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Page 1:  · Title: Microsoft Word - ART 5-05 Anasarca e hipoalbuminemia.DOC Author: CARLA CP Created Date: 191060504092212

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

Anasarca e hipoalbuminemia associadas à

dermatite atópica: relato de caso

Generalized edema and hypoalbuminemia associated

to atopic dermatitis: case report

Patrícia A. L. Cerveira, Ana Paula B. M. Castro, Alessandra M. Lima,

Andréa R. Penha, Cristina M. A. Jacob

Resumo

Objetivo: Relatar um caso de criança com Dermatite Atópi-ca grave, que evoluiu com perda protéica e diminuição dos ní-veis de albumina sérica durante episódio de agudização das lesões cutâneas.

Descrição do caso: Paciente de dois anos e dez meses foi encaminhado ao ambulatório de Alergia e Imunologia do Insti-tuto da Criança – HCFMUSP com diagnóstico de Dermatite Ató-pica desde 18 meses de vida. Em episódio de infecção bacte-riana secundária, evoluiu com edema generalizado, hipoprotei-nemia e hipoalbuminemia decorrente da perda cutânea de al-bumina sérica. Após terapêutica com antibióticos, corticotera-pia tópica e sistêmica e infusão de albumina, houve melhora clínica com controle do processo inflamatório e elevação dos níveis séricos de albumina.

Comentários: Embora a hipoproteinemia secundária ao processo inflamatório da Dermatite Atópica seja uma ocorrên-cia rara, nos casos graves deve ser realizada a avaliação dos níveis de albumina para detecção precoce e tratamento desta complicação.

Rev. bras. alerg. imunopatol. 2005; 28(5):259-261 derma-

tite atópica, hipoalbuminemia, crianças, tratamento.

Abstract

Objective: To report a child with severe atopic dermatitis,

who developed proteic loss and decrease of albumin seric le-

vels during acute episode of dermatitis.

Case Report: A 2,8 year old male patient was referred to

Allergy and Immunology Unit - Instituto da Criança - HCFMUSP

with diagnosis of atopic dermatitis since 18 months old. In an

episode of secondary bacterial infection, he developed genera-

lized edema, hypoproteinemia and hypoalbuminemia related to

cutaneous protein loss. After treatment with antibiotics, topical

and systemic corticotherapy and albumin infusion, there was

clinical improvement with control of the inflammation and re-

covering of the seric albumin levels.

Comments: Although the secondary hypoproteinemia due

to Atopic dermatitis is a rare occurrence, in severe cases, the

evaluation of albumin levels should be done for precocious de-

tection and treatment of this complication.

Rev. bras. alerg. imunopatol. 2005; 28(5):259-261 atopic

dermatitis, hypoalbuminemia, children, treatment.

Introdução

A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória

crônica de caráter recidivante, caracterizada por eczema e

prurido acentuado. Nos últimos anos sua incidência tem

aumentado, atingindo 10% a 20% da população pediátrica

mundial1. Quadros graves de DA podem cursar com com-

plicações, como infecções secundárias e comprometimento

ocular2.

A doença tem caráter multifatoral, com fatores genéti-

cos, imunológicos e ambientais relevantes para a patogê-

nese. Numerosos estudos têm confirmado a importante

relação entre história familiar de atopia e o desenvolvimen-

to da doença, porém variação da prevalência, entre mes-

mos grupos étnicos em diferentes países, sugerem que a

resposta a fatores ambientais é crítica na determinação da

expressão da doença3-5. Entre as alterações da integridade

da barreira fisiológica da pele, destaca-se o prejuízo das

funções dos queratinócitos e entre as alterações imunoló-

gicas, o aumento de interleucinas, IL4, IL5 e IL13, com

conseqüente degranulação de basófilos, aumento da ex-

pressão de CD23 e a ativação crônica de macrófagos6.

O tratamento inicial para a DA consiste em afastar os

desencadeantes como agentes infecciosos, aeroalérgenos e

alimentos em casos específicos, e minimizar o contato com

agentes irritantes como sabões e detergentes, sendo ne-

cessário manter a pele hidratada com emolientes e evitar

banhos quentes e demorados. Corticoesteróides tópicos

são reservados para lesões agudas, com a finalidade de

reduzir a inflamação e o prurido local, bem como diminuir

a colonização bacteriana da pele. O uso de anti-histamíni-

cos é coadjuvante no controle do prurido, pois outros me-

diadores inflamatórios, além da histamina, podem estar

envolvidos na fisiopatologia. Recentemente, o uso dos ini-

bidores de calcineurina tem ampliado o arsenal terapêutico

para controle do processo inflamatório. O uso de corticoes-

teróide oral oferece rápida melhora do eczema, mas é fre-

qüentemente acompanhado de efeito rebote após a retira-

da da medicação7. Pulsos de prednisona e prednisolona

ocasionalmente são usados em casos graves, para controle

da doença.

Pacientes com DA têm maior predisposição a apresenta-

rem infecções secundárias da pele por bactérias, fungos ou

vírus. Em especial o S. aureus pode gerar lesões eritema-

tosas e exsudação abundante. Estudos demonstram que a

colonização por S. aureus pode ser importante na perpe-

tuação das lesões, e o uso de antibioticoterapia sistêmica é

necessária para controle dos episódios de agudização1,8.

Setor de Alergia e Imunologia Pediátrica, Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Artigo submetido em 11.08.2005, aceito em 19.09.2005.

05/28-05/259

Rev. bras. alerg. imunopatol.

Copyright © 2005 by ASBAI

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Com o aumento da incidência da DA nos últimos anos, houve concomitantemente o aumento das complicações a ela relacionadas. A hipoalbuminemia relacionada à DA é uma complicação possível, pouco pesquisada nestes paci-entes. O presente relato descreve paciente com DA grave que evoluiu com perda protéica e diminuição dos níveis de albumina sérica.

Descrição do caso

Pré-escolar de dois anos e dez meses, masculino, com

diagnóstico de DA desde 18 meses. Apresenta anteceden-te de crises de sibilância associadas a infecções respirató-rias e antecedente familiar de asma materna.

Realizou tratamento inicial com anti-histamínico clássico e emoliente. Nas exacerbações utilizava corticosteróide tó-pico de baixa potência e antibiótico oral, conforme orienta-ção médica. Apesar do tratamento, mantinha prurido in-tenso e recidivas freqüentes, com eczema extenso e exsu-dação importante das lesões.

À admissão, apresentava peso e estatura no percentil 50, xerose cutânea, eczema seco em membros superiores e inferiores, mais intenso em região flexora, com exsuda-ção serosa e hiperemia em região malar da face. Foi orien-tada manutenção de anti-histamínico e emoliente, além de eritromicina por uma semana, devido à suspeita de infec-ção cutânea secundária, levando à reagudização do qua-dro.

Uma semana após a consulta, o paciente retornou com quadro de edema generalizado, mais acentuado em mem-bros e ao redor das lesões cutâneas que se encontravam hiperemiadas e com intensa exsudação. Negava diarréia ou alteração de débito urinário, referindo ganho de 3kg no período. Ao exame físico, apresentava abdomen globoso, sem presença de visceromegalias, freqüência cardíaca e pressão arterial dentro dos padrões da normalidade para a idade. Sem déficit neurológico. Os exames laboratoriais revelaram hipoproteinemia (4,1 g/dl) com hipoalbumine-mia (2,6 g/dl), hipereosinofilia (3.940 eosinófilos), IgE elevada (5.170 UI/l), diminuição dos níveis séricos de IgG (439 mg/dl), com ausência de proteinúria.

O paciente foi internado, recebeu aplicação endovenosa de albumina, associação de anti-histamínicos clássicos, an-tibioticoterapia oral e corticoesteróide sistêmico (predniso-lona 1 mg/kg/dia) e tópico na forma de curativo oclusivo com dexametasona em membros.

Evoluiu com melhora clínica importante nas primeiras 24 horas, com redução do edema e aumento da diurese, não sendo necessárias novas infusões de albumina. A corticote-rapia sistêmica foi mantida por seis dias, quando houve a recuperação do peso inicial e melhora das lesões, permitin-do a retirada do medicamento. O corticoesteróide tópico foi mantido em curativos oclusivos com retirada gradual. Hou-ve elevação dos níveis laboratoriais de proteína total (6,0 g/dl), albumina (4,6 g/dl) e IgG (875 mg/dl). O paciente mantém acompanhamento ambulatorial, com DA grave controlada, sem outros episódios graves de agudização.

Discussão

A DA representa a doença inflamatória de pele mais co-

mum da infância. Seu curso crônico, e evolução intercalan-do períodos de atividade e remissão e o prurido comumen-te intenso, interferem de modo significativo na qualidade de vida do paciente, principalmente em crianças com DA grave. Sabe-se que a DA pode ser exacerbada quando há infecção secundária das lesões por agentes virais, fúngicos e principalmente bacterianos3,8,9. Nestes casos, o quadro clínico caracteriza-se pela agudização das lesões com eri-tema, escoriações, exulcerações e exsudato abundante.

Entre as conseqüências deste processo inflamatório ex-tenso encontra-se a possibilidade da ocorrência de dimi-nuição dos níveis de albumina sérica por perda cutânea, acarretando complicações graves, como a anasarca. Há pouco menos de 20 casos relatados na literatura, onde tais episódios de agudização vêm acompanhados de hipoalbu-minemia e edema. A primeira descrição foi feita por Abra-hamov et al em 1986, que relataram o caso de hipoalbu-minemia em um lactente de dez meses com DA e em 1996 Capulong et al descreveram um outro lactente de seis me-ses de idade com hipoalbuminemia, oligúria, cianose de extremidades, anasarca e exsudação abundante em pe-le10,11. Novembre et al em 2003, descreveram caso seme-lhante, onde a albumina sérica atingiu níveis séricos de 1,48 g/dl12.

A descrição mais interessante de casos de DA e hipoal-buminemia foi relatada por Nomura et al em 2002, que descrevem uma série de casos envolvendo 15 pacientes com DA grave com hipoproteinemia, avaliando os possíveis mecanismos fisiopatológicos envolvidos. A presença de al-teração da permeabilidade do trato gastrintestinal pode ser uma causa de hipoalbuminemia, entretanto descartou-se a perda protéica mensurando os níveis de alfa 1 anti-tripsina nas fezes. Outra possível causa de hipoproteinemia poderia ser a desnutrição nestes pacientes, não raramente subme-tidos a dietas de exclusão intensas e nutricionalmente ina-dequadas. Entretanto, neste estudo, avaliou-se a ingestão calórica diária dos pacientes, e estes não apresentavam sinais de desnutrição. Por estas razões, concluiu-se que os baixos níveis protéicos estariam vinculados ao mecanismo de perda da integridade cutânea, com exsudação extensa, portando-se o paciente como grande queimado11.

Neste relato de paciente com DA grave, havia agudiza-ção da doença, o que levou a maior exsudação das lesões, justificando a hipoalbuminemia. Com o controle do quadro clínico o paciente recuperou-se, mantendo-se estável e com níveis protéicos normais para a idade. O tratamento com antibiótico oral, prescrito ao paciente, a fim de erra-dicar o agente infeccioso perpetuante das lesões foi ressal-tado em todos os estudos descritos como a primeira medi-da para a melhora clínica. O mesmo aplica-se para o uso de corticoesteróides tópicos e anti-histamínicos como coad-juvantes. Para o paciente aqui descrito, foi necessário uso parenteral de albumina, com regressão do edema sem ne-cessidade de diuréticos. O uso de prednisolona via oral, em curto período foi benéfico para o controle da crise, sendo utilizado por outros autores na mesma situação, com o mes-mo benefício. A corticoterapia sistêmica não é prática recomendada no tratamento habitual de pacientes com DA grave. Não há estudos duplo-cego placebo controlados que avaliem a evolução da DA a longo prazo e, por tratar-se de doença crônica, seriam necessários vários cursos de corti-costeróide, o que aumentariam as chances de efeitos cola-terais, sem mencionar o temível efeito rebote após retirada da droga. Entretanto, em casos especiais como o do pre-sente relato, a gravidade da crise e a necessidade da rápi-da melhora, justifica seu uso. Pacientes com quadro clínico grave devem ser admitidos em hospitais para tratamento cuidadoso, sendo descritos casos de choque hipovolêmico mediante níveis de albumina inferiores a 3 g/dl2. Em geral, pacientes com DA grave em acompanhamento ambulatorial devem ter seus níveis séricos de proteína total e albumina monitorizados a fim de detectar alterações precoces e pronta instituição de tratamento apropriado.

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260 Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 28, Nº 5, 2005 Dermatite atópica e anasarca

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Correspondência:

Ana Paula M Castro

Rua Pedro Pomponazzi, 890 ap 21 - Vila Mariana

04115 000 - São Paulo - SP

Dermatite atópica e anasarca Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 28, Nº 5, 2005 261