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Revista Theos Revista de Reflexo Teolgica da Faculdade Teolgica Batista de Campinas. Campinas: 7 Edio, V.6 N 02 Dezembro de 2011. ISSN: 1980-0215.
Novos mtodos exegticos: Em busca de convergncias
para uma melhor interpretao
Anderson de Oliveira Lima
Resumo
Neste artigo apresentamos um roteiro para a exegese bblica que abre espao para a discusso
de alguns paradigmas que esto se renovando. Este roteiro traz novidade por colocar a
exegese em discusso com outras disciplinas, a saber, com a historiografia e com a
lingustica, das quais retiramos importantes contribuies para a atualizao da exegese no
Brasil.
Palavras-Chave: Exegese; Interpretao Bblica; Narratologia; Teoria da Histria.
Abstract
In this paper we present an itinerary for biblical exegesis that opens space for discussion of
some paradigms that are being renewed. This guide brings innovations for setting the exegesis
in discussion with other disciplines, namely, with historiography and linguistic studies, from
where we removed significant contributions to the update of exegesis in Brazil.
Key-words: Exegesis; Biblical Interpretation; Narratology; Theory of History.
Introduo
As pginas seguintes no foram escritas aps minha experincia exegtica se
consolidar com muitos anos de trabalho; pelo contrrio, elas nascem do prprio momento
reflexivo, so mesmo parte do meu processo pessoal de estudo e renovao dos antigos
paradigmas metodolgicos em minha prpria prtica. Por isso resolvi escrever em primeira
pessoa, de maneira mais pessoal, convidando tambm o leitor a juntar-se a mim neste
* O autor doutorando e mestre em Cincias da Religio pela Universidade Metodista de So Paulo (Brasil),
alm de especialista em Bblia (Lato-Sensu) tambm pela Universidade Metodista, e bacharel em msica
(violo erudito) pela Universidade Cruzeiro do Sul. Atualmente ensina a interpretao do Novo Testamento
no ICEC (Instituto Cristo de Estudos Contemporneos), em So Paulo. Currculo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0893915454622475.
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processo de aprendizado. O leitor que convido reflexo , primeiramente, aquele que se
interessa pela literatura bblica, que considera a exegese, a coletnea de mtodos de anlise
literria aplicados Bblia, algo relevante. A comeam as diferenciaes entre leitores.
Dentre os interessados, usufruiro melhor desta discusso aqueles que lidam ou
alguma vez j tiveram que lidar com o processo de interpretao bblica para fins acadmicos.
Estes, provavelmente j tiveram acesso a algum tipo de metodologia, seja atravs da leitura de
manuais de exegese, seja atravs das aulas de hermenutica nos seminrios teolgicos, ou
quem sabe sejam professores que sabiamente continuam procurando o aperfeioamento. Por
conta desta experincia prvia, estes possveis leitores entendero em que sentido propomos
novidades, e sabero julg-las com maior proveito. Todavia, h tambm aqueles que se
interessam pela literatura bblica, mas no para fins acadmicos, e sim religiosos. Estes,
certamente aproveitaro as discusses seguintes para aperfeioar seus mtodos de leitura,
embora algumas vezes possam encontrar dificuldades por conta da no experincia. Qui eu
possa por meio dessas pginas instig-los a unir sua leitura de f s ferramentas cientficas
que hoje se nos oferecem, para o aprimoramento da leitura pessoal e at eclesistica do texto
bblico. Pensando nesses leitores, pretendo, na medida do possvel, fazer deste artigo tambm
um guia com indicaes bibliogrficas para aqueles que pretendem dar continuidade ao
estudo da exegese.
Apesar de reconhecer que meu alvo so aqueles j familiarizados literatura bblica,
gostaria muito de tambm contribuir com os demais leitores, que talvez tenham interesse
meramente literrio na Bblia, e buscaro neste artigo mais as discusses tericas do que a
aplicao final na interpretao dos textos bblicos. Sem dvida a leitura poder ser proveitosa
tambm para estes, pois aqui no traremos debates sobre o significados de passagens bblicas,
mas trataremos da renovao dos paradigmas pela qual a exegese brasileira est passando, e
estes paradigmas e sua aplicao aos mtodos de leitura, certamente possuem um valor muito
mais amplo do que podemos prever.
O artigo ser estruturado segundo um roteiro exegtico que tenho desenvolvido. Por
questes didticas, quando falamos de exegese temos sempre a necessidade de apresentar os
mtodos sequencialmente, e esta sequencialidade, embora tenha suas razes de ser, no deve
ser entendida como um roteiro fixado para o exegeta. Sempre digo que cada texto bblico a ser
analisado nos apresenta suas prprias exigncias, e a escolha dos mtodos e sua
sequencialidade so sempre variveis. Todavia, ainda necessrio desenvolver algum roteiro,
ao menos para o ensino da exegese, e isso que fao nestas pginas. Ento, este roteiro que
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seguiremos novo, pessoal, e por si mesmo j representa alguma novidade para este rea de
pesquisa. Em resumo, proponho trs momentos de anlise, trs olhares diferentes que se
complementam. O primeiro estrutural, voltado para a forma que o texto recebeu; o segundo
olhar para seu contedo interno, e o terceiro um olhar extra-textual, para que o mundo do
texto nos ajude a entend-lo. H tambm um momento introdutrio, e um final que trata da
atualizao de contedo, para aqueles que possuem interesses prticos ou eclesiais. Claro que
cada um desses momentos se dividem em vrios outros, e me deterei mais nos pontos em que
introduzo novos conceitos, ou que proponho mudanas em relao metodologia exegtica
tradicional.
Faltam ainda algumas poucas palavras introdutrias, para explicar aos leitores de onde
me vm a ideia de renovar a exegese bblica. No h como negar a herana advinda dos
mtodos mais tradicionais de exegese, que talvez possamos chamar de Mtodo Histrico-
Crtico, que costuma ser visto como um filho do iluminismo alemo do sculo XVIII
(Volkmann, 1992, p. 26-29). Mas exatamente pela inadequao de parte dessa antiga escola
s exigncias de nossos dias que buscamos aprimorar nossa exegese a partir de outras fontes.
A primeira influncia que me moveu a esta renovao veio da historiografia. Os historiadores,
assim como os exegetas, lidam com a leitura e a interpretao de documentos do passado, mas
aqueles se renovaram mais do que os exegetas, e hoje, como exegeta, me vejo obrigado a
aprender com os tericos da historiografia para que eu no continue lendo a Bblia como liam
os crticos de trs sculos atrs. O outro campo de conhecimento que me impulsiona a
lingustica, pois os linguistas, assim como os exegetas, tratam dos processos de comunicao,
de interpretao, e tambm evoluram mais rapidamente do que ns, especialmente ao longo
do sculo XX. Talvez a filiao religiosa dos exegetas seja a responsvel pela defasagem da
exegese, todavia, tenho que reconhecer que se no fosse a importncia religiosa da Bblia, o
Brasil no teria muito a dizer a seu respeito. Ainda h, admito com relutncia, certo
fundamentalismo herdado das religies crists implcito na exegese brasileira em geral, mas
tambm este fundamentalismo que nos faz privilegiar a Bblia e querer conhec-la melhor.
Assim sendo, o mesmo fenmeno que faz nascer exegetas, precisa ser combatido depois para
que estes exegetas no se prendam aos dogmas e impeam a exegese brasileira de caminhar.
1. Procedimentos Introdutrios: Escolha e Preparao do Texto
Antes de qualquer anlise, obviamente precisamos decidir o que vamos analisar. Isso
pode no ser to simples quando estamos falando de escolher alguns versculos dentre uma
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verdadeira biblioteca de milhares de pginas como a Bblia. Por isso, minha proposta
comea antes da exegese, falando da aproximao para com o texto, das primeiras leituras, da
escolha por um objeto de estudo de tamanho limitado e acessvel, das primeiras impresses
que teremos deste objeto, e de todos os procedimentos que precedem a anlise em si.
No vou me deter nestes procedimentos introdutrios, pois basta uma consulta aos
mais tradicionais manuais de exegese para que o leitor tenha contato com eles. Por isso, me
limitarei enumerao destes tais procedimentos que, em minha opinio, precedem a
exegese: 1) Aproximao e escolha do texto; 2) Delimitao de percope; 3) Traduo ou
comparao de tradues; 4) Crtica Textual (opcional).
2. Anlise das Formas
Esta primeira parte da anlise tambm tradicional, mas j sofre algumas correes
em meu roteiro exegtico. Notei que grande parte dos exegetas no sabe aplicar qualquer
anlise de formas ao texto, e muitas vezes a anlise das formas limita-se avaliao dos
gneros literrios. Fora isso, apenas estruturas estilsticas muito comuns como paralelismos
so notadas. Mas h muito mais para dizer em relao s formas de um texto, e por isso,
resolvi tratar desse tema em quatro diferentes sees, que esto divididas por um critrio mais
didtico do que cientfico.
Eu lido primeiro com as formas inconscientes, aquelas que esto em qualquer texto
ou qualquer fala, mesmo quando o texto prosaico e suas formas parecem aleatrias. Estas
formas esto l por convenes culturais no explcitas, por leis gramaticais, e at por razes
biolgicas; estas foras nos fazem naturalmente subdividir nossos atos de comunicao em
frases, pargrafos, captulos, e cabe ao exegeta identificar a forma natural de cada texto. Aqui,
sem dvida nenhuma, as propostas nada recentes de autores consagrados como Tzvetan
Todorov, Roland Barthes ou Algirdas J. Greimas, que podem nos ajudar bastante. H no
Brasil uma publicao que rene artigos destes e outros autores que poderia ser consultada;
trata-se de Anlise Estrutural da Narrativa (Barthes, 2011), e em especial, o artigo de
Greimas sobre a interpretao das narrativas mticas (p. 63-113).
Depois dessa primeira anlise, daremos um passo a mais e trataremos de formas mais
evidentes, mais conscientes, mas que nem sempre nos permitem caracterizar gneros. Por
exemplo, eu posso falar usando algumas rimas, e tenho que pensar nelas para ter sucesso,
contudo, isso no quer dizer que estou compondo um soneto ou um poema concreto. Temos
ento rimas a analisar, mas no necessariamente um poema ou um repente. Na prtica, hora
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de averiguar os paralelismos, quiasmos, repeties e todos os recursos estilsticos tpicos da
literatura bblica. Depois, sugiro a abordagem dos gneros, que para serem devidamente
seguidos, um autor tem que conhecer e tomar a deciso de empreg-los. A sim poderamos
dizer que no h apenas uma rima proposital, mas todo o texto ou fala est seguindo regras
em busca de se encaixar num molde j existente. Isso exige maior conhecimento, esforo e
habilidade por parte do autor, e consequentemente, mais dedicao pesquisa por parte do
exegeta.1
Em resumo, primeiro vamos aos casos em que nenhuma estrutura propositalmente
planejada, e chamamos esse momento de Anlise das Estruturas Inconscientes. Depois,
vamos queles textos em que j h certas estruturas, mas que funcionam mais como recursos
estilsticos, e que no so suficientes para caracterizar um gnero. Chamamos esse segundo
tipo de Anlise dos Recursos Estilsticos Formais. E por fim, vamos s formas fixas, aos
gneros, aos textos que acima de tudo pretendem encaixar-se nos moldes de alguma estrutura
j consagrada. Esta a Anlise dos Gneros ou Formas Fixas, para a qual o livro As
Formas Literrias do Novo Testamento de Klaus Berger (1998) continua sendo um auxlio
indispensvel (para a anlise dos textos do Novo Testamento, claro).
Talvez isso no seja novidade, mas na mesma seo em que trabalho as estruturas
internas do texto, eu tambm dedico ateno Anlise das Estruturas Externas, ou em
outras palavras, ao Contexto Literrio. Junto essa anlise anterior simplesmente porque
ambas se ocupam com as formas, com o arranjo que foi dado ao texto, seja intencionalmente
ou no. Aqui, como sugesto bibliogrfica, no poderia deixar de mencionar o trabalho de
Robert Alter, que dedicou um captulo do excelente A Arte da Narrativa Bblica questo do
modo como os autores bblicos construam seus contextos literrios encadeando percopes
(2007, p. 197-230).2
3. Anlise de Contedo
Agora importante dizer que no sigo a anlise de contedo conforme as definies
dos manuais de exegese Histrico-Crtica. O que chamo de anlise de contedo aqui uma
coleo de sugestes interpretativas herdadas principalmente da Narratologia e da Anlise do
1 Escrevi um artigo especificamente sobre a anlise do gnero da narrativa da mulher samaritana de Joo 4. O
artigo pode ser acessado on-line e servir como um bom exemplo desse momento da anlise exegtica (Lima,
2010b). 2 Tambm publiquei um artigo sobre o tema, inspirado j pela leitura do citado texto de Robert Alter. Neste
caso, fiz um exerccio sobre Apocalipse captulo 12 (Lima, 2010a).
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Discurso, mtodos que no nasceram do trabalho dos biblistas, mas que so cada vez mais
empregados na exegese bblica. Geralmente o acesso a essas escolas de interpretao
limitada por conta de dificuldades terminolgicas; cada tipo de anlise adota termos prprios
e por vezes de alta complexidade, o que se torna uma barreira para que os exegetas assimilem
tais propostas suas exegeses. Na medida do possvel, tentaremos amenizar esta dificuldade.
Da Anlise do Discurso adotaremos a maneira de distinguir nos textos seus dois nveis
de linguagem que reservam cada qual uma parcela do contedo a ser analisado. Trata-se da
distino entre figuras e temas. Os autores concordam, ao definir o que so temas e
figuras, que basicamente estes termos diferenciam as idias abstratas das coisas concretas.
Vejamos as palavras de Jos Luiz Fiorin, primeiro sobre as figuras:
A figura o termo que remete a algo existente no mundo natural: rvore,
vagalume, sol, correr, brincar, vermelho, quente, etc. Assim, a figura todo
contedo de qualquer lngua natural ou de qualquer sistema de
representao que tem um correspondente perceptvel no mundo natural.
(2005, p. 91)
Poderamos caracterizar como figurativo, todo texto que trabalha com figuras, com
termos que remetem o leitor ao mundo concreto. Em geral, os textos narrativos, onde h um
contador de histrias, personagens, cenrios, so essencialmente figurativos. Mesmo que
estejamos lendo uma histria fictcia, o texto pode ser caracterizado como figurativo, pois at
as naves espaciais e os extra-terrestres remetem a coisas naturais, palpveis, que so reais no
nvel narrativo. Isso o que acontece, por exemplo, quando lemos os textos do visionrio
Joo do livro de Apocalipse, e o vemos descrevendo as coisas que supostamente ele v no
cu. Mesmo que ele fale de anjos, de livros, selos e trombetas, ele ainda continua no nvel
figurativo, pois no texto, anjos no so abstratos.
Passemos ento definio dos temas:
Tema um investimento semntico, de natureza puramente conceptual, que
no remete ao mundo natural. Temas so categorias que organizam,
categorizam, ordenam os elementos do mundo natural: elegncia, vergonha,
raciocinar, calculista, orgulhoso, etc. (Fiorin, 2005, p. 91)
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Notemos que estamos falando de conceitos, de idias, e estas so coisas que
dificilmente ganham um carter concreto nos textos. Assim como as narrativas so
essencialmente figurativas, h textos que so essencialmente temticos. Os evangelhos so
figurativos, claro; suas narrativas descrevem a realidade, ainda que possamos dizer que tais
realidades so criaes literrias. Porm, as cartas de Paulo so textos em que os temas
prevalecem, pois elas apresentam conceitos, pensamentos, princpios ticos...
Mas essa maneira de classificar os textos no precisa, pois a verdade que os textos
podem possuir as duas dimenses; ou seja, textos temticos podem eventualmente se utilizar
de figuras, e textos figurativos podem conter um nvel temtico subjacente. O leitor de textos
temticos pode encontrar dificuldades em entender os argumentos, em identificar todos os
temas, mas geralmente consegue extrair do texto sua mensagem central. Neles, os temas
podem estar no prprio texto, ou so extrados da anlise das figuras. A os temas so
colocados de maneira mais direta, e as figuras que so secundrias. Todavia, nos textos mais
figurativos a leitura das figuras mais simples, mas pode haver confuses quando temos que
identificar os temas, que na maioria das vezes no so colocados no texto de maneira direta.
Eu sigo esta distino entre temas e figuras durante toda a anlise de contedo.
Procuro sempre identificar o que est sendo transmitido tanto no nvel figurativo quanto
temtico. Outra vez, para ser mais didtico, vou tratar da anlise das figuras separadamente,
mas deve o leitor ter em mente que essa sequencialidade no precisa ser seguida na prtica.
Para comear, vamos anlise dos personagens que so figuras (Marguerat; Bourquin,
2009, 75-91). Alm de observar como estes so construdos (atentando para os adjetivos, para
as descries, falas, aes ou opinies do narrador sobre eles), julgo de essencial importncia
a identificao da hierarquia entre personagens (pois toda narrativa elege seus protagonistas e
figurantes), e a compreenso de quais so os personagens com os quais o texto quer nos
aproximar, e de quais quer nos afastar. Esta anlise nos permite no somente entender melhor
o papel dos personagens na narrativa em seu nvel figurativo, mas tambm nos leva
compreenso das intencionalidades no nvel temtico.
Depois de analisar personagens, podemos analisar os lugares ou referncias
topogrficas presentes no texto. Aqui no se trata de pesquisar o significado do nomes das
cidades ou de averiguar a importncia simblica de determinado local, mas principalmente, de
entender a relao que o texto constri entre os cenrios que emprega. Para isso, novamente
lembro o artigo de Greimas (2011, p. 63-113), que demonstra quo importante verificar o
sentido dos deslocamentos de um personagem entre lugares (deslocamentos horizontais,
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ascencionais e descencionais), e as novidades que tais deslocamentos trazem para a narrativa
(conjunes e disjunes com pessoas, circunstncias, problemas...).
Tambm nesta anlise de contedo caberiam observaes sobre a conduo do tempo
narrativo, que observa principalmente como o narrador faz o tempo acelerar ou desacelerar
enquanto conta sua histria, geralmente dando destaque aos momentos mais decisivo
desacelerando o tempo at que a histria parece passar em tempo real para ns, leitores. E
tambm cabe aqui a anlise da sequencia de aes, ou anlise de enredo, que procura
identificar os crculos de crise e resoluo que so propostos nas narrativas, destacando estes
momentos e o ponto em que h uma reviravolta na situao, ponto que geralmente
considerado o clmax da narrativa. No dedicarei mais espao a tais anlises, mas posso dizer
que ambos os aspectos so trabalhados com excelncia no manual de narratologia de Daniel
Marguerat e Yvan Bourquin (2009, p. 107-123, 55-74).
4. Anlise Extra-Textual
Neste ltimo momento da anlise exegtica proponho que o exegeta finalmente se
dedique anlise diacrnica, ou seja, de fora para dentro do texto. Aqui o mundo do texto
que est em questo, e primeiro nos perguntamos, caso isso seja necessrio, pela teoria
literria mais conveniente. Para cada texto bblico h teorias que procuram explicar sua
origem, sua data, sua nacionalidade, seu propsito... Em alguns casos, necessrio adotar
uma teoria para explicar o texto, e este o momento para fazer isso.
Como os textos bblicos em geral no possuem referncias claras para responder a
qualquer uma dessas perguntas, o que temos so teorias, hipteses, e no certezas. Todavia,
teorias no so meros palpites; so explicaes baseadas nas anlises dos dados disponveis
que oferecem respostas ao menos provisrias, e com certeza para uma exegese melhor ter
uma teoria do que ficar sem nenhuma. Por isso, quando lidamos com a Bblia podemos
estudar as teorias existentes e adotar uma, e s se pode dizer que alguma teoria falsa e
rejeit-la quando temos outra teoria que a supere. Entretanto, deixe-me dizer que na maioria
dos casos no temos que adotar um local ou data exatos. Geralmente os textos bblicos so
melhor compreendidos quando entendemos algo sobre seu contexto poltico, social, religioso,
econmico, mas para isso nem sempre preciso definir se um texto de Jerusalm ou da
Galilia, se da Sria ou de feso. A insistncia em fazer escolhas redutoras desse tipo
tornam nossa exegese frgil, pois nos apoiamos em hipteses cuja aceitao no plena. Se
possvel, trabalhamos com alguma margem de erro, dizendo por exemplo, que o texto nasceu
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nalgum momento entre o final do sculo I e incio do II, e que deve ter surgido e circulado
entre Galilia e Sria. A falta de exatido expressa nossas incertezas, mas evita erros
decisivos.
Emprego novamente as terminologias advindas da Anlise do Discurso para falar dos
prximos passos exegticos. Trata-se da anlise da interdiscursividade e da intertextualidade.
Para muitos, a interdiscursividade trata-se simplesmente de uma anlise contextual, onde
falamos de discurso para falar das idias que circulavam na cultura e das informaes
histricas que autores e leitores dos textos bblicos sabiam antes mesmo que estes textos se
tornassem sagrados (cannicos). Ento, ao falar das relaes interdiscursivas, estamos falando
das aproximaes dos discursos conhecidos por um autor e por seu mundo. Estes discursos se
ligam ao texto que temos diante de ns porque influenciaram a produo do texto, estavam na
mente do autor que acabou por transferir parte deles para o papel de forma consciente ou
no. J a intertextualidade a relao entre alguma informao de nosso texto com outro texto
anterior ou contemporneo, relao que pode assumir inmeras formas como a citao, a
referncia, a aluso, o plgio ou a pardia (Samoyault, 2008, p. 49-54).
Na exegese mais tradicional, j existia a anlise traditiva que tinha por objetivo dar
conta desses mesmos fenmenos intertextuais e interdiscursivos, mas acreditamos que a nova
terminologia representa uma evoluo desta anlise, que distingue com maior preciso as
diferentes relaes do texto com seu mundo. Tambm est implcita nesta anlise das relaes
intertextuais a chamada crtica das fontes, que se preocupava com a histria dos textos, sua
origem e evoluo, suas correes, ampliaes etc (Schnelle, 2004, p. 57).3 Mas havia um
problema na tradicional crtica das fontes que estava nos seus pressupostos, como vemos na
busca pelas caractersticas biogrfica ou psicolgica do autor-real que motivava o estudo das
fontes (Samoyault, 2008, p. 15-17). Procurava-se identificar a verso mais antiga de um texto
com o nico intuito de reconstruir a verso original daquele texto, verso que simplesmente
por ser mais antiga supostamente melhor. Na verdade, toda vez que tentamos reconstruir o
texto mais antigo ou original, acabamos mesmo por construir um novo documento falso,
apoiado em hipteses inseguras, e desprezamos aquilo que temos em mos, que o melhor
texto que o tempo foi capaz de preservar. Por isso, neste breve cronograma no utilizamos a
crtica das fontes dessa maneira, e para evitar que a linguagem viciada tambm nos
influencie, preferi tratar o estudo das fontes como mera relao de intertextualidade.
3 No Manual de exegese do Novo Testamento de Uwe Wegner, o autor mais detalhista e trabalha estas
questes em dois captulos diferentes intitulados de Anlise da Redao e Anlise da histria da transmisso do texto (1998, p. 123-164, 230-235).
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Depois desses trs momentos de anlise extra-textual, eu incluo o que poderamos
chamar de Histria da Recepo. Este passo no uma anlise textual como as anteriores,
no lida com a interpretao do texto e no acrescenta nada maneira como o examinamos,
mas estuda a maneira como determinado texto foi lido e interpretado ao longo da histria.
Trata-se de uma pesquisa dos caminhos do texto nas mos dos seus leitores, das apropriaes
dele por outros autores, ou seja, uma investigao do que acontece com um texto depois que
ele ganha vida prpria e desvencilha-se por completo de seu autor, de sua origem e contexto.
Aqui tambm cabe um parnteses muito particular.
A anlise da recepo hoje uma disciplina que j tem sido aplicada ao estudo da
Bblia em diferentes partes do mundo (Milton, 2005). Mas em geral, uma pesquisa que
chamada de histria da recepo aborda a leitura de determinado texto principalmente por
parte de leitores leigos. Ou seja, os pesquisadores procuram saber como o cinema norte-
americano trata de determinada tradio bblica, como a pintura medieval lidou com a histria
da paixo de Cristo, como os neo-pentecostais usam a Bblia para falar de prosperidade...
Tudo isso tm valor, porm, pergunto-me: porque quando algum vai biblioteca e l um
comentrio escrito por algum doutor, diz-se que ele est fazendo pesquisa bibliogrfica, e no
anlise da recepo? Talvez haja alguma justificativa para diferenciar as leituras eruditas
das populares, mas no roteiro exegtico que proponho, a anlise da histria da recepo de
um texto compreende a pesquisa em ambos os campos, tanto a das fontes acadmicas quanto
das populares ou leigas. Assim, o exegeta vai terminando sua anlise comparando sua
produo com a de outros intrpretes, o que pode lev-lo a corrigir-se, e o ajudar a avaliar
seu prprio desempenho.
5. Atualizao de Contedo
O roteiro exegtico que propomos aos leitores est completo com a aplicao dos
passos anteriores. So em resumo trs olhares sobre o texto, um voltado para suas formas ou
estruturas, outro para seus contedos internos, e outros para suas relaes com o mundo. Fora
esses trs olhares principais, tivemos uma abordagem introdutria com a delimitao e a
comparao de tradues. Porm, parar aqui s satisfaz os acadmicos. Falar sobre o texto
como documento histrico, como obra literria, o que fazemos nas universidades, nos
artigos acadmicos, nas dissertaes e teses, mas isso no basta para a vida fora da academia,
para a igreja, para a f das pessoas que esperam que a exegese contribua tambm em suas
vidas.
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Por isso incluo ao final da exegese este passo que pode ser considerado opcional: a
atualizao do sentido do texto. O princpio simples: a partir do resultado obtido na exegese,
principalmente das concluses tiradas do nvel temtico do contedo, nos perguntamos pelo
valor que aquela mensagem possui para os dias atuais. difcil estabelecer critrios para
escolher o que merece ser lido como norma para os dias de hoje ou no, e por isso adotei um
roteiro proposto por Jlio Zabatiero para esta atualizao do texto bblico (2007, p. 150). Em
resumo, este roteiro traz os seguintes passos: 1) Primeiro preciso fazer a exegese e formular
uma sntese dos resultados; 2) depois o exegeta dever ento identificar em seu prprio
mundo, tempo e lugar, discursos similares. Ao notar que um problema dos tempos bblicos se
parece com um problema atual, possvel aplicar o contedo da exegese com mais segurana;
3) caber ao exegeta fazer uma aproximao em relao s questes do hoje, para que
conhecendo os problemas, saiba relacionar melhor os discursos de ontem e de hoje; 4) Deve o
exegeta ainda preocupar-se com as propostas prticas (aes missionais na linguagem de
Zabatiero), os desafios reais que ficaro aos seus destinatrios. Estas propostas devem ser
claras, possveis e no meramente utpicas, e realmente relevantes para nosso tempo.
Concluso
Apensar da incompletude deste trabalho, de seu carter provisrio, penso que o roteiro
proposto apresenta-se de maneira didtica, praticvel. Mas no tenho dvidas de que precisa
ser experimentado, testado, e avaliado por outros exegetas, e este tambm um dos motivos
para procurarmos a publicao deste artigo experimental.
Na introduo, eu disse que as supostas novidades deste roteiro exegtico me vieram
do contato interdisciplinar, e o leitor deve ter notado a presena de alguns conceitos recebidos
da lingustica. Mas o leitor tambm pode estar se perguntando pela historiografia e sua
participao, coisa que no deixei explcita. Pois bem, foi a historiografia que me ensinou
sobre a impossibilidade de reconstruir o passado, e por isso nos dedicamos aos textos bblicos
como narrativas, literatura, e no como janelas para o passado que nos revelam quem foi
Jesus ou qualquer outra pessoa daqueles remotos dias. Foi a historiografia que me ensinou
que minha exegese uma reconstruo do sentido do texto e da mensagem de seu autor, e
por isso mesmo, ela jamais ser completa, segura ou definitiva. Foi a historiografia que me
fez ver que era necessrio ler a Bblia sob uma nova tica, encarando seu contedo como os
crticos literrios fazem com seus textos no-cannicos. Por isso, as influncias da
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historiografia sobre este trabalho so enormes, guiaram a escolha dos passos metodolgicos, e
no devem ser subestimadas.4
Enfim, sei que a brevidade do artigo incompatvel com a complexidade da discusso
proposta. Considero este artigo um passo a mais na direo do desenvolvimento de um
verdadeiro guia para o aprendizado da exegese, trabalho para o qual j tenho me dedicado.
Despeo-me incluindo abaixo o roteiro exegtico completo, apenas para facilitar a
visualizao e a aplicao prtica.
1 PROCEDIMENTOS INTRODUTRIOS: ESCOLHA E PREPARAO DO TEXTO
1.1 Aproximao e Escolha
1.2 Delimitao
1.3 Traduo ou Comparao de Tradues
1.4 Crtica Textual (opcional)
2 ANLISE DAS FORMAS
2.1 Anlise das Estruturas Inconscientes
2.2 Anlise dos Recursos Estilsticos Formais
2.3 Anlise dos Gneros ou Formas Fixas
2.4 Anlise das Estruturas Externas: Contexto Literrio
3 ANLISE DE CONTEDO
3.1 Distinguindo Figuras e Temas
3.2 Anlise dos Personagens
3.3 Anlise dos Lugares
3.4 Anlise do Tempo Narrativo
3.5 Anlise das Aes (Enredo)
4 ANLISE EXTRA-TEXTUAL
4.1 Teoria Literria
4.2 Anlise Interdiscursiva
4.3 Anlise Intertextual
4.4 Anlise da Recepo
4 No poderia deixar de instruir o leitor tambm na busca pelas assimilaes desses pressupostos advindos da
historiografia, e por isso, vou indicar aqui dois ttulos que me parecem bem completos e propcios para isso.
Primeiro indico a recente obra de Fernando A. Novais e Rogrio F. da Silva, que reuniram em Nova Histria
em Perspectiva (2011) textos de clebres historiadores que nos oferece um panorama bem completo das
mudanas de paradigmas da disciplina desde o comeo do sculo XX at hoje. A outra obra a de Jlio
Arstegui intitulada A Pesquisa Histrica: Teoria e Mtodo (2006), livro extenso que debrua tambm sobre
as particularidades da historiografia como cincia.
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5 ATUALIZAO DE CONTEDO (opcional)
Referncias Bibliogrficas
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