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PROCESSO CRIATIVO EM DESIGN: DENTRO E FORA DOS LIMITES RESUMO Uma grande questão da história do design é o uso de métodos e metodologias no ato projetual e, portanto, no processo criativo. Os métodos são recursos utilizados por todo designer, na tentativa de nortear a mistura de referências culturais da qual o design emerge e contribui. Focando o processo criativo do designer e o atual momento multifacetado em que vive, o estudo metodológico torna-se interessante, em especial, através dos métodos heuríticos de criação. Tais processos se enquandram em métodos científicos que buscam compreender como se forma o conhecimento, e também o ato de criação. Assim, o designer poderá potencializar seu leque de estratégias para atender aos anseios da cultura de nosso tempo. Pouco explorados nos círculos acadêmicos, tais métodos levam em consideração a ascensão do usuário e dão, assim, maiores referências para que o processo criativo e o ato projetual contemporâneo pensem “fora da caixa”. PALAVRAS-CHAVE: projeto, design, processo criativo, metodologia, métodos heurísticos ABSTRACT: A great question on Design History is using methods and methodologies on project design and, this way, on creative process. Methods are used by all designers, trying to “find a north” on the mix of cultural references in which the design emerges and contributes. Focusing on the designer´s creative process and his multifaceted quotidian, methodological studies are interesting, specially, through Heuristic on creative thinking. These processes are scientific methods that try to understand how knowledge, and also creative thinking, is built. Therefore, the designer may amplify his strategic myriad to answer the aims of our current culture. Rarely explored by academics, these methods consider the user´s role and give great references for creative process and contemporary project think outside the box. KEY WORDS: project, design, creative process, methodology, heuristic methods. Sessão temática: Práxis e proposição teórica Eixo temático: 1. Teoria e Crítica 3. Projeto

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  • PROCESSO CRIATIVO EM DESIGN: DENTRO E FORA DOS LIMITES

    RESUMO

    Uma grande questo da histria do design o uso de mtodos e metodologias no ato projetual e, portanto, no processo criativo. Os mtodos so recursos utilizados por todo designer, na tentativa de nortear a mistura de referncias culturais da qual o design emerge e contribui. Focando o processo criativo do designer e o atual momento multifacetado em que vive, o estudo metodolgico torna-se interessante, em especial, atravs dos mtodos heurticos de criao. Tais processos se enquandram em mtodos cientficos que buscam compreender como se forma o conhecimento, e tambm o ato de criao. Assim, o designer poder potencializar seu leque de estratgias para atender aos anseios da cultura de nosso tempo. Pouco explorados nos crculos acadmicos, tais mtodos levam em considerao a ascenso do usurio e do, assim, maiores referncias para que o processo criativo e o ato projetual contemporneo pensem fora da caixa.

    PALAVRAS-CHAVE:

    projeto, design, processo criativo, metodologia, mtodos heursticos

    ABSTRACT:

    A great question on Design History is using methods and methodologies on project design and, this way, on creative process. Methods are used by all designers, trying to find a north on the mix of cultural references in which the design emerges and contributes. Focusing on the designers creative process and his multifaceted quotidian, methodological studies are interesting, specially, through Heuristic on creative thinking. These processes are scientific methods that try to understand how knowledge, and also creative thinking, is built. Therefore, the designer may amplify his strategic myriad to answer the aims of our current culture. Rarely explored by academics, these methods consider the users role and give great references for creative process and contemporary project think outside the box.

    KEY WORDS:

    project, design, creative process, methodology, heuristic methods.

    Sesso temtica: Prxis e proposio terica

    Eixo temtico: 1. Teoria e Crtica 3. Projeto

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    PROCESSO CRIATIVO EM DESIGN: DENTRO E FORA DOS LIMITES

    Olivia Chiavareto Pezzin1

    Praticar a teoria do design significa, em primeiro lugar, se voltar para a teoria do conhecimento.

    (BURDEK, 2006, p.225)

    Introduo

    O design, segundo Bonsiepe e Fernandes (2006), uma cincia interdisciplinar que influencia e influenciada pelas reas da tecnologia, ecologia, indstrias e empresas, cultura da vida cotidiana, economia e polticas sociais.

    Alm dessa definio, interessa aquela de Vilm Flusser (1999, p.19, traduo nossa), que caracteriza o design como a ponte entre arte e tecnologia: Logo, na vida contempornea, design indica mais ou menos o lugar onde arte e tecnologia (junto com seus respectivos mtodos avaliativos e cientficos) se juntam e se igualam, construindo uma nova forma de cultura possvel.

    Desse modo, torna-se pertinente a aproximao entre os mtodos e metodologias do Design e dos Processos Criativos, que buscam as formas de apreenso e (re)codificao do mundo. Atravs da anlise das relaes entre lgica e infralgica, na produo dos desejados insights, possvel desvendar a apario de diagramas mentais/cones sobre um cenrio difuso de referncias (PLAZA;TAVARES, 1998), tanto na arte quanto na cincia/tecnologia.

    No campo da pesquisa em Design, recebe especial enfoque as questes metodolgicas, que guiam a fase do projeto. O projeto um dos paradigmas da rea, pois dele deriva o controle do processo, cada vez mais interdisciplinar e iterativo. Assim, so inventados modelos de sistemas capazes de refletir as aspiraes do Design, abarcando a tica, a poltica, a esttica, mas principalmente a capacidade de inovar dentro de uma rea saturada como a economia industrial.

    Para estimular e construir projetos com essa habilidade estratgica preciso conhecer os limites dos mtodos criativos em Design, como sublinhado por Baxter (1998, p.51 apud Pantaleo, 2009):

    A criatividade o corao do design, em todos os estgios do projeto. O projeto mais excitante e desafiador aquele que exige inovaes de fato a

    1 Mestranda no curso de ps-graduao em Design e Arquitetura pela FAUUSP, bolsista FAPESP. Graduada em

    Comunicao Social com nfase em Editorao pela ECA-USP. Intercambista do programa CINDA na Universidade de Gnova (UNIGE)/ Itlia. Tcnica em Desenho de Comunicao pela Escola Tcnica Estadual Carlos de Campos. Tem experincia e estuda a rea de Comunicao, com nfase em Design. [email protected]

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    criao de algo radicalmente novo, nada parecido com tudo que se encontra no mercado.

    Os limites do design, notadamente o que o distingue da arte, inicia pela existncia sine qua non de uma funo: seja utilitria (funcional), comunicacional ou simblica (esttico). Geralmente, tais funes so intencionadas no momento do projeto, porm sua efetiva realizao se d no momento do uso do produto resultante. Portanto, o xito de projeto de design est na adaptao do ambiente artificial que atenda as necessidades fsicas e psquicas dos homens na sociedade (LBACH, 2001, p.14); j o xito do designer est no atendimento dos anseios do cliente para com o usurio: efetivar um processo de comunicao, criar um ponto de contato (interface) entre uma empresa/instituio e o usurio/consumidor, revelando a identidade de dentro para fora da empresa.

    No contexto projetual, a criatividade o momento mais profcuo e fecundo para a inovao, onde a liberdade criativa propica o pensar fora da caixa e trazer tona as dialticas de A. Moles (teoria da informao): banal/original, previsvel/imprevisvel, redundante/informativa. Dentro do conceito de criatividade, tambm est a aptido que possibilita ao que inventa organizar um campo de percepo projetando suas sensaes em um plano de referncia, modificado e combinado segundo a cultura que inerente ao criador (MOLES; CAUDE 1977, p.60-5 APUD PLAZA; TAVARES, 1998, p.67).

    Assim, a criatividade remete a um campo de batalhas, com referncias internas e externas ao criador, que une intelecto e intuio para reorganizar dados, no intuito de associar (...) para a soluo de problemas (PLAZA; TAVARES, 1998, p.67). Em suma, a criatividade o remanejo do conhecimento existente que ganha forma, neste caso, atravs da expresso esttica.

    A fim de explicitar as metodologias influenciadoras do Design desde a dcada de 1920, possvel traar uma perspectiva histrica, apresentando caractersticas dos contextos Moderno e Ps-moderno.

    Devido influncia da Escola alem HfG Ulm e seu mtodo projetual, no ensino tcnico e superior das escolas de Design e fora da globalizao mercadolgica, as expresses do design se tornam cada vez mais homogneas ao redor do mundo. Esse fenmeno iniciou-se a partir da segunda Grande Guerra (1945), quando as empresas dos pases desenvolvidos comearam um processo de diviso internacional do trabalho, espalhando a produo pelo mundo, com centralizao do projeto em suas sedes. O Design ento precisava se adaptar a diferentes situaes, exigindo uma racionalizao do processo produtivo e projetual. Tal paradigma, chamado de funcionalista (forma segue funo), teve projeo por seu vis sistmico dentro do projeto moderno, tentando abarcar um conjunto expressivo dos objetos e ambientes da vida

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    cotidiana, baseado em rigor no processo e produtos com caractersticas de baixa carga cognitiva, priorizando a clareza, a legibilidade e a ergonomia ideal.

    Fig. 1- Chaise-longue projetada por Le Corbusier, dentro dos princpios funcionalistas.

    Na dcada de 1970, j no contexto da contra-cultura, questionam-se tais valores pr-determinados para o exerccio da profisso e do uso dos objetos. Um exemplo notrio a poltrona Sacco, projetada para ser usada como o usurio bem entender, para a finalidade que desejar.

    Na dcada seguinte, inicia-se o movimento ps-moderno, utilizando o ldico, o humor e a ironia dentro das produes. Os objetos, como a estante Carlton de Ettore Sottsass, sugerem novas possibilidades estticas, antes improvveis, como diversas cores em apenas um mvel.

    Fig. 2 Poltrona Sacco, dos italianos Gatti, Paolini e Teodoro; Estante Carlton de Ettore Sottsass.

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    O final do sculo XX e o incio do XXI trazem os aspectos da linguagem eletrnica para o campo esttico: a multimdia e a interatividade, alm da tendncia a reapropriao dos objetos feita pelos prprios usurios, questionam a autoria do criador/projetista e aumentam a sensao da compresso espao-temporal, caracterstica da contemporaneidade. Assim, podemos citar como exemplos de design contemporneo, as gambiarras (ou design no-intencional) e pardias (regadores-luminrias, por exemplo). Tambm a miniaturizao dos dispositivos eletrnicos, em especial na telefonia celular, influencia diversos segmentos do design, que buscam formas de cognio cada vez mais intuitivas, a personalizao e flexibilidade das funes, atravs da convergncia e potencializao das comunicaes.

    Quadro comparativo de referncias: modernismo x ps-modernismo

    MODERNISMO PS-MODERNISMO

    Mtodo cartesiano (do engenheiro)

    Ex: Munari, Wollner

    Humor

    Efmero, fragmentao

    Srie Compresso espao-tempo,

    Rigor Acaso

    Total / Sistmico Ressignificao (traduo)

    Novo (original) Identidades, Metforas

    Forma informa Ambiguidades, contradies,

    alternativas

    Fig. 3 - Fonte: quadro elaborado pela autora

    Nessa breve anlise evolutiva, percebe-se que a tradicional metodologia do design se ateve ao mtodo manejo fsico em detrimento do ajuste sensorial. No momento ps-moderno a busca por novas possibilidades expressivas traz novos valores, que se relacionam melhor com os mtodos semiticos, hermenuticos ou fenomenolgicos que objetivam o resgate das essncias, dos gneros, dos corpos, da individualidade (obscurecidos pelo funcionalismo).

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    Como exemplo, tomamos um suco feito com dois espremedores, um dentro da lgica moderna (espremedor popular) e outro, da ps-moderna (espremedor Juicy Salif de Phillipe Starck). O primeiro foi projetado para espremer laranjas e produzir sucos de forma eficiente e prtica. J o segundo, para suscitar conversas na cozinha. Assim, inventar formas estticas provocar a apario de qualidades virtuais, aparncias que nunca antes apareceram (PLAZA, 1987). Podemos notar a originalidade do Juicy Salif devido ao seu carter imprevisvel (que carrega, portanto, maior carga cognitiva que os anteriores) e pela novidade que, segundo Monica Tavares (2010) a introduo da desordem numa estrutura preexistente.

    O ps-modernismo se caracteriza tambm pela construo de narrativas, camadas de significao, usando o material e os detalhes. Desse modo, como diz Santos (2008), descrever os mtodos de ao intelectual se torna necessrio, pois as novas tendncias do design indicam cada vez mais a aplicao de mtodos semiticos (de signos) e hermenuticos (de interpretao).

    Torna-se, ento, interessante o levantamento das principais fases da criao para o Design, assim como exemplos dentro dos mtodos heursticos de criao.

    Segundo Tavares e Plaza (1998, p.73), a criao um processo iterativo: o ato criativo no , necessariamente, um processo contnuo. Renova-se sempre e admite feed-back alimentados pela atividade experimentadora e pelas idias criativas. Os estgios da criao, apontados pelos autores com base em Moles (1971), so: apreenso (motivao), preparao (coleta de dados), incubao, iluminao, verificao e comunicao. Duas fases se destacam na produo dos insights, a fase da incubao onde vrios mtodos de estmulo, como o brainstorming e o writingstroming, so utilizados e a da iluminao.

    Na primeira, a obra se configra inconscientemente. Nesta fase devem estar presentes, segundo Moles & Caude (1977, p.39), a imaginao, a fantasia, a gratuidade (PLAZA; TAVARES, 1998, p.75). J na segunda, quando ocorre a epifania (a revelao de uma verdade atravs de uma forma pregnante), a intuio e o intelecto simulam modelos mentais, unem contextos que j existiam, mas estavam separados, resultando em uma fertilizao cruzada. Nesse momento, possvel brincar com as possveis representaes de mundo, criando as prprias regras do jogo.

    Fig. 4 exemplo de fertilizao cruzada, realizado pela autora.

    Assim, a mente inventiva responsvel por associar formas, que progressivamete se tornam articuladas. (PLAZA;TAVARES, 1998, p.80)

    1+1 = 2 1+1=11

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    Ao mapear e identificar os percursos dentro do processo criativo, os mtodos heursticos de criao, conforme Jlio Plaza e Monica Tavares (1998), trazem diferentes possibilidades aos mtodos de projeto em Design.

    1. Mtodos do Possvel / icnico / mental

    1.1 Do Projeto

    Segundo Lvi-Strauss (1976 apud Plaza; Tavares, 1998, p.90, grifo nosso), o processo criativo do projeto ou do engenheiro consiste em um ... confronto entre a estrutura e o acidente, em procurar o dilogo, seja com o modelo, seja com a matria, seja com o usurio. Ele parte das estruturas para os acontecimentos, criando fortes sintaxes na busca de um diagrama mental a ser concretizado. Temos como exemplos desse mtodo as diversas receitas de percursos, em geral de ordem cartesiana, com regras de organizao mais ou menos rgidas e alta definio, como o de Bruno Munari (2008). um sistema fechado onde, segundo Tavares (2010), possveis erros, variaes do modelo, correes e reformulaes esto em funo da objetividade dos meios e ferramentas produtivas.

    Este mtodo o mais utilizado e difundido dentro da histria da prtica e ensino do Design.

    1.2. Mtodo do acaso

    Neste mtodo notvel a incorporao daquilo que no estava no programa potico (TAVARES, 2010), criando estruturas a partir dos acontecimentos (e no o contrrio). , portanto, um mtodo cujas caractersticas so a pouca sintaxe, a indeterminao, o fortuito, imprevisto, o abandono do ego e a singularidade. O acaso pode ser totalmente ou parcialmente aceito pelo designer-artista David Carson produziu uma revista ilegvel, enquanto Rico Lins interferiu em sua incorporao , como pondera Belluzzo (2010),

    Nessa fase inicial de criao e experimento, o designer admite absorver em seu processo criativo um acaso coordenado. Refere-se ao fato de ser determinante e fundamental a existncia de liberdade criativa, mas dentro do limite em que preciso corresponder s expectativas do cliente.

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    Fig. 5 A insero do acaso foi tema do cartaz de Rico Lins para a mostra da Escola Panamericana de Design Grfico de 1996. Na ocasio, a instituio pediu aos designers cartazes capazes de mostrar a expresso mais imediata do que estavam produzindo no momento. Para isso, Lins aproveitou a ideia do fio de cabelo cado por acaso sobre o papel e desenvolveu uma srie de elementos que foram produzidos e alterados pelos produtores (o fotgrafo, o profissional da grfica). Ao final, inverteu as cores CMYK da fotografia original e inseriu cores fosforescentes para ento ver o resultado. Fonte: Rico Lins. Cartaz para o Panamericana 96 Graphic Design. Fotografia: Fbio Ribeiro. Produo Grfica: Ricardo Aiello. Agncia: W/Brasil, S. Paulo, 1996. notvel a ideia de jogo nesse tipo de mtodo, incorporando rudos informacionais e at possveis erros no manuseio dos aparelhos (PLAZA; TAVARES, 1998).

    1.3. Mtodo permutatrio / matriz do descobrimento

    Este mtodo o jogo de combinao no qual o artista submete elementos de seu repertrio, previamente selecionados, um conjunto de regras finitas capazes de gerar eventos infinitos.

    Segundo Plaza e Tavares, (1998, p.96) neste processo o artista aparece especialmente como realizador intelectual de sua obra; ele, a mquina e, muitas vezes, o usurio tornam-se cmplices

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    na realizao de mltiplas permutaes. Um exemplo notrio so as obras dos irmos Campana e a obra RG enigmtico de Guto Lacaz.

    Fig.6 a obra RG enigmtico partiu de uma releitura do poema tatuagem enigmtica de Duda Machado (em que o poeta aplicava as palavras policial, poltico e potico sobre notcias de jornal). Fonte: http://www.gutolacaz.com.br/ grafica/rg_enigmatico.html. Assim, Guto Lacaz criou uma mquina onde cada nmero pressionado acionava uma alavanca com um carimbo de um smbolo do imaginrio brasileiro. Assim, cada pessoa que utilizasse o dispositivo sairia com uma obra nica, porm reprodutvel. Por isso, Guto Lacaz se considera artista-designer (ou vice-versa).

    1.4. Mtodo dos limites (dogmtico)

    Aqui a transgresso e a conscincia dos limites do meio utilizado so essenciais. Este mtodo requer sintaxes fortes, de alta definio, para vencer as regras e utiliz-lo como potencial de criao. O descobrimento de novas possibilidades materiais, como a madeira compensada ou o plstico, do novos rumos s criaes. Em geral, a mente trabalha a criao dentro dos limites da capacidade do meio, porm, este possibilitar ou no o produto pretendido.

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    1.5. Mtodo das associaes

    As associaes so manifestaes da linguagem, verbal ou icnica, portadoras de informao esttica e semntica.

    Segundo Pignatari (1979 apud Plaza; Tavares, 1998, p.101), nada impede que as associaes por similaridade (analogia/sntese) e as associaes por contiguidade (lgica/anlise) se mesclem no desenvolvimento da criao. O autor ainda ressalva que nos processos criativos, em lugar de ocorrer as associaes de ideias, produzem-se associaes de formas.

    Podemos visualizar a associao de forma nos diversos abridores de garrafas:

    Fig. 7 (1) Abridor de garrafa de Cisotti Biaggio, para Alessi. (2) Abridor de garrafa de autoria desconhecida (comercializado por uma empresa de brindes promocionais). (3) Abridores de garrafa de design popular nordestino.

    Por similaridade (analogia): entre o abridor 1 e 2, que possuem um formato semelhante: bocal com indentio + cabo alongado

    Por contiguidade (lgica) : entre o abridor 2 e 3, que apesar de diferentes, possuem a mesma lgica semntica: uma trava + uma alavanca.

    2. Mtodos do existente (do ndice, do conflito)

    Nos seguintes mtodos, a criao se d pela ao e reao estabelecida com o meio produtivo.

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    2.1. Mtodo experimental

    Trabalha-se com os sentidos, a intuio, atravs do processo indutivo de tentativa e erro: o mtodo experimental pretende tambm o esprito ldico, a experincia criativa per se. A inteno desse mtodo no est na obra acabada, mas sim no ato de fazer. (...) Em busca por apreender a materialidade destes meios, o artista familiariza-se pouco a pouco com as potencialidades instrumentais prprias do arsenal tecnolgico. (TAVARES, PLAZA, 1998, p.103). Um exemplo da criao experimental o vdeo Mquinas de Som (veja o link em referncias bibliogrficas), onde os autores brincam e exploram as capacidades dos captadores de som ligados a um programa de computador e a objetos do cotidiano.

    2.2. Reduo Fenomenolgica

    Este mtodo (e estudo) tem por finalidade ampliar ou criar novos pontos de vista, atravs de relaes de ordem/tempo, a partir da aparncia. Assim, pretende perceber os objetos em sua integridade, atravs da explorao do meio, com foco na experincia sensorial decorrente da essncia do fenmeno.

    Um exemplo o jogo Kinect da Microsoft para Xbox que inova no campo da jogabilidade (experincia de jogo) ao prescindir de controles para interao com a plataforma do jogo: o usurio usa apenas seu corpo para participar das aes. Assim pode-se dizer que o prprio corpo toma outras referncias e percebido de outra forma, acentuando a experincia sensorial.

    Fig. 8 Demonstrao de uso do jogo Kinect do Xbox 360. Fonte: Divulgao Microsoft.

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    3. Mtodos do pensamento / simblico

    Tais mtodos so capazes de trabalhar no nvel da terceiridade peirciana, atravs da intertextualidade e do dilogo entre linguagens.

    3.1. Recodificao

    a transposio de um sistema significante para outro, evidenciando novas conexes. Segundo Plaza e Tavares (1998, p.115), para Moles, o raciocnio por analogia conduz o indivduo criador a manipular qualquer conceito, esvaziando-o de seu contedo, a fim de extrair dele novos pontos de vistas. Assim possvel usar a abstrao para recontextualizar um objeto ou um conceito. Um exemplo a recodificao do Almanaque Abril em papel para o CD-ROM: todos os textos foram transpostos e ressignificados, do suporte impresso para o digital. A criao de hipertextos e a insero de novas linguagens introduziram um novo tipo de leitura, que faz estalar a linearidade (o esperado) do texto anterior, dissolvendo os autores, o ldico e o crtico (TAVARES, 2010).

    3.2. Mtodo mito-potico (bricoleur)

    Este mtodo caracteriza-se pela inexistncia de um plano pr-concebido, partindo dos acontecimentos estrutura. O produto resultante de uma criao que surge do que se tem a mo uma obra fragmentada, cujas partes denunciam sua origem e sua carga significativa, narrativa. Na rea do design este mtodo de criao chamado de design no-intencional ou gambiarra.

    Fig.9 Exemplos de gambiarra, com autoria desconhecida, que circulam pela internet.

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    3.3. Mtodo paradigmtico

    Tal mtodo faz expediente das formas anlogas, do discurso indireto e das releituras de uma obra paradigmtica. As principais formas utilizadas so a pardia, a traduo e a contradio para obter a transposio (de um meio a outro), transcodificao (reconstruo simblica) e a transcriao (traduo livre).

    Como exemplo, temos a traduo do estilo popularesco do tecido de chita (aqui como paradigma) para o universo da alta costura, realizado por alguns estilistas nacionais.

    J a luminria de Ingo Maurer funciona como exemplo de transposio (translado de um meio outro), por tomar uma rede de pescador como paradigma formal.

    Fig. 10 Luminria Lacrime del Pescatore, de Ingo Maurer. Fonte: Divulgao.

    Dados estes exemplos dentro dos mtodos heursticos de criao, possvel verificar que os produtos no falam por si ss: eles so inseridos dentro de um processo de comunicao que lhes d significado. Os produtos so, portanto, veculos de interao social (BURDEK, 2006, p.239).

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    Na comunicao, as informaes no so transmitidas, mas construdas a partir do repertrio e da percepo do criador e do usurio, ou receptor; desse modo, sempre interpretao, pois utiliza-se de convenes e experincias anteriores.

    O Design est inserido no processo de comunicao e por isso deve atentar para os mtodos e formas de projetar distintos, de acordo com os contextos que almeja atingir. Sendo esta uma cincia interdisciplinar, possvel fazer uma aproximao entre Pareyson e C. Alexander (1964 APUD BRDEK, 2006). De acordo com o primeiro, o prprio material da criao vai trazendo tona as solues, as ideias: os limites aparecem no processo de execuo. J para o segundo, o contexto sugere a forma que sugere a soluo.

    Temos ento o seguinte diagrama:

    PAREYSON: LIMITES DO MATERIAL MENTE SOLUO

    ALEXANDER: LIMITES DO CONTEXTO FORMA SOLUO

    Ressalvando a possibilidade de criao de contextos (pelo marketing), possvel concluir, a partir do paralelo institudo, que no existe uma nica forma de projetar: deve-se buscar o melhor mtodo para um determinado problema/contexto. E portanto, imperativo compreender efetivamente qual o problema. Tambm Brdek (2006) concorda ao dizer que o repertrio metodolgico a ser utilizado depende da complexidade do problema. Por isso, necessria uma distncia crtica da metodologia.

    A resoluo de problemas no design parte inerente do projeto. possvel identificar dois tipos de mtodo de resoluo de problemas usados: o moderno, funcionalista, que pregava a soluo dedutiva (como um ser humano deve sentar em uma cadeira?);

    PROBLEMA GERAL SOLUO ESPECFICA

    J a caracterstica do momento ps-moderno a resoluo de problemas atravs da induo: quem deve sentar nessa cadeira?

    PARA QUEM ESSE PROJETO ESPECIAL?

    Resgatando o conceito de que cada ser humano diferente, alm das reinvidicaes das minorias (pontuadas em A identidade cultural na ps-modernidade, de Stuart Hall), os designers passaram a projetar para as pessoas e no para o ser humano ideal.

    A interrogao sobre o mtodo de produo e criao se configura atualmente da seguinte forma:

    COMO FEITO? O QUE SIGNIFICA PARA NS?

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    Concluso

    Este trabalho apresenta o processo criativo como o momento estratgico do Design, capaz de revelar o carter de inovao sobre o de conservao, como forma de manifestao da criatividade esttica (TAVARES; PLAZA, 1998, p.87). Para tanto necessria a conceituao de criatividade, com especial enfoque na intuio: empregada como uma opo para ampliar a gama de dados e relaes no processo de criao, seja em um projeto de design ou qualquer atividade que necessite de reflexo para a inveno de algo (PANTALEO, 2008).

    Criar o novo a partir do processo criativo parece ser o caminho mais frtil para a inovao dos processos, e logo dos produtos, em design. Para isso, os mtodos heursticos de criao se mostram promissores na fase projetual, aliados ao repertrio capaz de revalorizar e retransmitir tecnologias e identidades culturais, provocando mudana e qualidade de vida para os usurios. Porm, o uso dos mtodos depende da complexidade do problema e este depende do contexto inserido.

    A originalidade to almejada no projeto advm do repertrio e dos contextos (social, cultural, econmico) do designer e seus colaboradores (lembrando que o design uma atividade interdisciplinar). O produto validado quando encontra ressonncia nos usurios, que podem requalific-lo, interpret-lo (o design acontece de fato durante o uso do objeto ou ambiente projetado). O projeto, portanto, deve resultar da batalha criativa que uniu intuio e intelecto a partir das referncias do designer e da sociedade, para ento expressar esteticamente um produto no apenas possvel, utilizvel, mas que valha a pena ser usado, por ampliar os limites de representao do nosso mundo.

    Referncias Bibliogrficas

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    Blcher, 2001.

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    SANTOS, Rodrigo Gonalves dos. Design e fenomenologia: pensando o mtodo por meio de uma leitura sobre experincia, vivncia e intuio. Anais do 8 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. 8-11 out. 2008. AEND: So Paulo.

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