01 - princípios - devido processo legal, efetividade, tempestividade, adequação, lealdade, cooper

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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fredie Didier – Intensivo I – 26/01/2009 DIREITO PROCESSUAL CIVIL NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O CURSO Serão 22 aulas sobre PROCESSO DE CONHECIMENTO e RECURSOS Estudo aprofundado. Não veremos execução, não veremos procedimentos especiais, não vemos processo coletivo e não vemos processos nos tribunais. Esses outros temas, também relevantes (mas não tão relevantes), serão vistos nos intensivos II e III (complemento de matérias e não nível mais elevado de dificuldade). Bibliografia: O professor indica 4 cursos: Luiz Guilherme Marinoni – RT – 4 Volumes Muito importante, principalmente, para dois tipos de concurso: Juiz Federal e Procurador da República. Principalmente o VOLUME II – volume muito importante e abrange o que estudaremos neste semestre. O VOLUME I é sobre teoria geral do processo (neste curso não vale a pena porque não é um livro básico. É para pessoas mais iniciadas). Quem for fazer para Procurador da República, tem que ler o Volume I. Para qualquer outro, não é preciso, mesmo porque o candidato pode se complicar. Alexandre Câmara – Lúmen Júris – 3 Volumes Esta coleção é boa e se caracteriza por uma linguagem mais simples. È menos extensa. Não tem o propósito de oferecer um conhecimento diferenciado do tema. Cássio Scarpinela Bueno – Saraiva Toda escrita há menos de 3 anos, já depois das últimas reformas processuais. É extensa (projeção de 7 volumes – mas só saíram 4 ou 5) e com uma pretensão didática muito interessante. Esse autor tem um dos pensamentos mais representativos da nova geração de processualistas, da PUC de SP. 1

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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fredie Didier – Intensivo I – 26/01/2009

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O CURSO

Serão 22 aulas sobre PROCESSO DE CONHECIMENTO e RECURSOS – Estudo aprofundado. Não veremos execução, não veremos procedimentos especiais, não vemos processo coletivo e não vemos processos nos tribunais. Esses outros temas, também relevantes (mas não tão relevantes), serão vistos nos intensivos II e III (complemento de matérias e não nível mais elevado de dificuldade).

Bibliografia:

O professor indica 4 cursos:

Luiz Guilherme Marinoni – RT – 4 Volumes

Muito importante, principalmente, para dois tipos de concurso: Juiz Federal e Procurador da República. Principalmente o VOLUME II – volume muito importante e abrange o que estudaremos neste semestre. O VOLUME I é sobre teoria geral do processo (neste curso não vale a pena porque não é um livro básico. É para pessoas mais iniciadas). Quem for fazer para Procurador da República, tem que ler o Volume I. Para qualquer outro, não é preciso, mesmo porque o candidato pode se complicar.

Alexandre Câmara – Lúmen Júris – 3 Volumes

Esta coleção é boa e se caracteriza por uma linguagem mais simples. È menos extensa. Não tem o propósito de oferecer um conhecimento diferenciado do tema.

Cássio Scarpinela Bueno – Saraiva

Toda escrita há menos de 3 anos, já depois das últimas reformas processuais. É extensa (projeção de 7 volumes – mas só saíram 4 ou 5) e com uma pretensão didática muito interessante. Esse autor tem um dos pensamentos mais representativos da nova geração de processualistas, da PUC de SP.

Fredie Didier – 4 Volumes (o professor está finalizando o 5º)

Neste semestre, estudaremos a matéria contida nos 3 primeiros. O volume 04 é sobre processo coletivo (só para MP e Magistratura) e o Volume 05, Execução.

Material de apoio:

Código de Processo Civil

Site do Professor: www.frediedidier.com.br – neste site ele escreve sobre o que vai acontecendo ao longo do semestre. Quem é cadastrado, recebe atualizações sem ônus.

Desde 2003, sai todo ano um livro chamado Leituras Complementares de Processo Civil, com textos de autores consagrados sobre temas relevantes de processo civil que o professor recomenda como leitura complementar. Essa publicação vem ganhando uma

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importância interessante. Um trecho desse livro, o do ano passado, caiu em concurso. São temas que exigem uma atenção diferente da exigida pelos manuais.

PRINCÍPIOS DO PROCESSO

O Processo à Luz dos Direitos Fundamentais

Este item é um item que pode aparecer como tópico de uma prova dissertativa. Se perguntarem: Explique a relação entre processo e direitos fundamentais, a idéia a ser desenvolvida é a seguinte:

A partir da segunda metade do século XX, se desenvolveu uma teoria sobre o novo papel do direito constitucional, o novo papel que a Constituição tende a exercer no sistema jurídico. Essa teoria que se desenvolveu depois da II Grande Guerra se chama neoconstitucionalismo e hoje está na crista da onda. Se caracteriza basicamente por uma revalorização do papel da Constituição, que passa a ser vista como a principal fonte normativa. Até então, a Constituição era vista como uma carta de intenções, como um projeto sem força normativa, sem densidade para poder realizar. O que importava, era a lei. O Estado que vigorava até então era o Estado da lei, o Estado legal ou o Estado legislativo. O Estado não pode ser um Estado legal, ele tem que ser um Estado constitucional, em que a Constituição prepondere, tenha a força normativa. Tudo isso parece simples, mas não é historicamente. O neoconstitucionalismo tem algumas características bem marcantes. Foi ele que desenvolveu a teoria dos direitos fundamentais, que desenvolveu a teoria dos princípios como espécies normativas. Os princípios, hoje, são normas. Mas há 50 anos não eram encarados como normas. Eram vistos como valores, como objetivos finais do direito, como forma de se integrar o direito, mas não como norma. Hoje todos sabem que princípios são normas.

O art. 126, do CPC (de 1973) diz que o juiz decidirá com base na lei. Se não houver lei, decidirá com base na analogia. Se não for possível a analogia, com base nos costumes. Se não for possível faze-lo com base os costumes, então fará com base nos princípios. Os princípios eram o pior possível para o juiz fundamentar. Isso mudou radicalmente. Quando se fala que o juiz tem que decidir com base na lei, isso significa que ele tem que decidir com base na norma (lei é norma) que poder ser constitucional, legal, regulamentar, que pode ser um princípio ou uma regra. O princípio com força normativa é hoje inquestionável. Mas a questão foi entendida dessa forma a partir da segunda metade do século XX. Foi o neoconstitucionalismo que desenvolveu a teoria dos direitos fundamentais, a teoria dos princípios e aprimorou ou agigantou a jurisdição constitucional, o papel do juiz no controle de constitucionalidade das leis. Esses três pilares marcam o neoconstitucionalismo. Tanto que hoje quem estuda direito constitucional, qualquer livro tem um capítulo sobre cada um desses itens. É hoje o que há de mais importante no estudo do direito constitucional. É claro que toda essa revolução teórica, ocorrida desde a década de 50, hoje repercute no processo que passou a ser estudado de acordo com essas premissas teóricas, com a idéia de que o que deve prevalecer é o Estado constitucional, a Constituição com força normativa a ser concretizada.

Todo o discurso desenvolvido pelo neoconstitucionalismo passou a repercutir, naturalmente, no estudo do processo. Tanto que muita gente começou a defender a existência de um neoprocessualismo. Se aparecer no concurso: o que é o neoprocessualismo? Uma concepção teórica que visa aplicar ao processo o neoconstitucionalismo, tudo aquilo que o neoconstitucionalismo desenvolveu, ou seja, a redefinição das categorias processuais, dos

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institutos processuais à luz das premissas do neoconstitucionalismo. A palavra neoprocessualismo ajuda porque remete ao neoconstitucionalismo que, naturalmente deve ser estudado para concurso. Em processo, as premissas do neoconstitucionalismo devem ser aplicadas ao processo.

Um livro marco desse pensamento é o do Marinoni – Volume I – os sete primeiros capítulos são sobre direito constitucional.

Observação: No RS há uma concepção teórica que vem ganhando muitos adeptos que parte dessas mesmas premissas, que sofre a influência desses mesmos marcos teóricos, mas lá ganhou outro nome. Ao invés de chamar de neoprocessualismo, esse movimento teórico, apesar de partir, frise-se, das mesmas premissas, recebeu o nome de formalismo-valorativo. Até dezembro era com hífen. Isso vai ser cobrado em concurso. Vão perguntar o que é o formalismo-valorativo. Tudo lá é formalismo-valorativo. Eles preferem esse nome porque dão um passo que, por exemplo, Marinoni não dá. Eles se preocupam muito com a ética, com a boa-fé processual. O reforço da ética processual é uma marca do formalismo valorativo a ponto de se poder dizer que o formalismo-valorativo é o neoprocessualismo + uma preocupação ética do processo. O pessoal do RS pega toda a construção sobre a boa-fé, lealdade e aplica isso ao processo. Marinoni não se preocupa com isso. Então, formalismo-valorativo é uma concepção teórica dos juristas do Rio Grande do Sul, que busca pensar o direito processual a partir do neoprocessualismo com o reforço ético do papel dos sujeitos processuais (partes, juízes).

Como fica, nesse contexto, a relação entre o processo e os direitos fundamentais? Já que a relação entre processo e direitos fundamentais é um marco do neoprocessualismo, já que o neoconstitucionalismo desenvolve a teoria dos direitos fundamentais, como se deve examinar a relação entre processo e direitos fundamentais. Para entender isso, é preciso lembrar do seguinte:

Os direitos fundamentais têm dupla dimensão. Existe a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais. O que é isso? Os direitos fundamentais são direitos (direito à herança, à liberdade, ao contraditório) como quaisquer outros. Essa dimensão subjetiva é importante: cada um de nós é titular de direitos fundamentais, só que os direitos fundamentais têm também uma dimensão objetiva. A dimensão objetiva significa que são normas. Além de direitos, os direitos fundamentais são normas. É preciso que as leis estejam em conformidade com as normas de direitos fundamentais. Uma lei não pode ofender uma norma de direito fundamental. Direitos fundamentais não são apenas direitos, situações jurídicas de alguém. São também normas e essa e a sua dimensão objetiva. Normas que geram direitos.

Se perguntarem, qual é a relação entre processo e direitos fundamentais, a resposta é: depende, direitos fundamentais no sentido objetivo ou subjetivo? A resposta consiste em discorrer sobre a importância dos direitos fundamentais no estudo do processo e depois dizer que o processo se relaciona com esses direitos fundamentais de maneira diversa, conforme se trate da dimensão objetiva ou subjetiva.

Como é a relação entre o processo e a dimensão objetiva dos direitos fundamentais? As normas de direito processual têm de estar de acordo com as normas de direitos fundamentais. Então, se uma norma processual cria um procedimento sem contraditório, esse procedimento é inconstitucional porque ofende uma norma constitucional que exige o contraditório. As normas processuais têm que estar em conformidade com as normas de direito fundamentais (dimensão objetiva) e, além disso, tem que ser adequado para tutelar um direito fundamental. A liberdade, por exemplo, é um direito fundamental. É preciso que haja mecanismos processuais adequados para tutelar a liberdade. É por isso que existe o habeas corpus. O HC nasceu dessa exigência. Não é possível tutelar a liberdade, um direito fundamental, de qualquer maneira. Não basta que o processo esteja em conformidade com a Constituição, com os direitos fundamentais enquanto

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normas. É preciso que o próprio processo seja adequado a tutelar os direitos fundamentais porque se não for assim, será inconstitucional já que não servirá de propósito aos direitos havidos como mais importantes no nosso sistema. Se o objetivo do processo é proteger direitos, os direitos fundamentais têm que ser os mais bem protegidos. Então, o processo tem que ser construído de acordo com as normas de direitos fundamentais (dimensão objetiva) e tem que ser adequado a bem tutelar os direitos fundamentais em sua dimensão subjetiva. É assim que a questão deve ser respondida.

Feitas essas considerações, passemos ao segundo ponto da aula que é o exame dos princípios em espécie.

DEVIDO PROCESSO LEGAL

É a grande estrela da aula de hoje. A Constituição diz: ninguém será privado dos seus bens ou da sua liberdade sem o devido processo legal. Essa previsão normativa é muito vaga, aberta, indeterminada, mas existe há muito tempo com o mesmo texto exatamente porque é indeterminada, aberta. Por que? Porque o que era devido há 800 anos (sem exagero), em 1215, não é o que é devido hoje e nem é o que é devido há 400 anos e não será o que será devido daqui a 400 anos. Uma coisa é texto, outra coisa é norma. O texto (devido processo legal) é o mesmo há 800 anos, a norma é completamente diferente porque o que era “devido” em 1215 (na época dos feudos, das cruzadas, dos reis “enviados de Deus”) não é o que é “devido” hoje.

Exemplo dado por Rogério Greco em uma palestra: Lá no Rio tinha uma praia e tinha uma placa na década de 40: “proibida a utilização de biquini”. Quando as mulheres iam para a praia e se deparavam com aquela praia, sabiam que teriam que ir vestidas para a praia. A placa ficou. Ninguém tirou. Quase 70 anos depois, a mesma placa está lá. O que a mulher vai fazer? Se hoje, em 2009, alguém encontra essa placa na praia significa: proibido usar biquíni. Ou seja, hoje, significa o oposto: ficar nu. O texto é o mesmo, mas a norma extraída do texto é outra, oposta. Se em 70 anos se extrai norma oposta do mesmo texto, imagine em 800 anos.

Do ponto de vista científico a norma do devido processo legal é uma cláusula geral. É uma norma composta por termos vagos ou indeterminados e cujas conseqüências também são indeterminadas. Uma cláusula geral é indeterminada nos fatos (no antecedente) e nas conseqüências (no consequente). Ou seja, não se sabe exatamente o que é “devido” e também não se sabe as exigências de um processo devido. Por conta dessa indeterminação é que, ao longo da história, é que se foram e se seguem tirando coisas do devido processo legal. E ele não esvazia nunca. Foi dele que se tirou o contraditório, a proibição de prova ilícita, juiz natural, motivação das decisões. Tudo isso foi extraído do devido processo legal. Todos os princípios processuais foram extraídos do devido processo legal, por isso é cláusula geral. E ele não murchou por causa disso porque sempre que houver a necessidade histórica de proteção aos direitos das pessoas, sempre que a história trouxer a necessidade de se proteger o cidadão, vamos ao devido processo legal para buscar essa proteção.

Exemplo: até muito pouco tempo atrás, não havia na Constituição previsão de que o processo tem que ser rápido, ter duração razoável. Isso quer dizer que tinha que ser demorado? A duração razoável do processo era tirada do devido processo legal. Hoje, isso foi colocado no texto da Constituição e se houver necessidade, outra necessidade poderá ser tirada do devido processo legal e levada ao texto constitucional. É o que acontece hoje com o processo eletrônico. Hoje existe processo virtual, sem papel. O que é um processo eletrônico “devido”? Ainda não se sabe porque ainda estamos aprendendo a lidar com isso.

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Então, todos os princípios processuais decorrem do devido processo legal. Uns estão expressos, como o contraditório e a ampla defesa, outros estão implícitos, mas que existem como conseqüência do devido processo legal e que dele podem ser extraídos porque é cláusula geral.

O que significa a palavra “processo” na cláusula geral devido processo legal? Processo, neste caso, é método, modo ou meio de formação de normas jurídicas. As normas jurídicas sempre se formam processualmente. Toda norma se forma processualmente. Todas. Uma lei se forma por um processo legislativo. Um ato administrativo se forma por um processo administrativo. Uma sentença, que é uma norma, se forma por um processo jurisdicional. Tudo é processo e tudo tem que ser “devido”. O processo legislativo tem que ser devido, o processo administrativo tem que ser devido, o processo jurisdicional tem que ser devido. Há no STF ações de inconstitucionalidade de leis sob o fundamento de que a lei violou o devido processo legislativo. Há acusações de ato administrativo que viola o devido processo administrativo. Então, o devido processo legal não é exclusivo de processo civil, processo penal e processo do trabalho. O devido processo legal serve para qualquer atuação do Estado, seja ela administrativa, legislativa e jurisdicional.

Além disso, é imprescindível falar do devido processo legal privado ou negocial. Os direitos fundamentais servem para regular as relações entre Estado e cidadão, mas também servem para regular as relações entre cidadãos. Por força deste aspecto, os neoconstitucionalistas dizem que os direitos fundamentais têm uma eficácia vertical (porque cuidam das relações entre Estado e cidadão) e também uma eficácia horizontal (regulam relações entre particulares). Todo ano tem algum concurso que cobra isso. O que é eficácia horizontal dos direitos fundamentais? É a eficácia nas relações privadas, distinta da vertical, que é a eficácia entre Estado e cidadão. E o que isso tem a ver com o devido processo legal? No âmbito privado também há processo para aplicação de norma. Exemplo: em um condomínio se aplica multa a condômino que, porventura, desrespeita norma do condomínio. Essa multa só pode ser aplicada em respeito ao devido processo legal. Como isso é feito no âmbito privado? O condômino tem que ser intimado a se defender no âmbito do condomínio. Se o condômino é multado sem direito a defesa, a multa é nula, por ofensa ao devido processo legal aplicado no âmbito privado. Essa dimensão, nem todo mundo alcança e deixa de acertar a questão, hoje um clássico concursado, que é aplicação dos direitos fundamentais ao âmbito privado, principalmente, do devido processo legal. Outro exemplo: art. 57, do Código Civil: “A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso nos termos previstos no estatuto.” Para isso, é preciso garantir a ele o direito de defesa e de recurso no âmbito privado. Isso é a consagração do devido processo legal no âmbito privado, aplicação essa que o STF já reconheceu.

Vimos o que é processo. Vimos que devido é expressão indeterminado que terá sentido diferente conforme o momento histórico. Agora é preciso distinguir o devido processo legal formal (ou devido legal processual) e o devido processo legal substancial (ou devido processo legal substantivo). Pode aparecer no concurso em Inglês.

Devido processo legal formal – é o conjunto das garantias processuais mínimas: contraditório, juiz natural, duração razoável do processo, motivação das decisões, etc. Todas essas garantias compõem o devido processo legal na sua dimensão processual. Os americanos, que desenvolveram isso muito, tudo lá decorre do devido processo legal, eles se estruturam no devido processo legal (o Estado não pode cometer arbitrariedade contra o cidadão. Eles nasceram com essa idéia). Como o devido processo nasceu para impedir a arbitrariedade, os americanos sempre remetem ao devido processo quando querem se resguardar de abusos. A arbitrariedade pode ser cometida com violência processual (prova ilícita, sem motivar, sem garantir o contraditório), mas o abuso pode ocorrer no conteúdo das decisões, que é um abuso não mais no exercício do poder, que é o processo. É preciso impedir decisões desproporcionais,

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arbitrárias, irrazoáveis. Porque é possível que a decisão tenha respeitado todas as garantias processuais e seja absurda. Não é possível garantir o processo, evitando prova ilícita, decisões imotivadas etc., se qualquer decisão for possível. Basta respeitar o devido processo que tudo o que acontecer é justo, é correto, é devido? É preciso que as decisões também sejam devidas, por isso, substancial. O princípio do devido processo legal substancial é para eles, o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Aquilo que para nós, no Brasil, chega e se desenvolve como princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, para os americanos é apenas a dimensão substancial do devido processo legal. Devido processo legal substancial é a exigência de proporcionalidade e razoabilidade das decisões (que têm que ser proporcionais e razoáveis).

Temos uma Constituição de inspiração nitidamente norte-americana e um direito infraconstitucional de inspiração nitidamente francesa, germânica (europeu). É incompatível a aplicação da common law dos EUA e da Inglaterra com o pensamento sistemático dos europeus continentais. A situação é esdrúxula. Nos EUA, é fácil extrair do devido processo esse tipo de exigência porque toda essa concepção existe no meio deles desde sempre. Diferentemente da Europa, onde não se fala em devido processo. Lá, as premissas são outras. Lá, o princípio da proporcionalidade, com esse nome “proporcionalidade” é alemão. Nos EUA: “devido processo legal substancial”; na Europa: “princípio da proporcionalidade” e no Brasil? Os dois. O STF usa “devido processo legal substancial” e “princípio da proporcionalidade” como sinônimos. Para nós, se é europeu, se é americano, é bobagem. O que importa aqui é que seja proporcional e razoável. Paulo Bonavides, autor de direito constitucional, diz que o princípio da proporcionalidade busca seu fundamento na igualdade. Outro livro diz que o fundamento do princípio da proporcionalidade é o Estado de direito. Para um processualista, o princípio da proporcionalidade decorre do devido processo legal. De onde se tira o princípio da proporcionalidade, afinal? De onde se quiser: da igualdade, do Estado de direito, do devido processo legal na dimensão substancial. E o STF tira de onde? Com essa história, o Supremo entende que o princípio da proporcionalidade é uma decorrência do devido processo legal por uma perspectiva substancial.

Atenção: Sempre que o professor falar aqui de princípio da proporcionalidade estará se referindo, seguindo o STF e à linha americana de pensamento, à dimensão substantiva do devido processo legal porque isso facilita a exposição. A exigência de proporcionalidade, a exigência de razoabilidade decorre da dimensão substantiva do devido processo legal. Os alemães não falam nem em devido processo legal. Em Portugal não há um só livro sobre o tema. As preocupações são outras. O repertório deles é outro. Para nós, brasileiros, devido processo legal substancial e princípio da proporcionalidade são a mesma coisa.

(fim do primeiro tempo de aula)

Veremos mais quatro princípios, todos eles decorrentes do devido processo legal, que devem ser estudados conjuntamente. Quando se fala em processo devido, logo quatro adjetivos vêm à mente para qualificar o processo como devido: o processo para ser devido tem que ser um processo EFETIVO, um processo para ser devido tem que ser TEMPESTIVO, tem que ser ADEQUADO e tem que ser LEGAL. Falando só isso numa prova, o examinador gosta. Cada adjetivo desse corresponde a um princípio:

PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE

O princípio da efetividade é aquele que diz simplesmente que todos têm o direito a que seus direitos se efetivem, se realizem, se concretizem. Existe o direito fundamental à efetividade que decorre do devido processo legal e que curiosamente não tem previsão expressa na Constituição. Isso não significa que não exista o princípio da efetividade. Existe como consequencia do devido processo legal.

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A importância de dizer que existe um direito fundamental à efetividade é a seguinte (atenção nisso!): quando se chega na execução de uma sentença, para cumpri-la, surgem logo várias regras que protegem o executado. A doutrina e a jurisprudência costumam dizer que essas regras de proteção ao executado são regras que protegem o direito do executado à sua dignidade. São um direito fundamental do executado (à dignidade). Por isso não se pode penhorar salário ou bem de família porque as regras que proíbem isso visam a proteger o direito fundamental do executado. Ninguém percebia que, ao proteger o executado se estava, de certa maneira, enfraquecendo o direito do credor. Se eu não permito a penhora de um bem do executado, estou diminuindo a possibilidade de o credor obter o seu direito. Brasileiro não gosta de credor e tem pena do devedor. Isso faz parte da nossa cultura e por conta disso, nunca nos preocupamos com o credor. O devedor tem direitos fundamentais, o credor, não. Só os grandes credores, os bancos, que fazem lobby no Congresso, têm seus direitos valorizados, conseguem proteção aos seus créditos. Durante muito tempo, pois, não se observava que o credor também tinha o direito fundamental à efetividade. Se há dois direitos fundamentais em choque, a dignidade do devedor e a efetividade do credor, é preciso lembrar que choque de direitos fundamentais se resolve caso a caso. A partir do momento que se percebe que há um direito fundamental à efetividade, surgem direitos fundamentais em conflito. Qualquer livro novo de execução, quando fala em regras de impenhorabilidade, diz: essas regras são importantes, têm que ser aplicadas, salvo se forem desproporcionais, irrazoáveis. Se há um direito a efetividade (e há) esse direito pode estar em choque com a proteção do executado, até o ponto que não ofenda a dignidade do credor. Uma coisa é ter um devedor que só tem um bem de família (aí o credor se deu mal), outra coisa é esse único bem de família ser uma mansão em Angra. Tem sentido esse bem não ser tocado por ser bem de família? Não. Não foi para isso que a proteção do executado existiu. A partir do momento que se constata a existência de um direito fundamental à efetividade, é possível resolver esse tipo de problema. Livros antigos não trazem esse princípio.

PRINCÍPIO DA TEMPESTIVIDADE

Esse é o chamado princípio da duração razoável do processo. O processo tem que durar um tempo razoável. Não pode demorar de maneira irrazoável, não pode ser eterno. O nome do princípio é princípio da duração razoável do processo (não é processo rápido). É importante perceber isso porque todo processo demora. Não há processo que não demore e se vc pensar bem, a demora do processo é, ela própria, um direito fundamental. Existe um direito fundamental à demora porque se vc garante que ninguém será privado de direitos sem um devido processo, um devido processo exige contraditório, confere direito ao recurso, a produzir prova. Se existe tudo isso e ninguém abre mão do direito à prova, ao contraditório e ao recurso, o processo vai durar pelo menos minimamente. E essa demora foi conquistada historicamente. Rei não ouvia o réu. Mandava cortar a cabeça e pronto. Nós conquistamos o direito de ser ouvidos, de poder produzir prova e ainda ter uma instância recursal. Existe uma demora que é necessária, que é garantia, por isso o nome do princípio é o princípio da duração razoável e não da “duração nenhuma”. Mas essa demora não pode ser injustificada. Sempre que alguém defender processo rápido, célere, esse discurso tem fundo autoritário. A quem interessa o processo rápido? Cuidado porque alguém acaba perdendo com isso.

O problema é saber: o que é uma duração razoável? É claro que um processo de Juizado não pode demorar como em alguns lugares demora. ACP na Bahia para discutir as 350 barracas de praia de Salvador. Muitos réus para discutir um tema ultracomplexo. Esse processo, naturalmente, terá que demorar mais do que os outros. É preciso, pois, ponderar as circunstâncias do caso.

O que os europeus fizeram? Eles, que já têm esse direito há muitos anos. Há jurisprudência consolidada na Europa sobre duração razoável. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos há

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muitos anos já consolidou o que é duração razoável. Estabeleceu alguns critérios para aferir a razoabilidade da demora:

1) Complexidade da causa;2) Comportamento do juiz – é preciso verificar se o juiz fez o que tinha que fazer para o

processo andar, ou se colaborou para que o processo não andasse.3) Comportamento das partes – é preciso ver se a demora não é culpa das próprias partes

(ex.: “inventam” testemunhas distantes via carta precatória).4) Estrutura do juízo – às vezes o processo não anda por absoluta falta de estrutura. Às

vezes, a despeito do excesso de estrutura, o processo não anda.

PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO

O princípio da adequação não tem previsão expressa mas existe como decorrência do devido processo legal. Significa que o processo, além de ser efetivo, além de demorar de forma razoável é preciso que seja adequado. As regras processuais têm que ser adequadas. Mas a idéia de adequação sempre remete a outra coisa. Então, o processo tem que ser adequado, mas a quê? A doutrina cria, então, três níveis de adequação:

1) Adequação objetiva do processo – o processo tem que ser adequado ao direito material discutido. Cada direito material tem as suas peculiaridades. Não se pode dar o mesmo tratamento à cobrança de um cheque e à cobrança de alimentos. São direitos que precisam ser tutelados de maneira adequada. Existe prisão civil de alimentos. De devedor, não. O processo tem que ser adequado às peculiaridades do direito material discutido. Isso se chama adequação objetiva.

2) Adequação subjetiva do processo – o processo tem que ser adequado aos sujeitos que vão se valer do processo. É preciso criar regras processuais adequadas aos sujeitos do processo. Todos sabem que a Fazenda Pública tem prazos diferenciados. Essa diferenciação é uma tentativa de adequação subjetiva do processo, cria-se regras adequadas a um dos sujeitos do processo que é a Fazenda Pública. É o mesmo que acontece com relação ao incapaz. Quando está em juízo, há exigência de intervenção do MP. É uma forma de adequar subjetivamente o processo às peculiaridades de um dos seus sujeitos, no caso, o incapaz. A adequação subjetiva do processo também é uma exigência do princípio da igualdade. O princípio da igualdade no processo se concretiza na adequação subjetiva das regras processuais.

3) Adequação teleológica do processo – é preciso que o processo seja adequado às suas finalidades, aos seus propósitos. Se o processo é um processo de execução, não pode permitir muita discussão. Se o propósito é executar, não pode criar regras que dêem margem a muita discussão, sob pena de desvirtuar o seu propósito de uma execução para discussão. Por isso, nos Juizados o processo é mais simples. Se o propósito dos Juizados é a celeridade, as regras processuais têm que atender a esse propósito.

Atenção: a doutrina, sobre o princípio da adequação, costuma dizer o seguinte: que o legislador tem que observar esse princípio quando vai criar uma regra processual. A doutrina mais tradicional, quando fala desse princípio, o remete ao legislador (cabe a ele criar regras processuais adequadas, objetiva, subjetiva ou teleologicamente). Então, o princípio da adequação teria como destinatário o legislador. O problema (atenção com isso que é novidade!) é que atualmente muito se fala na necessidade de o juiz (não mais o legislador) proceder à adequação da regra processual ao caso concreto. Hoje, fala-se muito na adequação jurisdicional do processo. O princípio da adequação, importantíssimo, que sempre foi dirigido ao legislador,

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começa a ser aplicado como também dirigido ao juiz. Cabe ao juiz, diante do caso concreto, constatando que a regra processual é inadequada, o juiz, diz a doutrina, pode afastar aquela regra processual e colocar a regra adequada. Isso acontece todos os dias. O professor vai dar um exemplo: um autor junta 10 mil documentos anexados à inicial. O réu tem, pelo CPC, 15 dias para se defender. Se o autor juntasse um documento só, teria 15 dias. Juntando 10 mil documentos, também 15 dias. 15 dias é um bom prazo de defesa e não fez uma tabela para os dias de resposta, segundo a quantidade dos documentos. Mas num caso concreto como esse, o prazo de 15 dias são insuficientes para que o réu possa se defender. O juiz, numa situação como essa, poderia dobrar, por exemplo, o prazo para o réu defender-se. A lei pensou na média, na situação básica. Situações excepcionais exigem uma adequação jurisdicional. Admite-se isso? Sim, acontece direto. Nos Juizados o réu contesta em audiência e o autor tem que falar em audiência. Só que, às vezes, o réu junta 700 documentos. O autor não tem como se pronunciar em audiência neste caso. O juiz, então, suspende a audiência, dá um prazo para o autor se manifestar e marca de novo. Isso é adequação. O juiz pode afastar uma regra processual que, no caso concreto, se revele inadequada. Há um caso no Sul em que o juiz mandou o réu, que havia apresentado uma petição inicial de 750 páginas, diminuir o tamanho da peça.

A adequação jurisdicional é a coisa mais avançada que existe em termos processuais atualmente e ela é possível a partir dessas perspectivas novas. Se existe um direito fundamental à adequação, o juiz precisa implementar isso. O juiz precisa efetivar o direito fundamental uma vez que constate uma inadequação no caso concreto, procedendo à sua correção.

Essa adequação jurisdicional, essa possibilidade de o juiz proceder à adequação no caso concreto, é chamada por alguns autores de princípio da flexibilidade, elasticidade ou adaptabilidade do procedimento. Tudo isso é o princípio da adequação jurisdicional, aquele que é dirigido ao juiz. Esse é um ponto fundamental do pensamento de Marinoni.

PRINCÍPIO DA LEALDADE

Processo devido é processo leal porque é daqui que se extrai o princípio da boa-fé processual. O princípio da boa-fé processual impõe o comportamento leal, ético, das partes. O princípio da boa-fé é um dos princípios mais importantes, sem sombra de dúvida. É preciso que se veja se o comportamento processual está em conformidade com o princípio da boa-fé, senão será um comportamento ilícito.

A boa-fé aparece nos livros, ora como princípio, ora como norma que impõe condutas, cria direitos, deveres. Só que boa-fé também aparece nos livros como fato; “o sujeito estava de boa-fé”. Neste caso, se fala da boa-fé como fato, como elemento psíquico (não é norma, é fato, boa intenção). Muitas vezes o legislador exige a boa-fé fato. Exige que se esteja de boa-fé: “só tem direito a isso se estiver de boa-fé.” Exige, neste caso, a boa=fé como um fato que gera consequencia. A boa-fé é, ora fato, ora norma que impõe condutas.

Quando a doutrina se refere à boa-fé como princípio fala-se na chamada boa-fé objetiva. O que é a boa-fé objetiva? É o princípio da boa-fé, como norma que impõe condutas leais. Pouco importa se bem ou mal intencionadas. O princípio da boa-fé impõe que o comportamento seja ético mesmo que não se saiba que se estava agindo aeticamente. Ele exige que o comportamento esteja em conformidade com a boa-fé e não a sua vontade. Saber se a pessoa está ou não mal intencionado é muito difícil. A boa-fé enquanto fato é chamada de boa-fé subjetiva.

No processo, as condutas têm que ser leais. Os comportamentos têm que ser éticos, mesmo que a parte estivesse ali de boa-fé, mas se comportou contra a boa-fé, o comportamento é ilícito.

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Se é antiético, tem que ser reprimido. Se o comportamento é antiético, contrário à lealdade ou à boa-fé, ele é ilícito, mesmo que se estivesse imbuído de boa-fé.

STF: o processo é regido pelo princípio da boa-fé como corolário do devido processo legal. O processo devido é processo leal.

De todo modo, mesmo que não houvesse na Constituição previsão quanto ao princípio da boa-fé, ele existe expressamente no CPC:

“Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que, de qualquer forma participam do processo:”

“II – proceder com lealdade e boa-fé.”

Não é proceder bem ou mal intencionado. Não é saber se a pessoa é um anjo ou um demônio, perverso ou bondoso. A análise é objetiva. O comportamento está em conformidade com a lealdade e a boa-fé? Quem tem uma decisão contra si, cumpre a decisão e depois recorre, arrependido, esse recurso não será aceito. Por que? Porque o comportamento foi desleal porque ao aceitar a decisão, não é possível recorrer dela, por ser contraditório. Não dá para oferecer a geladeira para penhora e depois dizer que é impenhorável. Isso é deslealdade, viola a boa-fé objetiva.

Quais são as conseqüências da aplicação do princípio da boa-fé no processo? A primeira: veda-se o abuso do direito porque o abuso é conduta ilícita, viola a boa-fé. Exemplo: é possível executar alguém de duas formas. Com qualquer uma delas, o credor se satisfaz, mas executa pela forma mais perversa. Esse comportamento é abusivo. A boa-fé impede abuso de direito. O princípio da boa-fé veda o venire contra factum proprium. Esse é o nome do princípio (será muito mencionado no curso). Significa “comportar-se contra as próprias atitudes”. Se você se comporta contraditoriamente, está velando a boa-fé. A chamada proibição do “venire” cai em qualquer prova.

O princípio da boa-fé também veda comportamentos de má-fé. Se eu ajo dolosamente, isso é ilícito. Exemplo: eu sei onde o sujeito mora e digo para o juiz que não sei para provocar a revelia. Isso é deslealdade.

Vimos as principais conseqüências da boa-fé objetiva no processo. Pode ser extraída do devido processo legal. Mesmo que não pudesse, tem regra expressa no art. 14, II, do CPC.

Este princípio da boa-fé, aliado com outro princípio, o do contraditório gerou um outro princípio, o princípio da cooperação.

PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO

O diálogo processual, garantido pelo contraditório é iluminado pela boa-fé. Essa boa-fé que ilumina o contraditório gerou o chamado dever de cooperação. As partes e o juiz têm de cooperar entre si, como se fosse uma comunidade de trabalho, para que o processo chegue ao resultado mais justo possível.

Os livros de direito civil tratam a boa-fé dizendo que gera o dever de cooperação no contrato. Se é assim no direito civil, no direito processual, geral o dever de cooperação no processo. Se o réu diz que o autor está errado em algum ponto, eu tenho que apontar o ponto. Não dá para dizer: tudo o que falou é mentida. Esse não é um comportamento cooperativo. Se é para discutir o que o autor está colocando, que se diga o que está errado para que ele possa se contrapor.

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O que é mais relevante é como ela se aplica ao juiz. Como é o comportamento do juiz em um processo cooperativo. É muito importante anotar isso. O princípio da cooperação gera para o juiz três deveres:

1) Dever de esclarecimento – o juiz tem o dever de esclarecer os seus posicionamentos às partes. E tem também o dever de pedir esclarecimento – o juiz leu a petição e não entendeu. Neste caso, ele tem o dever de pedir esclarecimento. Não dá para simplesmente não acolher porque não entendeu. Não é postura adequada do ponto de vista cooperativo. Se o autor não esclarecer, aí sim, ele denega.

2) Dever de consulta – o juiz tem o dever de consultar as partes sobre ponto de fato ou de direito sobre o qual as partes ainda não puderam manifestar-se. Imagine-se um processo em andamento sem que ninguém tenha alegado que a lei é inconstitucional. O juiz, ao julgar, percebe que a lei é inconstitucional e decide não aplica-la. Será que ele pode decidir com base neste ponto, da inconstitucionalidade da lei, sem dar às partes a oportunidade de elas se manifestarem? Uma sentença baseada na inconstitucionalidade da lei a respeito da qual a parte não se manifestou é uma violência ao sujeito. É fundamental respeitar as pessoas. O juiz tem o dever de consultar as partes sobre a questão se se trata de ponto relevante. E se for um ponto que ele pode conhecer de ofício? Se ele pode fazer isso, não precisa consultar as partes. Conhecer de ofício é conhecer do tema sem que ninguém provoque, mas poder conhecer de ofício não significa dizer que fará isso sem consultar. Ele pode reconhecer uma incompetência absoluta de ofício. Ele faz isso, mas antes determina que as partes se manifestem acerca da possível incompetência absoluta do Juízo. A LEF diz que o juiz pode conhecer de ofício da prescrição tributária. Mas só pode fazer isso se ouvir antes a Fazenda Pública (ela se manifesta, se há ou não, para que o juiz, então, decida).

3) Dever de proteção e de prevenção – o juiz tem o dever de, constatada alguma irregularidade processual, apontar o defeito processual e dizer como pode ser corrigido. O juiz, que conduz o processo percebe que o processo em algum defeito, irregularidade, problema, ele tem o dever, inerente à cooperação, de apontar onde está o defeito e dizer como o defeito será corrigido. Não pode fingir que não viu e depois extinguir o processo sem julgamento do mérito porque isso não é jogo. Se o juiz é o condutor do processo e percebe que tem um defeito que vai comprometer a validade do processo, ele tem que apontar. Se a parte percebe o defeito e não aponta, preclusão.

- Fim da aula – no início da aula seguinte será estudado o princípio do contraditório.

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