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Considerações sobre a noção de identidade no Tratado da Natureza Humana de David Hume. Cristiano Junta 1. Introdução  Nesse estudo tomamos como tema geral a idéia de identidade. Nesse intuito circunscrevemos o problema que nos colocamos da seguinte maneira: como podemos compreender o que Hume chamava de “noção de identidade”? Trataremos, em especial, da questão é colocada em certa passagem do Tratado da Natureza Humana (T 1.4.2.26,  p. 200 ) 1 : “Primeiramente, quanto ao princípio de individuação, podemos observar que a visão de um objeto não é suficiente para nos transmitir a idéia de identidade. Pois na proposição: um objeto é o mesmo que ele próprio, se a idéia expressa pela palavra objeto não se distinguisse de modo algum da idéia significada por ele próprio, nossas palavras na verdade não teriam sentido, e a proposição não conteria um  predicado e um sujeito, os quais, entretanto, estão implicados na afirmação. Um objeto isolado transmite a idéia de unidade, não a de identidade.” O problema que Hume impõe nessa passagem tem sido tema de disputa na literatura recente. 2  Dessa forma será nosso objetivo nesse estudo analisar essas interpretações. Por fim estaremos concernidos em fornecer uma contribuição a esse debate baseando-nos no parece ser uma frutífera discussão dada, sobre outro tema, por Williamson (1996). 2. Apresentação da interpretação de Baxter sobre o problema da identidade em Hume. Donald Baxter em seu artigo  Hume’s Puzzle about identity discuti longamente o  problema da identidade no Tratado. Ai (Baxter, 2000, p. 187) a principal tese que Baxter irá defender é sobre a diferença do problema da identidade tal como Hume o expõem e tal como Frege o discutiu: 1 Todas as citações dos textos humeanos seguem o estilo comumente adotado pelos estudos recente de sua filosofia, a saber, T 1.4.2.21 deve ser lido como Tratado, livro 1, parte 4, seção 2 parágrafo 21- de acordo com a edição Norton & Norton (Hume, 2000a), cuja tradução brasileira de Débora Danowski (Hume, 2000b) coincide -, seguindo-se da paginação da edição clássica de Selby-Bigge/Nidditch (Hume, 1978), no caso p.200. Todas as traduções são extraídas da tradução brasileira supracitada. 2 Baxter2009a e 2009b, Garrett 2009, Perry 2009 e Falkenstein 2009.

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Considerações sobre a noção de identidade no Tratado da Natureza Humana de

David Hume.

Cristiano Junta

1. Introdução

 Nesse estudo tomamos como tema geral a idéia de identidade. Nesse intuitocircunscrevemos o problema que nos colocamos da seguinte maneira: como podemoscompreender o que Hume chamava de “noção de identidade”? Trataremos, em especial,da questão é colocada em certa passagem do Tratado da Natureza Humana (T 1.4.2.26,

 p. 200 )1 :

“Primeiramente, quanto ao princípio de individuação, podemos

observar que a visão de um objeto não é suficiente para nos transmitir a idéia de identidade. Pois na proposição: um objeto é o mesmo que

ele próprio, se a idéia expressa pela palavra objeto não se distinguissede modo algum da idéia significada por ele próprio, nossas palavrasna verdade não teriam sentido, e a proposição não conteria um

 predicado e um sujeito, os quais, entretanto, estão implicados naafirmação. Um objeto isolado transmite a idéia de unidade, não a deidentidade.”

O problema que Hume impõe nessa passagem tem sido tema de disputa na

literatura recente.2  Dessa forma será nosso objetivo nesse estudo analisar essasinterpretações. Por fim estaremos concernidos em fornecer uma contribuição a essedebate baseando-nos no parece ser uma frutífera discussão dada, sobre outro tema, por Williamson (1996).

2. Apresentação da interpretação de Baxter sobre o problema da identidade em

Hume.

Donald Baxter em seu artigo  Hume’s Puzzle about identity discuti longamente o problema da identidade no Tratado. Ai (Baxter, 2000, p. 187) a principal tese queBaxter irá defender é sobre a diferença do problema da identidade tal como Hume oexpõem e tal como Frege o discutiu:

1 Todas as citações dos textos humeanos seguem o estilo comumente adotado pelos estudos recente desua filosofia, a saber, T 1.4.2.21 deve ser lido como Tratado, livro 1, parte 4, seção 2 parágrafo 21- deacordo com a edição Norton & Norton (Hume, 2000a), cuja tradução brasileira de Débora Danowski

(Hume, 2000b) coincide -, seguindo-se da paginação da edição clássica de Selby-Bigge/Nidditch (Hume,1978), no caso p.200. Todas as traduções são extraídas da tradução brasileira supracitada.2 Baxter2009a e 2009b, Garrett 2009, Perry 2009 e Falkenstein 2009.

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“In discussion of the “Principle of Identity” in the TreatiseHume presents a puzzle about identity – not a puzzle for semantics,like Frege’s, but a puzzle for a theory of representation.”

Tal distinção é defendida nesse texto através de uma reconstrução do problema

da identidade em Hume, onde o ponto central é a caracterização, ou melhor aimpossibilidade de uma, a partir da expressão “representar como se” (representing there

as) havendo identidade. Nesse sentido a conclusão essencial de Baxter será (Baxter,2000, p. 191):

“So in none of the alternatives do we represent there as being asituation free of clear absurdity, in which there is perhaps identity and

 perhaps distinctness. So what do we represent there as being whenrepresenting there as perhaps being and perhaps not being identity?

 Not one and the same thing, not two distinct things, not things that areneither one and the same nor two and distinct, and not things that are

 both. But there is no other alternative. This is Hume’s puzzle aboutidentity.”

Para compreender com precisão essa conclusão recorreremos a caracterização deBaxter do problema de Hume. Nesse texto (Baxter, 2000) fornece três caracterizaçõesdo problema da identidade. Trataremos somente da última, a mais extensa e completa detodas. Nessa caracterização somos chamados a acompanhar o argumento na seguinteexposição, de partida temos como dado que:

(1) Há duas pessoas (Cícero e Túlio) que,(2)  Nós representamos como sendo Cícero e Túlio possivelmente a mesma

(numericamente idênticos) ou possivelmente diferentes pessoas (numericamentedistintos).

A partir disso somos chamados a imaginar que escutamos uma seqüência finita dehistórias sobre os dois (que eu chamarei aqui respectivamente de H1, H2, ..., Hn), emcada uma das histórias parecem os dois personagens da seguinte forma:

(3) Em uma história Cícero e Túlio são possivelmente distintos (história A de Baxter  – H1)

(4) Em outra, eles são idênticos (história B de Baxter – H2)(5) Em uma terceira eles são distintos (história C de Baxter – H3).3 

3 A formulação de Baxter nessa passagem é exatamente a seguinte (Baxter, 2000, p.196):“(1) We know that Cicero exists and Tully exists.Given(2) We represent there as being Cicero and Tullywho are perhaps numerically identical and perhaps numerically distinct.Given(3) In a story, A, Cicero and Tully exist and are perhaps identical and perhaps distinct.by (P1)(4) In an

alternate story to A, B, Cicero and Tully exist and are identical.by (P3)(5) In an alternate story to A, C,Cicero and Tully exist and are distinct.by (P3)”Como esses passos da argumentação de Baxter não eramessenciais para nossa argumentação colocamos apenas a forma resumida deles no corpo do texto.

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Junto com essas informações Baxter nos fornece quatro premissas:

(P1) Em locuções como “Nós representamos como sendo” podem ser substituídas por locuções como “Em uma história” e vice e versa.

(P2) Para qualquer duas histórias se elas têm os mesmos personagens e tomandoconstante o que nós sabemos elas são alternativas.

(P3) Para qualquer história alguma coisa é possivelmente verdade nessa história, se esomente se, isso é verdade em alguma história alternativa.

(P4) Em uma história qualquer coisa verdadeira de um personagem é verdadeira dequalquer personagem numericamente idêntico.4

 

A partir disso, consideremos as três histórias de Baxter (A, B e C) de acordocom minha nomeação em uma seqüência finita de histórias sobre Túlio e Cícerorespectivamente (H1, H2 e H3) e assim por diante. Baxter conclui a partir dai:

(6) Através de P2 e o que é dado concluímos que H2 e H3 são alternativas.(7) Diante disso e de H3, através de P3, concluímos que Cícero em H2 é

 possivelmente distinto de Túlio.(8) Através de P4, temos que em H2 Túlio é possivelmente distinto de Túlio.(9) Logo, por P3, deve haver uma história (que chamaremos de Hn) onde Túlio é

distinto de Túlio.

Ora, fomos levados a uma conclusão absurda (9). Diante disso Baxter argumenta:

“The reader may be queasy about the move from (7) to (8)given notorious problems of substituting into opaque contexts. Butthese contexts are not opaque. The story teller is in charge of whichcharacters exist and are identical within and between stories. If there isever a situation in which names function as logically proper names – unequivocal and their use being sufficient for there being a named – it

is in normal story telling. The use of the name in telling a story helpsgenerate the character, and the fact that all further uses name the samecharacter is up to the story teller.”

Tal consideração é importantíssima, pois informa-nos que não podemos refutar Baxter pela consideração de que haveria algum tipo de carência de informação quandotomamos as histórias como alternativas. Assim elas são alternativas não do ponto devista do que nós estamos aptos a saber sobre Túlio e Cícero, mas sim como formas da4 No original, (Baxter, 2000, p. 195): “(P1) Locutions like ‘We represent there as being’ can be replaced by locutions like ‘In a story’, and vice-versa. (P2) For any two stories, if they share the same characters

and keep constant what we know, they are alternates. (P3) For any story, something is perhaps true in thatstory if and only if it is true in some alternate story. (P4) In a story, anything true of a character is true of any numerically identical character.”

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expressão “representar como sendo”. Por fidelidade a argumentação de Baxer resta-nosconsiderar os últimos passos de seu argumento antes de adentrarmos na discussão desua argumentação. O resto procede da seguinte maneira:

(10) Em H3, alguma coisa é possivelmente distinta de si mesma.(Generalização Existencial)

(11) Em H1, possivelmente existe alguma coisa que é possivelmente distintade si mesma (Por P3)

(12)   Nós representamos como sendo possível que alguma coisa seja possivelmente distinta de si mesma. (por P1)

E a conclusão geral será:

(13) A Premissa (1) [Há duas pessoas Cícero e Túlio] não implica que nósrepresentemos como sendo alguma coisa distinta de si mesma, nem que nósrepresentemos como sendo possível que alguma coisa seja possivelmentedistinta de si mesma.5

Ao que Baxter ajunta: “E, no entanto, (13) é tanto verdadeiro como falso.” 6 Aargumentação procede por redução ao absurdo. Obviamente resta à Baxter detectar emqual das premissas esta o problema. Pela estrutura da argumentação somos levados a

 procurar o problema na premissa (2). Esse problema estaria exatamente na expressão

“representamos como sendo” (representing there as), pois, (Baxter, 2000, p.197):

“We are surprised that we seemingly can’t represent there as being a situation properly described as in (2) without it also being properly described as in (12) and so involving absurdity.”

De acordo com isso poderíamos enunciar o problema da identidade discutida aquida seguinte maneira: representar como sendo duas coisas possivelmente idênticas éacompanhada da descrição absurda de que é possível representar como sendo algumacoisa que pudesse, possivelmente, ser distinta de si mesma. Então, a pergunta que temos

em mão agora seria: Por que “representamos como sendo” tem essa estranha propriedade? Por ocasião da publicação do livro de Baxter  Hume’s Difficult (Baxter,2008), onde o autor retorna a essa argumentação e a expande em uma interpretação do

 primeiro livro do Tratado, deu ensejo a um conjunto de artigos que discutiam suasconclusões. Tal material nos dá elementos para discutir essa interpretação, o que será otema da próxima seção desse estudo.

3. Discussão sobre a conclusão de Baxter.

5 “(13) Premise (1) does not entail that we represent there as being something distinct from itself, nor thatwe represent there as perhaps being something perhaps distinct from itself.” (Baxter, 2000, p. 197)6 “And so (13) is both true and false.” (Baxter, 2000, p.197).

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John Perry (2009), Don Garret (2009) e Lorne Falkenstein (2009) dedicaram-sea discutir as conclusões de Baxter sobre o problema da identidade na filosofia de Hume.Como o próprio Baxter observou (Baxter, 2000, p.187) poderíamos dividir sua

interpretação em duas partes distintas, na primeira a que concerne ao problema “em simesmo” e na segunda sobre como esse problema relaciona-se com a discussão de Humeno Tratado. Seguindo essa sugestão dividiremos nosso estudo também em duas partes,na primeira, a ser tratada nessa seção e na seguinte (seção 4 e no início da seção 5), serádedicada somente aos elementos do problema da identidade tendo em vista areconstrução feita por Baxter dele, e, posteriormente (seções 5 e 6 desse texto),dedicaremo-nos a interpretação dele no Tratado.

De acordo com o discutido na seção anterior (seção 2) ficamos com o seguinte  problema em mãos: como a expressão “representamos como sendo” poderia ser compatível, com a afirmação (12) que é francamente contraditória? Perry (2009, p.413)

discutindo tal questão interpôs contra Baxter que o problema não só é semelhante tantoem Hume como em Frege como a solução de ambos os filósofos, apesar de suasdiferenças, eram também semelhantes.7 Tal problema é caracterizado como ascondições de verdade de uma afirmação de identidade em uma concepção da menteestruturada em papeis cognitivos (role-based nature of cognition). Tal concepção écaracterizada por Perry da seguinte forma (Perry, 2009, p. 416):

“Hume offers us a role based theory of cognition: we think about objects as the occupants of certain roles in our lives, roles that

 become complex and nested.”

 Nessa concepção as impressões são chamas a cumprir papeis que seriam mais oumenos estruturados, de acordo com isso a cognição dos objetos é vista como baseadaem certas regras complexas e localizadas. Perry detalha essa concepção a partir de umexemplo, nele somos chamados a imaginar a situação de um observador que já observouvárias vezes aviões cruzarem o céu em um dia sem nuvens (que chamaremos de idéiacomplexa i), este observador também vê que dois aviões distintos que se sucedem maisou menos nas mesmas trajetórias (chamemos isso idéia complexa i’  ). Certo dia eleescuta um avião (A) voando dentro de uma nuvem (percepção  p), fora da sua visão, e

após certo tempo vê A cruzando o céu do outro lado da nuvem (percepção  p’ ).  8 A

7 No original, (Perry, 2000, p. 413): “I will argue that Hume does provide an answer to the problem, solong as we exempt the uncertainty problem from what I will call the ‘‘subject matter condition’’. In thesecond part, I’ll argue that Frege dealt with the same problem, and, as different as the concerns of the two philosophers were, his solution is, in a recognizable sense, Humean.”8 No original, (Perry, 2009, p. 416): “Or consider the airplane case. Suppose on some cloudless days youdid a lot of airplane observing and, by copying, assembled an inventory of ideas. You had the more or less steadfast impression of a single plane flying a considerable distance through the sky, an impressionthat overlapped with other successive impressions. From this experience you added a complex idea, call it I , to your inventory. You have also had impressions of one plane flying a certain distance and thenturning away, while another plane appears from the distance and turns into roughly the path of the first

 plane. Call this complex idea I’ . You watch A, flying into the cloud: impression p. A bit later you see Aemerging from the cloud: impression  p’ . Your uncertainty structure consists the impressions  p and  p’ ,together with the ideas I and I’ .”

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 pergunta será: o que nos faz pensar que as duas impressões que tenho (percepção  p e p’ )de um avião são referências de um só e mesmo objeto? A resposta será (Perry, 2009,

 p.416):

“You first think of A as the plane your perception p is of; thatis, you have the perception p associated with the idea of an airplane,and the expectations with which this idea is associated. Then youremember A; your memory is of the perception p; and p was of A.(…) It will figure into your cognition only by playing a certain moreor less complex role, relative to the impressions and ideas, that figuredirectly into your cognition.”

 De acordo com isso podemos dizer que a identificação de um objeto como sendo

o mesmo, apesar de certas distinções de impressão, deveria ser caracterizada pelo fato

que as impressões e as idéias têm certo papel cognitivo. Com isso em mão estamosaptos a apresentar a conclusão principal de Perry sobre essa discussão. Perry critica a posição de Baxter por considerá-la errônea quando não distingue entre as condições deverdade de uma afirmação sobre o “conteúdo material” ( subject-matter ) e os papeiscognitivos de uma sentença. Assim o problema que Baxter aponta estaria apenasconcernido com o conteúdo material das afirmações de identidade, isto quer dizer paraPerry, concernido apenas com o problema da referência da afirmação de que “é possívelrepresentar como sendo alguma coisa que pudesse, possivelmente, ser distinta de simesma”. Perry recorre aqui a distinção fregeana de sentido e referência (Frege, 1960).9 

 Nesse contexto estamos aptos a dize que a crítica de Perry à Baxter insisti sobre a

distinção entre dois problemas: (a) quais são as condições de verdade de certassentenças dado seus papeis cognitivos – ou seja, seu sentido – em relação com areferência dessas sentenças (o que equivaleria a dizer, quais estado de coisas fazem queestas sentenças sejam verdadeiras, ou não); e, (b) o que nossos pensamentos poderiamser – ou seja, que sentidos teríamos em certas sentenças - dado certos “conteúdosmateriais”. A diferença dessas duas formas, talvez, pudesse se resumir na simplesconsideração de que em (a) a direção de “ajuste” da nossa investigação é do sentido

 para a referência, em (b) a direção de “ajuste” é a oposta, da referência para o sentido.Obviamente, Perry realiza essa distinção no intuito de criticar o problema colocado por 

Baxter, pois, localiza a questão colocada por Frege e por Hume como pertencente a (a) ea de Baxter como pertencente a (b).10  Então, podemos enunciar a questão crucial da9 Perry, 2009, p.420: “Frege opens ‘‘Uber Sinn und Bedeutung’’ by asking if identity is a relation between names or objects, and giving as an illustration of the difficulty with which he is concerned, thedifference in significance between the trivial ‘‘a = a’’ and the informative ‘‘a = b’’.5 Although one canscarcely accuse Frege of unclarity, quite attentive students who have worked through the essay a time or two are often unable to say what his final answer is to his opening question. By the end of the essay, weare told that, assuming a = b, the two sentences have the same Bedeutung, the truth value True, but butexpress different propositions (Gedanken), due to the difference in sinn between a and b. So we have two  propositions, and one truth-value. Neither the names nor the objects have a place in either the propositions or the truth value.”10 Perry, 2009, p.420: “The important point is that Frege, like Hume, didn’t try to get at what was going

on in the case of informative judgements of identity in terms of a structure involving only the objects andthe relation of identity. A larger structure was needed, involving Sinne and the relation of co-determination as well. Just as Hume saw the need for two different perceptions, Frege saw the need for 

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critica de Perry da seguinte maneira: o problema da identidade deve ser tratado como possibilidades de conteúdos materiais, ou, como possibilidades de papeis cognitivos(rule-based )?11

Para colocar em um exemplo o que seria essas duas alternativas, Perry considera

o que foi a segunda caracterização de Baxter (2000, p. 188-9), onde alguém duvida seMark Twain é Samuel Clements. Perry diz (Perry, 2009, p.419):

“If we limit ourselves to subject-matter possibilities, then wewill have the problem Baxter identifies. We will be stuck with theuseless level of truth conditions for her thought, and will not be able tomake sense of it. There is only one fellow, Samuel Clemens, aka Mark Twain, with which we can build the situations, and try as we might,we can’t find a possible situation in which he is not himself. If weallow ourselves roles, however, then we have two roles, and no

 problem; there are possible situations in which the roles are occupied by the same person, and the actual world, in which Clemens occupies both of them, is one of these. But there are also possible situations inwhich two people each occupy one of the roles and not the other; theactual situation is not one of these.”

 No modo como Perry utiliza esse exemplo aqui a direção de ajuste do problemafica claramente dos possíveis papeis (sentidos) cognitivos para os possíveis conteúdosmateriais (referências). Teríamos dois “papeis” (roles) um desempenhado pelo o quesabemos de Samuel Clements outro desempenhado pelo o que sabemos de Mark Twain.

Então não nos perguntaríamos “se possivelmente alguma coisa é possivelmente distintade si mesma” mas somente se a situação atual é aquela em que duas pessoas distintasocupam cada um dos papeis, ou se, só uma pessoa ocupa os dois papeis. Então, aquestão sobre a dúvida se Clement é Twain se resumirá a seguinte (Perry, 2009, p. 419):

“To say that we should characterize the mental states in thisway, is not to say that our subject is really thinking about roles, rather than their occupants. She is thinking about Clemens, in two differentways, without being sure that that is what she is doing.”

O ponto que queremos enfatizar aqui é a relação da colocação do problema deacordo com a direção de ajuste (a) com a questão que eles faz-nos estabelecer. Pelacitação acima de Perry vemos que o problema da identidade consistiria em não estar 

certo (whihout being sure) de estarmos tomando de dois modos diferentes uma mesmacoisa. Observemos que Baxter em sua réplica a Perry (Baxter, 2009b) não recusa estadistinção nem sequer nega que sua caracterização do problema esta efetivamentecomprometida com a direção de ajuste (b). Antes, Baxter procura justificar seu

 procedimento aceitando tais caracterizações (Baxter, 2009b, p. 448):

two different Sinne, and the relation of co-determination between them, to account for the

informativeness of identity.”11 No original (Perry, 2009, p. 419): “The question is, in building up these situations, should limitourselves to subject matter possibilities? Or should we allow ourselves role-based possibilities?”

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  “I worry that my distinction between intentional objectsand intended objects obscures Hume’s commitment to the subjectmatter condition. (…)

The approaches of Hume and Frege are, therefore, very

different. Fregeans reject the subject matter condition; Humeembraces it.”

Com essas considerações postas passamos a discutir outro aspecto da conclusãode Baxter, no entanto, para chegar onde desejamos é necessário considerar algumasquestões expostas por Timothy Williamson (1996) sobre a expressão “estar em posiçãode saber que”. Posteriormente retornaremos a réplica de Baxter à Perry (Baxter, 2009b).

4. Timothy Williamson sobre “estar em posição de saber que”.

Williamson (1996) realizou a crítica da “luminosidade” das condições em que  poderíamos detectar sempre se duas palavras têm, ou não, o mesmo sentido. Aconclusão geral de seu argumento é apresenta, em certo momento, com a bela frase queserve de epigrafe a esse estudo, nomeadamente (Williamson, 1996, p. 568):

“The conditions with which we engage in our everyday life are,from the start, nonluminous. Their obtaining does not wait for us to bein a position to know that they obtain.”

Apesar da facilidade dessa frase, ela não parece ser muito fácil de “encaixar” nanossa concepção de conhecimento. Pois, pode parece óbvio que se alguém sabe algo,alguém sempre estará em posição de saber  esse algo. Então, poderíamos dizer que aempreitada de Williamson em Cognitive Homelessness será desbancar essa“obviedade”. Para não nos estendermos de maneira demasiada consideraremos apenasas linhas fundamentais da argumentação de Williamson em vez de reconstruir passo-a-

  passo seu argumento. Com isso em vista consideremos primeiramente a seguinteafirmação (Williamson, 1996, p. 565):

“The general absence of nontrivial luminous conditions can berepresented in modal logic by the rule that A →□A is a theorem onlyif either A is a theorem or ⌐A is." (Williansom, p.565)

 Nada pode implicar em sua própria necessidade. Ou, dito de outro modo, queuma coisa seja o caso, não se segue de que ela é necessariamente o caso Mas, se algumacoisa é um teorema, isto é, é derivada dos axiomas de um sistema lógico, e vocêconsidera a semântica da lógica modal para “necessariamente” (representadocomumente pelo símbolo “□”), então, que ela seja o caso implica que é necessário queisso seja assim. Com isso em mãos observemos (Williamson, 1996, p. 564):

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“Since a context in which one is not in a position to know that Pcan gradually change into a context in which one is in a position toknow that P, the argument shows that the condition that one is in a

 position to know that P is nonluminous (for most values of 'P').”

Se em um contexto em que “não se esta em posição de saber que...” podegradualmente mudar para um contexto em que se “esta em posição de saber que…” oargumento de Williamson mostra que não podemos estar necessariamente certos de queestamos ou não em um contexto onde se “esta em posição de saber que ...”. Ou seja, eunão estou em posição de saber se estou em uma posição de saber esse  P . Observemosque a enfaze de Williamson nesse trecho reside na caracterização da condição de estar em posição de saber que. A condição ou, por assim dizer, o contexto de “estar em

 posição de saber que...” é que não é “luminoso”, ou seja, não se segue sempre docontexto onde se está de posse cognitiva de  P  que esse contexto seja também um

contexto onde estamos em posição de saber que estamos de posse desse  P . Então,consideremos que (Williamson, 1996, p. 564):

“Thus, the operator 'one is in a position to know that...' doesnot satisfy the principle □ p → □□ p of the modal logic S4. Indeed,actually knowing that P does not imply being in a position to knowthat one knows that P.”

O fato de que alguém saber uma coisa não implica que alguém está em posiçãode saber essa coisa. Observe, se A →□A só decorre de um contexto fortemente

determinado (ou seja, como um teorema em um sistema formal), Williamson estaapontando que “estar em condição de saber” não satisfaz nem sequer um contextomenos rigidamente determinado. Então, ficamos com o seguinte problema na mão: ooperador (certamente epistemológico) “alguém esta em posição de saber que P.” nãoacompanha o contexto onde eu “obtenho P”, isto é, há uma distinção e uma distânciaentre um contexto onde eu “obtenho P” e um contexto em que “estou em posição desaber esse P”. E se, (Williamson, 1996, p. 564):

“Equally, not being in a position to know that P does not imply

 being in a position to know that one is not in a position to know that P.Thus, the operator 'one is in a position to know that...' does not satisfythe principle ⌐□p→□⌐□p of the stronger modal logic S5.”

Williamsom mostra aqui que “não estar em posição de saber...” não é condiçãonecessária para saber que “não se esta em posição de saber”. Ou seja, negar que “se estaem posição de saber” não implica que necessariamente não estou em posição de saber isso. Creio que a parte que nos interessa aqui do argumento do Williamson pode ser resumido assim:

a) O contexto onde eu sei algo não implica que eu “estou em posição de

saber ...” somente pela mera análise desse contexto em que eu sei algo.b) O problema não esta no contexto ser “vago” ou incerto.

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c) O problema está em que “Se A”, então, “estar em posição de saber esse A”só funciona como uma “condição luminosa” em situações triviais (comoWilliansom concede nesse texto).12 Ou, se você quiser A →□A, somente se,A ou não-A for um teorema – ou em nosso exemplo – em “condições

fortemente determinadas”, se não, completamente determinadas.d) Williamson lança mão de um argumento por redução ao absurdo paramostrar isso. Supomos uma condição não-trivial com uma mudança gradual(“slow swich”). Observemos as duas premissas que Williamson coloca: (P1)Se nessa circunstância eu estou em posição de saber se tenho calor, entãotenho calor em outra circunstância. E (P2) Se tenho calor em umacircunstância, sei que estou em posição de saber que tenho calor. Oargumento localiza o problema em P2, que afirma a “luminosidade docontexto” para “estou em posição de saber que...”. Dito de outro modo, Ocontexto de “tenho calor” não implica necessariamente um contexto em que

“estou em posição de saber que tenho calor”.e) Assim é, pois, “estar em posição de saber X” não tem a propriedade de ser 

“reflexivo” sobre o contexto onde eu obtenho X.

Com isso em mãos, retornemos a discussão do argumento de Baxter.

5. Relações entre “representar como” e “estar em posição de saber que”.

Comparemos a conclusão de Williamson sobre a ausência da propriedade de ser 

“reflexivo” da expressão “estar em posição de saber que” com a discussão de Baxter sobre “representar como”. Em virtude das discussões que empreendemos na seção 4desse texto ficamos com a discussão no seguinte estado: desde que Baxter assume emsua réplica a Perry que “representar como” coloca o problema de “ser possívelrepresentar como sendo alguma coisa que pudesse, possivelmente, ser distinta de simesma” na direção de ajuste de possíveis “conteúdos materiais” de representação.Resta-nos observar o que isso quer dizer exatamente (Baxter, 2009b, p. 448):

Take the case of something, a, that one is multiply acquaintedwith. The distinction is meant to capture the distinction between (i) a

 both as present to mind and as it is according to the mind (in other words, as intentional object), from (ii) a as present to mind but as itreally is (in other words, as intended object). The intentional object isthe concern of   Hume’s Difficulty. The point of the distinction is toallow that a thought of  a and a subsequent thought of  a can bothcontribute a to the content of thought, while not contributing to thecontent the identity of a insofar as it is thought of the first time with a

insofar as it is thought of the second time. Thus Hume can meet thesubject matter condition while making sense of wondering whether  a

is a.

12 Williamson, 1996, p. 569.

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Observemos que a argumentação de Baxter pretende interpretar que para Humeas “condições de conteúdos materiais” (  subject matter condition) fazem com que

 possamos dar sentido à dúvida se a é igual a a. Esse procedimento tem o sentido defazer compreender como se o conteúdo do pensamento de a fosse dependente do

 pensamento de a e do subseqüente pensamento de a. Tais duas “aparições” de a em pensamentos são entendidos na distinção entre “  present to mind” e “according to the

mind”. Então, podemos dizer que o “representar como” de Baxter na sentença “ser  possível representar como sendo alguma coisa que pudesse, possivelmente, ser distintade si mesma” são na verdade dois: em um representar-como “ present to mind” e outroonde a coisa é representada-como “according to the mind”.

Lembrando a seção introdutória desse estudo, dissemos que Hume afirma em T1.4.2.26 (p.200) que: “Um objeto isolado transmite a idéia de unidade, não a deidentidade.” Devemos considerar agora que Hume ajunta, logo em seguida a esse trechoque (T 1.4.2.27, p.200): “Por outro lado, uma multiplicidade de objetos, por mais

semelhante que eles sejam, jamais poderia transmitir tal idéia.” Tais considerações preparam o terreno para aninhar a o problema da identidade (T 1.4.2.28, p.200):

“Uma vez que tanto a pluralidade como a unidade sãoincompatíveis com a relação de identidade, esta deve portanto, estar em algo distinto daquelas. Mas para falar a verdade, à primeira vistaisso parece inteiramente impossível. Entre a unidade e a pluralidade,não pode haver meio-termo, como não pode haver meio-termo entre aexistência e a não-existência. Após supomos que um objeto existe,devemos supor ou que um outro também existe – nesse caso, temos a

idéia de pluralidade -, ou que não existe – e, nesse caso, o primeiroobjeto permanece como uma unidade.”

 Diante desses trechos do Tratato estamos em posição de colocar em que consiste

a dificuldade da interpretação de Baxter. Tendo em mente a dupla “representação-como” de Baxter uma se referindo a “present to mind” e outra à “according to the mind”

 podemos pensar que essa distinção desejar capturar o sentido em que Hume impõem suaconsideração de que nem a unidade nem a pluralidade são compatíveis com a idéia deidentidade. Sendo ela, um tipo de “meio-termo” entre essas duas. Observemos que

Hume afirma (Hume, 1.4.2.29, p. 201):

“Eis aqui, portanto, uma idéia que é um meio-termo entreunidade e pluralidade; ou, mais corretamente falando, é uma coisa ououtra, conforme a perspectiva pela qual a consideramos. É a essa idéiaque chamamos idéia de identidade. Falando de maneira apropriada,não podemos dizer que um objeto é o mesmo que ele próprio, a menosque com isso queiramos dizer que um objeto existente em ummomento é o mesmo que ele próprio existente em outro momento.Dessa forma, fazemos uma diferença entre a idéia significada pela

 palavra objeto e a significada por ele próprio, sem nos estender até a  pluralidade e, ao mesmo tempo, sem nos restringir a uma unidadeestrita e absoluta.”

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Diante dessa passagem podemos compreender a insistência de Baxter emconsiderar as “aparições” de a como contribuindo para o conteúdo do pensamento

(content of  thougoth) e não diretamente para a idéia de identidade. A interpretação seriaaproximadamente a seguinte: Hume afirma explicitamente que a idéia de identidadenada mais é uma passagem entre a duas perspectivas pela qual observamos um objeto(ora unidade, ora como pluralidade), então, estritamente falando, a idéia de identidadecarece de um conteúdo específico. Logo, de acordo com Baxter, a identidade reside emuma maneira pela qual representamos um objeto, notadamente, essa maneira consisteem duas formas de representação desse objeto ( present to mind e accord to the mind )que tomadas em conjunto e sucessivamente faz com que formemos uma idéia daidentidade desse objeto, sem que essa idéia acrescente o conteúdo do pensamento desseobjeto, mas antes é apenas esse processo de dupla representação-como desse objeto.

A pergunta que lanço diante dessas considerações será então: sob que condições

a posição de Baxter é coerente? Minha resposta será: sob a distinção de três formas dosobjetos: (a) o objeto present to mind, (b) o objeto “ present to mind but as it really is” e (c)o objeto accord to the mind . Tal distinção é a forma que Baxter encontra para realizar uma análise cuja direção de ajuste reside em possíveis objetos  present to mind que, noentanto, não poderão mais ser equivalentes ao que Frege chamava de referência, poiseste lugar é ocupado no vocabulário de Baxter como sendo os objetos “ present to mind

 but as it really is”. Nesse contexto ficamos em mão com a estranha posição de análise daidéia de identidade em que devemos procurar um objeto  presente à mente que, noentanto, não será um objeto presente à mente como ele realmente é  ( present to mind but 

as it really is). Isso tudo para satisfazer a condição de possíveis referências de um objetode acordo com a mente (accord to the mind). Tal malabarismo referencial tem por objetivo salvar uma condição de verdade (que, obviamente, não poderá mais ser 

 pensada como tal, pois, não se trata mais dos “objetos como eles realmente são”) dosdois modos de representar-como.

Por fim resta-nos considerar que essa interpretação de Baxter esta suscetível acondição análoga a de “estar em posição de saber” de Williamson. Tal analogia consisteno seguinte: Tal como “estar em posição de saber  X ” não acompanha necessariamente ocontexto em que “obtemos  X ”, digo que “o objeto de acordo com a mente” nãoacompanha necessariamente o contexto onde o objeto esta “presente à mente”. Se

  pensarmos esse “objeto presente a mente como ele realmente é”, isto é, como areferência. Mas, Baxter parece cioso desse problema e talvez seja por isso que tenhasentido a necessidade de criar a distinção dos dois tipos de “presente à mente”. Então, acrítica de Williamson revela a operação que se processa nessa distinção. Obsrvemos quese retomarmos a conclusão da seção 3: A conclusão de Baxter que representar comosendo duas coisas possivelmente idênticas é acompanhada da descrição absurda de queé possível representar como sendo alguma coisa que pudesse ser distinta de si mesma.Então, a pergunta que temos em mão agora seria: Por que “representamos como sendo”tem essa estranha propriedade? Veremos que estamos aptos a responder tal questão

agora. Essa resposta é: essa estranha propriedade de “representar como sendo” é obtida porque há duas formas como essa expressão é usada, na primeira “representar como

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sendo presente à mente” e na segunda “representar como sendo de acordo com amente”.

O argumento de Baxter exposto na seção 3 só é possível se tomarmos ashistórias em conjunto. Tomar as histórias dessa maneira faz com que passemos do

 primeiro sentido de “representar como sendo” para o segundo sub-repticiamente. Nessecontexto “representar como sendo possivelmente idêntico” de objetos presentes à menteterão suas condições de verdade na referência que podemos encontrar (ou não) paraessas possíveis representações – como Perry afirmou (e discutimos anteriormente). Noentanto, não é possível dizer que “representar como sendo possivelmente idêntico” deacordo com a mente terá qualquer condição de verdade, pois esse “representar comosendo” diz respeito a outro “representar como sendo” (presentes à mente porém que nãosão como os objetos realmente são) e não nos é dado encontra diretamente para qualestado de coisas a referência desse primeiro “representar como sendo” (o de acordo coma mente) se torna verdadeira.

Se isto está correto estou em posição de dizer que: “representar como” de acordocom a mente não possui a propriedade de ser reflexivo sobre o contexto em que obtemoso “representar como” objetos presentes à mente sobre o que se dá as condições deverdade da identidade. Logo, é possível dizer que usamos a noção de identidade mesmoque não estejamos aptos a representar essa noção de acordo com uma idéia na mentesobre ela.

6. Conclusão.

Baxter anuncia no início de seu texto  Hume’s puzzle about identity (supracitado -Baxter, 2000) que o problema da identidade para Hume não é um problema semântico,mas um problema sobre a teoria da representação. Há um certo sentido em que essaafirmação de Baxter é correta. A saber, na insistência de Hume sobre a ficcionalidade danoção de identidade. Na passagem do Tratado em que Hume discuti essa questão (T1.4.2.21-31) a identidade é caracterizada como um processo mental, que ele chama dedisposição mental (mental disposition). Nesse quesito a interpretação de Baxter apontauma questão importante, Hume não afirma que as “aparições” dos objetos na mentecontribuem para o conteúdo da idéia de identidade, pois esta é concebida somente comouma certa maneira de tomar essas aparições (ora como unidade, ora como pluralidade)sem nada acrescentar ao conteúdo mesmo desse pensamento. No entanto, vimo-nosobrigados a discordar de Baxter em sua caracterização do problema na forma daexpressão “representar como sendo”. Tal caracterização requer uma entidade mentalque não vejo como corresponder a alguma concepção de Hume, a saber, os objetos queestão “presentes à mente” mas que não são os “objetos presentes à mente tal como elesrealmente são”. Se pensarmos essa distinção como equivalente à distinção de Humenessa passagem à, respectivamente, objetos e percepções cairemos no erro de conceber que, para Hume, haveria alguma entidade entre as idéias que formamos dos objetos e as

 percepções dos objetos que recebemos pelos sentidos (impressões dos sentidos). Ora,

Hume é claro desde o início do Tratado em estabelecer que “as idéias são cópias de

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impressões” (T 1.1.1.1, p. 2). Por que deveríamos supor que haveria alguma coisa entreas idéias de objetos e as impressões desses objetos?

Discutimos na seção 5 que essa estranha entidade mental criada por Baxter tem oobjetivo de fazer sentido a sua dupla utilização de “representar como sendo”. Argüimos

que essa expressão comporta-se como um operador epistemológico “estar em posiçãode saber que”. Isto é, ou nós pensamos que “estar em posição de saber  X ” acompanhanecessariamente o contexto em que “obtemos  X ”, coisa que Williamson refutou, ouobservamos que esse operador só funciona em condições triviais. De maneira análogadissemos que ou “representar como sendo de acordo com a mente” acompanhanecessariamente o contexto em que “representamos como sendo presente a mente” ounão podemos encontrar um contexto onde “representar como sendo de acordo com amente” possuiu uma referência real. Mas, só podemos conceber na interpretação deBaxter esse acompanhamento necessário se tivermos à mão a estranha entidade mental“os objetos que estão presentes à mente mas que não são os objetos presentes à mente

tal como eles realmente são”.Após todas as considerações feitas nesse texto creio que estamos em posição de

enunciar uma suposição, que restará como conclusão geral desse estudo, a saber: SeBaxter está correto em enunciar a “noção de identidade” na filosofia de Hume comoalguma coisa que seria uma “maneira” ou um “processo” pelo o qual concebemos osobjetos e, ao mesmo tempo, falha em dotar esse processo de um operador epistemológico, estamos então em posição de dizer que: para Hume as condições emque nós obtemos uma noção de identidade não carregam necessariamente as condiçõesem que “estamos em posição de saber que” temos tal noção. Logo, somo levados a

  pensar que haveria na filosofia de Hume alguma coisa análoga a afirmação deWilliamson, a saber, que as condições em que estamos inseridos na vida cotidiana são,de partida, não luminosas. Ou seja, nós nos comportamos com as noções que temos,sem esperar que estejamos em condições de saber que temos tais noções.

7. Referências Bibliográficas.

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