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CAPÍTULO 30 O colonialismo na África: impacto e significação Albert Adu Boahen Em 1935, conforme vimos nos primeiros capítulos deste volume, o colonia- lismo sufocava a África com seu torniquete. Parecia ter vindo para ficar para sempre. No entanto, revelou-se tão efêmero como todos os empreendimentos baseados na força. No espaço de cerca de quarenta e cinco anos, a partir daquele ano, mais de 90% do território africano havia se libertado do colonialismo, que se mantinha somente ao sul do Limpopo. Na verdade, o colonialismo perdurou em toda a África pouco menos de cem anos: desde a década de 1880 até a de 1960. Na história de um povo e de um continente, esse período é mais do que breve. Como e por que foi possível erradicar o colonialismo, o que representa uma ver- dadeira façanha? Ou – citando Margery Perham – por que “uma emancipação tão espantosamente rápida de 1950 em diante”1? A resposta a tais questões constitui dois dos principais temas do último volume desta História Geral da África. Neste capítulo, que encerra o presente volume, seria o caso de levantar duas questões essenciais. Em primeiro lugar, que herança o colonialismo legou à África, ou, ainda, qual foi seu impacto sobre ela? Em segundo lugar, qual é, em vista de tal impacto ou balanço geral, a significação do colonialismo para a África? Constitui um episódio revolucionário ou essencial da história desse continente? Trata-se de uma ruptura total com seu passado ou, finalmente, de 1 PERHAM, 1961, p. 24.920 África sob dominação colonial, 1880-1935 um acontecimento simplesmente transitório? Ou, ainda, para retomar os termos da questão colocada por L. H. Gann e Peter Duignan, “que lugar ocupa a era colonial dentro do vasto contexto da história africana?”2 O impacto do colonialismo Talvez não haja tema tão controverso como o da influência do colonialismo sobre a África. Para alguns africanistas como L. H. Gann, Peter Duignan, Mar- gery Perham e P. C. Lloyd, de modo geral sua influência foi benéfica e, na pior das hipóteses, não prejudicial para a África. Lloyd, por exemplo, não hesita em afirmar o caráter positivo da influência colonial: É fácil questionar hoje a lentidão do desenvolvimento econômico durante

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CAPÍTULO 30

O colonialismo na África: impacto e significaçãoAlbert Adu BoahenEm 1935, conforme vimos nos primeiros capítulos deste volume, o colonia- lismo sufocava a África com seu torniquete. Parecia ter vindo para ficar para sempre. No entanto, revelou-se tão efêmero como todos os empreendimentos baseados na força. No espaço de cerca de quarenta e cinco anos, a partir daquele ano, mais de 90% do território africano havia se libertado do colonialismo, que se mantinha somente ao sul do Limpopo. Na verdade, o colonialismo perdurou em toda a África pouco menos de cem anos: desde a década de 1880 até a de 1960. Na história de um povo e de um continente, esse período é mais do que breve. Como e por que foi possível erradicar o colonialismo, o que representa uma ver- dadeira façanha? Ou – citando Margery Perham – por que “uma emancipação tão espantosamente rápida de 1950 em diante”1? A resposta a tais questões constitui dois dos principais temas do último volume desta História Geral da África.Neste capítulo, que encerra o presente volume, seria o caso de levantar duas questões essenciais. Em primeiro lugar, que herança o colonialismo legou à África, ou, ainda, qual foi seu impacto sobre ela? Em segundo lugar, qual é, em vista de tal impacto ou balanço geral, a significação do colonialismo para a África? Constitui um episódio revolucionário ou essencial da história desse continente? Trata-se de uma ruptura total com seu passado ou, finalmente, de1 PERHAM, 1961, p. 24.920 África sob dominação colonial, 1880-1935um acontecimento simplesmente transitório? Ou, ainda, para retomar os termos da questão colocada por L. H. Gann e Peter Duignan, “que lugar ocupa a era colonial dentro do vasto contexto da história africana?”2

O impacto do colonialismoTalvez não haja tema tão controverso como o da influência do colonialismo sobre a África. Para alguns africanistas como L. H. Gann, Peter Duignan, Mar- gery Perham e P. C. Lloyd, de modo geral sua influência foi benéfica e, na pior das hipóteses, não prejudicial para a África.Lloyd, por exemplo, não hesita em afirmar o caráter positivo da influência colonial:É fácil questionar hoje a lentidão do desenvolvimento econômico durante os cin- quenta anos de dominação colonial. Não obstante, a diferença entre a condição da sociedade africana do final do século XIX e a do final da Segunda Guerra Mundial é espantosa. As potências coloniais proporcionaram toda a infraestrutura da qual dependeu o progresso na época da independência: aparelho administrativo, aliás eficiente, que alcançava as aldeias mais remotas, uma rede de estradas, de ferrovias e de serviços básicos em matéria de saúde e de educação. As exportações de maté- rias-primas trouxeram considerável riqueza aos povos da África ocidental3.Em suas conferências de Reith, Margery Perham também afirmou queos críticos do colonialismo estão principalmente interessados no presente e no futuro imediatos, mas há que lembrar que nosso império em vias de extinção deixou atrás de si uma vasta herança histórica, carregada de legados positivos, negativos e neutros. Nem nós nem eles deveríamos omitir esta verdade4.É interessante notar que D. K. Fieldhouse, outro historiador inglês, chegou à mesma conclusão ,em uma obra recentíssima (1981):2 3 4Parece então que o colonialismo não merece os elogios nem as maldições que comu- mente lhe lançam, pois que, se fez relativamente pouco para superar as causas da“Epilogue”, in GANN e DUIGNAN, 1970, p. 526. LLOYD, 1972, p. 80-1. PERHAM, 1961, p. 24.O colonialismo na África: impacto e significação 921pobreza nas colônias, não foi ele quem criou essa pobreza. O império teve impor- tantíssimos efeitos econômicos, alguns bons, outros maus [...]5.Finalmente, Gann e Duignan, que praticamente se consagraram à defesa do colonialismo na África, concluíam em 1968 que “o sistema imperial é um dos mais poderosos agentes de difusão cultural da história da África; o crédito, aqui, sobrepassa muito a conta do débito6”. E, em sua introdução ao primeiro dos cinco volumes recentemente completados da obra que publicaram em

comum, Colonialism in Africa, concluem mais uma vez: “Não partilhamos a tão genera- lizada opinião que assemelha o colonialismo à exploração. Consequentemente, interpretamos o imperialismo europeu na África quer como um agente de trans- formação cultural quer como instrumento de dominação política”7.Outros autores – essencialmente especialistas africanos, negros e marxistas e, sobretudo, os teóricos do desenvolvimento e do subdesenvolvimento – ale- gam que o efeito positivo do colonialismo na África foi praticamente nulo. O historiador guianês negro Walter Rodney adotou uma posição particularmente extremada. Diz ele:É costume dizer que de um lado havia exploração e opressão, mas que, de outro lado, os governos coloniais fizeram muito pelos africanos e contribuíram para o desenvolvimento da África. Para nós, isso é completamente falso. O colonialismo só tem um aspecto, um braço: é um bandido maneta8.Tais são os dois principais argumentos contraditórios sobre o colonialismo na África. Mas os fatos nos indicam a necessidade de uma proposta mais equilibrada, o que tentaremos fazer. Como se verá, o impacto do colonialismo tanto é positivo como negativo. No entanto, há que salientar desde o início que a maior parte dos efeitos positivos não é de origem intencional: trata-se antes de consequências acidentais ou de medidas destinadas a defender os interesses dos colonizadores, como M. H. Y. Kaniki e A. E. Afigbo salientaram nos capítulos 16 e 19, ou resultantes de mudanças inerentes ao sistema colonial em si, ou ainda – para reto- mar a expressão de Ali Mazrui – os efeitos positivos do colonialismo são efeitos “por erro, pela lei de ferro das consequências indesejadas”9. Do lado negativo, há ainda que assinalar ter havido razões, boas, más ou indiferentes, pelas quais certas5 FIELDHOUSE, 1981, p. 105. 6 GANN e DUIGNAN, 1967, p. 382. 7 “Introduction” in GANN e DUIGNAN, 1969, p. 22-3. 8 RODNEY, 1972, p. 223. 9 MAZRUI, 1980, p. 41.922 África sob dominação colonial, 1880-1935coisas não se realizaram; pelas quais, por exemplo – como Fieldhouse procurou demonstrar –, se recorreu ao trabalho forçado, não se desenvolveu a indústria, não se diversificou a agricultura nem se criaram serviços médicos adequados10. Começaremos assim examinando qual é a herança política do colonialismo, pri- meiro em sua dimensão positiva e, depois, em seus aspectos negativos.Impacto no plano políticoO primeiro impacto político positivo foi a instauração de um grau maior de paz e de estabilidade na África. Como vimos, o século XIX foi o século do Mfecane, das atividades dos mercadores swahili-árabes e nyamwezi, como Tippu Tip e Msiri nas Áfricas central e meridional, das djihads, da ascensão dos impérios Tukulor e Mandinga no Sudão ocidental, da desintegração dos impérios Oyo e Ashanti na África ocidental, todos poderosos fatores de insta- bilidade e de insegurança. Ora, nessa época, a situação na Europa não era muito melhor. Foi a época das guerras napoleônicas, das revoluções “intelectuais”, das guerras de unificação alemã e italiana, dos levantes da Polônia e da Hungria e das rivalidades imperiais que desembocaram na Primeira Guerra Mundial. Na África, as duas ou três primeiras décadas da era colonial (1880-1910, mais ou menos) aumentaram esse estado de instabilidade, de violência e de desordem e, conforme demonstrou J. C. Caldwell, provocaram vastas e imperdoáveis destrui- ções, bem como sensível queda da população: o número de habitantes do Congo Belga reduziu-se à metade nos primeiros quarenta anos da dominação colonial, o dos Herero diminuiu quatro quintos, o dos Namo 50% e o da Líbia caiu cerca de 750 mil11. Mas nem as escolas marxistas e anticolonialistas ousariam negar o fato de que, após a ocupação colonial e a implantação dos vários aparatos admi- nistrativos, as guerras de expansão e de libertação acabaram e a maior parte das regiões da África, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, pôde gozar de paz e de segurança. As condições eram inteiramente positivas, já que facilitavam as atividades econômicas normais, bem como a mobilidade social e física em cada colônia. E isso, por sua vez, acelerou enormemente o ritmo da modernização, graças à difusão de ideias, de técnicas, de modas e de gostos novos.O segundo impacto positivo do colonialismo foi a própria criação (no nível geopolítico) dos modernos Estados independentes da África. A partilha e a conquista coloniais, como A. E.

Afigbo mostrou no capítulo 19, reformularam10 FIELDHOUSE, 1981, p. 67-8, 71-4, 88-92. 11 DAVIDSON, B., 1964b, p. 37; 1978b, p. 150; WRIGHT, 1982, p. 42.O colonialismo na África: impacto e significação 923de modo revolucionário a face política da África. Em vez das centenas de clãs, de grupos de linhagem, de cidades-Estado, de reinos e de impérios, sem fronteiras nitidamente delimitadas, temos hoje cerca de cinquenta novos Estados de tra- ços geralmente fixos; é bastante significativo que as fronteiras dos Estados, tais como foram estabelecidas durante o período colonial, não se tenham modificado depois da independência.Em terceiro lugar, o sistema colonial também introduziu em quase todas as partes da África duas novas instituições que a independência não eliminou: um novo sistema judiciário e uma nova burocracia (ou administração). Não há a menor dúvida de que, em quase todos os Estados independentes da Africa (exceto os muçulmanos), as altas cortes de justiça introduzidas pelas autoridades coloniais foram mantidas e, nas antigas colônias britânicas, não só na forma (conservaram até as perucas e as togas, apesar do clima) como também no conteúdo e na ética.As estruturas estabelecidas pouco a pouco (ainda que em muitos casos tar- diamente) pela administração das colônias provocaram o aparecimento de uma classe de funcionários cujo número e influência só fizeram aumentar com os anos. A importância dessa herança varia de um sistema colonial para outro. É certo que os britânicos legaram às suas colônias uma burocracia mais bem for- mada, mais numerosa e mais experimentada do que os franceses; os belgas e os portugueses foram os piores nesse aspecto.O último impacto positivo do colonialismo foi o nascimento não só de um novo tipo de nacionalismo africano, mas também do pan-africanismo. O primeiro, como vimos, representou o desenvolvimento de certo grau de iden- tidade e de consciência entre as classes ou grupos étnicos que habitavam cada um dos novos Estados ou, tal como nas colônias da África Ocidental Francesa, conjuntos de Estados; o segundo nos remete ao sentimento de identidade dos negros como tais. Os agentes da constituição do nacionalismo foram, conforme demonstrou B. O. Oloruntimehin no capítulo 22, diversos movimentos, partidos políticos, ligas e associações de juventude, seitas religiosas e jornais; os agentes do pan-africanismo foram os diversos congressos pan-africanistas que R. D. Ralston estudou no capítulo anterior. Mas, por importante que seja esse legado, trata-se mais de um exemplo típico de consequência acidental do que de uma criação deliberada. Nenhuma autoridade colonial sonhou jamais em criar ou cultivar o nacionalismo africano.Mas, se os efeitos positivos do colonialismo são inegáveis, seus aspectos negativos são ainda mais marcantes. Em primeiro lugar, o desenvolvimento do nacionalismo, não obstante toda a sua importância, não foi somente uma924 África sob dominação colonial, 1880-1935consequência acidental da colonização: antes de ser resultado de um sentimento positivo de identidade, de compromisso ou de lealdade para com o novo Estado Nacional, ele se animou por um sentimento de cólera, de frustração e de humi- lhação suscitado por certas medidas de opressão, de discriminação e de explo- ração introduzidas pelas autoridades coloniais. Com a reversão do colonialismo, tal sentimento perdeu efetivamente sua força e os novos dirigentes dos Estados africanos independentes se viram diante de um problema: como transformar essa reação negativa em nacionalismo positivo e duradouro?Em segundo lugar, mesmo admitindo que a estrutura geopolítica criada tenha sido um êxito (mais uma vez acidental), há de se convir que ela mais levanta do que resolve problemas. Certamente, como o demonstraram G. N. Uzoigwe e A. E. Afigbo (capítulos 2 e 19), as fronteiras dos novos Estados não são tão arbitrárias como geralmente se acredita. Não haja porém dúvidas de que muitos desses Estados foram criações artificiais e de que essa artificialidade colo- cou alguns problemas para pesarem fortemente sobre o desenvolvimento futuro do continente. O primeiro é o seguinte: certas fronteiras dividem grupos étnicos já existentes e retalham Estados e reinos, o que provoca perturbações sociais e deslocamentos. Por exemplo, os Bakongo estão divididos pelas fronteiras de Angola, Congo Belga (atual Zaire), Congo francês (atual República Popular do

Congo) e Gabão. Hoje em dia, parte dos Ewe vive em Gana, outra no Togo e outra, ainda, no Daomé (atual Benin); os Somali estão espalhados pela Etiópia, Quênia, Somália e Djibouti; os Senufo encontram-se no Mali, na Costa do Marfim e no Alto Volta. Estes exemplos poderiam ser multiplicados. Uma das consequências importantes desta situação são as crônicas questões fronteiriças a prejudicar as relações de alguns Estados africanos independentes (Sudão/ Uganda, Somália/Etiópia, Quênia/Somália, Gana/Togo, Nigéria/Camarões). Em segundo lugar, dada a natureza arbitrária dessas fronteiras, cada Estado Nacional é constituído por uma miscelânea de povos de cultura, tradições e língua diferentes. Os problemas que essa mescla levanta para a edificação de uma nação não se têm mostrado fáceis de solucionar.O caráter artificial e arbitrário das divisões coloniais teve ainda outra conse- quência: os Estados que surgiram têm superfícies diferentes, recursos naturais e possibilidades econômicas desiguais. Enquanto algumas nações resultantes da partilha são gigantes, como o Sudão, a Nigéria e a Argélia, outras são anãs, como Gâmbia, Lesotho, Togo e Burundi. Enquanto o Sudão e o Zaire têm superfícies de, respectivamente, 2,5 e 2,35 milhões de quilômetros quadrados, as da Zâmbia, Lesotho e Burundi são de 10350, 29200 e 27800 quilômetros quadrados. Infelizmente, é maior o número de pequenos e de médios do queO colonialismo na África: impacto e significação 925de grandes Estados12. Por outro lado – o que é ainda mais grave –, alguns têm imensas faixas litorâneas, mas outros, como o Mali, Alto Volta, Níger, Chade, Zâmbia, Uganda, Malavi, não possuem acesso direto ao mar. Finalmente, alguns Estados são muito ricos em recursos naturais, como Gana, Zâmbia,Zaire, Costa do Marfim e Nigéria, mas outros foram modestamente aquinhoados, como o Chade, Níger e Alto Volta. E se alguns só têm uma fronteira para vigiar, como Gâmbia, outros têm quatro e até mais, como o Zaire, que tem dez. Isso cria graves problemas de segurança nacional e de controle do contrabando. São fáceis de imaginar os problemas de desenvolvimento que suscitam a falta ou a limi- tação de recursos naturais, de terras férteis ou de acesso ao mar para os países africanos que receberam essa malfadada herança.Cumpre mencionar outro aspecto importante, mas negativo, do choque do colonialismo: o enfraquecimento dos sistemas de governo indígenas. Em pri- meiro lugar, conforme S. Abubakar salientou recentemente, e como foi demons- trado pela maior parte dos capítulos do presente volume, quase todos os Estados africanos foram criados em seguida a conquistas e após a deposição ou o exílio dos dirigentes indígenas, o que “certamente lançou em descrédito os sobados em geral, sobretudo no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial”13. Certas potências coloniais, como a França, como já vimos, também aboliram várias monarquias tradicionais, depuseram certas famílias reinantes e nomea- ram para sobas pessoas que não tinham o menor direito à função, para delas fazer funcionários a serviço das autoridades coloniais. Quanto aos britânicos e aos belgas, conservaram os dirigentes tradicionais e suas instituições e até, como demonstrou R. F. Betts no capítulo 13, criaram algumas onde elas não existiam e procuraram administrar as colônias por seu intermédio. No entanto, os funcionários coloniais instalados localmente assumiam junto desses chefes tradicionais o papel de ditadores e não de conselheiros, utilizando-os ainda para aplicar algumas medidas consideradas odiosas pelos súditos, como o trabalho forçado, os impostos diretos e o recrutamento obrigatório de homens para os exércitos coloniais.Os anais coloniais, conforme revelam pesquisas recentes sobre a política rural nos anos entre guerras em Gana14, estão repletos de menções a revoltas e rebeliões de jovens contra seus chefes e até de destituição destes. Além disso, o sistema colonial de administração da justiça, em que os súditos podiam apelar para os12 13 14MAZRUI, 1980, p. 90. ABUBAKAR, 1980, p. 451. JENKINS, 1975.926 África sob dominação colonial, 1880-1935tribunais coloniais, enfraquecia não só as autoridades como também os recursos financeiros dos dirigentes tradicionais15. Finalmente, a difusão do cristianismo acabou por minar os fundamentos espirituais da autoridade dos régulos. Em todo caso, o sistema colonial, na defesa de seus

interesses, tanto enfraquecia ou esma- gava os chefes coloniais como se aliava a eles e os utilizava. Nas duas hipóteses, contudo, o sistema colonial diminuía, afinal de contas, a autoridade deles.Outro impacto negativo do colonialismo, do ponto de vista político, foi a mentalidade que criou entre os africanos, segundo a qual a propriedade pública não pertencia ao povo, mas às autoridades coloniais brancas, podendo e devendo estas assim tirar proveito dela em todas as oportunidades. Essa mentalidade está perfeitamente expressa nestes ditados de Gana: Oburoni ade see a, egu po mu, ou aban wotwuu no adze wonnsua, o que quer dizer, mais ou menos:“Se os bens do homem branco forem danificados, o mais simples é atirá-los ao mar” e “O governo deve ser lançado na lama e não elevado”. Os dois ditados implicam que ninguém deve se importar com o que acontece com a propriedade pública. Essa mentalidade era o produto direto da natureza distante e secreta da administração colonial e da eliminação da esmagadora maioria dos africanos “cultos” ou não dos processos de tomada de decisão. É importante observar que tal mentalidade ainda subsiste entre a maior parte dos africanos, após décadas de independência, explicando em parte a indiferença com que a propriedade pública é tratada em muitos países africanos independentes.Puro produto do colonialismo, ignorado pela maior parte dos historiadores, mas que se revelou de uma importância decisiva e crucial, é – como o demons- trou muito bem o estudo de R. F. Betts (capítulo 13) – a existência de um exército permanente em expediente completo. Já ficou amplamente comprovado que a maior parte dos Estados africanos ao sul do Saara não tinha exército permanente. Em toda a África ocidental, só o Daomé (atual Benin) o possuía, com um “regimento feminino”, as célebres Amazonas. Na maior parte dos casos, não havia dicotomia entre civis e militares. Pelo contrário: todos os adultos do sexo masculino, inclusive os membros da aristocracia dominante, eram soldados em tempo de guerra e civis em tempo de paz. Portanto, uma das instituições mais inovadoras que o colonialismo introduziu em cada região foi o exército profissional. Na origem, os exércitos foram criados essencialmente nas décadas de 1880 e 1890, para a conquista e a ocupação da África, e, depois, serviram para manter a dominação colonial, para dar andamento a guerras mais vastas e15 ADOO-FENING, 1980, p. 509-15.O colonialismo na África: impacto e significação 927para esmagar os movimentos de independência africanos. Após a derrocada do sistema colonial, eles não foram dispersos, mas recuperados pelos novos chefes africanos independentes, para afinal se revelarem o mais problemático legado do colonialismo. Como o reconheceu W. Gutteridge, as forças armadas “têm agido a longo prazo contra a estabilidade das ex-colônias”16. Na verdade – como se verá no volume VIII desta obra –, por suas repetidas e muitas vezes injustificáveis e supérfluas intervenções na política dos Estados africanos independentes, os exércitos se tornaram um verdadeiro grilhão que os governos e os povos afri- canos têm de suportar.O último impacto negativo do colonialismo, provavelmente o mais impor- tante, foi a perda da soberania e da independência e, com ela, do direito dos africanos a dirigir seu próprio destino ou a tratar diretamente com o mundo exterior. Desde os séculos XVI e XVII, Estados como o Daomé (atual Benin) e Congo enviavam embaixadas e missões às cortes dos reis europeus. Até a década de 1890, como já vimos, alguns Estados africanos tratavam de igual para igual com seus parceiros europeus. O Asantehene, o rei da Matabelelândia, e a rainha de Madagáscar enviaram missões diplomáticas à rainha da Inglaterra, nessa época. O colonialismo pôs fim a tudo isso e privou assim os Estados da África da possibilidade de adquirir experiência no domínio da diplomacia e das relações internacionais.No entanto, a perda da independência e da soberania teve para os africanos uma significação bem mais profunda. Antes de mais nada, representou a perda do direito de se incumbir de seu destino, de planejar seu próprio desenvolvi- mento, de gerir sua economia, de determinar suas próprias estratégias e priori- dades, de obter livremente lá fora as técnicas mais modernas e adaptáveis e,

de maneira geral, de administrar – bem ou mal – seus próprios assuntos, buscando inspiração e alegria em seu próprio êxito e extraindo a lição de seus fracassos. Em resumo, o colonialismo privou os africanos de um dos direitos mais funda- mentais e inalienáveis dos povos: o direito à liberdade.Rodney já mostrou que os setenta anos de colonialismo na África foram um período de evolução decisiva, fundamental, para os países capitalistas e socia- listas. Foi uma época em que a Europa, por exemplo, entrou na era da energia nuclear, do avião e do automóvel. Se a África tivesse podido dominar seu pró- prio destino, poderia ter tirado vantagem dessas espantosas mudanças ou até mesmo ter participado delas. No entanto, o colonialismo isolou-a por completo,16 GUTTERIDGE, 1975.928 África sob dominação colonial, 1880-1935mantendo-a em estado de sujeição. Evidentemente, é a perda de independência e de soberania, a privação do direito fundamental à liberdade e o isolamento político impostos à África pelo colonialismo que constituem um dos efeitos mais perniciosos do colonialismo no plano político.O impacto no terreno econômicoO impacto no terreno político foi, portanto, importante, mesmo que sua positividade esteja longe de ser total. De igual importância, e até maior, foi a herança econômica. O primeiro efeito positivo do colonialismo – o mais evi- dente e o mais profundo – foi, como vimos em muitos capítulos anteriores, a constituição de uma infraestrutura de estradas e vias férreas, a instalação do telé- grafo, do telefone e, às vezes, de aeroportos. Nada disso existia evidentemente na África pré-colonial, onde, como disse J. C. Caldwell, “quase todos os transportes terrestres – até a era colonial – se faziam às costas dos homens” (ver capítulo 18). Essa infraestrutura de base foi terminada na África por volta da década de 1930 e, depois disso, poucos quilômetros de ferrovias foram acrescentados. Sua importância ia além do interesse puramente econômico, já que facilitava o movimento não só de mercadorias, de culturas de exportação e de tropas, mas também de pessoas – o que contribuiu para reduzir o “espírito paroquiano”, o regionalismo e o etnocentrismo.O impacto do colonialismo sobre o setor primário da economia foi igualmente significativo e importante. Como ficou bem claro mais acima, o colonialismo tratou por todas as formas de desenvolver e de explorar alguns dos ricos recursos naturais do continente – e, nesse plano, obteve êxitos importantes. Foi durante o período colonial que todo o potencial mineral da África foi descoberto, a indús- tria mineira teve enorme expansão e as safras de exportação – cacau, café, tabaco, amendoim, sisal, borracha etc. – se disseminaram. Foi durante esse período que a Costa do Ouro se tornou o primeiro produtor mundial de cacau, enquanto em 1950 as culturas de exportação representavam 50% do produto interno bruto da África Ocidental Francesa. Há que salientar, como M. H. Y. Kaniki o fez antes (capítulo 16), que na África ocidental essas culturas foram desenvolvidas pelos próprios africanos, o que mostra claramente seu desejo e capacidade de adaptação e resposta favoráveis aos estímulos positivos. Conforme demonstrou J. Forbes Munro, a maior parte dessas mudanças econômicas fundamentais manifestou-se durante vinte anos, de meados dos anos 1890 a 1914, época em que “as infraestruturas da maior parte das economias nacionais contemporâneasO colonialismo na África: impacto e significação 929foram criadas pelas autoridades coloniais” e em que “o comércio entre a África e o resto do mundo se desenvolveu a um ritmo sem precedente histórico”17.Essa revolução econômica teve consequências de grande alcance. A primeira foi a comercialização da terra, o que a transformou em valor real. Antes da era colonial, é incontestável que enormes extensões de terra, em muitas partes da África, estavam subpovoadas e sub-exploradas. A introdução e a difusão das cultu- ras de exportação, bem como o desenvolvimento das indústrias mineiras, puseram termo a tal situação. De fato, o ritmo de desmatamento das florestas virgens foi tal que as autoridades coloniais se viram obrigadas a constituir reservas um pouco por toda a parte da África para deter sua exploração. Em segundo lugar, a revo- lução

econômica provocou o aumento do poder aquisitivo de alguns africanos e, portanto, da procura de bens de consumo. Em terceiro lugar, o fato de os próprios africanos cultivarem safras exportáveis permitiu que as pessoas enriquecessem, fosse qual fosse sua posição social, principalmente nas regiões rurais.Outro efeito revolucionário do colonialismo, em quase todas as regiões do continente, foi a introdução da economia monetária. Conforme Walter Rodney salientou no capítulo 14, todas as comunidades africanas, inclusive os grupos pastoris, caracterizados pelo conservadorismo, tinham sido arrastadas para esse tipo de economia por volta da década de 1920. Os efeitos dessa mudança foram mais uma vez significativos. Em primeiro lugar, desde a década de 1930, fora introduzido um novo padrão de riqueza, o qual já não se baseava na quantidade de carneiros, de vacas ou de inhame que o indivíduo possuía, mas no dinheiro. Em segundo lugar, as pessoas passaram a desenvolver atividades não mais cen- tradas na necessidade da subsistência, mas no dinheiro, o que, em contrapartida, levaria como veremos à irrupção de uma nova classe de trabalhadores jornaleiros e assalariados. Em terceiro lugar, a introdução da economia monetária assinala o início das atividades bancárias na África, que se tornaram uma outra caracte- rística importante da economia dos Estados africanos independentes.A introdução da moeda e das atividades bancárias levou, com a vasta expan- são do volume de comércio entre a África colonizada e a Europa, àquilo que A. G. Hopkins descreveu como o término da “integração da África ocidental na economia do mundo industrializado”, graças à “criação de condições que davam ao mesmo tempo a europeus e africanos os meios e os motivos de desenvolver e diversificar um comércio regular”18. A situação não era diferente nas outras partes da África e, em 1935, a economia africana se tornara inextricavelmente17 MUNRO, 1976, p. 86. 18 HOPKINS, A. G., 1973, p. 235.930 África sob dominação colonial, 1880-1935ligada à do mundo em geral e à das potências coloniais capitalistas em particu- lar. Os anos posteriores não fizeram mais do que firmar esse laço, que a própria independência não alterou no fundamental.O impacto colonial foi então benéfico para o continente no plano econô- mico? De maneira nenhuma, e a maior parte dos atuais problemas de desenvol- vimento com que a África se depara provém desse legado.Primeiro, como M. H. Y. Kaniki sublinhou no capítulo 16, a infraestrutura proporcionada pelo colonialismo não era tão útil nem tão adaptada como pode- ria ser. As estradas e as ferrovias, em sua maioria, não haviam sido construídas para abrir o país, mas apenas para ligar com o mar as zonas dotadas de jazidas minerais e de potencial para a produção de safras comerciais ou, citando Fiel- dhouse, “para ligar áreas de produção interna ao mercado mundial de mercado- rias primárias”19. Praticamente não havia ramais rodoviários nem ferroviários.A rede não se destinava a facilitar as comunicações interafricanas. A infra- estrutura fora de fato concebida para facilitar a exploração dos recursos das colônias e conectá-los às metrópoles, não para promover o desenvolvimento econômico global da África ou os contatos entre africanos.Segundo, o crescimento econômico das colônias baseava-se nos recursos materiais das regiões, de modo que as zonas desprovidas de tais recursos haviam sido negligenciadas por completo. Daí as gritantes desigualdades econômicas dentro de uma mesma colônia, que acentuavam e exacerbavam, por sua vez, as diferenças e os sentimentos regionais, o que representou grande obstáculo à constituição das nações na África independente. Como disse um eminente economista, “as diferenças tribais poderiam desaparecer facilmente no mundo moderno, se todas as tribos vivessem em igualdade econômica. Quando o nível destas é muito desigual, apela-se para as diferenças tribais para proteger os interesses econômicos”20.Terceiro, uma das características da economia colonial consistia em negligen- ciar ou em desencorajar deliberadamente a industrialização e a transformação das matérias-primas e dos produtos agrícolas na maioria das colônias. Conforme destacou Fieldhouse, “é provável que nenhum governo colonial possuísse um ministério da indústria antes de 1945”21. Produtos tão

simples e tão essenciais como fósforos, velas, cigarros, óleo comestível e até suco de laranja e de limão, que poderiam ser todos fabricados com facilidade na África, eram importados.19 20 21FIELDHOUSE, 1981, p. 67. LEWIS, W. A., 1965, p. 24-5. FIELDHOUSE, 1981, p. 68.O colonialismo na África: impacto e significação 931De acordo com o sistema da economia colonial capitalista, todos os Estados africanos se haviam transformado em mercados de consumo dos produtos manufaturados das metrópoles e em produtores de matérias-primas destinadas à exportação. O fato de as potências coloniais, as empresas comerciais e mineiras haverem negligenciado totalmente a industrialização pode ser levantado como uma das acusações mais graves contra o colonialismo. Aliás, ele também pro- porciona a melhor justificativa para o ponto de vista de que o período colonial foi antes um período de exploração econômica do que de desenvolvimento para a África. Uma das consequências importantes da não industrialização foi que, bem mais do que no domínio político, o número de africanos preparados para assumir o papel dos europeus permanece muito reduzido.Quarto, não só a industrialização foi negligenciada como as indústrias e as atividades artesanais existentes na época pré-colonial foram destruídas. Note-se que nessa época as indústrias africanas produziam tudo de que o país neces- sitava, sobretudo materiais de construção, sabão, miçangas, utensílios de ferro, cerâmica e, principalmente, roupas. Se essa indústria local tivesse sido incenti- vada e desenvolvida com a modernização de suas técnicas de produção (como se fez na Índia, entre 1920 e 1945)22, a África teria conseguido aumentar sua produção e melhorar, pouco a pouco, sua tecnologia. Mas tais indústrias e ati- vidades artesanais foram praticamente aniquiladas em face da importação de gêneros baratos, produzidos em série. O desenvolvimento tecnológico africano foi assim paralisado e só tomou novo impulso após a independência.Quinto, embora a agricultura intensiva acabasse por se tornar a principal fonte de renda da maior parte dos Estados africanos, nenhuma tentativa fora feita para diversificar a economia rural das colônias. Muito pelo contrário, como se viu em alguns capítulos anteriores, a produção de uma ou de duas culturas de exportação tornara-se a regra em 1935: cacau, na Costa do Ouro; amendoim, no Senegal e em Gâmbia; algodão, no Sudão; café e algodão, em Uganda; café e sisal, em Tanganica etc. O período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial não conheceu melhora alguma nesse domínio e os Estados africanos, em sua maioria, descobriram, no momento da independência, que suas economias se baseavam na monocultura, sendo, portanto, muito sensíveis às flutuações do comércio internacional. O colonialismo, não há dúvida, integrou as economias africanas na ordem econômica mundial, mas de forma bastante desvantajosa e exploradora, e as coisas praticamente não mudaram depois disso.22 Ibid., p. 92-5.932 África sob dominação colonial, 1880-1935O fato de depender tão fortemente de culturas exportáveis teve outro efeito desastroso: negligenciar o setor interno da economia africana. Esta sempre estivera dividida, como M. H. Y. Kaniki demonstrou no capítulo 16, em dois setores principais: o setor interno, que produzia ao mesmo tempo para a sub- sistência dos produtores e para o mercado interno, e o setor de exportação, que trabalhava para o mercado externo e para os comerciantes de caravana. Na época pré-colonial, os dois setores eram considerados igualmente importantes e, em consequência, não se precisava importar nenhum produto para alimentar a população. Mas a concentração nas culturas exportáveis verificada na época colonial fez com que o setor interno ficasse praticamente esquecido, sendo os africanos compelidos a abandonar a produção de alimentos destinados a seu próprio consumo, em benefício da produção de culturas de exportação, mesmo quando fosse antieconômico fazê-lo, conforme observa Fieldhouse23. Portanto, foi obrigatório importar alimentos, e o povo tinha de os adquirir a preços geral- mente elevados. Assim ocorreu, por exemplo, em Gâmbia: os habitantes foram levados a substituir a cultura do arroz pela de amendoim, passando o arroz a ser importado daí em diante24. Na Guiné, os africanos de Futa Jallon foram obri- gados a produzir borracha, provocando em 1911 a falta de arroz, o qual passou a ser importado e pago com o dinheiro proveniente da borracha. O Egito, que durante séculos

havia exportado cereais e outros alimentos, teve de importar milho e trigo desde o começo do século XX, devido à excessiva concentração na cultura do algodão para o mercado externo. O mesmo se deu na Costa do Ouro, onde a produção de cacau foi tão intensificada que houve necessidade de importar alimentos. É o que demonstram claramente as advertências de A. W. Cardinall, funcionário colonial compreensivo, que assinalava com pesar, na década de 1930, que o país poderia ter produzido por si mesmo “a metade do peixe fresco, arroz, milho e outros cereais, feijão, carne salgada e fresca, óleo comestível, especiarias e legumes frescos (importados) ou, em outros termos, poderia ter economizado 200 mil libras”25.O trabalho forçado e o abandono da produção de alimentos provocaram bastante desnutrição, fomes e epidemias severas em algumas regiões da África, nos primórdios do colonialismo, sobretudo na África francesa, conforme C. Coquery-Vidrovitch salientou no capítulo 15. Assim, no sistema colonial, os africanos estavam na maior parte dos casos destinados a produzir aquilo que23 24 25Ibid., p. 88. RODNEY, 1972, p. 257-8. Apud CROWDER, 1968, p. 348.O colonialismo na África: impacto e significação 933não consumiam e a consumir aquilo que não produziam, o que mostra muito bem o caráter explorador, claudicante, da economia colonial.Nas regiões em que a população africana não estava autorizada a se dedicar às culturas de exportação, como no Quênia e na Rodésia do Sul (atual Zim- bábue), Colin Leys demonstrou que os africanos, “no espaço de uma geração, tinham efetivamente passado da condição de camponeses independentes, que produziam culturas comerciais para os novos mercados, para a de camponeses dependentes de trabalho agrícola assalariado”26.Sexto, a comercialização da terra, a que já nos referimos, levou à venda ilegal das terras comunais, praticada por chefes de família sem escrúpulos, ou então a crescentes litígios, os quais generalizaram a pobreza, sobretudo entre as famí- lias dirigentes. Nas Áfricas oriental, central e meridional, como o demonstra- ram numerosos capítulos anteriores, essa comercialização também levou a uma apropriação de terras em grande escala pelos europeus. Na África do Sul, 89% do território foi reservado aos brancos, que constituíam 21% da população; na Rodésia do Sul, 37% das terras para 5,2% de população branca; 7% no Quênia para menos de 10% da população; 3% na Rodésia do Norte (atual Zâmbia) para somente 2,5% da população. Ressalte-se que essas eram as terras mais férteis de cada país27. Tal apropriação não podia deixar de produzir rancor, cólera e frustração, e foi a causa fundamental da grave explosão “Mau Mau” verificada no Quênia.A colonização levou, também, como ficou salientado mais acima, ao apare- cimento no cenário africano de um número crescente de companhias bancárias, comerciais e marítimas estrangeiras, as quais, de 1910 em diante, se fundiram e se consolidaram sob a forma de oligopólios. Na medida em que essas compa- nhias comerciais controlavam tanto as importações como as exportações, fixando os preços em ambos os casos, os enormes lucros gerados por essas atividades iam para as companhias e não para os africanos. Além disso, não havia impostos sobre os lucros, nenhuma regulamentação que obrigasse essas companhias a investir parte deles localmente ou a pagar rendas mais elevadas por suas con- cessões. Nem as administrações coloniais locais nem os proprietários africanos, contudo, tiravam proveito direto de tais atividades.A outra consequência desse processo, evidentemente, foi a eliminação dos africanos dos setores mais importantes e lucrativos da economia. Os príncipes mercadores africanos da segunda metade do século XIX desapareceram pra-26 LEYS, 1975, p. 31. 27 SAMPSON, 1960, p. 46-7.934 África sob dominação colonial, 1880-1935ticamente de cena, enquanto seus descendentes se tornavam empregados das empresas estrangeiras para sobreviver. Também aqui, como no domínio indus- trial, impediu-se a formação de uma classe de africanos dotada de experiência comercial e de técnicas de direção.

Como Rodney observou no capítulo 14, o colonialismo pôs virtualmente fim ao comércio interafricano. Antes da época colonial, grande parte do comércio decorria entre os Estados africanos; de fato, as atividades mercantis de longa dis- tância e as caravanas constituíam um traço muito comum da economia africana tradicional. Mas, com o surgimento do colonialismo, o comércio interafricano de pequena e de longa distância foi desestimulado, senão completamente proibido, já que, para citar Rodney, “as fronteiras políticas arbitrárias (de cada colônia) eram geralmente traçadas para indicar o limite das economias” e que o fluxo do comércio de cada colônia era reorientado para a metrópole. A eliminação de boa parte dessas antigas relações mercantis interafricanas impediu assim o estreitamento dos velhos laços e o desenvolvimento de outros novos, que pudessem vir a ser de benefício para os africanos. Pela mesma razão, a África não pôde desenvolver laços comerciais diretos com outras regiões do mundo, como a Índia ou a China.Finalmente, todo o progresso econômico realizado durante o período colonial custou elevado e injustificável preço para os africanos: o trabalho forçado, o traba- lho migratório (o qual, segundo Davidson, “provavelmente fez mais para desman- telar as culturas e as economias pré-coloniais do que a maioria dos outros aspectos da experiência colonial em conjunto”)28, a cultura obrigatória de certas espécies, a tomada compulsória de terras, a mobilização forçada de populações (com o con- sequente deslocamento da vida familiar), o sistema de “passes”, a elevada taxa de mortalidade nas minas e nas plantations, a brutalidade com que os movimentos de resistência e de protesto provocados por essas medidas foram reprimidos etc. E, sobretudo, as políticas monetárias seguidas pelos poderes coloniais em relação às suas colônias – atrelando suas moedas às da metrópole, introduzindo tarifas e mantendo todos os lucros do câmbio nas capitais metropolitanas –, enquanto asseguravam moedas estáveis e plenamente conversíveis, levaram ao congelamento dos ativos coloniais nas capitais metropolitanas, que não eram assim tornados líquidos e investidos nas colônias. A repatriação de economias e depósitos de africanos pelos bancos, e a discriminação praticada contra estes na abertura de créditos contribuíram ainda mais para impedir o desenvolvimento da África.28 DAVIDSON, B., 1978b, p. 113.O colonialismo na África: impacto e significação 935A partir daí, pode-se concluir sem risco que, malgrado os protestos de Gann e Duignan, o período colonial foi antes de impiedosa exploração econômica do que de desenvolvimento para a África, e que o impacto do colonialismo sobre o continente foi, no plano econômico, de longe, o mais negativo de todosEfeitos no plano socialFinalmente, qual é o legado do colonialismo no plano social? O primeiro efeito benéfico importante foi o aumento geral da população africana, no decurso do período. J. C. CaldweIl já demonstrou (capítulo 18) que ele atingiu 37,5%, após as primeiras duas ou três décadas de dominação europeia. A expansão, segundo esse autor, deveu-se ao estabelecimento de sólidas bases econômicas e ao desenvolvimento de malhas rodoviárias e ferroviárias, que permitiu trans- portar mantimentos para as regiões onde reinava a fome, bem como lançar campanhas contra doenças como a peste bubônica, a febre amarela e a doença do sono.O segundo impacto social do colonialismo está estreitamente ligado ao pri- meiro: foi a urbanização. Como A. E. Afigbo salientou no capítulo 19, ela não era desconhecida na África pré-colonial. Os reinos e impérios africanos possu- íam capitais e centros políticos, como Kumbi Saleh, Benin, Ile-Ife, Kumasi, Gao e Zimbábue, além de centros comerciais como Kano, Jenne, Sofala e Melinde. Havia ainda centros educacionais como Tombuctu, Cairo e Fez. Não há dúvida, porém, que o colonialismo acelerou enormemente o ritmo da urbanização. Sur- giram cidades inteiramente novas: Abidjan, na Costa do Marfim; Takoradi, na Costa do Ouro; Port Harcourt e Enugu, na Nigéria; Nairóbi, no Quênia; Salisbury (atual Harare), na Rodésia do Sul; Lusaka, na Rodésia do Norte (atual Zâmbia); Luluabourg, na província de Kasai, do Congo Belga (atual Zaire).

Além disso, como Caldwell demonstrou mais acima (capítulo 18), as popu- lações das cidades já existentes e as das cidades novas aumentaram a largos passos durante a era colonial. Nairóbi, fundada em 1896, não passava então de mero entreposto de trânsito para a construção da estrada de ferro de Uganda. Sua população atingia 13 145 habitantes, em 1927, e mais de 25 mil, em 1940. A população de Casablanca passou de 2026, em 1910, para 250 mil, em 1936; a de Acra, na Costa do Ouro, passou de 17892, em 1901, para 135926, em 1948; a de Lagos atingia 74 mil, em 1914, e chegou a 230 mil, em 1950; a de Dacar passou de 19800, em 1916, para 92 mil, em 1936, e para 132 mil, em 1945; por fim, a de Abidjan, que era de 800 habitantes, em 1910, atingia 10 mil, em 1914, e 127 mil, em 1955.936 África sob dominação colonial, 1880-1935Estes números mostram claramente que o rápido crescimento da população urbana na África ocorreu depois da Primeira Guerra Mundial e, particular- mente, no período 1913-1945, do qual se diz que foi o do apogeu do colonia- lismo na África. De resto, essas cidades cresceram rapidamente nesse período por serem as novas capitais ou os centros administrativos dos regimes coloniais (caso de Abidjan, Niamey, Nairóbi, Salisbury e Lusaka) ou, então, novos portos, estações ferroviárias ou entroncamentos rodoviários (Takoradi, Port Harcourt, Bamako, Bulawayo) ou, ainda, novos centros mineiros ou comerciais (Obuasi, Jos, Luluabourg, Kimberley, Johannesburgo).Sem dúvida, houve uma melhora na qualidade de vida, sobretudo para quem vivia nos centros urbanos. Caldwell mostrou, no capítulo 18, que para tanto contribuíram os hospitais, os dispensários, a água corrente, os sistemas sanitários, as habitações melhores, bem como a abolição de práticas como a escravidão doméstica e o aumento das possibilidades de trabalho.A difusão do cristianismo, do islamismo e da educação ocidental representou outro importante impacto do colonialismo. Está fora de dúvida que os missioná- rios cristãos e os religiosos muçulmanos, aproveitando a paz e a ordem reinantes, assim como o patrocínio e, em certas regiões, o encorajamento do colonialismo, expandiram suas atividades sempre e cada vez mais longe pelo interior do con- tinente. Segundo a lição de K. Asare Opoku, no capítulo 20, o cristianismo e o islamismo ganharam mais terreno durante o período colonial do que nos três ou quatro séculos anteriores. Foi nele, com efeito, que o cristianismo assentou solidamente os pés nas Áfricas oriental e central, quer precedendo os exércitos e os mercadores, quer seguindo-lhes os rastros. O islamismo também se propa- gou rapidamente pelas Áfricas ocidental e oriental graças à melhora geral das comunicações e ao patrocínio das autoridades coloniais francesas e britânicas. Cumpre realçar, como Opoku, que essa expansão não se fez à custa da religião tradicional. O colonialismo, nesse caso, reforçou e perpetuou o pluralismo reli- gioso dos africanos e, por conseguinte, enriqueceu-lhes a vida religiosa.A propagação da educação ocidental está estreitamente ligada à do cristia- nismo. Conforme ficou demonstrado em vários capítulos anteriores, as missões cristãs foram em grande parte responsáveis por esse processo. Não se deve entretanto esquecer que elas trabalhavam essencialmente subvencionadas pelas administrações. Certamente, no final da era colonial, restavam relativamente poucas zonas que não contassem, pelo menos, com escolas primárias. A difusão da educação ocidental teve efeitos sociais de grande alcance, entre os quais o número crescente dos membros da elite africana educados à europeia – eliteO colonialismo na África: impacto e significação 937que hoje em dia constitui a oligarquia reinante e o essencial da administração dos Estados africanos.Outro impacto colonial importante, cuja vantagem, como veremos, é discutí- vel: a instituição de uma língua franca em cada colônia ou conjunto de colônias. Por toda a parte, a língua materna da potência colonial, em sua forma pura ou na de um pidgin, tornou-se a língua oficial, a dos negócios e, comumente, o prin- cipal meio de comunicação entre os inúmeros grupos linguísticos que formam a população de cada colônia. É significativo que, excetuando a África do norte, a República Unida da Tanzânia, o Quênia e Madagáscar, essas sejam até hoje as línguas oficiais

dos países africanos.O derradeiro benefício social trazido pelo colonialismo foi a nova estrutura social que ele introduziu, ou cujo desenvolvimento acelerou, em certas partes do continente. Segundo diz A. E. Afigbo no capítulo 19, embora a estrutura social tradicional permitisse a mobilidade social, sua composição de classe pare- cia dar peso excessivo ao nascimento. Por sua vez, a nova ordem colonial dava mais ênfase ao mérito individual e às realizações do que ao nascimento. Essa mudança – ligada à abolição da escravatura, à introdução da educação ocidental, do cristianismo e do islamismo, à expansão da agricultura de exportação (que facilitou o enriquecimento pessoal em certas zonas) e aos muitos outros modos de progresso propostos pelo colonialismo – modificou radicalmente a estrutura social tradicional. Assim, nos anos de 1930, as classes sociais pré-coloniais, a aristocracia reinante, a gente do povo, os escravos domésticos e uma elite educada, mas relativamente restrita, tinham sido substituídos por uma nova sociedade, ainda mais dividida do que antes entre elementos rurais e urbanos, diversamente estratificados.Os urbanos dividiam-se em três subgrupos principais: a elite ou, como alguns dizem, a burguesia administrativa, clerical e profissional; a não elite ou, como prefere Lloyd, a sub-elite; por último, o proletariado urbano. A elite subdividia-se em três grupos: a burocrática, dos funcionários; a profissional liberal, dos médi- cos, juristas, arquitetos, engenheiros, professores etc.; a comercial, dos gerentes de empresas estrangeiras, dos comerciantes e homens de negócios. A sub-elite era constituída por agentes de câmbio, corretores, funcionários, professores pri- mários, enfermeiras e funcionários subalternos, enquanto o proletariado urbano era formado pelos trabalhadores assalariados, ajudantes de armazém, motoristas, mecânicos, mensageiros, alfaiates, pedreiros etc.Nas regiões rurais, constatou-se o surgimento, um pouco por toda a parte, pela primeira vez, de classes constituídas por um proletariado rural de africanos sem terras e por camponeses. O primeiro era formado por aqueles que, sobretudo938 África sob dominação colonial, 1880-1935nas Áfricas oriental e meridional, tinham sido despojados de suas terras pelos europeus e não tinham autorização para residir nos centros urbanos e industriais, sendo portanto obrigados a passar a vida indo e vindo entre as regiões urbanas e rurais, principalmente como trabalhadores migrantes. Quanto aos camponeses, John Iliffe descreve-os como pessoas que “vivem em pequenas comunidades, cultivam a terra que possuem ou administram, subsistem essencialmente graças à mão de obra familiar e garantem a própria subsistência, suprindo ao mesmo tempo sistemas econômicos mais vastos que compreendem não camponeses29. Alguns ficaram muito ricos com a produção de culturas de exportação, dando origem ao chamado capitalismo rural. Iliffe fala dessa “ruralização” como de “uma transformação irreversível cujo impacto é comparável ao da industriali- zação”. Cabe ressaltar que, na medida em que a mobilidade dentro dessa nova estrutura se baseava mais no esforço e na realização individuais do que na atri- buição, houve um aperfeiçoamento considerável em relação à estrutura social tradicional.Mas, se o colonialismo teve alguns efeitos sociais positivos, teve também os negativos, alguns seriamente negativos. Em primeiro lugar, deve-se mencionar o hiato crescente que se desenvolveu durante a época colonial entre os centros urbanos e as zonas rurais. O já mencionado enorme crescimento da população urbana não se deu em consequência do aumento natural da população, sendo antes o resultado daquilo que se chamou de “forças de atração e de repul- são30: o contínuo êxodo de jovens de ambos os sexos para os centros urbanos, pela necessidade de frequentar escolas e encontrar trabalho, repelidos do meio rural – como C. Coquery-Vidrovitch mostrou no capítulo 15 – pelas fomes, pela pobreza endêmica e pelos impostos. Além do mais, dado que os europeus tinham tendência a viver nos centros urbanos, somente aí se encontravam as comodidades acima relacionadas e que melhoravam a qualidade da vida. As regiões rurais estavam praticamente entregues à sua própria sorte, o que acen- tuava o fenômeno da deserção. Ainda hoje há um fosso enorme entre as zonas urbanas e as zonas rurais do continente africano, não havendo dúvida de que foi o sistema colonial que o criou e ampliou.Esses migrantes não encontravam nos centros urbanos o rico e seguro para- íso que esperavam.

Em cidade alguma os africanos eram considerados iguais, nunca sendo completamente integrados. Além disso, para a maioria, era impos- sível encontrar emprego ou moradia decentes. Acabavam por se amontoar nos29 ILIFFE, 1979, p. 273-4. 30 WILSON, F., in WILSON, M. e THOMPSON, 1971, v. II, p. 132.O colonialismo na África: impacto e significação 939subúrbios e favelas em que o desemprego, a delinquência juvenil, o alcoolismo, a prostituição, o crime e a corrupção eram a regra. O colonialismo fez não só empobrecer a vida rural como também corromper a vida urbana. Não surpre- ende, pois, que os membros deste grupo social se transformassem, depois da Segunda Guerra Mundial, nas tropas de assalto dos movimentos nacionalistas.O segundo problema social grave foi o dos colonos europeus e asiáticos. Embora houvesse europeus instalados nos Estados da África do norte e na África do Sul antes da era colonial, o certo é que depois dela o número de colonos aumentou, instalando-se ainda imigrantes europeus e asiáticos nas Áfricas oriental e central e em algumas regiões da África ocidental. Conforme demonstrou M. H. Y. Kaniki, no capítulo 16, o número de europeus no Quênia passou de 596, em 1903, para 954, em 1905, 5438, em 1914, e 16663, em 1929; os da Rodésia do Sul passaram de 11 mil, em 1901, para mais de 35 mil, em 1926; enquanto os da Argélia aumentaram de 344 mil, em 1876, para 946 mil, em 1936.Em muitas regiões das Áfricas oriental, central e setentrional, porém, a presença dos europeus provocava a hostilidade dos africanos, já que eles ocu- pavam a maior parte das terras férteis, enquanto os asiáticos monopolizavam o comércio varejista e atacadista. Na África ocidental, também, os asiáticos (sírios, libaneses e indianos), cujo número passou de apenas 28, em 1897, para 276, em 1900, depois para 1910, em 1909,3 mil, em 1929, e 6 mil, em 1935, expulsaram os concorrentes africanos. A partir desta data, o problema europeu e asiático assumiu graves proporções para a África e ainda hoje não se acha inteiramente solucionado.Além disso, ainda que o colonialismo tenha introduzido certos serviços sociais, cumpre salientar que eles não só eram em geral inadaptados e desigual- mente distribuídos em cada colônia, mas também se destinavam em primeiro lugar à minoria dos imigrantes e administradores brancos: daí sua concentração nas cidades. Rodney demonstrou que na Nigéria, na década de 1930, havia 12 hospitais modernos para 4 mil europeus e 52 para mais de 40 milhões de afri- canos31. No caso do Tanganica dos anos de 192’0, a proporção de leitos para a população era de um para 10 no hospital europeu e de um para 400 a 500 no hospital africano de Dar-es-Salaam32.No plano da educação, a oferecida na época colonial revelou-se globalmente inadequada, desigualmente distribuída e mal orientada, de modo que seus resul-31 RODNEY, 1972, p. 223. 32 FERGUSON, 1980, p. 326.940 África sob dominação colonial, 1880-1935tados não foram, portanto, tão positivos para a África como poderiam ser. Houve durante esse período cinco tipos diferentes de instituições educacionais: escolas primárias, secundárias, escolas normais, escolas técnicas e universidades. Mas, se muitas escolas primárias surgiram na África ocidental britânica em 1860, só em 1876 as primeiras escolas secundárias – a Mfantsipim e a Methodist High School – foram fundadas na Costa do Ouro e na Nigéria, respectivamente, pela Wesleyan Missionary Society, enquanto a administração colonial britânica só veio a estabelecer sua primeira escola secundária (o Achimota College) na Costa do Ouro em 1927. Na colônia italiana da Líbia, como já se viu, só havia três escolas secundárias em 1940 abertas ao povo, duas em Trípoli e uma em Benghazi. Só depois da Segunda Guerra Mundial apareceram algumas escolas técnicas e colé- gios universitários por toda a África. E é significativo que se tenha criado uma universidade em cada país: em 1947, na Costa do Ouro; em 1948, na Nigéria; em 1950, em Uganda, Madagáscar, Léopoldville e Senegal; em 1953, em Salisbury; em 1957, em Elisabethville. Por outras palavras, a educação técnica e universitária não foi introduzida na África senão no fim do período colonial.Por outro lado, em parte alguma e em nenhum grau o sistema escolar satisfa- zia a demanda, como tampouco estava distribuído equitativamente. Como o pró- prio Lloyd admite, ainda em

meados da década de 1930, “as despesas do governo com educação eram reduzidas em toda parte, atingindo em 1935 somente 4% da receita da Nigéria e dos territórios franceses e 7% da receita de Gana”33. Essas escolas e institutos não estavam adequadamente distribuídos em cada colônia. A maior parte das instituições de ensino pós-primário estava concentrada nos gran- des centros e, em certos países, em uma única cidade. Por exemplo, na Costa do Ouro, cerca de 80% das escolas secundárias ficavam em Cape Coast. Em Uganda, por volta de 1920, havia 328 escolas primárias em Buganda e apenas 39 e 24 nas províncias ocidentais e orientais, não havendo praticamente nenhuma na pro- víncia do norte34. As instalações escolares eram inadequadas e mal distribuídas, porque as potências coloniais não visavam o desenvolvimento da educação em si ou para os africanos, mas, antes, segundo um especialista africano, “produzir africanos que fossem mais produtivos para o sistema [colonial]”35.Independentemente da insuficiência numérica e da distribuição desigual, a educação colonial tinha outro defeito: os currículos oferecidos por todas as ins- tituições eram determinados pelas autoridades e estreitamente imitados – senão33 34 35LOYD, 1972, p. 79. KABWEGYERE, 1974, p. 179. Ibid., p. 110.O colonialismo na África: impacto e significação 941copiados – dos programas metropolitanos. Por isso não estavam adaptados às necessidades do continente. O próprio sir Gordon Guggisberg, que foi gover- nador da Costa do Ouro de 1919 a 1927, testemunhava em 1920:Um dos maiores erros da educação no passado consistiu em ensinar os africanos a se tornarem europeus, em vez de a continuarem africanos. É um erro completo, e o governo assim o reconhece. No futuro, a educação tenderá a permitir que os africanos permaneçam africanos e se interessem por sua própria terra36.Mas, ainda que Guggisberg tenha fundado o Anchimota College para con- cretizar essa promessa, pouco foi conseguido, pois a educação continuou a ser dirigida no país pelas missões cristãs. Ora, o objetivo primordial destas era fazer discípulos capazes de ler a Bíblia em inglês ou na língua vernácula, assim como formar professores e pastores.O impacto desse sistema educacional inadequado, coxo e mal orientado sobre as sociedades africanas foi profundo e quase permanente. Em primeiro lugar, legou à África um enorme problema de analfabetismo, cuja solução demandará muito tempo. Em segundo lugar, a elite culta que ele criou era uma elite alienada, que reverenciava a cultura e a civilização europeias e menosprezava a cultura africana. Seus gostos em matéria de alimentação, bebida, vestuário, música, dan- ças e até de jogos eram novos. O intelectual nacionalista ganense Kobina Sekyi fez a propósito uma sátira brilhante em sua peça The Blinkards. Outro fosso se cavou, portanto, entre essa elite e as massas, o qual ainda não foi colmatado. Por outro lado, ainda que o número dos membros da elite tenha aumentado nas décadas de 1940 e 1950, com o desenvolvimento das possibilidades de educação e a criação de universidades, ele continuou, no entanto, extremamente reduzido durante todo o período colonial. Mas, como veio a incluir as pessoas mais ricas e a ocupar os postos mais elevados, durante e depois da época colonial, essa elite passou a dispor de um poder e de uma influência desproporcionais a seu número. Por esse motivo, suas relações com a elite tradicional são tensas desde a época colonial e até agora não melhoraram de verdade.Além disso, a explicação de fenômenos como a morte, a chuva e a doença em termos científicos e naturalistas atacava as próprias raízes das crenças religiosas, dos castigos e dos tabus africanos, abalando os alicerces das sociedades, provo- cando um sentimento de incerteza, de frustração e de insegurança, atmosfera que Chinua Achabe soube captar brilhantemente em seu romance Things Fall Apart. O sentimento de insegurança e de frustração, muitas vezes agravado pelas36 Apud ADDO-FENING, 1980.942 África sob dominação colonial, 1880-1935crises econômicas que se verificaram nas décadas de 1920 e 1930, bem como após a Segunda Guerra Mundial, provocou elevadas taxas de criminalidade, divórcio, delinquência e violência, sobretudo nas cidades. Essa mesma situação explica em parte, no plano religioso, o surgimento das igrejas milenaristas etío- pes ou sincréticas, já estudadas anteriormente.

O fato de o ensino técnico e industrial ter sido negligenciado, em benefício das letras e da preparação para os empregos burocráticos, suscitou entre os africanos uma propensão a seguir esse rumo, criando igualmente no meio da gente culta um certo menosprezo pelo trabalho manual e agrícola, que ainda perdura. Além disso, a injusta distribuição de instalações escolares impediu um processo uniforme de modernização de cada colônia, o que acentuou ainda mais as diferenças e as tensões entre grupos étnicos e regiões – tensões que permanecem em muitas zonas e expli- cam algumas guerras civis e rivalidades verificadas em alguns Estados africanos independentes. O fato de haver negligenciado a educação superior e técnica tam- bém levou alguns africanos de posses a enviar seus filhos para as metrópoles ou para os Estados Unidos. Foram estes que, em parte devido às suas diversas experiências com a discriminação racial e – o que é ainda mais importante – à aprofundada reflexão sobre a natureza negativa do sistema colonial, se tornaram por sua vez os críticos mais severos do sistema e os dirigentes dos movimentos anticolonialistas e nacionalistas, como será demonstrado no volume VIII desta obra.Por benéfica que tenha sido a língua franca promovida pelo sistema escolar, ela teve a lamentável consequência de impedir a transformação de certas línguas indígenas em línguas nacionais ou de veiculação. O tuí, o haussa e o swahili poderiam facilmente ter-se tornado as línguas nacionais da Costa do Ouro, da Nigéria e das três colônias britânicas da África oriental, respectivamente. De fato, como Kabwegyere demonstrou, os administradores coloniais da África oriental britânica tentaram fazer do swahili uma língua franca nas décadas de 1930 e 1940, mas a tentativa foi contrariada pelo Colonial Office. A razão dada para tanto merece ser citada:[...] O desenvolvimento de uma língua franca tem pouca relação com a utilidade imediata, já que diz essencialmente respeito a valores duradouros e, portanto, a uma penetração que, embora gradual, se tornará pouco a pouco coextensiva ao país. Segundo esse critério, nem o swahili, nem o ganda, nem qualquer outra língua ver- nácula tem pretensões admissíveis37

37 Apud KABWEGYERE, 1974, p. 218.O colonialismo na África: impacto e significação 943E a advertência prosseguia acrescentando que somente o inglês deveria ser reconhecido como “a inevitável língua franca do futuro, fato que a política edu- cacional e geral deveriam admitir sem demora”. É duvidoso que qualquer outra das potências coloniais tenha considerado algum dia uma tal possibilidade. Com a partida das autoridades que poderiam ter dado uma certa objetividade ao empreendimento e que estavam igualmente imbuídas do poder de implantar semelhante política linguística, com o lamentável surgimento e endurecimento dos sentimentos étnicos e regionalistas após a independência em vários países africanos, a questão de uma língua franca tornou-se muito sensível. Não sur- preende que pouquíssimos governos africanos tenham abordado tal problema.Outro impacto altamente lamentável do colonialismo foi a deterioração da situação da mulher africana. É um tema novo, a exigir outras pesquisas, mas parece não haver dúvidas de que ela foi excluída da maioria das atividades introduzidas ou intensificadas pelo colonialismo, como a educação e a agricultura exportável em algumas partes da África, várias profissões, como o direito, a medicina, a mine- ração etc. Em consequência dessa exclusão, mal lhe foi concedido um lugar na nova estrutura política colonial. Mesmo nas sociedades matrilineares, devido em parte à difusão do islamismo e também à nova ênfase dada à realização individual, algumas famílias começaram a adotar o sistema patrilinear38. O mundo colonial, como salientou Iliffe, era de fato um mundo de homens, onde as mulheres não eram estimuladas a desempenhar um papel importante.Além do mais, por causa do colonialismo, os africanos eram menospreza- dos, humilhados e submetidos a uma discriminação aberta ou dissimulada. De fato, segundo o que diz A. E. Afigbo no capítulo 19, um dos efeitos sociais do colonialismo foi “o rebaixamento generalizado da situação dos africanos”. Ali Mazrui também sublinhou essa herança de humilhações impostas ao africano pelo triplo pecado do tráfico negreiro, do apartheid e do colonialismo, em suas recentes conferências de Reith. “Os africanos”, diz, “não são necessariamente o mais brutalizado dos povos, mas com certeza são o mais humilhado da história moderna39”, Dessa forma, embora a

elite culta – conforme vimos antes – admi- rasse a cultura europeia e tivesse participado das guerras das metrópoles para se identificar com o Ocidente, ela jamais foi aceita como igual pelos europeus, sendo excluída da sociedade destes últimos, sem o direito de viver nos bairros38 ILIFFE, 1979, p. 300. 39 MAZRUI, 1980, p. 23-45.944 África sob dominação colonial, 1880-1935europeus das cidades, que Sembene Ousmane chama de “o Vaticano”, em seu romance God’s Bits of Wood40.Em vez de diminuir com o progresso da dominação colonial, a discrimina- ção, apoiada por teorias racistas equivocadas e pelo darwinismo social da época, intensificou-se, até culminar na filosofia desumana e falaciosa do apartheid na África do Sul. A elite culta tornou-se descontente e amarga, não surpreendendo que fosse ela a primeira a desenvolver uma aguda consciência das desigualdades e da natureza opressiva e discriminatória do sistema colonial. Passou a questio- nar cada vez mais a base moral e jurídica da existência de tal sistema. Foi essa classe, criada pelos missionários e pelos colonos, que encabeçou a campanha destinada a aniquilá-lo. Alguns historiadores, como M. H. Y. Kaniki, concluem que “o colonialismo gerou seus próprios coveiros”, enquanto Robin Maugham pensa que “sobre a lápide do império britânico [no qual a discriminação racial foi a mais aberta] poder-se-ia escrever: ‘Derrotado pelo esnobismo”41.As duas conclusões são irretocáveis. A discriminação racial também gerou entre alguns africanos um profundo sentimento de inferioridade, que A. E. Afigbo definiu, no capítulo 19, de maneira bem sucinta, como “uma tendência a perder a confiança em si e em seu futuro – resumindo, um estado de espírito que, em certos momentos, os levava a imitar cegamente [seria o caso de acrescentar subservientemente] as potências europeias”. Esse sentimento de inferioridade não desapareceu por completo, 20 anos depois da independência.Pior ainda foi o impacto do colonialismo no plano cultural. Realmente, como declarou o II Congresso de Escritores e Artistas Negros, realizado em Roma em março-abril de 1959, “entre os pecados do colonialismo, um dos mais perniciosos, por ter sido por muito tempo aceito no Ocidente sem discussão, foi o ter difundido a noção de povos sem cultura”42, o que aliás não deveria surpreender. Como P. Curtin e outros salientaram, “a entrada da Europa no continente africano coincidiu com o apogeu, nos séculos XIX e XX, do racismo e do chauvinismo cultural na própria Europa43. Os europeus que iam para a África nesse período, especialmente entre 1900 e 1945 – missionários, comerciantes, administradores, colonos, engenheiros e mineiros –, estavam geralmente imbu- ídos desse espírito e condenavam, portanto, tudo quanto fosse autóctone, desde a música, a arte, a dança, os nomes, a religião, o casamento, o regime sucessório40 41 42 43OUSMANE, 1962, p. 162. KANIKI, 1980a, p. 10; MAUGHAM, 1961, p. 84. Anôn., em 1955, p. 3. CURTIN et al, 1978, p. 484.O colonialismo na África: impacto e significação 945etc. Para ser admitido em uma igreja, um africano tinha não só de ser batizado como também de mudar de nome e renunciar a muitos costumes e tradições. Até o uso das vestes africanas foi proibido ou desencorajado em algumas regiões, e as pessoas educadas à europeia que insistiam em vestir roupas africanas eram acusadas de “imitar os indígenas”. Portanto, no período colonial, a arte, a música, a dança e a própria história da África não só foram ignoradas, mas até negadas ou menosprezadas abertamente. Era a época em que o professor A. P. Newton podia escrever: “A África não tinha praticamente história antes da chegada dos europeus [pois] a história não começa senão quando os homens adotam a escrita44 e sir Reginald Coupland lhe fazia eco cinco anos depois ao declarar:Até o século XIX, a maior parte dos africanos, os povos negros que viviam em suas terras tropicais entre o Saara e o Limpopo, jamais haviam tido [...] história. Durante séculos e séculos, permaneceram mergulhados na barbárie. Tal parecia ser o decreto da natureza [...]. Assim estagnavam, sem progredir nem regredir. Em nenhuma parte do mundo, salvo talvez em algum pântano miasmático da América do Sul ou em qualquer ilha perdida do Pacífico, o gênero humano vivera tão estagnante. O coração da África mal batia45.Semelhantes pontos de vista não correspondiam a um “decreto da natureza”, mas antes à fértil imaginação desses historiadores europeus chauvinistas. O coração da África batia, mas os

europeus tinham ficado surdos devido a seus preconceitos, ideias preconcebidas, arrogância e chauvinismo.Deve ficar claro, a partir desta análise, que os especialistas para os quais o colonialismo foi um desastre total para a África, não tendo gerado senão subde- senvolvimento e atraso, exageraram muito. Exagerados também, no entanto, foram os apologistas, como Gann, Duignan e Lloyd, que consideram o colonialismo um bem absoluto para a África, ou como Perham e Fieldhouse, para os quais o balanço é equilibrado. Não seria exato dizer, a respeito da opinião destes autores, que o colonialismo nada fez de positivo pela África. Fez sim, senhor. No entanto, isso não impede que os europeus tenham ganho enormes lucros na África, graças às companhias de mineração, às empresas comerciais, aos bancos, às companhias de navegação, às explorações agrícolas e às sociedades concessionárias. Por outro lado, as potências coloniais dispunham nas metrópoles de substanciais reservas financeiras provenientes das colônias, reservas que teriam podido fornecer parte do capital necessário para o desenvolvimento dessas metrópoles. Finalmente, as44 NEWTON, 1923, p. 267. 45 COUPLAND, 1928, p. 3.946 África sob dominação colonial, 1880-1935indústrias metropolitanas beneficiaram-se com as matérias-primas de baixo preço das colônias e dos lucros obtidos com a exportação dos produtos manufaturados. Se compararmos tudo isso com o que os proprietários de terras, os camponeses e os mineiros africanos obtinham, levando ainda em conta que todas as infraes- truturas e facilidades sociais fornecidas tinham de ser financiadas pelas próprias colônias, não poderemos deixar de nos espantar com a ferocidade do contrato leonino que o colonizador impôs aos africanos.Além disso, o que quer que o colonialismo tenha feito pelos africanos, tendo em vista as possibilidades, recursos, poder e influência que tinha na África da época, ele poderia e deveria ter feito muito mais. O próprio Lloyd o admite: “Poder-se-ia ter feito muito mais, se o desenvolvimento dos territórios atrasados tivesse sido considerado pelas nações industriais uma prioridade urgente”46 Mas foi justamente porque as autoridades coloniais não consideravam o desenvol- vimento da África uma prioridade urgente, nem uma prioridade em geral, que elas devem ser condenadas. É por essas duas razões que a era colonial africana permanecerá na história como um período de crescimento sem desenvolvimento, de impiedosa exploração dos recursos do continente e, de modo geral, de humi- lhação e pauperização para os povos locais.Significado do colonialismo para a ÁfricaIsto nos leva à segunda questão levantada no início deste capítulo: qual foi a verdadeira importância do colonialismo para a África? Ele constitui uma ruptura com o passado do continente ou não mais do que um episódio de sua história, de alcance limitado, que não afetou o curso de seu desenvolvimento? Esta questão também recebeu respostas contraditórias. Alguns historiadores, para não dizer muitos, entre os quais os marxistas e os teóricos do desenvolvimento e do anti- desenvolvimento, argumentaram, com razões muito diferentes, que, embora o colonialismo não passasse de um breve episódio, apesar disso havia tido enorme influência na África, a qual ficou indelevelmente marcada. Conforme dizem R. Oliver e N. Atmore: “Medido à escala da história, o período colonial não passou de um interlúdio relativamente breve. Mas esse interlúdio mudou radicalmente a orientação e o ritmo da história africana”47. Gann e Duignan também con-46 LLOYD, 1972, p. 80. 47 OLIVER e ATMORE, 1972, p. 275.O colonialismo na África: impacto e significação 947sideram a época colonial como “totalmente decisiva para o futuro da África”48. A reação dos marxistas e dos teóricos do subdesenvolvimento está claramente resumida no título do livro How Europe Underdeveloped Africa, de Rodney.De resto, outros autores consideram que os efeitos do colonialismo foram apenas superficiais e que ele não provocou a ruptura com o passado. Numa série de publicações, J. F. A. Ajayi49 afirma, de maneira coerente, que o impacto do colonialismo na África tem sido exagerado; o colonialismo “representa apenas um episódio em uma longa e rica história” e não provocou ruptura histórica; os africanos conservaram certo poder de controle sobre seu próprio destino e,

por fim, “na medida em que eles conservaram a iniciativa, os europeus não conse- guiram imprimir orientação inteiramente nova à história da África”. Hopkins afirma igualmente que “a época colonial deixou de ser considerada como a única matéria da história da África” e acha “razoável pensar que a administração colonial teve efeitos econômicos menos importantes e menos generalizados do que se supunha50”, Ele insiste no fato de que o colonialismo não “transformou um país atrasado em um país moderno, desfazendo um equilíbrio tradicional modesto” e que “a principal função dos novos senhores era dar impulso a um processo de desenvolvimento já em curso”.Segundo esse autor, não existe resposta positiva ou negativa para a questão, pois o impacto do colonialismo variou de região para região e de atividade para atividade. Não há a menor dúvida de que, no plano econômico, este foi decisivo, essencial, tendo marcado ao mesmo tempo a cidade e o campo. Em quase todas as partes da África, a economia monetária se tornou antes a regra do que a exceção ao fim do período colonial. A posição das pessoas, mesmo nas zonas rurais, já não se media pelo nascimento, pela quantidade de esposas e de filhos, mas também pelo dinheiro e pelo volume de culturas exportáveis produzidas em cada safra. Além disso, com a introdução da agricultura de exportação, a terra adquiriu um valor que jamais tivera na época pré-colonial, enquanto o esforço e as realizações individuais eram tidos mais em conta do que o espírito comunitário da ordem tradicional. A economia africana também se integrou mais profundamente na economia mun- dial, em geral, e na capitalista, em particular, com consequências possivelmente permanentes. Infelizmente, a integração foi feita de maneira muito desvantajosa para uma África explorada. Os 20 anos de independência não alteraram funda- mentalmente a situação, hoje conhecida pelo nome de neocolonialismo.48 49 50“lntroduction”, in GANN e DUIGNAN, 1969, p. 23. AJAYI, 1969; CROWDER e AJAYI, 1974; AJAYI, 1968. HOPKINS, 1973, p. 167, 206, 235.948 África sob dominação colonial, 1880-1935Posto tudo isto, contudo, será possível concordar com Margery Perham em que o principal impacto do colonialismo residiu em confrontar a África com a Europa do século XX51? Ou devemos defender aqui a opinião de Hopkins? Tudo indica que este último, está com a razão. Cumpre ressaltar que, indepen- dentemente das mudanças de infraestrutura (estradas, ferrovias, telefone, telé- grafo) trazidas pelo colonialismo, todas as demais transformações econômicas (a introdução da agricultura de exportação e da economia monetária, o desman- telamento constante e paulatino das formas de vida comunitária, a integração da economia africana na economia mundial, a urbanização) tinham começado antes da era colonial. Afigbo (no capítulo 19) e Caldwell (no capítulo 18) afir- maram justamente, como Hopkins, que o colonialismo não fez senão acelerar vertiginosamente o ritmo dessas transformações e que, portanto, ele precipitou e reforçou, em vez de iniciar, a confrontação entre a África e a Europa. No entanto, fez isso de um modo que privou os africanos – os mais intimamente afetados por elas – de qualquer papel essencial ou benéfico. Ademais – e nisso entro em desacordo com Hopkins – a alteração foi tão rápida e tão profunda que seu impacto sobre os africanos não só foi traumático como precipitou a economia em uma direção malsã e alienada, da qual ela não conseguiu ainda desviar-se. É dentro deste quadro e não no da confrontação com a Europa do século XX que se deve avaliar todo o impacto do colonialismo no nível econômico.Os efeitos no nível político foram igualmente fundamentais, duradouros e ressentidos por todos os membros da sociedade africana. Como vimos, a própria estrutura geográfica dos Estados africanos independentes é uma criação do colo- nialismo. Com a adoção do princípio da inviolabilidade das fronteiras nacionais pela Organização da Unidade Africana (OUA), essa estrutura não está aberta a mudanças. Em segundo lugar, mesmo depois da independência, é certo ter havido uma alteração essencial e permanente na fonte da autoridade e do poder político. Na época pré-colonial, o poder era exercido pela elite tradicional dos reis, rainhas, chefes de família e de clã, bem como pelas autoridades religiosas. Mas as autori- dades coloniais viram-se constrangidas a conceder a independência e a soberania – como veremos no volume VIII desta

obra – não à elite dirigente tradicional, mas à nova elite, aos membros das classes médias superiores ou inferiores, quer dizer, a uma classe criada pelo próprio sistema colonial. Essa situação jamais se modificou. Em todo caso, a possibilidade de as tradicionais instituições reais serem51 PERHAM, 1961.O colonialismo na África: impacto e significação 949completamente abolidas, como o foram na Guiné, por exemplo, é muito maior do que a de serem mantidas e muito menor que a de serem reabilitadas.Em terceiro lugar, foi o colonialismo que deu origem ao nacionalismo afri- cano, produto da cólera, do ressentimento, da amargura, da frustração e da alienação que o sistema colonial engendrou.Em quarto lugar, o exército é uma das heranças do colonialismo, que já teve papel decisivo na política da África pós-colonial. A instituição não se acha em vias de extinção e, conforme veremos no volume VIII desta obra, já alterou o curso da história de numerosos países africanos. E parece que ainda não encer- rou sua carreira política. “O homem a cavalo”, para citar a expressão de Finer,52 vai ficar por muito tempo entre nós e servirá para nos lembrar constantemente, como se necessário fosse, o episódio colonial.Por fim, parece que as instituições judiciárias e políticas – tribunais, parla- mentos, comissários de região, de distrito etc. – vão ser conservadas, mesmo com algumas alterações e adaptações que já foram e devem ser feitas. Talvez mais do que no plano econômico, o impacto do colonialismo no plano político foi realmente fundamental e, em muitos aspectos, mostra que veio para ficar.Por outro lado, no terreno cultural e social, o impacto do colonialismo não foi relativamente profundo nem permanente. As mudanças introduzidas no domínio cultural, a discriminação racial e a condenação da cultura africana tal como era proclamada durante a dominação colonial limitavam-se no essencial às zonas costeiras e aos centros urbanos, ao passo que a vida nas zonas rurais seguia em grande parte seu próprio curso. A dança, a arte, a música e os sistemas religiosos tradicionais mantêm-se: os empréstimos e as adaptações feitos pelas populações não foram apenas seletivos, mas, como diz M. J. Herskovits, são “adições e não obrigatoriamente substituições”53. Assim, nas zonas rurais e até, em certa medida, nas cidades, novos cultos, crenças, deuses, utensílios, objetos e produtos vieram juntar-se aos antigos.Certamente que, nessas zonas, muitos cristãos continuam a acreditar em seus deuses tradicionais. Aqui, na verdade, a religião europeia é que foi africanizada, como demonstram o ritual, os hinos, a música e mesmo as doutrinas de algumas igrejas sincréticas e milenaristas – e não o contrário. Mais importante ainda: as bases culturais perdidas, mesmo nos centros urbanos, foram praticamente reencontradas. Hoje em dia, a arte, a música e a dança na África não são apenas ensinadas em todos os tipos de estabelecimentos escolares: estão em plena expansão e começam a52 FINER, 1962. 53HERSKOVITS, M. J., 1962, p. 379.950 África sob dominação colonial, 1880-1935ser reconhecidas na Europa. Portanto, no piano cultural, o colonialismo não passou verdadeiramente de um episódio. Seu impacto foi superficial e muito efêmero.Finalmente, no nível social, o significado do colonialismo é manifestamente múltiplo e complexo. Por um lado, as linguae francae serão mantidas por muito tempo, senão para sempre. Por outro, as novas classes criadas pelo colonialismo, “fundadas nos critérios ocidentais da escola e da civilização, e não nos critérios africanos da riqueza e do prestígio”54, estão destinadas a ficar e a tornar-se mais e mais complexas. A primeira é a elite política, constituída pelos dirigentes dos par- tidos políticos que proliferaram na África e são primeiros-ministros, presidentes, ministros, embaixadores etc. O outro grupo é a elite militar, formada pelos oficiais e ex-oficiais das forças armadas de cada Estado independente. Os membros desses grupos são muito diferentes dos habitantes das zonas rurais pelo vestuário, estilo de vida, gostos e posição. Claro que se as elites constituíssem uma porcentagem apreci- ável da população africana, seria de aceitar sua formação como outra transformação fundamental introduzida pelo colonialismo. Já vimos, porém, que os grupos urba- nos ou as elites constituíam, no fim da era colonial, pequena fração da população

(20% no máximo). O restante era formado por camponeses, que permaneceram geralmente analfabetos e conservaram suas crenças, valores e modelos tradicionais. De fato, a civilização ou a socialização introduzidas pelo colonialismo representa- ram essencialmente um fenômeno urbano, que realmente não tocou as populações rurais. Na medida em que estas formavam a esmagadora maioria dos habitantes dos Estados africanos, podemos concluir razoavelmente e sem risco de erro que, aqui, o impacto colonial, apesar de seu interesse, foi extremamente limitado.Em conclusão, se bem que o colonialismo tenha sido indubitavelmente um simples capítulo de uma longa história, um episódio ou interlúdio nas múltiplas e diversas experiências dos povos da África, que em parte alguma do continente durou mais de 80 anos, representou no entanto uma fase de extrema importân- cia do ponto de vista político, econômico e mesmo social. Assinala uma nítida ruptura na história do continente: o desenvolvimento posterior deste e, portanto, de sua história foi e continuará a ser muito influenciado pelo impacto do colo- nialismo. Seguirá um curso diferente daquele que teria seguido se o interlúdio não tivesse existido. Hoje, a melhor maneira de agir, para os dirigentes africanos, não consiste em apagar o colonialismo, mas sim em conhecer perfeitamente seu impacto, a fim de tentar corrigir-lhe os defeitos e os insucessos.54 MOORE e DUNBAR, 1969, p. 125.