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    DRIBLANDO AS DIFICULDADES DA ESCRITA COM UM PASSE DE MSICA Jefferson Adriano de SOUZA (PG-UEM/FACINOR)

    ISBN: 978-85-99680-05-6

    REFERNCIA: SOUZA, Jefferson Adriano de. Driblando as dificuldades da escrita com um passe de msica. In: CELLI COLQUIO DE ESTUDOS LINGUSTICOS E LITERRIOS. 3, 2007, Maring. Anais... Maring, 2009, p. 1473-1485. 1. INTRODUO

    A sacralizao da escrita na escola por meio do culto da tipologia textual (descrio, narrao e dissertao), desvinculada de uma aplicao prtica na vida do aluno, vem, ao longo dos anos, semeando apatia, descaso e repulsa pelo ato de escrever. A concepo de escrita como produto fabricando para a escola, a fim de mensurar o domnio da norma padro culta pelo aluno, contribuiu para enfraquecer a compreenso de escrita como prtica social de encontro, assuno e transformao do sujeito.

    Desta forma o trabalho com os textos de circulao social como letras de msica, propagandas escritas (anncios, outdoors, panfletos, folders), revistas, jornais e textos audiovisuais afigura-se como um caminho para reverter essa imagem artificial de leitura e escrita no mbito escolar.

    No oceano dialgico dos textos de circulao social, destacamos o gnero cano (letras de msica), como textos em constante sintonia com os alunos, capazes de sensibiliz-los e conect-los ao mundo da linguagem. Em respeito a esse recorte, indagamos: como o trabalho com o gnero cano pode contribuir para uma proposta de leitura e escrita motivadora e menos artificial nas escolas? Abraamos a hiptese de que os adolescentes possuem uma empatia natural com a msica que instiga leitura e escrita de forma mais significativa e motivadora. Essa receptividade pode desencadear, durante a oficina, dilogos e discusses, que possibilitariam uma leitura mais proveitosa e uma escrita menos traumtica.

    Portanto, objetivamos, neste artigo, delinear uma proposta de oficina de leitura e escrita que contribua para o exerccio de novas prticas pedaggicas, diminua a artificialidade do trabalho escolar e vivifique a teoria scio-interacionista. Esperamos, deste modo, oferecer oportunidades significativas de leitura e escrita, promover uma aproximao crtica e prazerosa

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    dos alunos com o gnero cano, visando a fortalecer e ampliar a sua condio de sujeitos de linguagem e, conseqentemente, sua participao social. 2. OFICINA DE LEITURA E ESCRITA: PARTITURA TERICA

    A oficina pedaggica compreendida por Bajard (2002) como estratgia de interveno que consolida a pedagogia de mobilizao coletiva, confluindo aspectos intelectuais e emocionais. Arraigada no fazer e na motivao dos participantes, a oficina uma metodologia ativa e democrtica, que promove no s os saberes, mas focaliza, sobretudo, o saber-fazer. Para Bajard (2002), a oficina visa ao exerccio prtico, aos interesses do aluno, ao planejamento coletivo seleo das tarefas, segundo sua pertinncia prtica.

    Norteada por essa viso, Brunstein et. al. (1995) considera a oficina como espao de interao que propicia a auto-expresso, a comunicao com o grupo e a troca de experincias. Consoante essa autora, na oficina de escrita, preciso valorizar o processo de construo, a funo social da escrita e a utilizao de textos que sensibilizem e mobilizem os participantes. O estmulo auto-expresso, a valorizao da produo e o respeito auto-estima dos alunos so ingredientes indispensveis para o desenvolvimento de qualquer oficina.

    Em comunho com esses pensamentos, Zamproni (2000) acredita que a oficina desencadeia condies especiais para a leitura e produo de escrita concretas, capazes de proporcionar a interao entre texto, alunos e professor, uma vez que todos comungam dos mesmos objetivos. Zanini (2003) defende que as oficinas contribuem para a quebra da artificialidade e para o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar com a leitura e escrita. De acordo com essa pesquisadora, as oficinas possibilitam uma aprendizagem mais livre e natural, que estimula a criatividade e a criticidade do aluno.

    A motivao fomentada pelas oficinas fruto do envolvimento do aluno com o processo de leitura e escrita, em virtude de seu carter democrtico e socializador. Instigado por uma situao real de escrita, o aluno assume a sua posio de sujeito de linguagem e rene condies para decidir sobre as estratgias mais adequadas para a consecuo de seus objetivos. Nesse sentido, a produo textual, na oficina de leitura e escrita, marcada pelo exerccio das condies de produo, que define, por meio de atividades negociadas: o que (assunto), para quem (interlocutor), para que (finalidade), por que (objetivos) e como (estratgias). Em sintonia com essa viso de produo de texto, Hemilewski (2004) assevera que:

    Produzir um texto numa oficina significa fazer, refazer, fazer de novo uma construo e, sabemos que construir, desmanchar, reconstruir implica tornar mais complexas, mais mveis, mais estveis as estruturas motoras, mentais, verbais do indivduo (...) a produo de texto provoca desequilbrio, dvidas, incertezas, porm so esses desafios que favorecem a reequilibrao, a construo de um novo conceito. So eles que provocam a curiosidade, o fazer, o querer saber e o aprender (HEMILEWSKI, 2004, p. 22).

    Analisando a concepo de oficina, defendida por essa autora, podemos perceber a

    presena da escrita como trabalho, como atividade social que precisa ser ensinada e mediada para (re)constituir o humano. A escrita abala as certezas da fala porque demanda o pensar, a reflexo e o ponderar. Todo esse exerccio mental, ao mesmo tempo, paralisa e instiga o indivduo, fortalecendo e estremecendo sua confiana, a cada nova escrita. Isso ocorre porque a leitura e a escrita nos transformam durante o processo. Por isso, quando retornamos ao texto que

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    escrevemos, j no somos os mesmos. Um outro, dentro de mim, insiste em discordar, rever as minhas palavras e essa atitude nos causa medo, insegurana. Exige, pois, a mediao de outros.

    Na proposio desta oficina de leitura e escrita, articulam-se os pressupostos terico-metodolgicos do scio-interacionismo, o que implica visualizar o ensino-aprendizagem como um processo de construo de significados, edificado na e pela interao social, ou seja, no movimento e ao de construo e reconstruo da linguagem. Em consonncia com os Parmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Lngua Portuguesa (1999), do Ensino Mdio, doravante PCNs, esse processo precisa privilegiar a reflexo sobre o uso da lngua na vida em sociedade, visando comunicao. Deste modo, a concepo de linguagem acionada a da interao, que compreende a lngua como um organismo vivo, prtica social construda na interao dos homens, que a utilizam e a transformam por meio do uso e reflexo. 3. PRODUO TEXTUAL: UM BORDADO DIALGICO DE SENTIDOS E VOZES

    Leitura e escrita so prticas dialgicas que se irmanam e se completam na formao do sujeito-compositor de sua histria. Ler, em sentido amplo, compreender os significados das imagens acsticas e visuais construdas na interao dos sujeitos com o objeto. Quando lemos, organizamos uma rede de sentidos, tecida com os fios de outras palavras, imagens, experincias. Ao escrever, evocamos essa mesma rede para (re)construir o pensamento e transform-lo em palavras vivas.

    A comunho da leitura com a escrita desencadeia a interao do eu com os outros. As palavras do texto vo se impregnando com as minhas palavras, delineando sentidos, imagens, compreenses. Por meio do dilogo com os textos, com os outros, a minha voz, as outras vozes se fazem ouvir, modificam-se e se encontram nas diferenas. Nesse bal polifnico, o pensamento individual, socializa-se, expande-se. Por isso, Bakhtin (1992, p. 113) registra que toda palavra serve de expresso a um em relao ao outro. Atravs da palavra, defino-me em relao ao outro, isto , em ltima anlise, em relao coletividade. A palavra para Bakhtin representa a essncia da interao verbal, o dilogo em toda sua plenitude comunicativa.

    Para Kleiman (1993, p. 24) essa interao possibilita a compreenso mais profunda do texto; aspectos que o aluno sequer percebeu ficam salientados nessa conversa, muitos pontos que ficaram obscuros so iluminados na construo conjunta da compreenso.

    Ao abordar a questo da interao no processo de ensino-aprendizagem, compreende-se que escrever no se reduz distribuio de palavras em uma superfcie, assim como ler no mera decodificao. A essncia dessas prxis est na (re)construo de sentidos, experincias, imagens e palavras dentro de um contexto scio-histrico, que considera a interao entre sujeitos e contextos, as condies de produo e a dimenso do processo como trabalho intelectual, emocional e social, desenvolvido pelo sujeito.

    Logo, a concepo de leitura adotada neste estudo pauta-se na abordagem scio-interacionista, que concebe o ato de ler como processo ativo e construtivo dos significados do texto, a partir dos objetivos, conhecimento de mundo e lingsticos do leitor (BRASIL, 1997).

    Para Leffa (1996), ler reconhecer a realidade por meio de representaes; olhar o mundo atravs de espelhos que se iluminam ou desbotam em consonncia com os conhecimentos prvios do leitor e movimento de interao entre ambos (leitor e texto). Ao teorizar sobre leitura, Goulemot (1996) enfatiza-a como um processo de produo de sentidos que se move ao redor de uma biblioteca (o j lido). Para esse autor, o livro lido ganha o seu sentido daquilo que foi lido antes dele (...) o sentido nasce, em grande parte, tanto desse exterior

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    cultural quanto do prprio texto e bastante certo que seja de sentidos j adquiridos que nasa o sentido a ser adquirido (GOULEMOT, 1996, p. 115). nessa perspectiva que se pode asseverar a leitura e escrita como prticas que se irmanam e completam no fortalecimento de uma biblioteca que permita ao sujeito negociar e produzir sentidos cada vez mais complexos.

    Na concepo scio-interacionista, a escrita dimensionada por uma concepo de trabalho que privilegia a leitura, a reflexo, a discusso, o planejamento, a escrita, a reviso e a reescrita, em um processo contnuo de sucessivas retomadas que fortalece a conscincia, o comprometimento e assuno do sujeito de linguagem. Consoante Sercundes (1997), a escrita como trabalho integra a construo do conhecimento com os interesses e necessidades dos alunos, fomentando situaes de leitura e discusses que amanham o terreno para a escrita. Nesse processo, parte-se do conhecido para um novo conhecer; abre-se espao para ouvir, valorizar e trabalhar o saber do aluno, objetivando multiplic-lo.

    Na escrita como trabalho, as atividades prvias instigam os alunos a produzirem textos orais e escritos que fortalecem a base do dizer, a comunicao. Os textos vo se conectando e gerando suportes para que o aluno construa sua escrita, calcado pelo desejo de ser ouvido e pela confiana em suas palavras. Essa viso de textos gestando outros textos um dos sustentculos da escrita como trabalho. O ato de escrever um processo que se fundamenta no uso e reflexo da linguagem, no dilogo com a diversidade textual, no compartilhar da escrita com os outros e, principalmente, na renovao do sujeito e suas palavras, por meio da interao.

    Essa renovao do sujeito e suas palavras materializa-se, fortemente, durante o compartilhar da escrita, quando os sujeitos permutam seus textos e se debruam sobre a escrita do outro para contribuir com o desenvolvimento da linguagem alheia. Nesse instante, contemplar as lacunas e completudes do outro, permite ao sujeito visualizar de uma outra perspectiva sua prpria escrita. Esse olhar sobre o exterior, habilita-o a rever o seu interior, enriquecendo a sua viso de sujeito e a abertura de uma terceira margem. Como assevera Bakhtin (1992, p. 121), no o interior, mas o exterior, o centro organizador de toda enunciao, de toda expresso.

    No cultivo da escrita, torna-se essencial a conjuno das condies de produo. Ao ler e escrever, revela-se vital que o sujeito da leitura e escrita visualize e compreenda o contedo, a finalidade, os interlocutores, os objetivos e a estruturao do texto (gnero, estilo, linguagem). Em suma, preciso que se materialize na leitura e escrita: o que, para que, para quem, por que, como e, primordialmente, a assuno do sujeito sobre o seu dizer e interpretao (GERALDI, 1993, 1997; VAL, 2003; MENEGASSI, 2003). Ampliando esses apontamentos terico-metodolgicos, os Parmetros Curriculares Nacionais asseveram que:

    Toda e qualquer anlise (...) deve considerar a dimenso dialgica da linguagem como ponto de partida. O contexto, os interlocutores, gneros discursivos, recursos utilizados pelos interlocutores para afirmar o dito/escrito, os significados sociais, funo social, os valores e o ponto de vista determinam formas de dizer/escrever. As paixes escondidas nas palavras, as relaes de autoridade, o dialogismo entre textos e o dilogo fazem o cenrio no qual a lngua assume o papel principal (BRASIL, 1999, p. 143).

    Emolduradas por essa abordagem do texto, leitura e escrita se confluem na

    composio de um bordado dialgico de sentidos e vozes, que eleva a condio de sujeito de linguagem a um outro patamar de compreenso, construo e poder de transformao. Nessa tica, o texto deixa de ser um produto acabado para se configura em processo interativo e intencional dos sujeitos, com fins sociais (KOCH, 2002).

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    4. GNERO CANO: COMPASSO E DESCOMPASSO

    O presente estudo procura delinear uma proposta de oficina de leitura e escrita com nfase no gnero cano, por consider-lo um texto de circulao social de forte apelo emocional e consonncia entre o pblico jovem. Visando concretizao desse objetivo, torna-se necessrio esboar algumas consideraes e particularidades acerca do gnero cano ou letra de msica.

    De acordo com Costa (2002, p. 107), a cano um corpo semitico, vivido e uno em duas almas: a escrita e a melodia. Em palavras suas, um gnero hbrido, de carter intersemitico, pois resultado da conjugao de dois tipos de linguagens: a verbal e a musical (ritmo e melodia). Isso significa que o trabalho com o gnero cano e a letra de msica precisa considerar essas duas dimenses textuais: o contedo (letra) e a expresso (melodia). A desconsiderao dos elementos caractersticos da cano compromete a plenitude do gnero e desvirtua os seus sentidos.

    O impacto causado por uma cano nunca ser o mesmo, desprovido de sua melodia ou de sua letra. Na msica, letra e melodia se fundem e se alimentam para forma um todo coeso, pleno e frtil de sentidos; sentidos s possveis de contemplao, na fuso dos corpos. Desta forma, cabe esclarecer, que em uma perspectiva semitica, o texto compreendido como todo e qualquer objeto capaz de expressar significados. Essa definio abarca um filme, msica, quadro, dilogo, entre outros objetos ricos de sentidos (COELHO, 2005).

    Ao teorizar sobre o carter da cano, Brulio Tavares (2005) a define como uma conjuno de sons, que s se totaliza e se define como gnero na fuso dos corpos textual e meldico. A letra da msica precisa ser vislumbrada como uma estrutura que organiza as elevaes e declnios da melodia, as pausas para a entrada de arranjos instrumentais e a emisso vocal do intrprete. Enquanto sistema aberto e intermediado, a letra de msica enlaa muito da sua significao (re)interpretao do cantor e ao contexto da enunciao.

    Na voz de Tavares (2005), a cano vive no tempo de sua execuo, apenas no momento em que est sendo cantada-tocada. A transcrio do texto referencial apenas um fragmento da letra da msica que por definio, uma construo sonora, e no um conjunto de sinais grficos impressos. Ao discorrer sobre a aproximao entre o gnero cano e poesia, esse autor ressalva o carter singular desses acontecimentos em virtude de suas essncias e sutilezas identitrias.

    ...a letra de msica feita exclusivamente de sons, mesmo que a grande maioria desses sons reproduza palavras reconhecveis. Alguns poemas podem funcionar como letras de msica, e algumas letras de msica podem ser lidas como poemas, mas isto s ocorre em um nmero limitado de casos. Um poema pode ser enriquecido pelas sonoridades tpicas da msica, e uma letra de msica pode ser valorizada pela transcrio impressa de seu texto verbal. Os dois no so concorrentes. So caminhos paralelos, abertos para quem quer se expressar atravs da Palavra... (TAVARES, 2005).

    A pedagogia da cano, adotada pela escola, tem, na viso de Costa (2002),

    desconsiderado essa constituio particular do gnero cano, semeando confuses e preconceitos, ao relacion-lo poesia. A letra, separada da melodia, manipulada como poema, reduzida a entretenimento vazio. Nesse descompasso didtico, mutila-se o gnero, negando a

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    sua integridade e, irresponsavelmente, ignora-se o valor da produo literomusical na construo da identidade, cultura e histria de um pas.

    Contemplando esse quadro lastimvel, afigura-se vital um trabalho coerente com a msica, visando formao de ouvintes crticos, capazes de perceber os efeitos de sentidos do texto, da melodia e da conjuno verbo-meldica; cidados conhecedores do cancioneiro e dos cancionistas de seu pas, bem com posicionamentos, estilos e discurso (COSTA, 2002, p. 120). Por fim, na concretizao desse trabalho, urge a intermediao de um professor crtico no necessariamente um compositor ou cantor , mas uma alma sensibilizadora, contagiada pelo poder (trans)formador da msica, capaz de tocar os coraes e mentes dos jovens. 5. OFICINA DE LEITURA E ESCRITA: ESBOO DE UMA PROPOSTA

    No desenvolvimento deste estudo, consideramos algumas caractersticas marcantes compartilhadas pela abordagem scio-interacionista, PCNs de Lngua Portuguesa e oficinas pedaggicas. Assim, compreendemos o processo de ensino-aprendizagem como construo que se apia nos saberes, interesses e necessidades do aluno para gestar novos saberes. Nessa concepo de ensino-aprendizagem, o texto configura-se como ponto de partida e chegada de todo o processo, a diversidade textual vivenciada, o dilogo amplamente cultivado, bem como, o uso e a reflexo da linguagem, considerados indissociveis.

    A proposio da oficina Driblando as dificuldades da escrita com um passe de msica surgiu de um levantamento realizado em um colgio da rede pblica, com alunos do Ensino Mdio. Essa pesquisa preliminar envolveu 112 alunos, que foram questionados sobre o tipo de texto e assunto de seu interesse. O levantamento apontou a letra de msica e assuntos relativos a esporte como os mais atraentes para esse pblico. Com base nesses resultados, selecionamos uma cano que conflusse o tema esporte (futebol) e a complexidade da msica.

    Entre inmeras opes, elegemos uma cano, aparentemente, singela, mas de grande flego histrico e representatividade no cenrio esportivo, considerada, por muitos, o hino de todas as Copas de Futebol: Pra frente Brasil. Essa cano, composta por Miguel Gustavo e encomendada pelo Regime Militar para a Copa do Mxico em 1970, eclode-se em inmeras regravaes e ilustra de forma inigualvel a fora das paixes humanas. Em sua totalidade verbo-meldica, essa cano conjuga a paixo pela msica, pelo futebol e pelo Brasil e, em um primeiro olhar, a ingenuidade de sua letra no esconde mais do que um nacionalismo imposto pela Ditadura. Todavia, essa letra, como todas as outras, guarda os seus segredos em um caleidoscpio de iluses, que se revela, sem se desnudar totalmente.

    Nesta proposta de oficina de leitura e escrita, almejamos perscrutar esse caleidoscpio e deslumbrar o olhar dos alunos com o reino de possibilidades que essa cano encerra. Para isso, devemos organizar um processo de construo de escrita que contemple as fases da leitura discusso planejamento execuo reviso reescrita avaliao reescrita entrega. Desta forma, esperamos concretizar a teoria scio-interacionista, a concepo de escrita como trabalho, os apontamentos metodolgicos dos PCNs, explorar as virtudes do gnero cano para animar nos jovens o desejo, a motivao e o gosto pela leitura e escrita.

    Embora estejamos, nesta proposta, desencadeando e centrando as explicaes do trabalho em um texto, a letra da msica Pra frente Brasil , devemos esclarecer, que as oficinas de leitura e escrita precisam oportunizar o contado do aluno com diversidade de textos, em uma abordagem democrtica, que os permita sentirem-se parte do processo de construo do conhecimento. Por isso, a ttulo de sugesto, indicamos na aplicao dessa oficina o trabalho

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    com outros textos como: o texto televisivo Futuro do futebol canarinho , reportagem exibida pelo Globo Reporte, no dia 02/06/06 e a crnica de Luiz Fernando Verssimo, Futebol de rua, presente na obra Para gostar de ler, volume 7 Crnicas. 5.1 Leitura e discusso: os primeiros acordes da oficina

    Todo trabalho com oficina inicia-se por um procedimento muito importante, enfatizado pelos PCNs (2000): o diagnstico dos saberes prvios, interesses e necessidades dos alunos. Com base nesses conhecimentos possvel, coletivamente, estruturar, planejar e propor um trabalho de leitura e escrita capaz de colher bons frutos. necessrio que o mediador envolva, de alguma forma, o aluno nesse processo de discusso e construo do conhecimento, para que ele se sinta, faa parte e assuma responsabilidades por sua formao e desenvolvido como leitor-escritor. No esboo dessa oficina, optamos por um levantamento preliminar dos tipos de textos e temas que mais agradavam os alunos de um ensino mdio para inseri-los nesse processo. Todavia, esse envolvimento pode ser desencadeado, de forma mais simples, por uma conversa e negociao entre professor e aluno em sala de aula. Passemos agora, a descrio e comentrios dos passos para a formulao desse projeto de oficina.

    O trabalho com a letra da msica Pra frente Brasil precisa, inicialmente, focalizar ateno melodia da cano. Para isso, em um primeiro contato dos alunos com a cano, o professor pode executar, em udio, apenas os primeiros acordes da melodia. Nesse momento, o professor indaga aos alunos que sensaes esses sons despertam, que imagens e sentidos afloram na mente. A discusso pode envolver consideraes sobre a natureza dos sons: grave ou agudo, alegre ou triste, crescente ou decrescente, a presena dos assovios, etc. Essa fase muito importante para o desenvolvimento da percepo sonora da cano e compreenso das especificidades desse gnero. Diante da resistncia dos leitores-ouvintes, o mediador pode instig-los a imaginar o espao (lugar) em que essa melodia se desenvolve, as pessoas presentes nesse espao, suas motivaes, a situao que essa melodia desperta na memria, etc.

    Concretizada essa primeira sondagem da cano, o professor pode apresent-la por completo aos alunos em udio. Aps a execuo, o mediador procura correlacionar com os alunos as primeiras impresses dos acordes iniciais da melodia com a audio completa da obra. Questionamentos para suscitar os conhecimentos prvios dos alunos sobre a cano podem ser feitos nessa etapa do trabalho, assim como uma leitura superficial que busque retratar os assuntos do texto.

    O prximo passo entregar por escrito uma cpia da letra para os alunos, solicitando-lhes que destaquem no texto, durante a leitura, os elementos que mais chamaram a sua ateno. O professor pode ler em voz alta ou pedir para que outros alunos leiam a letra da msica, enfatizando o movimento com leituras rpidas ou lentas. Essa etapa nos parece bastante til para ressaltar no texto os elementos responsveis pela sonoridade e movimento da cano, como a rima o, por exemplo.

    De posse da letra escrita, o professor pode explorar com mais profundidade o texto da cano, questionando o aluno, sobre os sentidos possveis presentes em palavras e trechos como: pra frente Brasil; noventa milhes em ao; todos juntos vamos; salve a seleo; todos ligados na mesma emoo, etc. Nessa fase da leitura, enfatizam-se as condies de produo do texto, perguntando aos alunos sobre o que fala o texto; quem escreve e quem interpreta a cano; quais os objetivos e finalidades do texto; a quem dirigida a cano (interlocutores possveis); quando escrito e como escrito o texto.

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    Com base nas respostas dos alunos, o professor vai mediando e buscando uma compreenso mais profunda do texto. Uma vez que os alunos alcancem a relao dessa cano com o futebol, necessrio que o professor procure relacionar o esporte, o jogo, a comemorao, as partidas nos estdios ou a participao em casa aos elementos verbo-meldicos da cano. Em que medida o tema enriquecido pela composio textual e meldica? Como os sons contribuem ou no para essas imagens?

    Um ponto importante no trabalho com a leitura saber ouvir, valorizar e expandir os conhecimentos dos leitores. Naturalmente, o desconhecimento de muitos aspectos das condies de produo da letra da msica pode minimizar essa leitura. Para isso, sugerimos que o professor estimule o aluno a buscar em livros, internet, dilogo com pessoas adultas, informaes sobre o ano de 1970. Acreditamos que seria uma tima oportunidade do professor conjugar os saberes da escola com os saberes do mundo do aluno.

    Em casa, esse aluno poderia conversar com os pais, avs e parentes sobre suas lembranas do ano de 1970 e trazer essas informaes para as discusses em sala de aula. Em alguns ambientes educacionais mais carentes, o prprio professor pode selecionar alguns textos, para que os alunos leiam em grupo e compartilhem informaes. As exposies, discusses, comentrios e explicaes de cada grupo e texto, mediados pelo professor, contribuem para o amadurecimento dos leitores e maximizam suas capacidades de compreenso e interpretao do texto e da realidade.

    A realizao da pesquisa e as discusses em sala preparam o aluno para uma leitura mais crtica do texto, retomando alguns elementos da condio de produo, como: finalidade, objetivos e contexto da criao da cano. Nessa leitura, preciso que o professor instigue o aluno a visualizar os aspectos ideolgicos da cano, o apelo e a fora desse gnero textual no regime militar, elementos particulares da Ditadura presentes na cano, possveis dilogos dessa cano com outros textos, alm de outros aspectos que possam dissimular sob o nacionalismo ufanista, um sentimento revolucionrio do compositor e/ou intrprete. Por exemplo, o professor pode acordar a msica Para no dizer que eu no falei das flores, de Vandr, produzida em 1969, censurada pela Ditadura e compar-la com Pra frente Brasil, para contemplar outros fios, desse intricado tecido textual.

    Uma outra sugesto no desenvolvimento de oficinas que trabalhem com o gnero msica, comparar diferentes verses de uma cano e as mudanas de sentidos, provocadas por essa nova reinterpretaro, contextos, arranjos meldicos, objetivos, finalidades, etc. A ttulo de ilustrao, colocamos acima a primeira verso da cano Pra frente Brasil, gravada em 1970 pelo grupo Os Incrveis e uma nova verso dessa cano, reinterpretada em 1998, pelo grupo Jota Quest. A comparao desses textos pode contribuir para que os alunos alcance mais profundamente as peculiaridades do gnero cano e o seu carter pluridirecional.

    Depois de discutir os aspectos meldicos, verbais, histricos e ideolgicos da cano, o mediador pode direcionar o olhar do aluno para a essncia temtica do texto: a paixo pelo futebol. A partir desse gancho, podemos trabalhar com os alunos sobre o tema paixo, muito propcio para o pblico adolescente. O mediador inicia as discusses sobre as paixes compartilhadas por uma coletividade, como o povo brasileiro e, posteriormente, particulariza o tema, questionando o aluno sobre a natureza da paixo (o que , como nasce, elementos associados, importncia, aspectos negativos, etc.). muito importante que o professor valorize e estimule a participao dos alunos durante essas discusses, que vo tecendo textos orais e lavrando o terreno para a escrita.

    Para aprofundar as discusses, o professor pode optar por apresentar aos alunos uma palestra sobre a filosofia das paixes de Spinoza ou trazer trechos (proposies) da obra para distribuir e discutir com os alunos, como por exemplo, a proposio LXI: Entre todas as

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    paixes que se referem alma medida que esta age, no h nenhuma que no se reduza alegria e ao desejo (SPINOZA, 2002, p. 258). As discusses sobre esses trechos podem convergir para explorar aspectos da paixo pelo futebol e/ou outros objetos e seres suscitados pelos alunos. Alguns apontamentos dessa discusso podem ser anotados no quadro pelo professor, com o auxlio do aluno, a fim de contribuir com o trabalho de escrita.

    Todo esse movimento de leituras e discusses acerca do tema paixo necessrio para que o professor faa borbulhar em sala o desejo e a motivao para a escrita, alm de ampliar o conhecimento sobre o assunto. Compreendemos, naturalmente, que o planejamento para escrita j est em andamento durante essas leituras e discusses, por isso no prximo tpico, apenas pontuamos melhor essa momento da oficina. 5.2 Planejamento, execuo, reviso e reescrita: os acordes mediais da oficina

    O planejamento para a escrita ocorre desde as primeiras leituras e atividades prvias, por isso o que enfatizamos apenas um ponto de um processo j em andamento. Ao negociar com os alunos a construo de um texto, os professores precisam esclarecer as condies de produo que vo nortear esse trabalho de escrita. Em outras palavras, fundamental, que no planejamento, defina-se o que, para quem, por qu, para qu e como. Desta forma, o aluno pode construir sua escrita a partir de um fim especfico, objetivo(s) concreto(s), interlocutor(es) marcado(s), capazes de exercer atitude responsiva. Outra condio essencial desse processo que o aluno conhea as formas de dizer, o que se pretende dizer (gnero, estilo, estrutura textual, linguagem adequada) para que possa se lanar nessa odissia, mais instigado e confiante, assumindo-se, naturalmente, como sujeito de sua linguagem, de seu dizer.

    Na proposio desta oficina, encaminhamos as leituras da cano e demais discusses para desaguar no tema paixo. Paixes coletivas como o futebol, carnaval ou particulares, como tomar banho de chuva, contar estrelas, a primeira e/ou a atual namorada, os pais, os irmos, a famlia, o cachorro; coisas grandiosas ou pequenas que nos despertam grande afeco e fecundam nossa existncia de vida. importante que o professor decida com os alunos, democraticamente, as condies de produo de que iro nortear a escrita do texto.

    Como o objetivo desta proposta de oficina, fazer com que o aluno desperte-se para a escrita, deflagre a motivao, o gosto e a confiana para o ato de escrever, o professor pode deixar livre a opo pelo gnero textual para que o aluno decida a melhor maneira de expressar seus sentimentos: cano, poesia, crnica, carta, etc. Essa multiplicidade de gneros seria interessante, posteriormente, para fundamentar um trabalho que discutisse as particularidades de sua estrutura, linguagem e circulao, etc. Se o aluno optar por um gnero no qual no possua muita segurana, o mediador pode sugerir leituras complementares, individuais ou coletivas, para iluminar caminhos.

    Na proposio desta oficina, julgamos interessante que a escrita final dos textos fossem direcionadas para uma posterior apresentao pblica. Desta forma, poderamos cultivar responsabilidades com o trabalho de escrita, marcar, fortemente, o carter responsivo dessa prtica social e ofertar ao aluno a possibilidade de compreender a comunicao escolar como algo verdadeiro e significativo. Essa apresentao pblica pode ocorrer em dois momentos: primeiro, em sala de aula, depois, em outras salas, com outros alunos da mesma ou outras escolas. A questo primordial a interao com os outros; outros capazes de me constituir e me transformar no embate comunicativo.

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    Respeitando-se as particularidades dos textos, essas apresentaes poderiam ser lidas, declamadas, cantadas ou expostas para apreciao dos leitores. Por isso, seria interessante que os leitores pudessem interagir com os alunos-escritores, por meio de perguntas, bilhetes apreciativos, consideraes registradas em um livro de visita, recados depositados em uma urna, conversas informais, aps apresentao, etc. Uma atitude responsiva mais direta do interlocutor, que ultrapassasse os limites da salva de palmas, notas, medalhas ou outras distines, seria oportuna para que o aluno compreendesse a dimenso social da escrita, como importante instrumento de comunicao humana, em nossa sociedade. Com essa perspectiva de responsividade, o aluno pode entregar-se escrita de forma mais plena, responsvel e comprometida com o outro, que o espera.

    Durante a execuo da escrita em sala, importante que o professor exera a funo de mediador do processo de ensino-aprendizagem, discutindo dificuldades, sugerindo caminhos, estimulando o uso de dicionrio, reavivando leituras e discusses anteriores, irrigando os alunos com confiana, ousadia, criatividade e motivao. No dilogo escrito ou oral que sustenta a interao em sala de aula, a voz do aluno precisa estar em primeiro plano. O ensino restrito ao repasse monolgico de informaes gera apenas escravos reprodutores, ou seja, no existe espao para a gestao de sujeitos de linguagem, nesse solo arenoso, em que a nica sustncia o saber, a voz do professor.

    Concludo o primeiro esboo do texto em sala de aula ou em casa, iniciamos o processo de reviso e reescrita. essencial que a maior parte da construo do primeiro rascunho ocorra em sala de aula para que o aluno compartilhe as suas dificuldades, dvidas, enfim, desequilbrios com o professor. Naturalmente, um perodo maior de reflexo sobre o que e como se escreve pode ser construdo em casa, com mais calma, oportunizando a sedimentao das palavras e idias.

    Em sala de aula, o processo de reviso precisa oportunizar e cultivar o compartilhar, a reflexo e o uso da linguagem, por meio de permutas de textos. O professor pode dividir os alunos em duplas. A dupla A revisa os textos da dupla B e vice-versa. Cada aluno possui um texto para revisar, mas essa reviso precisa ser compartilhada com o companheiro de dupla, antes de ser discutida com o seu produtor. No quadro, o professor pode esquematizar sugestes para essa reviso, como: sublinhar trechos confusos, palavras grafadas erradas; assinalar com uma estrela ou feies alegres, as partes mais interessantes do texto; sugerir mudanas na estruturao das idias, posio dos pargrafos; inseres, omisses (extrao), outras melhorias, mas, principalmente, valorizar nessa reviso os pontos fortes da escrita.

    Essa atividade torna-se mais produtiva em dupla, porque o aluno pode comentar com o seu companheiro os pontos positivos e negativos do texto de um terceiro aluno, antes de conversar, pessoalmente, com ele. Desta forma, o revisor adquire mais confiana de seu trabalho e rene argumentos para contribuir com o processo de reescrita do seu colega. Depois de ter revisado e discutido os textos em dupla, seguindo as orientaes do professor, as duplas so trocadas para que os alunos da dupla A possam conversar e compartilhar idias sobre os resultados da reviso com os alunos da dupla B. Esse movimento de interao precisa ser mediado pelo professor para que os alunos no encarem as sugestes do outro, como correes ou imposies.

    Aps essa conversa entre leitores-escritores e seus textos, o aluno pode, em sala ou em casa, debruar-se sobre sua escrita com outros olhos. Esse novo olhar conflui os olhos de quem revisou outros textos e foi revisado por outros olhos, para compor um terceiro olhar, a terceira margem, o outro de si mesmo. Esse exerccio de reviso fomenta um processo de reescrita mais consciente e crtico, capaz de melhorar, sensivelmente, a escrita e a compreenso do ato de escrever como trabalho.

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    A reescrita uma das fases mais importantes e rduas da oficina, para a construo de uma conscincia de escrita como trabalho. Nesse momento, o aluno precisa convergir todas as leituras e discusses para reestruturar o seu texto. natural que esse sujeito, condicionado reproduo pela escola, sinta desconforto e dificuldade na execuo de uma atividade que demanda (re)construo, idas e vindas, encontros e desencontros com a palavra, em um processo contnuo e desgastante. Por isso, essa etapa precisa ser mediada pelo professor, mesmo que j tenha sido iniciada em casa. O aluno precisa sentir-se ainda mais apoiado e motivado, nesse momento difcil de construo de sua competncia comunicativa.

    Cabe ao professor esclarecer ao aluno que os apontamentos de seu revisor so sugestes que precisam ser observadas, analisadas e julgadas com respeito a sua relevncia. O escritor precisa estar convencido da necessidade da mudana e das suas possibilidades de mudar, criticamente. Em suma, as sugestes precisam ser analisadas e no acatadas como ordens. Deste modo, o processo de reescrita pode configurar-se em um momento de reviso, transformao, construo e assuno do sujeito e sua escrita. Aps a primeira reescrita do texto, o professor pode complementar esse processo, negociando com os alunos uma segunda reviso e reescrita, a partir de seus apontamentos.

    importante, que mesmo diante da resistncia do aluno, o professor argumente os benefcios desse exerccio e os sensibilize para a necessidade de um processo de construo contnuo da escrita. Negociada essa nova reviso, o professor, de forma clara, sugere melhorias, faz apontamentos explicativos, enaltece pontos positivos, solicita a reescrita, entrega e agenda a apresentao dos textos. Nesse processo de construo de escrita, que no se concretiza em duas aulas, mas, no mnimo, em um ms, muitas escritas so desenvolvidas para compor uma escrita final, que no se encerra em si, mas, ao contrrio, principia o amadurecimento de uma concepo de escrita como trabalho; dolorosa, a princpio, mas prazerosa e, essencialmente, possvel, desafiadora e transformadora. 6. ACORDES FINAIS: O DESDOBRAR ILUSRIO DAS CORTINAS

    Como sugere o prprio ttulo desse tpico, este artigo no tem a pretenso de encerrar a discusso sobre o trabalho com as oficinas no ambiente escolar, pontuando um modelo a ser reproduzido, infalivelmente, na formao de leitores-escritores. Ao contrrio, esperamos, ao longo desta proposta, ter assinalado a importncia da reflexo e negociao no planejamento e execuo de uma oficina. Nesse processo, julgamos essencial o diagnstico dos interesses e necessidades dos alunos, o respeito identidade dos gneros textuais trabalhados, a hegemonia do dilogo e a valorizao da produo do aluno (oral e escrita).

    Ao buscar a construo de um esboo de uma oficina, que fosse capaz de materializar as condies de produo, a concepo de escrita como trabalho e formular uma resposta para a indagao deste estudo, compreendemos que o gnero cano (letra de msica) pode, certamente, dinamizar a participao do aluno e amenizar a artificialidade da leitura e escrita na escola. Mas para isso, condio sine qua non que os alunos se sintam parte integrante e ativa desse processo e que o mediador instigue e valorize as sua palavras. O aluno precisa ser ouvido e envolvido na seleo dos textos, temticas, discusses gerais e, sobretudo, na forma como esse processo vai desencadear a leitura e a escrita.

    O gnero cano, a msica, em sua plenitude sensorial de linguagem, pode enfraquecer as muralhas, vasculhar e descobrir fendas, pelas quais, como gua, a melodia capaz de penetrar, envolver e, at mesmo, seduzir. Semelhante alegoria torna-se quase palpvel

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    na sinuosidade do Bolero de Ravel. Todavia, o poder de conquistar e prender precisa ser trabalhado, com sagacidade pelo mediador, para trazer, compassadamente, claridade a olhos habituados a pouca luz. Uma exploso de luz pode cegar e obscurecer mais do que iluminar. preciso que com sutileza, o aluno seja orientado passo a passo em direo sada da caverna, para desvendar um mundo novo, repleto de intencionalidade, intertextualidade e dialogicidade.

    A cano enfeitia, mas no constri o leitor-crtico. Isso matria do mediador que, com sua metodologia, dilogo e negociao, torna-se pea insubstituvel nesse processo de construo de homens e de almas. REFERNCIAS BAJARD, E. Caminhos da escrita: espaos de aprendizagem. So Paulo: Cortez, 2002. BAKHTIN, M. A interao verbal. In: _____. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. So Paulo: Hucitec, 1992. p. 110-127.

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