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A linguagem corporal do adolescente gótico Lucilene Maria Ried Reprodução gratuita autorizada desde que citada a seguinte referência bibliográfica: RIED, Lucilene Maria. A linguagem corporal do adolescente gótico . Cognitivo: Revista Eletrônica de Psicoterapia Cognitiva, junho de 2010. Disponível: < http://cognitivo.cjb.net > Acessado em: [dia/mês/ano]. INTRODUÇÃO Com este trabalho se pretende investigar e compreender a linguagem corporal do adolescente gótico, e para tanto, buscou-se contextualizar a origem do termo gótico e seu significado. De modo que o termo é focalizado como linguagem corporal manifestada pelos adolescentes que são adeptos da cultura gótica. E que por sua vez, os leva a usar na maior parte dos casos, seu próprio corpo como instrumento de comunicação para expressar sua subjetividade e revelar sua indignação e rebeldia. A pertinência da temática abordada denota todo um movimento cultural em torno de uma forma diferente de pensar sobre certos valores ou certa angústia coletiva, um estado de espírito que demonstra insatisfação com a vida. Conforme Schmidt (1985), o estilo gótico apresenta uma aparência triste retratando um mundo de dor, rejeição e tristeza. Criam-se incompatibilidades com alguns valores instituídos, quando os jovens defendem e tentam implantar novas tendências éticas, estéticas e comportamentais. 1

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Page 1: portalcognitivo.files.wordpress.com · Web viewCom este trabalho se pretende investigar e compreender a linguagem corporal do adolescente gótico, e para tanto, buscou-se contextualizar

A linguagem corporal do adolescente gótico Lucilene Maria Ried

Reprodução gratuita autorizada desde que citada a seguinte referência bibliográfica:RIED, Lucilene Maria. A linguagem corporal do adolescente gótico. Cognitivo: Revista Eletrônica de Psicoterapia Cognitiva, junho de 2010. Disponível: < http://cognitivo.cjb.net > Acessado em: [dia/mês/ano].

INTRODUÇÃO

Com este trabalho se pretende investigar e compreender a linguagem corporal do

adolescente gótico, e para tanto, buscou-se contextualizar a origem do termo gótico e

seu significado. De modo que o termo é focalizado como linguagem corporal

manifestada pelos adolescentes que são adeptos da cultura gótica. E que por sua vez, os

leva a usar na maior parte dos casos, seu próprio corpo como instrumento de

comunicação para expressar sua subjetividade e revelar sua indignação e rebeldia.

A pertinência da temática abordada denota todo um movimento cultural em

torno de uma forma diferente de pensar sobre certos valores ou certa angústia coletiva,

um estado de espírito que demonstra insatisfação com a vida.

Conforme Schmidt (1985), o estilo gótico apresenta uma aparência triste

retratando um mundo de dor, rejeição e tristeza. Criam-se incompatibilidades com

alguns valores instituídos, quando os jovens defendem e tentam implantar novas

tendências éticas, estéticas e comportamentais. Sentem-se inconformados com o

controle exercido pelas instituições sociais, e busca a satisfação de suas necessidades

subvertendo os padrões, o que provoca diversos tipos de confrontos.

De acordo com a visão cognitiva a percepção das pessoas sobre as situações

influenciam suas reações. Quando a experiência infantil é percebida de um modo

negativo, o sujeito tende a, atribuir qualidades negativas á si próprios. Se esses

conceitos negativos tornam-se estruturas organizadas em suas mentes, o indivíduo

processa as informações de forma distorcida e disfuncional, percebendo e focalizando

muito rigidamente o lado negativo, evitando ou falhando no processamento das

informações (Beck, 2007, 1997).

Continuando a autora afirma que a crença central de desvalor conduz o

indivíduo a acreditar que não obterá sucesso em alcançar determinado objetivo ou que

não será merecedor de receber afetos de outras pessoas. A crença central não se refere

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apenas à pessoa em si. Esse tipo de cognição também se desenvolve no ser humano

como uma forma de extrair sentido do contexto externo e suas relações com outras

pessoas. É uma forma encontrada pelo sujeito de organizar as suas experiências para

que ela se adapte adequadamente a seu ambiente.

  Para que se possa entender melhor a “cultura” gótica e a linguagem corporal do adolescente que se identifica com esta, se faz necessário retomar alguns pontos que

fundamentam o período da adolescência (Osório, 1992) compreende a adolescência

como:

A etapa evolutiva peculiar ao ser humano. Nela culmina todo o processo maturativo biopsicossocial do indivíduo. Por isto, não podemos compreender a adolescência estudando separadamente os aspectos biológicos, psicológicos, sociais ou culturais. Eles são indissociáveis. (p.103)

Na visão de Osório (1992) a adolescência deixou de ser compreendida como

uma simples passagem da infância para a idade adulta, com alterações físicas,

aparecimento das características sexuais e mudanças de temperamento, e passou a ser

vista como momento fundamental do desenvolvimento do indivíduo, acentuando a

aquisição da imagem corporal e a estruturação da personalidade. O início da

adolescência não pode ser determinado, pois varia de acordo com o ambiente sócio-

cultural do indivíduo.

Nesse sentido, Ozella (2003) afirma que se deve entender a adolescência como

construída socialmente, esta relacionada direta e inseparável com as especificidades de

cada realidade. Depende das necessidades sociais e econômicas dos grupos sociais. É

simultaneamente produção e produtora do contexto social.

Segundo Blos (1996), a adolescência é marcada por vários conflitos entre a

dependência e independência, sendo um processo influenciado diretamente pelo

ambiente sócio-cultural e que implica a perda da condição de ser criança. E entrar no

mundo dos adultos é um mistério, causa anseios, medo do desconhecido e

conseqüentemente gera ansiedade. A maturação sexual influência inteiramente o campo

psicológico, e pode acarretar algumas dificuldades na vida do adolescente, levando-o a

não saber como agir diante de tais mudanças.  Por essa razão, para o jovem surge a

necessidade de adotar muitas defesas para manter a organização mental.

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No período da adolescência no corpo vai acontecendo um processo de

crescimento, nesta fase de vida o indivíduo passa por muitas transformações, tanto na

questão física quanto psíquica. É um momento no qual se vivencia diversas e novas

emoções (Nero, 2003).

Ao explorar a compreensão do adolescente gótico, percebe-se que apresentam

uma tendência dirigida para o misticismo e para o oculto, juntamente com temáticas

consideradas “macabras”, concebidas como desviantes. São facilmente percebidos como

“mórbidos” e trazem em si uma imagem de decadência em torno da autodestruição.

Nesse sentindo Melton (1994) assevera:

Na busca de uma identidade, a fachada social gótica construiu-se associando realidades que além de terem afinidades entre si, e que se amalgamaram de tal forma que hoje constituem-se num todo uno, e com uma coerência e complexidade superior à simples soma das partes. (MELTON, 1994, p.265).

O estilo gótico conforme Pais (1996) apresentam traços marcantes em que

predomina uma elegância sombria inspirada na Europa dos anos 40: saias de lã retas e

justas na altura dos joelhos, sapatos pretos pesados, meia em destaque. Camisa de corte

clássico, brancas, para homens e mulheres que, no entanto, podem ser usadas ao

contrário, com botões nas costas. Casacos, paletós e capas, jaquetas e sobretudos, tudo

em tom escuro e preferencialmente de lã, e não é raro, que elas sejam usadas mesmo em

ambientes fechados e em dias não tão frios. Face pálida, magros com os cabelos

tingidos de preto e joalheria de prata

 Pais (1996), afirma acerca dos góticos:

O simbólico de aparência é entre os jovens góticos revelador, de expressões de identidade grupal, sendo as identificações acompanhadas por complexos e sutis processos de diferenciação. O vestuário em particular aparece entre os jovens como detentor de um poder simbólico e instrumento de integração grupal. Mais do que sinais distintivos de classe o movimento gótico verifica-se a afirmação de um modelo de vida muito particular, com modos de pensar, sentir e agir específicos e conseqüentemente com algo de desviante. A dissidência estética é um indicador seguro da vontade de ruptura com o modelo dominante (PAIS, 1996, p.101).

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De acordo com Schmidt (1985), os góticos através das perfurações corporais e

tatuagens manifestam repúdio pelo socialmente instituído. Há nesse movimento uma

ruptura com os valores estereotipados de beleza, transmitindo a idéia de rebeldia,

inconformismo e agressividade em relação às normas de valores vigentes. Eles tentam

ser diferente numa sociedade de iguais, ou seja, uma maneira de combater os

preconceitos estigmatizantes. E os indumentários que usam, os estigmatiza, uma vez

que “chocam” a sociedade.

Para Abramo (1994), esses jovens ao exibir sua imagem diferenciada produzem

uma contraposição àquela do padrão considerado “normal” e evidenciam as suas

construções simbólicas, oferecendo-se a serem lidos e interpretados. A produção dos

“estilos” espetaculares por parte desses jovens envolve a elaboração crítica de questões

relativas à sua condição e ao seu tempo e significa também um esforço de expressão

dessas elaborações no espaço público. Segundo esta autora, é justamente nesse aspecto

que os mesmos chamam a atenção, e que estes adolescentes lidam com questões da sua

própria condição juvenil, relativo ao seu tempo histórico, e que procuram uma maneira

de processar essa vivência da forma mais significativa possível.

Segundo Castilho (2001), a imagem do corpo exerce papel mediador em todas as

coisas, desde a escolha de vestimentas, as preferências estéticas, até a capacidade de

empatizar com as emoções dos outros. Enfim, entre as diferentes maneiras que o sujeito

possui para pensar a respeito de si próprio, nenhuma é tão essencialmente imediata

como a imagem de seu próprio corpo.

Para os góticos os símbolos ostentados (piercing, tatuagens etc.) e as imagens

sobrecarregadas tentam comunicar às questões que os preocupa, a estratégia de choque

busca deflagrar reações e respostas, por parte daqueles com quem se defrontam. A

postura apocalíptica, as imagens demoníacas que o adolescente gótico exibe, não

representam uma patologia mórbida, um desejo de morte ou uma exaltação do horror. É

uma representação crônica espetacular da crença que ele tem da realidade, de modo a

criticá-la e denunciá-la (Abramo, 1994).

O comportamento é a ação do indivíduo que pode ser observado em um contexto

tanto micro quanto macro. O comportamento é influenciado pelas cognições do sujeito,

uma resposta ao modo como o indivíduo a percebe e interpreta os eventos que acontece

em sua vida (White, 2003).

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A imagem do corpo não é apenas uma construção cognitiva, mas também um

reflexo de desejos, emoções e interação com os outros (Schilder, 1999).

Conforme sugere Cash e Greenn (1986) a dimensão afetiva pode ser conceituada

como os sentimentos individuais em relação à aparência de seu corpo e como o

indivíduo se sente. O componente cognitivo esta relacionado a pensamentos e crenças

quanto à forma e aparência do corpo, o aspecto comportamental está relacionado a

atitudes tomadas com o objetivo de mudar o corpo.

Nesse sentido Caminha (2003) salienta que o modelo cognitivista afirma que

nossos comportamentos são administrados por sistemas de crenças e pensamentos

automáticos, provenientes de nossa capacidade de representarmos o mundo dentro de

nossas cabeças.

De acordo com Beck (1997), desde a infância, os indivíduos desenvolvem

determinadas crenças, o entendimento mais básico de si mesmo, dos outros e seus

mundos. São denominadas crenças centrais aqueles entendimentos mais fundamentais,

nucleares e profundos de uma pessoa, que reflete as representações do real pelo sujeito,

e não o real propriamente. Nesse sentido, nossas interpretações, representações, ou

atribuições de significado atuam como variável mediadora entre o real e as nossas

respostas emocionais e comportamentais (Beck, 2007).

Conforme a autora acima (1997) as crenças centrais surgem da necessidade do

ser humano extrair sentido do seu ambiente desde as experiências de aprendizado mais

primevas e se fortalecem ao longo da vida. Partindo desse principio, a autora salienta

que o indivíduo precisa organizar a sua experiência de maneira coerente para funcionar

de forma adaptativa. É a partir da relação com o meio que o sujeito elabora

determinados entendimentos e aprendizagens, ou seja, suas crenças, as quais variam em

precisão e funcionalidade.

Para Silva (2003), Um sistema de crenças ou valores é capaz de conferir

continuidade e coerência às nossas vidas, porque ajuda-nos a tomar decisões e avaliar a

importância das experiências pessoais.

Alguns autores referem-se às crenças centrais pela denominação de esquemas, os

quais são estruturas mentais para representar o conhecimento que englobam uma série

de conceitos inter-relacionados em uma organização com significado (Bartlett, 1932;

Brewer, 1999 apud Sternberg, 2008).

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A investigação empírica desse conceito possivelmente teve inicio por Bartlett há

cerca de 80 anos, evidenciada por Piaget nos anos 1930 e desenvolvida pela psicologia

cognitiva e social na década de 1970 (Leahy, 1997 apud Knapp, 2004).

Beck, (1967, p. 23), define esquema como:

Estruturas internas de relativa durabilidade que armazenam aspectos genéticos ou prototípicos de estímulos, idéias ou experiências, e também organizam informações novas para que tenham significado, determinando como os fenômenos são percebidos e conceitualizados.

Nesse sentido Beck (1967, p.284), destaca alguns aspectos dos esquemas. Ele

sugere que os esquemas podem explicar os temas repetitivos nas associações livres, nas

imagens e nos sonhos. Observa que os esquemas podem ficar inativos em certos

períodos, e depois “serem energizados ou desenergizados rapidamente, como

resultados de mudanças no tipo de input do meio ambiente”.

Ao definir esquema, Beck (1976) se refere a uma rede estruturada e inter-

relacionada de crenças que orientam o sujeito em suas atitudes e posturas em varias

situações de sua vida. Esquemas são, então, compreendidos como estruturas de

cognição com significado. Outra definição, de acordo com essa, afirma: “Os esquemas,

definidos como estruturas cognitivas que organizam e processam as informações que

chegam ao indivíduo, são propostos como representações dos padrões de pensamento

adquiridos no início do desenvolvimento do indivíduo” (Dobson & Dozois, 2006, p.

26).

Complementando a teoria do autor acima, Segal (1988), apresenta a seguinte

definição de esquema: “elementos organizados de reações e experiências passadas que

forma um corpo de conhecimento relativamente coeso e persistente, capaz de guiar a

percepção e a avaliação subseqüente” (p.147).

Enfim os esquemas são estruturas cognitivas que podem ser descritas com

muitos detalhes. Podemos ainda deduzi-los a partir de comportamentos ou pensamentos

automáticos, que por sua vez, influenciam a qualidade e intensidade da emoção e a

forma de comportamento (Dattilio; Freeman & cols., 2004).

Conforme assevera Blankstein; Segal (2006), dentro do modelo cognitivo, os

seres humanos são representados como seres que buscam, selecionam um padrão de

processamento de informação, com base em esquemas, como um modelo de

funcionamento humano. O sistema engloba estruturas, processos e produtos na

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percepção e transformação de significado, baseado em dados sensoriais provenientes do

ambiente interno e externo.

Essas estruturas e processos atuam a fim de selecionar, transformar, classificar,

armazenar, criar uma forma que faça sentido para o indivíduo em sua adaptação e

funcionamento.

Segundo afirma Beck (1967, p. 174), os esquemas “são estruturas cognitivas

dentro do pensamento, cujo conteúdo específico é as crenças centrais”.

A cognição tem um papel de primazia em relação às emoções e reações dos seres

humanos dentro da teoria cognitiva (Knapp, 2004). Contudo existe uma interação entre

o sistema cognitivo do ser humano e seus outros sistemas, como o emocional e o

comportamental (Beck, Alford, 2000). O contexto ambiental e as reações fisiológicas

também fazem parte desse processo interativo (Knapp, 2004). Esses são os cinco

componentes que interagem em uma determinada situação. A mudança de qualquer um

desses componentes afeta diretamente os outros sistemas (Greenber; Padesky, 1999).

O conceito de cognições, esquemas, comportamentos disfuncionais permanece

no centro da teoria cognitiva e é um princípio integrador compatível com conceitos de

diversas outras teorias que refletem os papéis das primeiras experiências e de processos

inconscientes (Beutler; Harwood; Caldwell, 2006).

Para Maturana (1997, 1998), na cognição a linguagem também tem um papel

importante como mecanismo de interação entre os indivíduos, e a participação da

emoção na determinação das diversas situações no qual vivenciamos.

Conforme afirma o autor a linguagem não é apenas vista como um sistema de

signos e regras que cerceiam os esquemas conceituais do indivíduo e o mundo em que

ele vive, a linguagem nos move conduzidos por nossas emoções.

Corroborando com essa afirmação, Fridja (et al .2000), assevera que as emoções

exercem forte influências sob as crenças, enquanto o pensamento racional não é

suficiente para a ação, as emoções induzem o sujeito a agir de uma determinada

maneira. Emfim, os sentimentos estão amparados pelas crenças, e as crenças pelos

sentimentos.

Numa forma simplifica Beck, (2007), salienta que o modelo cognitivo propõe

que a percepção das pessoas sobre as situações influencia suas reações.

Nesse sentindo acredita-se que as crenças que o sujeito tem a respeito de si

mesmos, representadas por meio de seu auto-conceito, de sua auto-estima e de seu senso

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de auto-eficácia, afetam a maneira que os indivíduos têm de lidar e superar as eventuais

adversidades em qualquer âmbito da vida.

Para Bower e Bower (1977, p. 26 apud PRETTE e PRETTE, 2005), a pessoa

“evoca o seu auto-conceito quando faz uma predição sobre o resultado do seu

desempenho”. Indivíduo como uma imagem predominantemente negativa de si mesmas,

e conseqüentemente com baixa auto-estima, podem sentir-se deprimidas e evitar o

contato social.

Essas crenças foram definidas por Loos (2003), como um conjunto das crenças

auto-referenciadas.

Estas crenças atuam como variáveis moderadoras nos processos que regulam os

comportamentos nos mais diversos contextos.

Certas crenças básicas sobre o significado da aparência na vida são aprendidas,

quer através de situações traumáticas, relações familiares ou socialização cultural. Estas

determinam a forma como a pessoa interpreta a realidade, funcionando como modelos

que influenciam a determinação do seu foco de atenção, como pensa sobre os eventos

da vida e sobre si mesmo (Castilho, 2001).

Em consonância com essa definição, Young (2003) elaborou uma teoria a

respeito dos esquemas na qual os denomina como Esquemas Iniciais Desadaptativos

(Early Maladaptive Schemas; EMS), empregando-os na compreensão das

psicopatologias da personalidade.

Deste modo “esquemas iniciais desadaptativos se referem a temas extremamente

estáveis e duradouros que se desenvolvem durante a infância, são elaborados ao longo

da vida e são disfuncionais em um grau significativo” (p. 15). Young refere que a

maioria dos EMS são crenças e sentimentos incondicionais sobre si mesmo em relação

ao meio, servindo como um modelo para processar a experiência posterior.

Na abordagem de Young, os EMS apresentam várias difinições, dentre as quais:

são incondicionais, ou seja, são verdades a priori; são autoperpetuadores, resistentes à

mudança; são disfuncionais de maneira significativa e recorrente; são ativados por

situações ambientais condizentes para o esquema específico; estão ligados ao um nível

de afeto elevado; e parecem resultar da interação entre o temperamento e as

experiências disfuncionais nas relações parentais e sociais nos primeiros anos de vida do

sujeito.

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Continuando o autor afirma que Foram identificados três processos de um

esquema podendo ocorrer nos domínios cognitivo, afetivo ou comportamental,

incluindo: a manutenção, a evitação e a compensação do esquema. Aquele esquema que

está atualmente ativado em um indivíduo é denominado de modo de esquema. Na

psicopatologia, um modo de esquema disfuncional é ativado quando esquemas

desadaptativos específicos ou respostas de coping geram emoções perturbadoras,

comportamentos de evitação ou mesmo auto-derrotistas que contaminam o

funcionamento do indivíduo.

Uma vez que a participação dos esquemas emocionais torna-se necessária para

assegurar o desenvolvimento do indivíduo, toda forma de manifestação afetiva é vista

como basicamente adaptativa e funcional (Abreu e Rozo, 2003).

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MÉTODO

Este estudo caracteriza-se como descritivo exploratório e teve como objetivo

identificar a linguagem corporal dos adolescentes góticos sob uma leitura sócio-

histórica e cognitiva comportamental. O campo da pesquisa foi desenvolvido na

cidade de Joinville/SC e a amostra contou com a participação de dez indivíduos

adeptos da cultura gótica, sendo sete do sexo feminino e três do sexo masculino, com

a idade média de 16 anos, sendo mais novo de 15 anos e o mais velho 19 anos.

Foram realizados encontros individuais em um shopping da cidade para a aplicação

dos questionários num período de três meses.

Foi utilizado como instrumento para coleta dos dados um questionário

estruturado semi-aberto. Este era composto de 31 questões, sendo 8 (oito) questões

abertas e 23 questões fechadas com as opções sim e não. Tais questões se referem às

características circundantes ao estilo gótico, seus hábitos, suas crenças e percepções.

Os dados foram tratados por meio de análise qualitativa conforme demonstram as

figuras.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Os jovens entrevistados na amostra iniciaram suas inserções no universo gótico

entre a faixa etária de 14 a 16 anos. Para Güembe; Goñi (2005), o ingresso nestes

grupos ocorre quando o adolescente começa buscar modelos para formar a sua própria

identidade, nessa fase ele se encontra disposto a se agrupar. Os dez adolescentes góticos

da presente amostra são pertencentes a um mesmo grupo. Foi possível perceber pela

postura e discurso dos mesmos que convivem com alguma carência afetiva agregada a

um vazio interior, que faz com que eles se utilizem do próprio corpo como instrumento

de expressão desses sentimentos.  Esses jovens são frutos das condições em que vivem e

do acesso que possuem aos bens simbólicos. É preciso aprofundar-se nos múltiplos

significados da linguagem desses adolescentes góticos.

As figuras a seguir expressam alguns dos aspectos considerados relevantes

dentre as questões investigadas no decorrer da pesquisa, como: os motivos que o levam

a optar pelo estilo gótico, como entendem a mutilação, atração pelo mundo das trevas,

sentido expresso pela cor preta, tatuagens e acessórios e situação conjugal dos pais.

Conforme a Figura 1, a aparência para estes góticos têm um importante

significado, assim como a música e os amigos. Segundo Mercer (1988), para os jovens

góticos, a música é um fator estimulante à coesão grupal. Para eles a música é

importante pelo significado e pela união que opera entre os membros, é também um

símbolo gerencial, que marca uma distinção entre os jovens e seus pais. Pode ser

constatado que em meio a variedade de respostas, às relativas a aparência apareceu na

maioria das respostas, ora com a palavra vestimenta, ora com a palavra estilo. Sendo

que esta última extrapola o significado do vestir-se, ampliando para outros, como o uso

de acessórios e indumentárias, e também hábitos que venham a configurar o estilo

gótico.

Nesse sentido, Pais (1996), afirma:

O vestuário em particular aparece entre os jovens como detentor de um poder simbólico e instrumento de integração grupal. Mais do que distintivo de classe o movimento gótico verifica-se a afirmação de um modelo de vida muito particular, com modos de pensar, sentir e agir específicos e conseqüentemente como algo de desviante. A dissidência

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estética é um indicador seguro da vontade de ruptura como o modelo dominante. (p. 101)

SUJEITO MOTIVOS

1 Vestimenta, cultura, mistério2 Vestimenta, filosofia, isolamento, pessoas diferentes, cultura3 Amigos, identificação4 Amigos, obscuro, música, liberdade, aceitação5 Música, amigos, obscuro,sentimentos, liberdade6 Estilo, filosofia7 Sentimentos8 Luto, estilo, identificação9 Luto10 Estilo, arquitetura, história, poemas, músicas

Tabela 1. Motivos que levaram a optar pelo estilo gótico.

 

De acordo com o a tabela 2, referente à filosofia destes adolescentes góticos, as

respostas foram bastante variadas e expressam a percepção de adolescentes

independente do estilo que adotam, pois sendo pertencentes a um mesmo grupo não

especificaram uma filosofia que sigam em comum. Porém parecem querer justamente

romper com a transição que é a própria adolescência, quando falam em liberdade, vida

livre, comandar a sua própria vida. E neste sentido o estilo que os une enquanto grupo,

faz com que possam se identificar uns com os outros aliviando os conflitos desta fase de

suas vidas, bem como as contrariedades que se deparam em relação ao social.

Para Abramo (1994) as fases de conflitos pelos quais vivem os adolescentes são

vistas como conseqüências das rupturas de modelos entre adultos e jovens. São,

principalmente, conflitos de expectativas sobre a maneira de como os jovens são

inseridos na vida adulta e sobre a condução do jeito de viver esta fase. A condição

juvenil surge então como um período, sobretudo na reivindicação de prazer e

independência, surgem graves desavenças com os pais, e que, muitas vezes, causam

violência. .

Melton (1994) aponta que associado as práticas sociais dos góticos estão

sentimentos de liberdade individual e impulsos de rebelião contra as formas opressivas

desta sociedade. É encarada como uma forma de progressão individual no sentido da

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auto-afirmação, encontro de si mesmo, procura de identificação de personalidade do

indivíduo.

Knapp e Rocha (2003) asseveram que cada pessoa se constrói, a partir do que

vai aprendendo com as experiências no decorrer da vida, um modo de pensar, sentir e se

comportar, conforme uma conjunção própria de concepções, idéias, interpretações e

pressupostos que fazemos acerca de como as pessoas e as coisas são.

SUJEITO FILOSOFIA

1 Igualdade entre os homens, o direito de ser feliz2 Não é obrigada a defender nada3 O poder que cada um tem de comandar a sua própria vida

4 Viver em paz, mundo sem mais tristezas ou mágoas, o ideal de encontrar uma pessoa que o faça feliz

5 A sua própria felicidade, um mundo onde eles possam ser aceitos

6 Filosofia é em cima do obscuro, do estranho e de si mesmo, uma vida livre e sem preconceito.

7 A liberdade de expressão8 Nulo

           9 Nulo10 Nulo

Tabela 2. Filosofia que os góticos defendem

   

Na figura 01 pode ser constatado como os adolescentes góticos entendem a

mutilação, de modo que a palavra dor foi destaque, ou seja, mutilar-se pelo prazer de

sentir dor.  Sendo também compreendida como expressão de arte e como meio de

chamar atenção.  

Para Giusti; Garreto; Scivoletto (2006), os indivíduos que provocam ferimentos

em si próprios o fazem por razões muito distintas: alguns, para pertencer a um grupo ou

contestação aos padrões culturais vigentes, outros, em busca de alívio para um grande

desconforto emocional.

 Baddeley (2003, p. 39) descreve o gótico com “um inescrutável anseio da alma

por causar dor e sofrimento a si mesmo, usar da violência para a sua própria natureza,

fazer o errado simplesmente porque é errado”.

Nesse sentido, Gardner (2001) afirma que existe reciprocidade entre as questões

biológicas e a cultura, e esta dinâmica é constante ao longo do desenvolvimento

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humano. Desde o nascimento, o sujeito entra em um mundo que é rico em

interpretações e significados. Estes contatos são essencialmente corporais.

O autor assevera que existe uma troca contínua com outras pessoas, através de

sensações e satisfações físicas, tais como calor, alimento, dentre outras; e psicológicas,

como amor, prazer, dor etc. Diante destas interações a imagem do próprio corpo sofre

alterações. Além da acomodação motora existe reciprocidade.

O prazer altera a imagem que cada um possui de si, e o mesmo ocorre diante da

dor, que inclui aspectos sensoriais, perceptivos, motores, neurológicos, afetivos e

psicossociais.

7%

14%

21%

57%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Nulo

Chamar atenção

Arte

Dor

Figura 1. Como entendem a mutilação

De acordo com a Figura 2, os tipos de mutilações mais freqüentes para os

góticos são cortes, atingindo a marca de 50%, seguido pelos piercings e tatuagens com

20%. Estes adolescentes utilizam-se do corpo para infligir em si mesmo através de

agulhas, estiletes, queimaduras, body piercings, tatuagens, entre outros objetos cortantes

que provocam cicatrizes (Melton, 1994). Para o jovem gótico o corpo é o instrumento

para chegar aos limites da dor, assim como em outras práticas sociais, depois de superar

a primeira vez, há uma forte vontade de repetir a experiência, chegando a um ponto que

se torna uma prática permanente, como forma de alcançar a satisfação. Há um retorno

aos mistérios do corpo e às sensações, uma santificação do sangue e da marca, usando o

corpo como suporte para esta arte. 

Segundo Giusti; Garreto; Scivoletto et al. (2006, p. 197), os fatores de risco

associado à automutilação citados na literatura são: abuso emocional, físico ou sexual

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na infância; viver com apenas um dos pais; conflitos familiares conhecimento de algum

membro da família ou colega pratica automutilação (fi.03); abuso de álcool e tabaco ou

outras substâncias; ser vítima de bulling na adolescência: presença de sintomas

depressivos, ansiosos, impulsividades e baixa auto-estima.

Conforme pesquisas elaboradas por Pattison; Kahan (1983) apontam a

depressão e a ansiedade como motivadoras para automutilação em adultos e

adolescentes. Ainda em outros estudos realizados mostram  maior prevalência do

comportamento entre a população mais jovem, sendo que o início ocorre entre 15 e 16

anos de idade conforme afirmam Whitlok, Eckenrode; Silverman (2006, p. 197). Dados

estes que condizem com a idade dos jovens entrevistados na pesquisa.

De acordo com esses autores para melhor entendimento de um comportamento

específico, é necessário, portanto, relacionar o lugar, o comportamento e o contexto, não

desconsiderando o envolvimento biológico e social.

 Nessa perspectiva, Simeon (2005, p. 191), afirmam que a automutilação pode

ser vista como uma forma de enfrentar situações utilizadas por indivíduos com poucas

estratégias de enfrentamento, uma vez que o desequilíbrio emocional favorece a

ocorrência do comportamento, podendo ser resultado de questões biológicas que estão

diretamente ligadas á dificuldade de organizar-se afetivamente, o que também pode

contribuir de modo negativo a forma como a pessoa rege ao mundo.

7%

50%

21%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Queimaduras

Piercing

Tatuagem

Cortes

Figura 2. Freqüência dos tipos de mutilação.

 

Através das perfurações corporais e tatuagens, eles manifestam repudio pelo

socialmente instituído. Há nesse movimento uma ruptura com os valores estereotipados

de beleza, conforme já citado no texto por Schmidt (1985). A autora aponta ainda, que

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transmitindo a idéia de rebeldia, inconformismo e agressividade em relação às normas

de valores vigentes, eles tentam ser diferentes numa sociedade de iguais.

Na figura 3, demonstra que a maioria dos adolescentes reúne-se com seu grupo e

os lugares mais freqüentados para tal são cemitérios e bares (clubes noturnos). Sendo

locais onde podem confraternizar e consolidar a coesão grupal conforme aponta

(Melton, 1994). Nos encontros com o grupo alguns destes adolescentes disseram querer

encontrar a paz de espírito, o silêncio onde eles possam pensar e filosofar.

60%

40%SimNão

Figura 3. Ida ao cemitério.

  Melton (1994) afirma que o jovem gótico tem uma tendência dirigida para o

misticismo e para o oculto, juntamente com temáticas consideradas “macabras”, é tido

como desviante, e são facilmente percebidos como “mórbidos”, trazendo em si uma

imagem de decadência em torno da autodestruição.

Esta afirmação se confirma pela relação do estilo gótico com a atração pelo

mundo das trevas que pôde ser confirmada em 90% dos jovens participantes, conforme

apresenta a figura 4. Sendo acrescidas pelo interesse desses jovens pelo mórbido, pelas

trevas e pelo macabro.

16

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90%

10%

SimNão

Figura 4. Atração pelo mundo das trevas.

 

Abramo (1994) assevera que a figura do jovem gótico destoa dos demais jovens

e impressiona pelo tom da roupa preta que evoca o luto. As meninas usam uma

maquiagem onde acentuam este luto, pelo contraste com os olhos carregados de

sombras escuras, lábios com batom roxo e a presença das trevas que parecem indicar a

impossibilidade de harmonia.

Ao serem questionados sobre o sentido que encontram no seu estilo de vestir

predominantemente com roupas pretas, de se mostrar no social, com seus percings,

tatuagens, maquiagem e outros acessórios, os adolescentes góticos afirmaram que assim

expressam o sentimento de luto ou morte, contestação, indignação e também

exibicionismo. Assim demonstra a figura 5.

5%

14%

32%

50%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Exibicionismo

Indignação

Constestação

Luto/morte

Figura 5. Sentido expresso pela cor preta, tatuagens e acessórios.

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Em se tratando da relação familiar destes adolescentes, ao serem questionados

como classificariam a relação com seus pais, de acordo com a Figura 6, 50% afirmaram

ser harmoniosa, porém 40% afirmaram ser problemática e 10% classificaram como

participativa. Uma diferença pequena entre a relação harmoniosa e a problemática

inviabilizando resultados conclusivos. Contudo, pode-se afirmar que é no meio familiar,

na relação com os pais que os filhos a priori constituem seus valores enquanto sujeitos,

bem como nas interações sociais que oportuniza possibilidades de escolhas do que

querem tomar pra si ou não (Pais, 1996). A convergência e divergência de idéias entre

pais e filhos oscilam ao longo da vida, mas no que tange à adolescência é sabido que as

divergências tendem a predominar. Principalmente pelo fato de nesta fase a busca de

definir-se enquanto um sujeito ser mais intensa. 

Conforme Branco (2001) o conflito deve estar no meio em que vive, (fig.06)

antes de estar “no interior” de uma pessoa. Muitos dos comportamentos problemáticos

apresentados por adolescentes devem ser comportamentos de esquiva, e se há esquiva,

deve existir algum agente punidor no ambiente. Enfim, o problema está na relação do

adolescente com o seu meio.

Ferraris (2004) pontua que em muitas situações, nem sempre a ruptura de um

adolescente com os pais indica a conquista da autonomia, mas a dificuldade de adquirir

verdadeira independência emotiva sem ter de romper laços. As causas que favorecem

essa dificuldade podem ser várias e uma das causas seria a educação muito punitiva e

repressora ou caracterizada pela negligência ou pelo abandono, bem como, às

complexas dinâmicas criadas pelas separações, que geram conflitos agregados a traumas

nunca superados.

 

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18%

36%

45%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

Participativa

Problemática

Harmoniosa

Figura 6. Classificação da família.

          

Em complemento à questão das relações familiares verificou-se acerca da

situação conjugal dos pais destes jovens, sendo que 60% são separados, 30% vivem

juntos e 10% mantém relação conflituosa. Embora haja um maior índice de pais

separados, não é possível concluir que tal dado seja determinante na qualidade da

relação familiar, uma vez que a diferença entre relação harmoniosa e problemática ter

sido muito pequena.

Ao se tratar da questão da sexualidade que na adolescência emerge com as

questões da iniciação sexual, da opção sexual, entre outras questões relacionadas. A

sexualidade é um aspecto essencial da imagem gótica, pois é também um ideal de

completude na qual uma parte da dualidade humana (masculino/feminino), acompanha

o seu recíproco.

No que tange à opção sexual dos adolescentes góticos desta amostra, 80%

afirmou ser heterossexual, sendo que 20% afirmou bissexualidade. Para Giddens (1996)

a prática da homossexualidade, masculina ou feminina, ou a bissexualidade, que faz

parte desse movimento, para os jovens góticos isto é entendido como elemento normal

da ambivalente natureza humana.

Para Isay (1998) das várias tarefas a serem cumpridas durante a adolescência,

uma das mais importantes é a consolidação de uma identidade sexual. O adolescente

homossexual entra neste período com uma cobrança maior do que os adolescentes 

heterossexuais, pois já se percebem diferentes e em algumas situações se sentem

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rejeitados, o que pode levá-los a desenvolver um padrão de comportamento evitativo ou

introvertido.

     Os conflitos vividos pelo adolescente homossexual, aponta para um fato que

vai além da sexualidade, a auto-estima, ou seja, quais as regras que esses adolescentes

desenvolveram sobre si, como se percebem, quais os sentimentos possuem sobre si.

A partir da perspectiva cognitiva que trata sobre a auto-estima como parte de um

conjunto de crenças que o indivíduo constrói sobre si mesmo, sendo que estas crenças

desempenham um papel importante quando os sujeitos escolhem as condutas que vão

adotar diante das mais diversas circunstâncias (Spencer; Josephs e Steele, 1993).

Outros teóricos como Cooley, 1902 e Mead (1934, apud HARTER, 1993, p.89)

afirmam que a origem da auto-estima se encontra na estrutura social na qual o sujeito

está inserido. É construído através da valorização do olhar do outro a respeito de nós

mesmos, o que funciona como um espelho social que serve para confirmar as opiniões

de pessoas significativas com respeito ao nosso eu. Essas opiniões, que refletem as

observações do outro, são incorporadas à identidade.

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CONCLUSÃO

Nesta pesquisa viabilizou-se o entendimento da linguagem corporal gótica

vivenciada pelos dez adolescentes que participaram desta amostra. A adolescência

sendo um momento crítico do desenvolvimento, evidência uma diversidade de conflitos,

questionamentos e escolhas que são manifestadas ora pela rebeldia, ora pelas

predominantes discordâncias com os pais, e também pela busca de identificar-se com

algo que alivie o momento de transição que vivencia. E neste momento o grupo com o

qual se identifica proporciona o conforto almejado. A necessidade do adolescente se

unir a grupos onde os seus valores e preferências sejam compreendidos conduz à

identificação com algumas dimensões de determinada cultura, de modo a integrar-se

onde for aceito. Os adolescentes afirmaram que se identificam com a ‘tribo’, com o seu

grupo, onde eles deixam de estar sozinhos e convivem com o grupo que os compreende

e que os aceite. É neste meio em que encontram liberdade de expressão para serem

criativos e aprofundarem as suas especificidades e potencialidades individuais.

Embora possam ter amigos fora da esfera da cultura, afirmam que é no grupo

gótico que encontram a solidariedade de gostos e partilha de idéias, sem quaisquer

constrangimentos que teriam ao divulgar gostos que são tidos como desviantes pela

sociedade. As crenças dos adolescentes centram-se num misticismo que adequam as

suas vidas e “dá margem” a um afastamento da realidade social com a qual têm

constrangimentos.

Nesse sentido Young; Klosko & Weishaar (2008), propõem que o indivíduo

desenvolvem estilos e respostas de enfrentamento desadaptativas desde cedo em suas

vidas para se adaptar a esquemas, para que não tenham que vivenciar as emoções

intensas e pesadas que os esquemas geralmente engendram.

Conforme aponta Young (2003), um dos estilos de enfrentamento é a evitação. É

o estilo de enfrentamento para o abandono/instabilidade, uma tentativa realizada pelo

indivíduo de não entrar em contato com o sofrimento decorrente do acionamento do

Esquema Inicial Desadaptativo e pode ocorrer nos níveis cognitivo, afetivo ou

comportamental.

Verificou-se que os adolescentes góticos desta amostra sinalizaram, de forma

original e estranha, o sentimento de insatisfação em relação ao mundo, às pessoas, com

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as normas e regras e principalmente consigo mesmos. Conforme foi pontuado por

alguns dos autores supracitados, a insatisfação interna e, a necessidade de alívio para

um grande desconforto emocional leva os adolescentes a utilizarem o próprio corpo

como instrumento para manifestarem seu desafeto.

É possível compreender que para esses jovens os locais públicos constituindo-se

em um local de expressão das "aspirações e desejos", são espaços que se tornaram

importantes para o desenvolvimento da sociabilidade desses adolescentes, sendo

caracterizados como uma das dimensões mais significativas da vivência dos mesmos.

Constata-se, que estes adolescentes têm uma forma peculiar de protestar.

Apesar, de não apresentar propostas de mudanças da situação, denunciam a mesma.

Protestam por meio da mutilação do próprio corpo, e diante destas manifestações

corporais, pode ser percebido que estes comportamentos estereotipados são em grande

parte, estratégias, meios de sobrevivência e de integração ao mundo do outro. Pode-se

entender nesses adolescentes um movimento psíquico na busca da integridade em meio

a um relativo desajuste em relação ao modelo preconizado como desejável.

Somos aquilo que sentimos que somos, muitos destes episódios nada mais é do

que formas alternativas desenvolvidas pelo indivíduo para tentar se esquivar ou

minimizar as emoções desadaptativas que surgem e os desagradam, e uma maneira de

afastar-se destes sentimentos e evitar o mal-estar provocado é engajar-se em outras

condutas (no caso mutilação do próprio corpo) para se produzir alguma forma de alívio.

Tal prática, todavia, afasta o indivíduo daquilo que esta sentindo, colocando-as em face

de outras demandas emocionais alternativas (Abreu, 2002).

Por fim constata-se que a literatura ainda é restrita acerca dos adolescentes

adeptos a cultura gótica. Deste modo ainda que tenha sido possível investigar a

linguagem corporal dos adolescentes góticos desta amostra, faz-se necessário uma

maior produção de conhecimento acerca da linguagem gótica. Assim como estudos mais

aprofundados, para que haja uma melhor compreensão dos comportamentos dos sujeitos

que se identificam com o modo de ser e viver dos góticos, e suas especificidades.

 

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