estados, o Distrito

    Federal e os Municpios dispensaro s microempresas e s empresas de pequeno porte, assim

    definidas em lei, tratamento jurdico diferenciado, visando a incentiv-las pela simplificaode suas obrigaes administrativas, tributrias, previdencirias e creditcias, ou pela

    eliminao ou reduo destas por meio de lei.

    Um terceiro exemplo desse favorecimento o insculpido no pargrafo 4 do artigo

    174, que aduz que as cooperativas a que se refere o pargrafo anterior tero prioridade na

    autorizao ou concesso para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais

    garimpveis, nas reas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21,

    XXV, na forma da lei.

    So valiosas as lies do professor Rgis Frota, o qual, embasado nos preceitos de

    Cabral de Moncada, arrazoa:

    O monoplio e o oligoplio so incompatveis com a economia de mercado. Porconseguinte, o Estado punir essas formas supramencionadas, pois so modalidadesde exerccio econmico atravs das quais existe a averso das leis de mercado,garantindo-lhes uma parcela fixa do mercado. Vale expor o juzo de Cabral deMoncada: O objetivo das leis de defesa da concorrncia o de assegurar umaestrutura e comportamento concorrenciais dos vrios mercados num pressuposto deque o mercado livre que, selecionados os mais capazes, logra orientar a produopara os setores susceptveis de garantir uma melhor satisfao das necessidades dosconsumidores e, ao mesmo tempo, a mais eficiente afetao dos recursoseconmicos disponveis, que como que quem diz os mais baixos custos e preos. Aconcorrncia assim encarada como melhor processo de fazer circular e orientarlivremente a maior e mais completa informao econmica, quer a nvel doprodutor, quer a nvel dos consumidores, assim esclarecendo as respectivaspreferncias. , por isso, que sua defesa um bom objetivo de polticaeconmica.39

    39 ARAJO, Francisco Rgis Frota op. cit., 2007, p. 147.

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    5.5 Defesa do Consumidor

    A Constituio de 1988 foi a primeira a contemplar em seu contedo a defesa do

    consumidor.

    Foi a Constituio portuguesa de 1976 a primeira a acolher normas de proteo doconsumidor, de maneira bastante avanada, no que foi prontamente seguida pela

    Carta Poltica espanhola de 1978, a que serviu de modelo e, dez anos mais tarde,pela atual Constituio brasileira.40

    O consumidor, como regra, hiposuficiente quando comparado economicamente com

    seus fornecedores de bens e servios. H casos em que o Direito compensa essa desigualdade

    material ou ftica instituindo uma desigualdade jurdica em favor dos hiposuficientes

    mediante regras protetivas imperativas, isto , no passveis de derrogao por meio de

    acordos de vontades.

    No podemos nos furtar de mencionar as ponderaes pertinentes de Gilmar Mendes a

    respeito da justificativa histrica, social e justia desse tipo de proteo:

    A emergncia desse novo direito insere-se, como sabido, na transio do EstadoLiberal para o Estado Social, exatamente porque as relaes de consumo- comorelaes jurdicas em geral-, tendo-se tornado ilegtimas, pela quebra do equilbrioentre os sujeitos de direito- estavam a reclamar uma nova atitude do legislador paraabsorver e/ou racionalizar, na medida do possvel, a revolta dos fatos contra oscdigos, na feliz expresso com que Gaston Morin denunciou a perda de sintoniaentre os modelos jurdicos herdados do liberalismo em suas mltiplas facetas e arealidade socioeconmica gerada pela Revoluo Industrial e pela conseqenteformao do operariado como classe social. Nesse contexto, fcil compreenderporque, no bojo da constitucionalizao da economia, a figura do consumidor

    mereceu tratamento especifico e diferenciado, conferindo-se-lhe indiscutvelsuperioridade jurdica para compensar a sua evidente inferioridade de fato, enquantoagente econmico mais vulnervel nas relaes de consumo. Trata-se, no particular,de uma idia essencialmente idntica que inspirou, desde suas origens, a legislaotrabalhista como instrumento de proteo do trabalhador, para tanto considerado aparte frgil na relao de emprego41.

    Mas quem seria o indivduo consumidor? Nos termos do Cdigo de Defesa do

    Consumidor, podemos perceber que toda pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza

    produto ou servio como destinatrio final, equiparando-se a consumidor a coletividade de

    pessoas, ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas relaes de consumo.

    A lei assegura a defesa do consumidor contra atos atentatrios do fornecedor,definindo este como a pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangeira,

    bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produo, montagem,

    40 SILVA, Jos Afonso da, op. cit., 1990, p. 42341 Id. Ibid., 2008, p. 1362.

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    criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao

    de produtos ou prestao de servios.

    O dano ao consumidor pode ser patrimonial ou pessoal. O objetivo da lei do

    consumidor foi o de preservar o equilbrio da Ordem Econmica, pondo fim aos abusos

    cometidos pelo fornecedor, quer mediante o emprego de publicidade enganosa ou abusiva,quer entregando produtos defeituosos ou prestando servios que no correspondam aos

    servios anunciados.

    Por fim, oportuno lembrar que a defesa do consumidor tambm um direito

    fundamental, expresso no inciso XXXII do Art. 5 in verbis: O Estado promover, na forma

    da lei, a defesa do consumidor.

    5.6 Defesa do Meio Ambiente

    Revela o inciso VI do artigo 170 da Constituio o princpio da defesa do meioambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos

    produtos e servios e de seus processos de elaborao e prestao;

    Devemos observar que o meio ambiente tambm tratado, em muito mais detalhes, no

    Ttulo VIII da Constituio vigente, especificamente no artigo 225, caput: Todos tm direito

    ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial

    sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo

    e preserv- lo para as presentes e futuras geraes.

    Tendo a Constituio elevado a preservao do meio ambiente ao nvel de princpio da

    ordem econmica, significa que a atividade produtiva est condicionada ao respeito ao meio

    ambiente, ou seja, o Poder Pblico poder interferir, se necessrio, para que a explorao

    econmica preserve a ecologia.

    O princpio constitucional da defesa do meio ambiente traduz que no se podem

    produzir riquezas hodiernamente a qualquer custo ambiental. A atividade econmica de que

    se produzam riquezas s legtima se compatvel com a proteo do mio ambiente. o

    chamado desenvolvimento sustentvel.

    Ainda que as riquezas fossem teoricamente distribudas de forma equitativa, o que

    seria convergente com uma ordem econmica que assegure a todos uma existncia digna, a

    atividade econmica que acarretasse destruio insustentvel do meio ambiente seria coibida

    pelo Estado. Nesse sentido, valiosos so os ensinamentos de Fiorillo:

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    Devemos lembrar que a idia principal assegurar a existncia digna, atravs deuma vida com qualidade. Com isso, o princpio no objetiva impedir odesenvolvimento econmico. Sabemos que a atividade econmica, na maioria dasvezes, representa alguma degradao ambiental. Todavia, o que se procura minimiz-la, pois pensar de forma contrria significaria dizer que nenhuma indstriaque venha a deteriorar o meio ambiente poder ser instalada, e no essa aconcepo apreendida do texto. O correto que as atividades sejam desenvolvidaslanando-se mo dos instrumentos existentes adequados para a menor degradaopossvel. [...] Por isso, delimita-se o princpio do desenvolvimento sustentvel comoo desenvolvimento que atenta s necessidades do presente, sem comprometer asfuturas geraes.42

    5.7 Reduo das Desigualdades Sociais e Regionais

    Esse princpio classificado como princpio de integrao porque est dirigido a

    resolver os problemas de marginalizao social ou regional.43

    mencionado como objetivo fundamental da Repblica Federativa do Brasil no artigo

    3 inciso III: erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e

    regionais.A colonizao do Brasil a principal raiz das desigualdades sociais e econmicas

    existentes entre diversas regies desse pas. Ela deixou suas marcas tanto no que se refere s

    diferenas culturais e raciais que subsistem at os dias atuais, como no desenvolvimento

    econmico das vrias regies do Brasil.

    O desenvolvimento h de ser compartilhado por todos. Atualmente, nosso pas

    apresenta problemas de desequiparaes acentuadas de rendas em duas dimenses diferentes,

    a saber, a regional e a social. Cada uma delas dever ser objeto de polticas adequadas. At

    mesmo por motivaes de unidade nacional, a preocupao como desenvolvimento mais

    acelerado das regies mais pobres deve ser uma diretriz fundamental da poltica nacional.

    A reduo das desigualdades regionais objetivo reiteradamente manifestado pelo

    Constituinte, como ilustra a parte final do inciso I do artigo 151 da Constituio, o qual veda

    Unio: instituir tributo que no seja uniforme em todo o territrio nacional ou que implique

    distino ou preferncia em relao a Estado, ao Distrito Federal ou a Municpio, em

    detrimento de outro, admitida a concesso de incentivos fiscais destinados a promover o

    equilbrio do desenvolvimento scio-econmico entre as diferentes regies do Pas.

    J a reduo das desigualdades sociais objetivo mais amplo do que a mera

    erradicao da pobreza. Assim, as atividades econmicas, como um todo, devem propiciar

    no s a eliminao da pobreza, mais tambm uma distribuio equitativa da riqueza

    produzida. Aponta, nessas linhas, Marcelo Alexandrino:

    42FIORILLO, Celso Antnio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 36.43 SILVA, Jos Afonso da, op. cit.,1990, p. 667.

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    O setor privado deve colaborar com essa tarefa, mediante a contratao sempreformal de seus trabalhadores (empregos com carteira assinada), na qual soplenamente assegurados os direitos trabalhistas. Note-se que, se o salrio mnimotivesse seus valores fixados em conformidade com os parmetrosconstitucionalmente impostos (CF, art. 7, IV), a simples contratao formal detrabalhadores j contribuiria de sobremaneira para reduzir as desigualdades sociais(e mais ainda para erradicar a pobreza. Esbarra-se mais uma vez, entretanto, naclusula do princpio implcito da reserva do possvel 44

    5.8 Busca do Pleno Emprego

    Aparece aqui esse princpio no sentido de proporcionar trabalho a todos quantos

    estejam em condies de exercer atividade produtiva. Trata-se do pleno emprego da fora do

    trabalho capaz. Harmoniza-se com a regra de que a ordem econmica est fundada na

    valorizao do trabalho humano. um princpio diretivo que se ope s polticas recessivas.

    Eros Grau Afirma que consubstancia tambm o princpio do pleno emprego, indiretamente,

    uma garantia para o trabalhador, na medida em que est coligado ao princpio da valorizao

    do trabalho humano e reflete efeitos em relao ao direito social do trabalho 45.

    H quem critique a expresso pleno emprego, alegando ser ela inalcanvel.

    Sugerem o termo utilizado j em outras constituies nacionais de significado semelhante,

    como a busca pela expanso das oportunidades de emprego.

    No que tange ao modo como pode haver essa busca do pleno emprego, lembra Rgis

    Frota:

    A teoria de Pigou explica que o pleno emprego alcanado espontaneamente, seadotada uma economia se mercado. A teoria de Keynes acredita que hdeterminados meios podem ser instrumentalizados para que se estimule a economiae se consiga a ocupao de todos os fatores de produo. 46

    5.9 Tratamento Favorecido para as Empresas Brasileiras de Capital Nacional e de

    Pequeno Porte

    Embora j tenhamos feito considerveis reflexes acerca desse princpio quando

    falamos do princpio da livre concorrncia, devemos, em virtude da importncia do assunto,

    voltar a comentarmos a seu respeito.

    44 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. So Paulo: Saraiva,2004, p. 933-934.45 Id. Ibid., 1990, p. 263.46 Id. Ibid., 2007, p. 149.

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    Esse princpio s se aplica s empresas de pequeno porte constitudas sob as leis

    brasileiras e que tenham sua sede e administrao no pas. Essas empresas segundo Jos

    Afonso da Silva podem ser brasileiras ou no, pois:

    Basta que a empresa estrangeira ou multinacional (ou parte dela) se organize aquisegundo as leis brasileiras e tenha sede aqui para ser reputada brasileira, poucoimporta a nacionalidade de seu capital e a nacionalidade, domicilio e residncia daspessoas que detm seu controle.47

    O tratamento favorecido dispensado pela Constituio s empresas de pequeno porte

    tem relevantes conseqncias scio-econmicas. No haveria uma disputa justa entre as

    macroempresas e as empresas de pequeno porte, se o nus burocrtico e a carga tributria

    sobre ambas fossem o mesmo.

    Busca-se, ento, por meio desse princpio, eliminar os entraves para o exerccio de

    atividade econmica. Outro motivo que justifica o apoio do Poder Pblico s empresas de

    pequeno porte, o de, freqentemente, no haver condies de elas levantarem emprstimos

    diante das leis vigentes no mercado financeiro por se tratar de um empreendimento de

    pequena monta.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    Diante de uma realidade de injustia social to perversa, no de se entranhar que os

    operadores do direito freqentemente subestimem a normatividade nsita aos fundamentos,

    finalidades e princpios da ordem econmica na Constituio de 1988.

    Entretanto, desde que promulgada a Constituio, podemos notar uma evoluo

    abrangendo todas essas mazelas sociais.

    De fato, a Constituio de 1988 representou, em todos os aspectos, uma revoluo

    silenciosa, fato que nos faz acreditar, cada vez mais, concretamente, ser possvel atingir a

    meta da existncia digna nos ditames da justia social.

    7 BIBLIOGRAFIA

    ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. So

    Paulo: Saraiva, 2004.

    47 Id. Ibid., 1990, p. 729.

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