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«É surpreendente! O amor que sentimos, levamo-lo connosco…»

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«É surpreendente! O amor que sentimos, levamo-lo connosco…»

A vida de Maria de Fátima Veloso decorrianaturalmente, motivada pelo amor à dança e ao clube doseu coração, o Sport Lisboa e Benfica.Uma tarde, recebeu a triste notícia que uma das suas ex-alunas estava gravemente doente. A partir desse dia, asua vida mudou completamente. Os seus objectivos, assuas crenças e todo o projecto de vida que tinhaestruturado até então, estremeceram de tal forma queresultaram neste livro. À medida que fenómenosestranhos foram se manifestando no seu quotidiano,tudo foi questionado: O profundo mistério que envolvea vida e a morte; o sentido da vida; os fundamentossobre os quais as sociedades actuais assentam os seuspilares e as suas esperanças; o sistema de crençasreligiosas. Existirá Deus? É apenas uma ilusão que dá ao homem asegurança de que somos amados e que nunca estaremossós? Morremos efectivamente? Talvez os espíritosexistam, mas por falta de sensibilidade nossa, eles nãoconsigam contactar connosco como nós desejaríamos.Este livro não só é um relato fiel de algunsacontecimentos, como pretende dar aos leitores queperderam entes queridos, algum conforto espiritual ealguma esperança. A sua venda reverteria na totalidade afavor de crianças carenciadas e com graves problemasde saúde.

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Maria de Fátima Velosonasceu em Lisboa a 13 de Maio de 1974.Quis ter seguido a missão religiosa, mas o destino trocou-lhe as voltas.Estudou Contabilidade e Gestão e trabalhou no Hospital Júlio de Matos e no Hospital Santa Maria, em Lisboa.Licenciada pela Faculdade de Motricidade Humana na área da dança, é bailarina, professora e coreógrafa, com carteira profissional desde 1992. Esteve Ligada ao Sport Lisboa e Benfica durante 21 anos. Feztrabalhos para o Futebol Clube do Porto, Sporting Clube de Portugal e Selecção Nacional de Futebol.Trabalhou em televisão. Foi responsável pela implantação das cheerleaders no futebol português. Foi professora nalguns dos mais prestigiados colégio e externatos de Lisboa e no ensino público que abandonou para formar a LX Dance –Escola de Dança e Bailado de Lisboa, onde é directora, professora e bailarina.

E-mail: [email protected]

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Maria de Fátima Veloso E-mail:[email protected], PortugalFevereiro de 2012IGAC - Nº de registo: 4771/2011Design by : Tânia Azevedo – www.suvisual.com – www.artfeelsart.com www.transicaoplanetaria.com

A divulgação deste livro é totalmente gratuita por isso, é expressamente proibida a sua venda

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ÍNDICE

PRÓLOGO.........................................................................................6ACIMA DE TUDO, O AMOR....................................................10I PARTE............................................................................................13

DEPOIS DO ESPECTÁCULO...........................................69UM ANO APÓS A SUA PARTIDA....................................88

II PARTE........................................................................................135III PARTE.......................................................................................142IV PARTE.......................................................................................147AGRADECIMENTOS................................................................172BIBLIOGRAFIA...........................................................................176

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«É surpreendente! O amor que sentimos, levamo-lo connosco…»

PRÓLOGOPodemos ter origens diferentes, não ser damesma raça e até falar línguas diferentes.Podemos ser oriundos de nacionalidadesdiferentes e ter idades, valores e temperamentosdiferentes. Podemos não ser do mesmo sexo,mas por muitas diferenças que tenhamos,existem três coisas que nos unem mais do quetodas essas que nos separam: vivemos nomesmo universo, no mesmo planeta e somosfilhos do mesmo Deus independentemente dacrença e do profeta escolhido, por cada um. Naessência, funcionamos mais como o uno do quecomo seres individuais. Funcionamos maiscomo seres eternos, do que como seres finitos.Este livro pode ajudar a fazer a diferença naforma como observam a vossa vida e tudo o quea rodeia. Quando o escrevi foi para ser publicado, e comisso, ajudar centenas de crianças doentes epobres em todo o mundo, mas também daralgum consolo a todos aqueles que perderamentes queridos ou simplesmente receiam amorte. Enviei-o a várias editoras em Portugal e algumasdelas, responderam-me em menos de vinte equatro horas. Estavam interessadas em publica-lo mas se fossem divulgados os nomes dasMaria de Fátima Veloso 6

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muitas figuras públicas que este menciona.Como o objectivo do livro não é osensacionalismo, recusei de imediato. Continueia procura, até ao dia em que uma editora aceitoupublicá-lo, com o apoio de um canal detelevisão. Foram desde logo esclarecidos que eunão pretendia divulgar os nomes verdadeiros, aoque estes responderam que não estavaminteressados, porque se tratava de uma boahistória. As coisas avançaram até ao ponto deme darem um exemplar de um contrato. Aindaentrei em contactos com o IPO do Porto eLisboa, para que autorizassem os donativosresultantes da parte que me cabia da venda dolivro. Infelizmente uns tempos depois a editoravoltou atrás e disse que afinal queria algunsnomes e sem cancelar o acordo verbal,continuou a alimentar que o ia publicar. Avisou-me inclusive, que teria de ir a vários programasde televisão para promover o livro. Dia doze deJaneiro de dois mil e doze, recebi a confirmaçãodo cancelamento. O editor explicou-me, que ocanal de televisão que ia patrocinar o livro já nãoestava interessado e que ele também não tinhadinheiro para o fazer por conta própria.Confesso-vos que senti um desânimo e umatristeza tão grande que deixei de dormir. Deivoltas e mais voltas à minha cabeça e só maistarde, é que conclui que só havia umaMaria de Fátima Veloso 7

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possibilidade: lançar o livro de forma gratuita nainternet. Assim, a mensagem vai poder chegar amilhões de pessoas em todo o mundo, desdeque dominem a língua portuguesa. Para meajudar, contactei a minha amiga Tânia quepercebe de tudo o que tenha a ver com internete foi ela que fez a capa e organizou o livro paraque todos pudessem ter acesso livremente.Como não sou escritora nem professora deportuguês, é natural que venham a encontrargralhas e erros do qual desde já, peço desculpa.Relativamente ao dinheiro que não vamosrealizar, aqui fica o meu pedido desensibilização: não fiquem indiferentes à doençae à pobreza. Ajudem se poderem e quandopuderem, quanto mais não seja com um abraço. Por fim e em jeito de aviso, não pensem que vãoencontrar respostas neste livro, pois apenasaponto caminhos. Aqui está o meu percurso. Ovosso é com cada um de vós. Coragem!

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«É surpreendente! O amor que sentimos, levamo-lo connosco…»

Este livro é dedicado aos pais, irmão e avós da Elizabete,

a todos aqueles que viram partir alguém querido, mas,sobretudo,

aos pais que perderam filhos

Com todo o meu amor

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ACIMA DE TUDO, O AMOR

Ainda que eu falasse línguas,As dos homens e dos anjos,Se não tivesse amor,Seria como sino ruidosoOu como címbalo estridente.

Ainda que eu tivesse o dom da profecia, O conhecimento de todos os mistériosE de todas as ciências;Ainda que tivesse tido fé,A ponto de transportar montanhas,Se não tivesse amor,Nada seria.

Ainda que eu distribuísseTodos os meus bens aos famintos,Ainda que eu entregasseO meu corpo às chamas,Se não tivesse amor,Nada disso me adiantaria.

O amor é paciente,O amor é prestativo;Não é invejoso, não se ostenta,Não se incha de orgulho.Maria de Fátima Veloso 10

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Nada faz de inconveniente,Não procura o seu próprio interesseNão se irrita, não guarda rancor.

Não se alegra com a injustiça,Mas regozija-se com a verdade.

Tudo desculpa, tudo crê,Tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais passará.

I CORÍNTIOS: 13

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«O que pretendo alcançar, o que na verdade venhotentando ansiosamente nos últimos trinta anos, é a auto-realização, encontrar-me frente a frente com Deus,atingir a Libertação e a salvação. A minha vida e o meuser caminham em função deste objectivo. Tudo o quefaço, digo e escrevo, todas as minhas incursões nos várioscampos da vida têm esta finalidade. Como sempreacreditei que aquilo que é possível para mim é possívelpara todos, as minhas experiências não acontecem àsescondidas e sim abertamente, o que em nada diminui oseu valor espiritual. Há coisas a nosso respeito que sóDeus e nós mesmos sabemos. São factos que nãorevelamos a ninguém. Os que narrei aqui não são dessanatureza. São acima de tudo vivências de naturezaespiritual e também moral, pois a essência da religião é amoralidade.»

Mohandas K. Ganghi

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A morte não nos rouba os seres amados. Pelo contrário guarda-ose imortaliza-os na nossa recordação. A vida assim, é que no-los

rouba muitas vezes e definitivamente.

(Autor desconhecido)

I PARTE

Um bem-haja a todos quantos têm aoportunidade de pegar e ler este livro.Vou contar-vos uma história feita de factosverídicos que irei relatar o mais fielmentepossível, recorrendo às imagens e sensações quegravei dentro da minha memória. Compreendoque é impossível, narrar o que quer que tenhaacontecido sem exageros e algumas falhas mas,para o melhor e para o pior, é isso que voutentar fazer.A inspiração para o título deste livro fuiencontrá-la no filme “Ghost, Espírito do Amor”e na célebre frase que Patrick Swayze diz aDemi Moore “É surpreendente! O amor quesentimos levamo-lo connosco para sempre”.Após sucessivas tentativas de contacto depoisda sua morte, ele consegue finalmente dizer-lheque não morreu: É essa justamente a grandemensagem deste livro. Maria de Fátima Veloso 13

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Não é objectivo desta narrativa falar da vida deElizabete, como alguém que nasceu, viveu emorreu prematura e inesperadamente aos dozeanos de idade. Nem eu seria a melhor pessoapara fazer a sua biografia. Fui apenas suaprofessora de ballet e de dança durante trêsanos, sendo o último, o mais marcante de todos,do ponto de vista emocional. É por isso que nãotenho material suficiente para falar das coisasmaravilhosas que ela viveu e proporcionou atodos aqueles que privaram diariamente com ela.Assim sendo, é meu desejo que esta história, queconta a minha experiência extra-sensorial comElizabete, alerte todos aqueles que querem edesejam estar despertos para um outro sentidoda vida: uma vida que nos é dada pelos nossosprogenitores com o aval de Deus ou danatureza, como lhe queiram chamar. Uma vidaque se traduz em muitas interrogações,angústias, incertezas e num turbilhão desentimentos difíceis de gerir, sem nuncasabermos para onde realmente caminhamos. Um caminho que é sempre vivido na primeirapessoa, assente numa sociedade que estáestruturada em conceitos e lógicas que, muitasvezes, passam ao lado das verdadeirasnecessidades de quem nela se move.Creio que serão muito poucos, aqueles que sepodem dar por satisfeitos pela forma como aMaria de Fátima Veloso 14

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vida se lhes apresenta. Infelizmente, nãopertenço a esse pequeno grupo e cada dia quepassa, tenho mais dúvidas, sobre tudo aquiloque me rodeia.Não tenho a intenção, nem a veleidade deestabelecer teorias sobre temas para os quais ohomem, desde há muito, procura resposta semcessar: o sentido da vida, o que está para alémdo que deixou de existir na forma como aidentificamos e que, para o mundo em geral, setraduz no número de bilhete de identidade.Para onde vai, cada um de nós, depois do adeus?A Bíblia, designada por palavra de Deus para asreligiões cristãs, manda-nos estar atentos ealerta, um aviso que pode significar muita coisa.Escrito com recurso a parábolas, metáforas e aalegorias, a fim de servir várias gerações e várioscontextos da vida do homem, este livro comquase dois mil anos de existência e dotado deuma extraordinária beleza, não só do ponto devista religioso como também cultural, filosóficoe social, é bastante dúbio em relação ao post-mortem1. Tratando-se dum manual para a escolada vida, os seus textos são, muitas vezes,susceptíveis de várias interpretações. Por isso, oestar alerta pode também significar não sermosdogmáticos, preconceituosos e cegos, ao pontode não percebermos que há coisas na vida, que1 Post-mortem: Termo em latim que significa pós-morteMaria de Fátima Veloso 15

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só se manifestam em nós, quando nos tornamosreceptivos às mesmas.

A verdade pode advir de muitas fontes e termuitos rostos. Tenho para mim que pode tervárias origens ou pontos de vista, dependendodo assunto, bem como de quem a questiona.Nesse sentido, pode não ter a expressão físicaou uma lógica coerente enquadrada nomovimento sociocultural onde nos inserimos,mas pode estar apoiada num sentimento ounuma expressão de fé. E os sentimentos são umbom exemplo disto, por serem o veículo doamor.Senão vejamos; independentemente do tipo derelação que possamos ter com alguém, como éque sabemos que o que sentimos pelos outros éamor? Como é que o amor é capaz dedesencadear sucessivas reacções no ser humanoque afectam radicalmente a sua vida?Este é o momento em que gostaria de esclarecerque escrevo sobre experiências que vivenciei epara as quais não estava desperta. Foi umasucessão de acontecimentos que me levou a tercoragem para escrever este livro e,consequentemente, sujeitar-me a ser malinterpretada e julgada.Podem pensar que existe um grande exagero noque vos vou contar, ou que tudo é impossível.Maria de Fátima Veloso 16

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Sei que todos nós nos agarramos às certezas davida, que se nos apresentam de forma concreta ecientífica, menosprezando outras formas, paraalém daquelas em que fomos educados. E nestetempo de hipocrisia e cinismo, ainda é maisdifícil desafiar a pressão social. Mas tentemimaginar e sentir o que acontece a alguém, aquem tanto amamos, e que foi levado cedodemais. A morte parece ser sempre cedo,quando vem. Esse indagar poderá levar-nos auma verdade que, não só nos libertará desentimentos de culpa, como também nosaliviará da tristeza e fará a reconciliação com avida. Por último, gostaria de esclarecer que os nomesusados no livro foram alterados por váriasrazões, entre elas, por uma questão de respeito,já que a maioria das pessoas não temconhecimento da concepção do livro e tambémpara as proteger.Para isso recorri a nomes mundialmenteconhecidos de forma a facilitar as váriastraduções que o livro vai ter. Depois de váriasreflexões, decidi colocar aos personagens, osnomes de muitos membros das várias casas reaisespalhadas pelo mundo, uma vez que tambémeles têm por missão, abraçar causas sociaiscomo é o caso deste livro.

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Conheci Elizabete no ano de mil novecentos enoventa e nove. Era mais uma aluna da turmade ballet de um colégio privado em Lisboa ondeeu leccionava.Tenho uma vaga ideia desse tempo, por ter sidouma das alturas mais complicadas da minhavida. Sempre que alguma coisa me corre mal emtermos pessoais, dou-me mais aos alunos e aomeu trabalho. Não sei se é uma qualidade oudefeito, mas muita gente resolve o seu problemadesta mesma forma, atirando-se aos afazeres.Recordo-me particularmente dessa turma, queviria a ser a minha preferida durante os dez anosque trabalhei nessa escola.Era um prestigiado colégio, mesmo no coraçãode Lisboa, que acolhia crianças com idadescompreendidas entre os quatro meses e os nove,dez anos de idade, até ao quarto ano doprimeiro ciclo. A partir daí, cada criança teria deseguir o seu percurso académico numa outraescola.Recordo-me que a turma da Elizabete eracomposta por cerca de vinte e cinco alunos. Aprofessora Amália estava na altura, jáaposentada do ensino estatal mas ainda sentiu oapelo e teve a coragem de ensinar durantequatro anos aquele grupo de crianças, algumasdelas bem rebeldes. Penso que o número de

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meninas era mais ou menos igual ao número demeninos.A maior parte das raparigas recebia aulas deballet e de dança, porque é muito prestigiantepara os pais de classe média-alta e alta terem asfilhas a aprender ballet, em que trabalham apostura, os gestos, a elegância, a elasticidade, adisciplina, entre outras coisas.Aquela era uma turma de eleição. As meninas,bonitas, inteligentes, com sentido de humor eamigas revelavam sentimentos muito nobres emrelação umas às outras. Recordo-me de haveruma menina, a Beatriz que por dificuldadesfinanceiras, não podia fazer ballet. A criançagostava imenso, mas os pais não podiamdespender mais dinheiro, por isso, resolvi aceitá-la à revelia da directora da escola e com aconivência das colegas. O maior problemasurgiu, no final do ano lectivo, quando o colégioapresentou uma festa para os familiares eamigos dos alunos no Parque Mayer e a Beatrizficou de fora, pois nessa altura, não deu paraenganar a directora. Oficialmente a aluna nãopertencia à classe.Como professora, vivi muitas emoções, comaquela turma em particular, mas também commuitas outras. Como só era possível ter umaturma, essa minha classe de ballet eraconstituída por várias crianças com idadesMaria de Fátima Veloso 19

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compreendidas entre os três e os nove. Porvezes, era difícil lidar com tanta diferença, masacho que estive sempre à altura das dificuldadese nunca me recordo de ter sido chamada àatenção ou de defraudar a expectativa decrianças e pais.Apesar da grande diferença de idades no seio domesmo grupo, apercebia-me com relativafacilidade de um ou outro problema queesporadicamente aparecia numa ou noutracriança. Como medida, mandava chamar os paisou a pessoa responsável pela sua educação epunha-os ao ocorrente do que se passava. Aolongo desses dez anos, tive contacto com váriassituações como divórcios mal resolvidos eproblemas emocionais que resultavam emtimidez da parte da criança e que se traduziapara muita gente, numa maior fragilidade, emrelação às outras. Recordo-me da uma menina chamada Carlotaque era tímida e calada durante quase todo diamas a quem, na minha aula, com relativafrequência tinha de mandar calar. A professora,que passava a maior parte do tempo com ela,nem queria acreditar que a menina falava pelos“cotovelos”.Certo dia, fui abordada pela mãe da Carlota, naaltura um pouco descontente com a escola,disse-me que não percebia por que é que todaMaria de Fátima Veloso 20

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gente afirmava que a menina era muito tímida ecalada na escola, quando, em casa e no ballet eracomunicadora como qualquer outra criança. Foipara mim uma satisfação perceber que haviadiferença no modo como me relacionava com asminhas alunas e a forma como elas me viam e serelacionavam comigo.Houve um outro caso relacionado com duasirmãs, que em duas semanas semana, comecei anotar alguma tristeza e sucessivas chamadas deatenção por parte das meninas, que não eramdadas a este tipo de comportamentos. Na altura,mandei chamar a mãe e foi então, que asmeninas me disseram que esta se encontravadoente no hospital. O pai que agora se ocupavada tarefa de as vir buscar, ficou confuso com aminha chamada de atenção.- É natural, Fátima, a mãe das minhas filhas estámuito doente e tem estado internada, nestesúltimos dias – disse-me o pai, um prestigiadomédico de oncologia, que se via agora numpapel ingrato, com a falta de saúde da suaesposa e por motivos que bem conhecia.Felizmente, ela ficou boa e as crianças voltarama sorrir e ganharam confiança até aos dias dehoje.

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O facto de ser professora num grande clubecomo é o Sport Lisboa e Benfica, criava nascrianças do colégio uma necessidade de chamaratenção. Todos os meninos me queriam falar,contar as suas histórias, os seus sonhos, os seusmedos. Para muitos deles, eu significava omesmo que um jogador de futebol do Benficaou uma figura pública. E essa procura deatenção incluía muitas das crianças quefrequentavam esse colégio, independentementedas idades e do sexo.Para não defraudar as expectativas, retribuía-lhes o carinho e a admiração com pequenosjogos de futebol, que fazia com eles, após asaulas de ballet.Era muito engraçado: saía da minha aula deballet de saltos altos para logo a seguir norecreio, os descalçar e jogar futebol com osmeninos. Era a única ocasião em que asraparigas gostavam de brincar com os rapazes.Mas isso não era possível, pois aquele era omomento que eles reivindicavam só para eles.Para quem não sabe, as crianças com idadesentre os seis e os dez anos de idade não brincamtodas juntas; é neste período de crescimento e énesta altura que se começam a acentuar asprimeiras diferenças entre os dois sexos e, comotal, os meninos não brincam com as meninas eas meninas acham que parece mal entrar nasMaria de Fátima Veloso 22

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brincadeiras dos rapazes. Por isso, as suasactividades lúdicas são bastante diferentes e émuito engraçado constatar a diferença entre osdois grupos.Acredito que a vida de cada pessoa e de cadaprofissional daria um bom livro. A minha não éexcepção. Acho que nunca, o papel dumprofessor foi tão importante para a formaçãodum indivíduo, como nos dias de hoje. Asfamílias estão cada vez menos presentes naeducação dos seus filhos e cabe ao professornão só ensinar, como educar e até amar os filhosdos outros. Madre Teresa disse um dia: «Oproblema do mundo é que desenhamos ocírculo da nossa família demasiado pequeno.»Eu tento, todos os dias, contrariar essarealidade. Embora a minha área de estudomotive o aluno de forma diferente em relação àsdisciplinas mais convencionais como sejam aMatemática, as Ciências e outras, a verdade éque só vai estudar ballet ou dança quem o querfazer de livre e espontânea vontade.Muitas das crianças e jovens que fazem este tipode aulas, acalentam o sonho e a fantasia de setornarem bailarinas exímias, independentementede quererem ou não seguir a dança como futuroprofissional. Nestes casos, os pais funcionammuitas vezes como molas impulsionadoras damotivação, uma vez que se revêem nos filhos eMaria de Fátima Veloso 23

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transferem para estes os seus sonhos nãoconcretizados.A conotação social atribuída a quem aprendeballet ou dança em criança, adolescente oujovem, nada tem a ver com a conotaçãoconferida quando se é bailarina profissional,pelo menos em Portugal, onde a profissão não édignificada nem reconhecida. O que noprincípio era chique e necessário para educar eformar a criança, mais tarde passa a ser umaactividade profissional de quem não temresponsabilidades e não faz mais nada na vida,que não seja andar aos pulinhos. Falo comconhecimento de causa. Que visão redutora epreconceituosa que ainda existe no meu país!Nunca quis ser bailarina. Nunca me passou issopela cabeça. Queria ser freira, andar por aí aajudar todos quanto precisassem. A dança veiopor acaso. Aos onze anos de idade, uma colegade atletismo disse-me que andava a fazer umasaulas de dança e que a professora eraespectacular. Como eu tinha uma boaelasticidade me mexia bem, ela achou que eu iriagostar de experimentar. Um dia, fui assistir a uma aula. Gostei do que vie nunca mais parei até hoje. O ballet veio unsanos mais tarde. Depois, entrei para umprograma de televisão e quando foi o momentode optar entre dar aulas no Sport Lisboa eMaria de Fátima Veloso 24

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Benfica ou seguir a carreira televisiva, nem olheipara trás: optei pelo Sport Lisboa e Benfica,onde já tinha iniciado um percurso e umarelação afectiva.As coisas foram acontecendo, sem que eutivesse feito planos. Para dizer a verdade,sempre que faço planos para alguma coisa, àexcepção dos espectáculos que organizo, tudocorre ao contrário ou então sai a ferros. Enfim...Talvez seja para meu bem. Quiçá?

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Elizabete foi a melhor aluna que o colégio tevenesses anos. Toda gente elogiava as capacidadesda menina. No ballet e na dança não eradiferente: era igualmente a melhor, sobretudopelo rigor e pela disciplina. Entrou no balletcom seis anos a frequentar o primeiro ano doprimeiro ciclo. Porém, a ida do pai que é médicopara os Estados Unidos, levou a que saísse noano seguinte. Mais tarde, já adaptada ao papel depai e mãe, Cristina, a mãe da menina, voltou ainscrevê-la nas minhas aulas.No último ano de escola, quarto ano doprimeiro ciclo, preparei a Carlota e a Elizabetepara ingressarem no Conservatório Nacional deDança em Lisboa. O rendimento da Elisabeteera excepcional: bastava explicar uma vez omovimento e ela fazia com a máxima perfeiçãoo que lhe era exigido. Era incrível, tantamaturidade demonstrada numa menina de dezanos. Não era uma criança lamechas que fizessegrandes demonstrações de afecto, embora fossedócil e generosa. Tinha uma personalidademuito calma, segura e angelical. Sabia quando sedevia pronunciar e quando se devia reservar aosilêncio. Percebia em mim o que as outrascrianças não alcançavam. E era sempre muitocordial nas suas apreciações com o seu: «Pois é,pois é.»

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Esse «Pois é» tanto podia significar: passa àfrente; também concordo; como não acho queseja, mas está bem. Foram muitas as vezes, quetrocámos olhares cúmplices.Um dia dei por mim, a ser convidada pelaElizabete para participar na sua festa deaniversário, com toda a pompa e circunstância.Recordo-me da alegria demonstrada por ela epelas colegas, quando me viram entrar poraquele parque. Percebi, nessa altura, que elagostava verdadeiramente de mim e que sentiauma grande admiração que, até aquelemomento, nunca havia sido demonstrada.«Tudo no seu tempo», como diz a Bíblia. Antes do final do quarto ano, a Cristina, mãe daElizabete, veio dizer-me que, afinal, a menina jánão ia fazer a audição para o Conservatório.Fiquei tão desiludida. Pelo menos que fosse àaudição! Tenho a certeza que teria entrado. Naaltura, a Cristina explicou-me que era muitocomplicado para ela levar a filha tão cedo para ocentro de Lisboa, quando moravam no Parquedas Nações. Ainda por cima, com o maridofora, era ela que se tinha de desdobrar para levare buscar os dois filhos, que passavam afrequentar escolas diferentes. Também nãopodia delegar essa responsabilidade nos avós,que tinham as suas vidas profissionais.

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No início do quinto ano, a Cristina diz-me que aElizabete estava a frequentar uma escola pertode casa e que também tinha ido experimentar asaulas de ballet, mas que não se tinha identificadocom a professora nem com o seu métodopedagógico.Mais uma vez fui surpreendida: a menina nãoqueria outra professora. Fomos mantendoalguns contactos e até nos chegámos a encontraralgumas vezes.No sexto ano, voltámos a falar na possibilidadeda dança e do ballet, mas a verdade é que eu sódava aulas junto à Segunda Circular e atravessarLisboa à hora-de-ponta é um quebra-cabeças.Era impossível para aquela mulher fazer, maisum sacrifício que fosse. O avô estava agora maisdisponível para ajudar, mas andava com umligeiro problema de saúde. Logo se veria.Ainda pensei ser eu a ir buscá-la, mas os meushorários estavam muito apertados e não mepermitiam uma pausa nem de meia hora.No início do sétimo ano, a Elizabete já comdoze anos de idade, pediu aos pais, para amatricularem numa escola do ensino público,porque queria experimentar outro tipo deescola. Os pais cederam, até porque ficavapróximo de casa e ela já era bastante expedita. Opai já estava de volta a Portugal e a trabalhar

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como cirurgião cardiovascular num hospital deLisboa.Por essa altura, já eu andava a pensar em realizarum espectáculo de Natal. Fora sempre umdesejo meu, montar um espectáculo de dança naquadra natalícia. Já o tinha feito no sexagésimoaniversário do Hospital de Santa Maria emLisboa, para efeitos de avaliação de umadisciplina relativa à minha licenciatura emDança. Tínhamos de ser capazes de organizarum evento artístico para passarmos na cadeira.Mas o que eu queria, nesse ano de dois mil ecinco, era fazer um grande espectáculo noTeatro Aberto em Lisboa, o que para mimsignificava um grande desafio. Quanto mais aideia do espectáculo se consolidava, mais melembrava da Elizabete. Desta vez, nadaimpediria que a menina viesse para as minhasaulas no Benfica. Nem que para isso tivesse quea ir buscar. Não era a primeira vez que o fazia e,de certo, não seria a última.

Os meses de Setembro e Outubro foram deloucos, passaram rapidamente, sem que eutivesse tido tempo de falar com ela ou com amãe. Quanto mais o tempo passava, mais melembrava da miúda e mais necessidade tinha delhe falar. A dada altura, a Elizabete passou afazer parte dos meus sonhos, quase diariamente.Maria de Fátima Veloso 30

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O sentimento de estar em falta para com amenina começou a assolar-me e passei alembrar-me frequentemente dela, várias vezesao dia durante aquela que viria a ser a sua últimasemana de vida em consciência.Sexta-feira, quando cheguei ao colégio, onde ahavia conhecido, a minha colega Rania disse quea Elizabete estava muito doente. Segundoconstava, a miúda tinha partido um braço, tinhasido operada e a coisa não tinha corrido bem.Achei muito estranha a notícia, até porqueninguém fica mal por ser operada a um braço –pensei eu. Era muita preocupação para ummotivo tão pouco importante. Imaginei queseria mais um exagero da parte de quem tivesseouvido a notícia pela primeira vez. Resolvi telefonar para o telemóvel da menina,mas este tocou e ninguém atendeu. Foi para acaixa de mensagem e eu decidi deixar a minhamensagem.- Olá, Elizabete, fala a Fátima, a tua professorade ballet. Estou a ligar-te porque aqui nocolégio, deram-me a notícia, de que estavasdoente e que tinhas sido operada. Gostava defalar contigo, até porque já não falamos hámuito tempo. Estou a preparar um espectáculode dança que será em Dezembro ou em Janeiroe gostava que participasses. Bom, agora com obraço avariado não sei como será mas, se forMaria de Fátima Veloso 31

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preciso, podes dançar com gesso. Tudo seresolve. O importante é estares presente. Desteano não passa, nem que para isso eu tenha de teir buscar. Temos de combinar com a mãe. Também te quero dizer que já comprei uma casaem Lisboa, ali na zona de Benfica. Agora estoumais perto de ti. Quando estiveres melhor,vamos combinar para vires conhecê-la e atépassares cá um dia ou um fim-de-semana. Vaisadorar. Tenho muitas saudades tuas. Acreditasque esta semana não me tens saído dopensamento? Até parece que já estava aadivinhar. Agora vou ligar para a tua mãe, sópara ficar mais descansada. Gosto muito de ti.As melhoras e um grande beijinho.Assim que acabei a mensagem, liguei deimediato para a Cristina que me atendeu:- Estou – disse.- Olá, Cristina fala a Fátima do ballet. Comoestás? A professora Rania, aqui da escola, disse-me há pouco, que a Elizabete estava doente eque foi operada ao braço. Acabei agora de ligarpara o telemóvel dela, mas ela não atendeu e porisso, resolvi ligar-te só para ficar maisdescansada – disse-lhe, enquanto ela,permanecia num silêncio, que não era habitualda sua parte. - Fátima, a Elizabete está realmente doente masnão é do braço. Antes fosse. Na sexta-feiraMaria de Fátima Veloso 32

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passada, estava ela numa aula de matemáticaquando se sentiu mal. Pediu à professora para irà casa de banho e nunca mais apareceu. Umacolega foi dar com ela desmaiada na casa debanho. Levaram-na de imediato para o hospitale o Carlos, o pai da Elizabete, foi lá ter com ela.Mais tarde, fizeram-lhe exames e detectaram-lheuma massa gelatinosa no coração. Depois disso,foi sujeita a uma intervenção cirúrgica, masainda não acordou do coma profundo. Este éum problema que, detectado a tempo, permiteque a criança tenha uma vida quase normal,após uma operação. No caso da minha filha, asituação é muito grave. Na opinião dos médicossó um milagre a pode salvar. O meu marido estátambém a acompanhar o caso de perto e temfalado com os colegas. Ele já não acredita queela se salve – concluiu numa profunda angústiaAo mesmo tempo que a Cristina ia contando osucedido, tive a impressão de ter sido atiradapara uma sala muito escura, onde não haviachão, nem paredes nem tecto. Só uma imensaescuridão. Aquilo não podia ser verdade, nãofazia sentido nenhum. As coisas não podemacontecer assim – pensava – a Elizabete era umamenina perfeita. Nem me lembro de a verconstipada! Nem óculos usava. Não erapossível, no meu entendimento, estar a ouvir

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aquela mãe delicada e zelosa, contar-metamanha maldade do destino.- Mas como é que isso foi acontecer? –perguntei estupefacta e ainda incrédula.- Não sei, Fátima. Neste último mês, a Elizabeteandava mais cansada. Chegava a casa e deitava-se no sofá para ver televisão, o que não é muitodo seu hábito. Houve um dia que se sentiu maldisposta; noutro queixou-se de dores de cabeçae até teve febre mas depois, ficou tudo bem.Nós achámos que era só o cansaço do início deano lectivo e a consequente adaptação à novaescola – acrescentou – até porque, o Carlos émuito cuidadoso com os miúdos e não há muitotempo que eles fizeram uns exames ao coração eestava tudo bem. Não sei como isto podeacontecer! – interpelava-se à medida que me ianarrando os factos.Ainda hoje não consigo descrever exactamenteo tipo de sentimento que me foi invadindo àmedida que ouvia aquela mulher descrever aaflição e agonia porque passava. Foi horrível!Senti-me esmagada- Cristina, não desanimes, por favor. Nãomereces que isto te esteja a acontecer, ninguémmerece. Mas tem fé, que Deus não te vaidesamparar. Tem fé. Acredita que para Deusnão há impossíveis. Fala com a Elizabete. Nãodeixes de falar com ela, porque tenho a certezaMaria de Fátima Veloso 34

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que ela te ouve. Pode não dizer nada, mas ouve-te. Pede a Deus porque Ele vai ouvir-te. Nãodesanimes por favor – insistia eu –. Voutambém pedir a Deus e tenho fé que Ele nos vaiajudar. Dá um beijo à menina e diz-lhe quetenho saudades dela. Diz-lhe que estou à esperaque ela fique boa para ir fazer ballet comigo.Preciso dela para o meu próximo espectáculo.Cristina, não desistas, por favor. Se precisares demim, liga-me. Eu também te vou ligando. Umbeijo grande – despedi-me, sem vontade de ofazer.- Fátima, reza pela minha filha, ela gostavamuito de ti – suplicou ela, tentando conter aerupção da dor que a dominava.- Vou rezar Cristina, tem fé, que vamosconseguir o milagre para ela – disse-lhe tentandoanimá-la, ao mesmo tempo, que eu mesma metentava convencer.- Obrigada por tudo, Fátima. Um Beijo –despediu-se ela e desligou.Foi como se me tivessem dado uma enormepancada, sem direito a aviso prévio. Senti algoque nunca antes havia sentido. Precisei de travaro meu pensamento e de ter certeza do queacabava de ouvir. Encontrava-me incrédula. Deipor mim a olhar para o céu e a interpelar Deusno meu pensamento.

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«O que é isto? Porque estás a fazer isto? Comodeixas que isto aconteça? A Elizabete é um anjode menina, aqueles pais são do melhor e Tufazes isto? O pai dela é médico, sei lá eu quantasvidas aquele homem já deve ter salvado eajudado a salvar e tu fazes-lhe isto? Ó meu Paido céu, nem parece Teu. É como se estivesses apôr à prova a Tua bondade: como se quisessesfazer um milagre para a comunidade médicapassar a acreditar em Ti» Pensava eu, à medidaque tentava pôr as minhas ideias em ordem.Tudo aquilo era muito surreal. Nem sabia bemse estava a viver aquele momento. Chegueimesmo a tentar desligar-me de toda aquelasituação, na tentativa de acreditar que Deus iriaremediar a situação e que tudo terminaria bem enão passaria dum susto. Tentei abstrair-me durante o resto do dia, massem sucesso. Era como se tivesse uma bombarelógio na minha cabeça, com os segundos afazerem a contagem decrescente. Só de noite, quando cheguei a casa, depois deum dia demolidor, é que tomei a consciênciareal de tudo o quanto tinha processado durantea tarde. Fui direita ao quarto vazio onde faço asminhas orações e ajoelhando-me no chão, frenteà imagem de Nª. Sr.ª de Fátima, na esperançaque também ela me ouvisse:

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«O que é isto? A minha Elizabete, não! –Indignei-me, em profundo estado de aflição.Chorei completamente desnorteada, frustrada ecom uma forte dor no peito. A dada altura, senticomo que um entorpecimento a espalhar-se dacabeça para resto do corpo. Num misto desentimentos, foram várias as imagens daElisabete que recordei, muitos dos momentosque passámos juntas nas aulas, no recreio, nosnossos encontros fora do colégio, nos almoços,nos lanches. Enfim, por ali fiquei perdida notempo, sem que mais nada fizesse sentido. Caídano abismo, a morte pré-anunciada da Elizabeteferia-me no mais profundo do meu ser.− Diz-me meu bom Deus, que posso fazer? -Perguntava sem cessar, no meio de tantodesespero. De repente lembrei-me que tinhaumas fotografias dela lá por casa. Levantei-medo chão e fui apressadamente a um álbum, ondeas encontrei. Retirei duas e coloquei-asrapidamente junto à imagem de um metro dealtura de Nª. Sr.ª de Fátima. Aquela seria aprimeira de muitas noites passadas em lágrimase sofrimento. Tentava perceber como, mas nadafazia sentido. Usava do “meu à vontade” paracom Deus e com as entidades lá de cima,esgrimindo a importância da Elizabete continuarviva, mas as operações foram-se sucedendo,coração, cabeça e rins, e ela não reagia.Maria de Fátima Veloso 37

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Uma vez por outra, ligava à Cristina para que elanão desanimasse. Tenho a certeza que seapoiava muitas vezes nas minhas palavras, naminha fé e nas mensagens que lhe ia mandandoquase todos os dias via sms. Também ela, talcomo eu, sempre achou que Deus a iria ouvir:pois a fé tinha de ser inabalável apesar daslágrimas e da dor.Enquanto a Elizabete esteve em coma,estranhamente nunca me senti só. Muitas vezes,sentada no chão a falar com Deus ou com aminha consciência, para os mais cépticos, eracomo se sentisse a voz dela na minha cabeça,querendo dizer-me qualquer coisa. No início,achava que só podia ser coisa da minha mente,um pequeno delírio. A Elizabete estava longefisicamente e eu já não estava com ela faziaalgum tempo. Além disso, não acreditava emcerto tipo de coisas, que para mim, não faziamsentido nenhum como a telepatia entre duaspessoas, uma delas em estado de coma. Era detodo impossível!Cheguei a perguntar à Cristina, se quando elafalava com a filha, esta lhe respondia através dopensamento. Para ser sincera, já não me recordoqual foi a sua resposta. Mas a verdade é que eusentia essa tentativa de diálogo dela paracomigo. No início, as indicações que eu lhedava, eram para lutar contra a doença e agarrar-Maria de Fátima Veloso 38

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se à vida. Mas com o passar dos dias, a sensaçãode diálogo foi-se intensificando cada vez mais,até que passei a ter quase a certeza que falavacom ela. A partir dessa altura, passei a desejarchegar ao fim do dia para poder falar com ela,com mais calma. Era incrível, ao mesmo tempoque chorava só em pensar que ela poderiamorrer, sentia simultaneamente, um estado decalma, que nunca vou conseguir explicar, pois aminha cabeça era um tumulto.Com a falta de reacção aos sucessivostratamentos a que era sujeita, a dúvida, quantoao seu restabelecimento físico, foi-se instalandoe algo me dizia que ela já não iria sobreviver. Noentanto sempre que pensava naquela mãe enaquela família, fazia tudo para afastar aquelemau presságio e por isso, passei a ir todos osdias à igreja de Benfica, onde acendia uma velapor ela.Foi um mês arrasador. Os meus pensamentoseram sempre os mesmos. Pedia a toda gente queorasse pela vida da Elizabete. Pedia às minhasalunas, aos pais, aos meus amigos, aos jogadoresde futebol da equipa principal do Benfica e àsrespectivas esposas. A todos era pedido que tentassem demoverDeus da ideia de levar Elizabete para junto DeleNa altura, participava num grupo evangélico deoração que, às terças-feiras, se reunia paraMaria de Fátima Veloso 39

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orarmos uns pelos outros e pelo mundo. Dessegrupo faziam parte muitas mulheres dejogadores de futebol do Benfica, a pastora daigreja e eu. Foi incansável o apoio dessa gente.Houve uma tarde em que a esposa de umjogador me disse, em jeito de consolação: - Fátima, se for preciso nós vamos lá e oramosjunto da menina. O Filipe, meu marido, vai lácom os colegas e com os pastores e tenho acerteza que Deus vai operar o milagre –declarava na sua linguagem brasileira de povocrente.Se a Elizabete fosse minha filha, teria aceitado aoração, mas em se tratando de uma família tãoreputada e de grande formação escolar e cívicacomo era a sua, com a agravante de eu nãoconhecer o pai da menina, nada podia fazernesse sentido. Agradeci, mas as orações tinhamde ser feitas à distância.É terrível o desespero que se instala numapessoa, quando se está na iminência de se perderalguém que tanto se ama. É incompreensível eaté mesmo esmagador.No decorrer do mês que durou o comainduzido da minha menina, fui-me descobrindoe confrontando com sensações que jáanteriormente havia sentido e ignorado mas,desta vez, com uma carga emocional e espiritualmuito superior. E eu que era completamenteMaria de Fátima Veloso 40

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descrente em relação a este tipo de coisas! «Istoé de doidos» – pensava.Recordei-me da história de um homem queconheci no Benfica, tinha eu uns vinte anos.Tenho ideia de lhe ter achado muita graça, poiscontava anedotas como nunca ouvira aninguém. Um dia uma amiga que nos eracomum disse-me:- Este homem é uma pessoa incrível. Há unsanos foi-lhe diagnosticado um cancro noesófago, o médico disse-lhe que só tinha doismeses de vida. Já lá vão quase oito ou nove anose ele ainda aqui se mantém. Come de tudo, vivecomo se não tivesse nada e os miúdos dofutebol adoram-no. A verdade é que a partir daquele dia, também eupassei a adorar aquele homem que era um bomexemplo de vida e coragem para todos. Nunca oesquecerei. Ainda tive oportunidade de convivercom ele por mais algum tempo, mas não foi pormuito mais. O tempo suficiente para lhe dedicarum espectáculo de dança e o tempo suficientepara que um dia no quarto do hospital IPO deLisboa, ele pedisse à esposa para que saísse,porque precisava de falar comigo a sós. Aesposa saiu e eu fiquei com aquele homem, queestava prestes a sair da jornada da vida. Fixandoo seu olhar no meu, pediu-me com toda alucidez possível:Maria de Fátima Veloso 41

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- Ó miúda, pára de rezar por mim, porque eu jánão quero viver mais. Enquanto tu não parares,eu não poderei descansar. Obrigado pelo terço epodes ter a certeza que o levarei comigo quandomorrer. Cuida-te, porque és muito boa menina –acrescentou.O que foi aquilo? O que é que ele tinha visto emmim para me dizer aquilo? Qual foi o verdadeirosignificado daquelas palavras? Uma coisa eracerta, aquele pedido tinha sido uma ordem.Saí do hospital e desatei a chorar. Quandocheguei à noite, nas minhas orações já não pedia Deus que o mantivesse vivo. Pedi que olevasse Consigo e lhe desse paz. Na manhã dodia seguinte, o Alberto morreu. Recordo-me de chegar ao velório com oGuilherme, ex-jogador do Benfica, e comCatarina a sua mulher, e de ver o Alberto dentroda urna. A esposa do falecido, assim que me viu,disse-me logo que lhe tinha posto nas mãos oterço, pois fora o seu último pedido.

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Com a Elizabete em estado de coma, fuirelembrando pequenas situações, juntando peçasaqui e ali, como se estivesse a construir umpuzzle. Tinha necessidade de repescar coisas domeu passado que antes tinham sidosubestimadas. À medida que me ia lembrandode pequenos episódios, era como se a Elizabeteme fosse ajudando a perceber o que se estava apassar comigo. Sempre que duvidada daveracidade das minhas percepções, intuições oudeduções, era a recordação dela que asconfirmava. Cheguei a pensar se a Elizabete nãoestaria num plano, onde lhe era permitido veraquilo que nós homens, enquanto andamosneste mundo, desejamos tanto saber. O que éque a vida significa? Para onde vamos depois dopost-mortem?- Estás mesmo a falar comigo, Elizabete? –questionava-me à medida que procurava quealguém me respondesse do outro lado – Tens deestar, sinto-o. É tudo tão real!

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Os dias sucediam-se e o mês de Novembro foitodo passado em coma induzido. A Cristinadizia que se os médicos desligassem a máquinaque prendia a Elizabete à vida, ela morreria.Também não estava a reagir às várias soluçõesda ciência médica. E os nossos hospitais quetêm tão bons médicos…Sei que houve muitas pessoas que oraram eoutras que participaram numa grandemanifestação de fé, pelas melhoras da menina.Aquando da visita da imagem peregrina da N.Sra. de Fátima à cidade de Lisboa, milhares depessoas juntaram-se em oração e adoração àimagem que seguia pelas principais avenidas dacapital. No meio de toda aquela gente e detantos pedidos, ia um muito especial: que a mãede Jesus salvasse a Elizabete. Que comoção! Lamentei não ter podido estarpresente nessa manifestação de fé mas, estavaem vésperas de espectáculo e tinha quase todo oguarda-roupa por fazer. Havia que aproveitartodos os bocadinhos, para me entregar àscosturas. Por isso, acabei por assistir a todo oritual, pela televisão.A remota esperança que tinha na primeirasemana de Dezembro de dois mil e cinco, erauma gota num oceano sem fim. A Elizabeteviria a reagir tenuemente a um tratamentoinduzido pelos clínicos, o que após tantos eMaria de Fátima Veloso 44

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tantos dias, acendeu alguma esperança na mãe,que nunca a abandonou, enquanto esteve nohospital. O que se passava com aquela força da natureza,que não reagia e já não lutava por viver?Quarta-feira, dia sete de Dezembro, cheguei acasa depois dos meus afazeres habituais e traziaem mim, uma ferida que ardia, um nó que nãose desatava e uma enorme falta de esperança.Sentei-me em frente à minha imagem de Nª. Sr.ªde Fátima e, mais uma vez, tentei entrar em pazcomigo mesma, recorrendo ao silêncio e a umatentativa de meditação frustrada. As lágrimassaltaram-me dos olhos e escorreram sem cessarpelo rosto até às mãos. O desespero foitomando conta de mim até que, por fim,cheguei finalmente à grande resignação: aElizabete já não voltava, estava mesmo departida. - Já sei, vais-te embora um dia destes. Estámuito próximo, eu sinto-o – falei em voz alta,para que ela soubesse que sentia a sua presença. Não estávamos só: tínhamo-nos uma à outra – éa força do amor em todo o seu esplendor.Como o Big Bang, o amor tem vontade própriae poder ilimitado. Como diz James Van Praag«O ingrediente que torna tudo possível, é ointerminável sentimento do amor.» Quando medeitei, tive a sensação que se estendia entre oMaria de Fátima Veloso 45

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vazio e o dever cumprido. No dia seguinte,quinta-feira, fui à igreja e tal como nos outrosdias, coloquei as duas velas: uma por ela, outrapor mim. À noite, no sítio do costume e emplena oração, ouvi um apelo na minha mente:- Fátima, não ponhas mais nenhuma vela pormim. Eu não quero mais estar naquele hospitalnem estar presa a esta vida. Acredita que eu nãoestou tão mal como me vêem. E estarei muitomelhor quando me for embora. Tenho Deus domeu lado. Por favor, amanhã vai à igreja, põeuma vela por ti, mas não por mim. Obrigada portudo. Foste uma grande amiga. Gosto muito deti. Nunca te esquecerei – disse-me num tom devoz, que não era de tristeza nem de dor, mas dedever cumprido.Nessa noite, perante a imagem de Nª Sr.ª deFátima, já não chorei e foi a primeira vez que, aofim de tantos dias, pude sentir alívio.Estranhamente sentia-me em paz, não só deespírito, mas também fisicamente.Sexta-feira, dia nove de Dezembro, estava umdia de céu limpo e até bastante agradável para aaltura do ano. Levantei-me e arranjei-me o maisrapidamente possível para ir direitinha à igrejade Benfica. Por incrível que possa parecer, nãotive a tentação de pôr a vela pela Elizabete. Puspor mim e fiquei em silêncio interior: acho quenão me passou nada pela cabeça, apenas fuiMaria de Fátima Veloso 46

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tomada por uma paz interior, como se uma brisasuave passasse sobre mim. Sentia-me observadae como se estivesse a ser posta à prova. Tinhaque superar a tentação e passar o enormedesafio que me havia sido pedido na noiteanterior. Nessa mesma tarde, fui dar aulas aocolégio onde Elizabete fora minha aluna. Eram dezassete horas, a minha aula já tinhaterminado, quando apareceu à porta da minhasala de aula a mesma professora que antes mehavia dado a notícia de que a Elizabete estavadoente:- Já sabes, Fátima, perguntou a Rania, aElizabete morreu esta manhã – disse-me,cabisbaixa.Aquela notícia arrumava qualquer coisa dentrode mim.- A que horas? – perguntei-lhe, conformada.- Acho que por volta das onze – respondeu«A hora a que estive na igreja» pensei.- Já sabes quando é o funeral? – voltei aperguntar.- É amanhã, na Capela dos Capuchinhos, pertodo café Califa, em Benfica. A missa de corpopresente é às quinze e trinta e o enterro àsdezasseis horas.As lágrimas tinham-se secado de vez, como umpano molhado que tivesse sido espremido. A

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partir daquele dia, nunca mais chorei, nem noseu velório, nem meses depois. Nessa mesma noite, a apatia e a exaustãotomaram conta de mim.No dia seguinte, vesti uma saia de veludo pretaque me ficava pelos joelhos, uma camisola degola alta, um collant preto, uns sapatos develudo e um blusão preto cintado. Com ocabelo amarrado em rabo-de-cavalo, lá me dirigiaté ao velório da minha princesa e companheiradestes últimos dias. Na altura não me apercebida coincidência. Só um ano depois é querelacionei a proximidade da capela onde aElizabete foi velada, com a distância a que ficavada minha: um quilómetro. Não havia razãoaparente para ela ser velada naquela capela. Ospais e os avós não pertenciam aquela área deresidência e ainda por cima, a menina ia para ocemitério do Restelo, o que fazia menos sentidoainda. Meses mais tarde, perguntei à Diana, avómaterna da Elizabete, com quem confidenciavaas experiências que me vinham acontecendo eque para mim, se tornavam cada vez maisdifíceis de compreender e explicar, porque é quea Elizabete tinha para a capela dos Capuchinhosem Benfica.- Ó filha, na altura foi um amigo nosso quetratou do assunto. Nós estávamos todos muitoMaria de Fátima Veloso 48

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abalados e não tivemos condições para nada –respondeu-me.- Sabe que aquela capela fica a um quilómetro dedistância da minha casa? – perguntei-lhe. –Ainda é mais próxima do que a igreja deBenfica. Sabe, Diana, quando deixei amensagem no telemóvel da Elizabete, sem saberainda o que se passava, contei-lhe que tinhacomprado uma casa em Benfica e que faziaquestão que ela fosse lá passar um dia ou umfim-de-semana – contei-lhe. Nós falávamos,muitas vezes, que quando eu comprasse umacasa, ela iria lá passar uns dias comigo. Aproximidade da minha casa em relação à capelaescolhida para o seu velório faz-me muitaconfusão, mas não acredito em coincidência.- Quem sabe filhinha? - respondeu-me pensativapelo novo facto, como se fizesse algum sentido.

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Recordo o dia do funeral da Elizabete, compesar mas sobretudo, como muito insólito.Deixei o meu carro numa estrada paralela aocafé Califa, e perguntei a uma senhora qual era omelhor caminho para a capela- É já aqui à frente, vira na segunda à direita. –Respondeu-meAssim que virei a esquina, vi, a meio da rua, ummar de gente, junto às portas da capela. O recinto religioso, situado nas arcadas dumprédio de habitação, tinha duas portas: uma paraa igreja e outra para a casa mortuária. Quando lácheguei, fiquei por ali, na tentativa de encontraralguém conhecido ou, até mesmo, familiares damenina. Acabei por encontrar as minhas colegasdo colégio.

A sensação que senti, enquanto estive no seuvelório, foi como se estivesse no velório dealguém que não conhecesse, mas em que teriade estar por cortesia. A certa altura, recordo-mede ficar indignada comigo própria: devia chorar,lamentar a morte da menina, como as outraspessoas, mas não era capaz e não sabia porquê.A verdade é que à excepção da família maispróxima, as outras pessoas também mepareciam conformadas. Pouco depois de eu terchegado, abeirou-se de mim uma colega, que meperguntou se já tinha visto a Elizabete.Maria de Fátima Veloso 50

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-Não, mas gostava de a ver se fosse capaz –respondi-lhe.Ela prontificou-se a acompanhar-me e entrámosna capela mortuária. Descemos as escadas até aoúltimo patamar, onde encontrámos um quartorepleto de gente e, lá dentro, estava a urna ondejazia a menina. Quando nos aproximámos dela,a minha colega levantou o lenço branco decetim que cobria o seu rosto. - É mesmo ela, não é? – perguntou, fitando-adocemente.Tive a reacção mais estúpida que alguma vez meocorreu: olhei para aquela criança como senunca a tivesse visto na minha vida. Não seiprecisar quanto tempo foi, mas tive a ideia deestar ali um tempo infinito a tentar descobrir aElizabete naquele rosto. Por mais que meesforçasse, não conseguia ver nada naquelacriança, que me dissesse que aquela era a minhamenina. Apeteceu-me gritar bem alto deindignação:«Mas esta não é a minha Elizabete! Olhem queestão enganados. Ela não está aqui. Aquela nãoé a sua cara nem o seu corpo. É uma criançalinda, mas não é ela. Vejam lá que não é. Nãosentem?»Fiquei chocada com a minha resistência e faltade emoção, pior ainda, com os meus

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pensamentos. As lágrimas, nem vê-las. Queestranho! - Estarei a ficar doida? – questionava-me semcessar, cada vez mais incomodada.Fui ter de novo com a minha colega que,entretanto, se tinha sentado num banco queficava próximo do caixão:- Ana, consegues ver a Elizabete naquele corpo?Eu não consigo – disse-lhe – O que se passacomigo? Parece que nunca vi aquela menina.Que estranho. Quero sair daqui. Isto não meestá a dizer nada.- Estás em estado de choque, Fátima, é natural –tentou tranquilizar-me.Viemos para a rua e encostei-me a um dospilares do prédio que pertenciam à capela. Deseguida, telefonei para uma das minhas alunasque estavam no Estádio da Luz, à espera que euchegasse para fazermos mais um ensaio.Precisava mesmo de dar essa aula. Essa turmanão pertencia ao Benfica e só tinham os sábadospara ensaiar para o espectáculo, que era já nomês de Janeiro seguinte. Era uma turma quefazia parte da comunidade evangélica – a igreja aque, na altura, alguns dos jogadores do Benficapertenciam.Ao telemóvel, comecei por a informar que aElizabete já tinha falecido e que estava novelório dela. O funeral saia às dezasseis, masMaria de Fátima Veloso 52

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depois da missa de corpo presente, eu ia para oBenfica ter com eles. Por isso, iria chegar umpouco mais tarde.- Sinto muito, Fátima. Não tem problema, nósaguentamos até você chegar – respondeu-menum sotaque brasileiro. Quando desliguei o telemóvel, ouvi uma voz naminha cabeça:«Que estás a fazer? Não vês que não estou aqui?Reconheceste-me naquele corpo? Então, nãoatrases a tua aula, vai-te embora, eu vou contigo– continuou – Esta gente não me diz nada.Grande parte deles, nem os conheço. Alémdisso, não quero estar aqui, faz-me sofrer vertudo isto. Vamos embora. Quero conhecer oBenfica, a sala onde eu ia ter aulas. Vamos porfavor, Fátima – suplicou».Meio desconfiada, quanto ao que tinha acabadode ouvir na minha cabeça e sentindo-meempurrada, decidi ir embora, não sem antes, darum beijo de pesar à mãe dela.O Pai, não o cheguei a cumprimentar, pois dasduas vezes que tentei fazê-lo, estava semprerodeado por muita gente e isso acabou por meinibir. Lamento. Quanto à Diana, avó materna,já a tinha cumprimentado, na sala onde estava ocorpo da menina. Por isso, fui-me embora, semme despedir de mais ninguém.

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Comigo levei o espírito de Elizabete. Foi dassensações mais extraordinárias que já vivi emtoda minha vida. Ao mesmo tempo quecaminhava, sentia como se ela estivesse a meulado. Sentia o seu cheiro, a sua respiração esobretudo, a sua presença. Por outro lado, tivetambém a impressão de sermos observadas poralguém que estaria a um nível espacial superior.Sempre numa grande estupefacção, perguntavaa mim mesma:«O que é isto? O que me está acontecer? Eusinto-te Elizabete? Ó meu Deus, não estoumaluca? Como é que isto pode acontecer?» –inquietava-me. «Se é assim que queres, entãovamos. Vais adorar aquela turma, é muitoespecial, gente de fé. Vai-te fazer bem.»Finalmente, dei-me por vencida e até jáfalávamos cordialmente.Rapidamente cheguei ao estádio, onde todos meaguardavam. Equipámo-nos e entrámos na salade aula, onde me foram dadas as condolências.Por iniciativa dos meus alunos, fizemos umaroda gigante unidos pelas mãos e por uma féinabalável, numa oração única em memória daElizabete. Mais uma vez, sentia-a, era como se estivessemesmo ali, a presenciar tudo – que sensaçãoagradável, embora muito estranha para mim.

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Quando acabámos, dirigi-me para aaparelhagem para pôr a música e, então sintocomo se alguém estivesse muito próximo demim a observar todos os meus gestos. Alguémque me via, que me tocava, mas que eu nãoconseguia ver com os olhos que a natureza medeu.

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Desde o início da humanidade que existe umagrande curiosidade sobre o mistério da vida e damorte, bem como crenças e dúvidas quanto àexistência de Deus. A ciência não consegueprovar absolutamente nada a esse respeito etambém não consegue dar respostas às ânsias dahumanidade, que cada vez mais, centraliza a vidanoutros projectos mais terrenos e, por isso maisconcretos.Todos os anos, são publicados inúmeros livros eproferidas palestras que abordam esta temática.Mas, como o assunto não é levado a sério pelasmuitas entidades competentes que governam omundo, continuamos muito longe das certezas etransformamos estes temas em tabus místicos edesinteressantes para o senso comum.Para mim, é um problema que afecta todas aspessoas e por isso, o mundo. Vários quadrantesda sociedade mundial têm, nestes últimostempos, levantado dúvidas em relação a estasquestões de forma tímida. Mas é preciso mais. Épreciso olhar o mistério de frente, estudar eacompanhar muitas das experiências que sãorelatadas. Reequacionar várias hipóteses quepodem ir desde a existência ou ausência deDeus, à reencarnação, à morte efectiva, ocontacto entre os que estão vivos e aqueles quedeixaram de existir e muitos outros assuntosdeixados fora de investigação. Há tanto porMaria de Fátima Veloso 56

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descobrir neste universo cheio de milhões degaláxias. Numa sociedade cada vez mais estereotipada epadronizada, que converge rapidamente para ouso de chips e para tudo o que é controlável eespectável, angustia-me a ausência de alguémque nos ensine a lidar com este tipo de questões.Porque é que se pode falar de tudo, mas hápreconceito e medo quando se fala em visões oupercepções, designadas, como sendo dodomínio da parapsicologia ou da vidência?Há milhares de pessoas em todo o mundo, quejá tiveram experiências extra-sensoriais. Hágente de várias formações, crenças e culturas,que já viveram episódios semelhantes ao que euvivi com a Elizabete e outros espíritos.O medo da censura leva grande parte daspessoas a retraírem-se e a não falaremabertamente do assunto, delegando-o aocuidados de charlatães, gente curiosa e semescrúpulos, que se governa à custa dosofrimento dos outros.

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A semana decorreu e a presença do espírito daElizabete na minha casa, passou a ser umaconstante. Os preparativos para o espectáculocontinuaram, mas agora a motivação era outra:ia dedicá-lo ao espírito da minha menina.O espectáculo era constituído por dezcoreografias de vários géneros, onde o musicalpredominava. “Um Excerto do MusicalOklahoma” foi a designação escolhida para oevento, que fez a alegria de todos os presentes.Tratava-se de um espectáculo amador, mas comgrande sentido estético e de rigor, para umpúblico que ainda não está habituado à dança,como acontece no meu país.Uma das coreografias ia ser interpretada poruma menina de quatro anos. Ela adorava osfilmes da Barbie e foi na banda sonora dum dosfilmes que me lembrei de coreografar a peça dedois minutos que a menina ia executar. A partirdo dvd, gravei uma cassete que ia dando para osensaios. Porem a sua pouca qualidade obrigava-me a ter de comprar mais um cd. O pior de tudoé que não sabia identificar a área clássica e nãosabia como a procurar nas lojas. A produção de um espectáculo de dança saisempre muito cara e mais complicada se torna,quando não é patrocinado. Financeiramente, o

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Benfica nunca apoiou o que me obrigava a fazeresforços redobrados.Custava-me comprar o cd da música, donde sóeram necessários dois minutos. E logo eu quetenho tanta música clássica, não me lembrava deter essa!Uma noite, quando ia a conduzir para casa,depois de terminado mais um dia de ensaios,cismei que assim que chegasse a casa, a primeiracoisa que faria, era pôr um cd de música clássicapara descomprimir. Até já tinha escolhido ocompositor. Assim que fechei a porta de casa,ouvi o meu telemóvel a tocar. Atendi e comeceia falar com a minha amiga Máxima sobre ospreparativos para o espectáculo, mas tambémsobre algumas coisas estranhas que me vinhamacontecendo e que eu achava que tinham a vercom a Elizabete. Máxima é uma enfermeirarecém-aposentada, que tinha dedicado toda asua vida a tratar dos outros com o maior zeloque alguma vez vira. Conheci-a no HospitalJúlio de Matos como enfermeira chefe. O seuconhecimento era vasto e estendia-se desde asenfermidades de oncologia às da psiquiatria.Gostava muito de falar com ela sobre todos osassuntos, pois é uma boa ouvinte e ésuficientemente sensata para me fazer situar,quando estou mais perdida.

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Ao mesmo tempo que falava com ela, iaexecutando as coisas que tinha para fazer. Atéporque já era tarde e ainda não tinha jantado,como sempre. Quando me lembrei de pôr amúsica, caminhei até ao escritório onde estavamos cd`s e escolhi um aleatoriamente. Pu-lo naaparelhagem e fui passando as músicas para afrente até parar numa faixa qualquer. Comoestava mais interessada em relatar à minha amigaMáxima os pequenos episódios que vinhamacontecendo e que eu achava serem fruto daElizabete, nem fazia caso do que estava a fazer.Era como se alguém tivesse o controlo de mim,mas sem que eu desse por isso, cliquei namúsica número nove do cd não sei porquê edesloquei-me para o quarto onde costumavarezar. Sempre com o telemóvel ao ouvido, nem queriaacreditar no que estava a ouvir: a música dofilme da Barbie que eu precisava de comprar(Beethoven, sinfonia nº 6, Pastoral - Vallegretto). Não tinha ideia de ter aquela música,pois não me lembro de a ter ouvido alguma vezem casa. Fiquei atónita e estupefacta. Quasehistérica, passei a relatar à Máxima o que meacabava de acontecer. Ainda bem que aquelamulher tem uma forma de ver a vida muitodiferente da maior parte do cidadão comum.Acho que teria asfixiado se, naquele momentoMaria de Fátima Veloso 60

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não pudesse confiar aquele facto a alguém.Assim que desliguei a chamada, telefonei deimediato à Diana a contar-lhe o sucedido. Paraela, seria maravilhoso acreditar, mas eu sei quetambém havia muitas dúvidas. A morte trazmais dúvidas que certezasEra assim, de uma forma muito simples, naturale casual que o espírito de Elizabete se revelava.O que para muitos seria uma coincidência, paramim não era. A vida não se explica porcoincidências, pois valemos e somos mais doque aparentamos. Depois da sua morte, passei a senti-la de umaforma completamente diferente. Já não falavacomigo como nos tempos em que esteve emcoma. Agora, sentia a sua presença e o contactofísico na minha vida do quotidiano. Às vezes,ouvia uns barulhos em casa, como se maisalguém estivesse presente «Ou estou a ficar doida e com alucinações, ouentão, as pessoas quando morrem fisicamente,deixam cá ficar alguma parte de si» considereimuitas vezes.

Recordo-me de estar a dar uma aula e a fazeruma coreografia com as minhas alunas da classemais avançada do Benfica, quando esbarreicontra uma sombra. Gritei assustada e inquieta.

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Depois virei-me para trás e perguntei às minhasalunas se tinham visto o que eu vi.- O quê, Fátima? – perguntaram-me. - Meu Deus, acabei agora mesmo de ir contraalguma coisa. – expliquei meio assustada. Mas,quando me voltei para ver melhor, a sombratinha-se esvaído.- Vocês não viram? Fui contra alguma coisa quenão deixou o meu movimento progredir e erauma sombra.Uma das alunas disse ter reparado que lheparecera, que eu tinha ido contra alguma coisa,mas que realmente não vira o que era. Foi muitorápido e confuso.Sem pensar muito mais, deduzi que teria sidomais uma das partidas da Elizabete. Ela estavaali connosco assistir aos ensaios. Sentia-a e averdade é que, naqueles dias que antecederam oespectáculo, toda gente sentia como que umapresença estranha. Não era mau, pelo contrário.Todas nos sentíamos mais protegidas, até asmais pequeninas o afirmavam, sem teremconsciência do que era.A doença da Elizabete foi um acontecimentoque nos marcou a todos, alunos, pais e muitasoutras pessoas. Toda gente sabia que eu contavacom ela no Benfica e, depois, aconteceu umacoisa daquelas. As pessoas estavam vulneráveis e

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tristes, embora nunca a tivessem conhecido ouvisto.Acontecera com aquela menina o que poderiater acontecido a qualquer outra criança.Dia treze de Janeiro de dois mil e seis, sexta-feira, foi o dia do espectáculo. No TeatroAberto, em Lisboa, o dia decorreu comoqualquer outro dia de espectáculo grande. Estesespectáculos são um verdadeiro stress para mime uma grande prova de resistência física,emocional, relacional e profissional. Estes diassão sempre terríveis, um verdadeiro teste paramim mesma. Compete-me fazer o trabalho quecorresponde a uma equipa de pelo menosquinze pessoas: preparar os camarins parareceber os alunos e bailarinos convidados;arranjar as músicas, cenários, som, luzes, vídeosentre outras coisas; fazer o ensaio geral, paraque os bailarinos tenham o mínimo de contactocom o palco, onde vão dançar horas depois eacompanhar as pessoas que me são maispróximas e que funcionam como extensões demim mesma.Quando não há dinheiro para nada, tudo setorna mais complexo. Por isso, se queria fazeralguma coisa pela dança no meu país e no meuclube, teria de o fazer sozinha e sem qualquertipo de ajuda. Apenas contava com a boa

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vontade de alguns pais, que ajudavam nosbastidores.O dia decorreu sem percalços, graças a Deus.A coreografia que idealizei para a Elizabete iriater uma projecção: a fotografia dela. Paguei umdinheirão por um projector de palco que,depois, acabou por não servir, porque ostécnicos não se entenderam com o trabalho. Sóuns segundos antes de subir o pano, e quandoeu já me encontrava em palco para começar adança de homenagem à menina é que um dostécnicos me veio dizer que a projecção nãoestava a resultar e que já não se conseguia fazermais nada.Fiquei revoltada, tive vontade de explodir echamar-lhes incompetentes, mas aquela não eraa hora certa. O momento que já era delicado porsi, complicou-se ainda mais.«O que será que se passou?» pensava euenquanto o pano não subia «Estiveram tantotempo de volta da projecção, saiu tudo bem noensaio e agora nada».Pensava na tristeza da avó da Elizabete quesabia que a fotografia da neta ia ser projectadana tela branca e, afinal, não se ia cumprir o queeu havia prometido. O pano subiu, a música foi lançada mas os meuspés não conseguiam deslocar-se no chão.Parecia que me tinham posto nos pés a colaMaria de Fátima Veloso 64

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mais potente que alguma vez se inventara. Amúsica começava a avançar e a minha cabeça eraum turbilhão de incertezas:«O que se está a passar? Não estou a conseguirmexer-me». Quanto mais força fazia paralevantar os pés do chão, mais difícil se tornavamovê-los. «Meu Deus, ajuda-me. Ajuda-me,Elizabete, por favor» implorei.Um dos pés saiu pela primeira vez do chão e ooutro seguiu-o, como que por arrasto. A minha cabeça, porém, não conseguia pensarno que estava a fazer. Envolvida numa sensaçãoestranha, a minha energia mais parecia estar aser sugada pelo chão, o que provocou aimobilização coreográfica nos primeirossegundos. A música tocava e o meu corpocomeçava a responder numa coreografia fora desi, muito longe do que eu gostaria e poderia terfeito. Uma pergunta ecoava na minha cabeça«Então o que se passa?»«Eu estou aqui. O que quer que faças, serásempre do meu agrado» tranquilizou-me umavoz que vinha de dentro, mas que mais pareciaressoar em todo o teatro. Só eu a escuto. Só eu sou capaz de perceber oque se está a passar naquele palco, enquanto omeu corpo expressa a minha dor, no grito maissonoro de que sou capaz e que sai disfarçadonuma dança.Maria de Fátima Veloso 65

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A verdade é que os três minutos e cinquentasegundos de coreografias, mais pareceram horasde dor e de angústia, em que uma enormeconfusão e frustração se misturaram.«Mais não te posso dar, Elizabete, já que nãopodes dançar nesta noite, fá-lo-ei por ti, porquebem o mereces». E aos poucos, a minha mente foi-se centrandomais na música e na expressão corporal. Agorajá era eu que dominava a coreografias e não acoreografia a mim. A música terminou e o meu espírito aquietou-se.As pessoas aplaudiram, depois de um brevesilêncio aterrador, após os últimos acordes deMozart – Ave Verum Corpus.

Como sempre, limitei-me a ouvir algumas vezesa música que iria dançar. Isto porque quandoestou a preparar um espectáculo, acabo pornunca ter tempo para mim. Assim sendo, optopor fazer primeiro todos os trabalhos de grupodeixando os meus solos, para a improvisação;quando estiver em cima do palco, crio uma coisaque só será dançada daquela forma, uma vez navida. Da vez seguinte que tiver de interpretar omesmo trabalho, já será de outra maneira.Como foi possível que numa salacompletamente esgotada, com cerca deseiscentas pessoas, algumas, sentadas nasMaria de Fátima Veloso 66

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escadas e com muitas crianças até mesmo bebésde colo, não tivesse havido o mínimo debarulho durante toda a interpretação de Mozart,que é uma melodia demasiado melancólica parao tipo de público presente? Que silêncioangelical! Em que pedacinho do céu setransformou aquele teatro naqueles derradeirosminutos! Um ligeiro sentimento de alíviopercorreu o meu espírito. O espectáculoterminaria com muita gente de lágrimas nosolhos. Que bela forma de honrar a vida daminha pequenina! Da sua família, só a avó materna teve força paraestar presente. Era perfeitamentecompreensível. No entanto a Cristina não quisdeixar de me escrever uma carta.

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13 de Janeiro de 2006

Querida Fátima,

A dor e o desespero invadem-me todos osdias com a imagem fotográfica da Elizabetea morrer.Fui a única a acompanhar toda a suadespedida e a presenciar a sua morte, talvezela assim o escolhesse…Às vezes sinto-a em todo lado e a dizer-mepara não ficar triste porque ela está bem…mas para a ouvir e sentir preciso de umgrande silêncio!O silêncio e a solidão são o meu refúgio e omeu luto.Não tenho força para sorrir, para conversar,para estar.A minha mãe são os meus olhos, o meucoração, o meu sentir, por isso, o ballet épara ela, para avó que a Elizabete adoravamais que tudo e com quem muitas vezesdizia querer ir morar.A Fátima tem uma luz imensa. Tenho acerteza que vai encontrar a sua alma irmã.Não deixe nunca de acreditar na sua magia.Vejo-a sempre a dançar, dançar…

Até sempreMaria de Fátima Veloso 68

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Cristina

Como a sala havia esgotado e muitas pessoasnão tinham podido entrar, foi-me renovado oconvite para repetir o espectáculo, quinze diasdepois, sexta-feira dia vinte e sete de Janeiro.

O segundo espectáculo chegou, com algumasalterações no programa, mas o essencial estavalá. A coreografia de Mozart voltou a silenciar oteatro, que se rendeu ao rosto inocente deElizabete, desta vez projectado na grande tela.Todas as flores que recebi, quer no primeiro,quer no segundo espectáculo, foram para acampa dela. E foram tantas, que até se tornouum pouco complicado de as transportar.

Conheci o cemitério onde a Elizabete repousa,no dia seguinte ao primeiro espectáculo, quandolhe levei as flores que havia recebido na noiteanterior. Os avôs maternos conduziram-me noseu carro e foi a Diana que me ajudou a carregá-las. Chovia tanto nessa manhã que no regresso acasa, quando precisei de abastecer o carro e de irà bagageira, acabei por bater com a porta datraseira, na minha cara, até fazer sangue. Desseincidente, conservo mais uma cicatriz.

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«Não era preciso isto, Elizabete, porque já nãote esquecerei» – brinquei, depois de ter visto“estrelas”.Foi nessa altura que comecei a ter algunsproblemas de saúde; as minhas dores de cabeçaintensificaram-se e comecei a ter sintomas defraqueza física e mental. Depois da apresentaçãode um espectáculo destes, fico sempre muitofragilizada, pois trata-se de um trabalho muitoexaustivo e de grande responsabilidade só parauma pessoa. O pior é que desta vez, sentia quenão tinha só a ver com o excesso de trabalho.

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«Pode haver outra maneira de viver, outra coisa queDeus tenha em mente, outra verdade maior, mas, seexiste, não a conhecemos. De facto, nem sequer émanifesto que tenhamos de conhecer. É possível que nãoseja suposto sequer tentarmos conhecê-la, e muito menosconhecer e compreender verdadeiramente Deus. Tentá-lo épresunção e declarar que o conseguimos é blasfémia.Deus é o Conhecedor Desconhecido, o MobilizadorImóvel, o Grande Invisível. Por isso, não podemosconhecer a verdade que nos é exigido saber para cumpriras condições que nos é exigido cumprir para receber oamor que nos é exigido receber para evitar a condenaçãoque nos esforçamos por evitar para obtermos a vidaeterna que tínhamos antes de tudo isto começar.»

Neale Donald Walsch

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Quando a morte se precipita sobre o homem a parte mortalextingue-se;

Mas o princípio imortal retira-se e afasta-se são e salvo

(Autor desconhecido)

DEPOIS DO ESPECTÁCULO

Depois dos espectáculos e muito devido ao mal-estar físico e grande desgaste não só emocional,mas também profissional, acabei por cair numperíodo de dor, tristeza e resignação. Recordo de na altura, pensar que com o tempo,as coisas iriam voltar ao normal e que os sinaisparanormais relacionados com a Elizabete,acabariam por desaparecer. Era tudo umaquestão de dias ou talvez semanas, até secumprir o luto. Afinal de contas, era uma ex-aluna e a vida iria continuar, pelo menos paramim e para aqueles que não tinham partido comela. Apesar de ter mil e uma coisa para fazer,havia sempre um pretexto para me lembrar dacriança várias vezes ao dia.Com o passar das semanas, comecei a acharestranho e a questionar-me, porque nunca haviadeitado uma lágrima pela morte da menina.Tanto amor, tanto sentimento e nem umalágrima! Aconteceu, algumas vezes, sentir uma

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forte vontade de chorar mas, depois resultavaem nada.Recordo-me de estar em casa e ter umalembrança relacionada com ela, sentir uma fortecomoção capaz de estimular as lágrimas masquando fechava as pálpebras para que saíssem,os olhos secavam instantaneamente, como terraressequida em tempo das primeiras chuvas.Passado uns dias, voltei a sentir o mesmo, fuiaté à casa de banho, sentei-me em cima dotampo da sanita e deixei cair a cabeça entre asmãos para poder finalmente chorar à vontade.Numa reacção que não sei explicar, as lágrimasque se preparavam para sair dos olhos,desapareceram. Esvaíram-se «O que aconteceu ao composto de sódio que sepreparava para banhar os meus olhos? Paraonde foi? – Não posso chorar? Não devo? Nãopercebes que estou sufocada e que me vai fazerbem chorar? O que é que se passa?» perguntei jáirritada com absurdo da situação, a Elizabeteque por ali devia andar.«Mas eu não quero que chores, não percebes?»soou na minha cabeça, instantes depois.Aquelas palavras restituíram-me o alento quevinha perdendo nos últimos dias. «Não posso estar enganada. Apesar de não tever, sei que alguma parte de ti está aqui comigo»disse para mim mesma.Maria de Fátima Veloso 73

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Tudo isto é demasiadamente complexo e difícilde se crer. Mas alguma explicação existe sem sera psiquiátrica.Será possível que alguém que tenha terminado asua caminhada na terra, possa actuar na minhavida de forma invisível, mas tão real como ovento e o amor que se sente? Às vezes, sintoque sim. Depois deste episódio, muitos outrossemelhantes se sucederam, mas noutrascircunstâncias e em todas as vezes, as lágrimasse evaporavam perante a minha estupefacção.Com o tempo, aprendi a rir da situação.Foram demasiadas vezes, aquelas em que senticomo se alguém estivesse por perto e, quandoentrava em casa, a sensação agudizava-se. Eracomo se cada gesto meu estivesse a serconstantemente observado. Às vezes, a tristezamisturava-se com a nostalgia mas, ao mesmotempo, a graça de poder sentir mais quaisquercoisa que as palavras não mostram e nãoprovam, quando se julga já não haver esperança.Que coisa maravilhosa é a vida! Tanto por sedescobrir. Tanto para se apreender.

Se relativamente ao corpo humano, que éconcreto e absoluto, muito há por descobrir,imagine-se o que está para lá deste e que não éMaria de Fátima Veloso 74

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mensurável nem visível, em toda a sua essênciae complexidade?Também não consegui perceber ainda, porque éque a humanidade continua adormecida,acomodada e acovardada, no sentido de sabermais de si neste projecto que é a vida.Não percebo porque é que quem manda nomundo, na comunicação social, nas váriasinstituições que suportam o tecido social e tudoo que lhe é adjacente, não promovem asensibilização para este assunto que nosinteressa a todos: ricos e pobres, pretos ebrancos europeus, americanos, asiáticos,africanos, australianos?Todos estamos de passagem para qualquer lado.Se nada for feito no sentido de apurar algumaverdade, tal qual como vimos ao mundo, assimo abandonamos, na eterna esperança de algopara os crentes e no desengano de tudo, para osateus.Haverá outra forma de vida, depois da mortefísica?

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Abril dois mil e seis, depois de ter feito algunsexames médicos e de ter caminhado vezes semconta, para o centro de saúde e passado noitesno hospital, sentia-me fisicamente exausta e jácom poucas forças nas pernas, dezenas de noitesmal dormidas e outras tantas sem dormir, vi aminha vida dar a maior volta de sempre. Tinha decidido passar uns dias em Braga na casade uns primos, na semana que antecedia aPáscoa, para ver se, com a mudança de ares, ascoisas melhoravam. Não levei carro, porque jánão tinha condições para conduzir, portanto, fuide autocarro uma vez que lá tinha a minhaprima Vitória que me levava para onde fossepreciso. No sábado, antes de vir para Lisboa,decidi ir visitar a minha amiga Matilde que moraem Lisboa, mas passava uns dias na sua casa deférias em Trás-os-Montes. Na companhia daminha prima, lá fomos nós por aqueles montesmagníficos, meticulosamente cultivados com asvideiras que produzem o afamado Vinho doPorto.Matilde é uma amiga com setenta e seis anos,muito querida, com a qual gosto particularmentede falar. Foi um dia bem passado, apesar domeu débil estado de saúde. No dia seguinte, domingo de Páscoa já emSintra, quando cheguei a casa dos meus paispara o almoço de família, fui bombardeada comMaria de Fátima Veloso 76

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a notícia de que tinha um quisto enorme nacabeça. - Não te preocupes, Fátima, há centenas depessoas que também têm. Isso não há-de sergrave – atiraram à queima-roupa.Não percebi a quem queriam enganar: se a mim,se a eles.Ainda encostada à porta da rua, mas já do ladode dentro da casa, com todos à minha volta,senti como se me tivessem enterrado viva.Aquilo foi dito a sangue frio, para parecer banale desdramatizar uma situação que era terrível.Esta deve ter sido a lógica dos meus familiares,que sem terem má intenção, fizeram-no da piorforma possível. Pelo menos, podiam-me terdado os bons dias, terem-me sentado numacadeira, contado umas piadas e depois iam aoassunto. Enfim, havia tantas formas de ofazerem. Mas quem é que está preparado paradar uma notícia destas? Ou para receber umveredicto destes? A verdade é quem tem o“menino nas mãos” nunca sabe muito bemcomo o entregar”, porque não sabe como ooutro o vai pegar.Recordo-me entre tantas coisas, ter pensado quea Elizabete me vinha buscar. Arrebatada pelomedo da morte, senti uma forte dor de cabeçaque se espalhou por todo o meu corpo.

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«Que horror! Que pânico! Que dor na alma.Que solidão implacável: é olhar e deixar de veroutra coisa se não a morte. A morte está agoraem todo o lado e é o meu futuro» eram estes osmeus pensamentos.Depois do almoço, sei que fui até ao quarto deum dos meus irmãos e, sozinha, pus-me a olharpara o exame do TAC, tentando não chorar,para não alarmar os que estavam em casa.Não me recordo de mais nada que se tenhapassado naquele início de tarde, na casa dosmeus pais. Horas depois, já em Lisboa e sozinha dentro domeu carro, lavada em lágrimas e num eco deexasperação, liguei para a minha amiga Matilde acontar-lhe o que se tinha passado. Essa mulherque anos antes, havia perdido a filha Leonor detrinta e dois anos, vítima de um aneurismacerebral, enquanto lanchavam em casa,calmamente.- Sabe Fátima, levei dois anos para aceitar que aminha filha tinha morrido. De um instante parao outro, a minha menina que estava bem, caiuno chão inanimada, sem que eu pudesse fazernada. Ainda a chamei, mas ela já não me ouviu.Nem sei para que vivo. Isto já não faz sentidonenhum. Os pais não estão preparados paraverem os filhos partirem à sua frente. Tenho osmeus outros dois filhos, mas sinto uma enormeMaria de Fátima Veloso 78

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saudade da minha filha – disse-me um dia, coma voz embargada e num tom mais saudoso quealguma vez ouvira.Senti no seu silêncio, primeiro e depois na suavoz, que ficara atónita com a notícia. Mais umavez, fora apanhada de surpresa. E logo nacabeça, sempre a cabeça.De manhã, tinha-lhe ligado para lhe dar umbeijinho e para lhe dizer que me sentia umpouco melhor. Que talvez ainda tocasse órgãonaquela tarde, em que se comemorava aressurreição de Jesus. É incrível, como eminstantes, tudo pode mudar na vida de umapessoa, quer seja para o bem, quer seja para omal.As suas palavras e compaixão aliviaram-me osofrimento. Só mais tarde, é que caí em mim, epercebi que não deveria ter falado com ela. Umamulher com tantos problemas de saúde e tantosofrimento, tudo isto só a ia deixar mais tristeainda.Foi mais uma vez, um tempo muito difícil. Asaúde é, definitivamente, o bem mais preciosoque cada homem detém. Grande parte daspessoas vive lamentando-se das suas vidas.Muitas vezes, faz um drama de obstáculos ousituações menos boas, em vez de aproveitar paracrescer como seres humanos mais dignos. Oque não nos derruba torna-nos mais fortes, temMaria de Fátima Veloso 79

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sido um dos meus lemas ao longo da minhavida. Mas quando o problema é saúde e asituação é grave, toda a nossa vulnerabilidade,efemeridade e fraqueza, vem ao de cima.Por isso, um bem-haja a quem está doente e aquem tem por missão e dever cuidar de quemtanto sofre e precisa.Na semana seguinte à Páscoa, quando saía docolégio que a Elizabete tinha frequentado,cruzei-me com a mãe das minhas duas alunasque recentemente tinha sido surpreendida comum problema oncológico no peito.- Como está Madalena? – cumprimentei-a. - Estou bem, Fátima. E como está? Como foi asua Páscoa? – retribuiu-me com aquele ar muitogeneroso que lhe é muito peculiar.- Olhe, descobri que tenho com um quisto nocérebro e tem sido um pouco difícil – desabafei,com uma vontade enorme de chorar.- Mas como? Já está a ser tratada? – perguntou-me numa voz de quem sabe o que é ter umproblema grave de saúde.- Não. Ainda não tenho médico e não sei maisnada. Tenho apenas um TAC, um relatóriomédico sem certezas e agora, terei de marcaruma consulta para ser vista por umneurocirurgião. Vamos ver.- Mas a Fátima conhece algum médico?

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- Não. Vou à sorte. Que Deus me ajude, porqueisto está a ser muito difícil, como deve calcular.Ela sabia-o melhor que ninguém. Percebiaexactamente o que eu estava a sentir: o medo, adúvida quanto ao futuro, enfim. Tal qual comoeu, também havia passado por uma situaçãodolorosa, mas com final feliz.- Ó Fátima, vai ver que não é nada de grave.Tenha esperança. Olhe, vou falar com o meumarido que é médico no Hospital de Oncologiade Lisboa para ver se ele conhece alguém que apossa acompanhar. Não se importa, pois não? –disponibilizou-se. – Logo ou amanhã, telefono-lhe a dizer alguma coisa.- Obrigada – despedi-me.Ainda bem que falei com a Madalena, porqueestive cerca de oito meses à espera de umaprimeira consulta através do Serviço Nacionalde Saúde e dos procedimentos normais, dequem não conhece ninguém num hospitalportuguês.Depois de ter estado uma manhã inteira noHospital Egas Moniz, em Lisboa, e ter deixado acarta de recomendação de urgência feita pelaminha médica de família, nunca mais soube denada, até à véspera da consulta; oito mesesdepois. Inqualificável!Na semana seguinte à conversa que tive com amãe das minhas duas alunas, fui consultada porMaria de Fátima Veloso 81

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um médico neurocirurgião, no Hospital de SantaMaria, que além de ser um dos melhoresprofissionais no meu país, demonstrou ser umapessoa muito humana. Serei eternamente gratanão só pelo grande alívio que me deu, comotambém pela disponibilidade demonstrada. Foi também por aqueles dias que recebi uma dasmaiores demonstrações de amizade, na minhavida, através da minha amiga Letícia. Incapazpara estar sozinha em casa, a disponibilidade e oafecto desta esposa de um jogador de futebol doBenfica e de toda a sua família, deram-me,muitas vezes, o único conforto que tinha, umavez que morava longe da minha família.Pernoitei algumas noites na sua casa, ondebeneficiei dos seus cuidados e afectos.Infelizmente o marido viria a rescindir com oclube naquele mês e, no último dia de Abril,voltaram para o Brasil. Chorei muito naquelanoite de despedida. A amizade e o amor têm umpoder único na vida das pessoas. É, de resto, omelhor que levamos da vida.

Felizmente, com a ajuda da medicação e muitasvitaminas à base de produtos naturais, fuiestabilizando, ganhando vigor e resistência. Aospoucos, comecei a dormir e fui-me reerguendo.As palavras do meu médico ajudaram bastante.Mas houve alguém maior que duma outraMaria de Fátima Veloso 82

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maneira, muito mais sublime e eficaz, me ajudoua recolocar-me no tabuleiro da vida. Bem, nãosei se alguém ou se muitos “alguéns”! Mas hoje,acho que estou bem devido a um pequenomilagre concedido por Deus.A Elizabete continuava a fazer parte do meudia-a-dia, através do meu pensamento ou daminha imaginação.A necessidade de perceber o que se passavacomigo, em relação à menina, continuava a seruma preocupação constante. Falei muitas vezesdisso, com a avó dela. Explicava-lhe como ascoisas aconteciam. As sensações em casa e atémesmo, a intervenção da menina no sentido deme ajudar com a saúde. E sempre a mesmacisma, em não me deixar chorar.Decorria o mês de Junho e eu andava naquelaazáfama de final de curso com o relatório deestágio por entregar, bem como a tese. Aliás,naqueles dias, a minha grande obsessão eraterminar o curso para ficar mais liberta earranjar novos empregos. Quem já passou poristo, sabe bem o que estou a dizer. É um sufoco,sempre acompanhado daquela sensação de faltade tempo e de que podíamos fazer melhor,enfim…Nesse dia, fui cedo para a faculdade, para ver seconseguia rentabilizar o trabalho. Regressei acasa já no final da manhã onde me esperava aMaria de Fátima Veloso 83

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bacia da cozinha cheia de louça suja por lavar,que deixara do dia anterior. Por isso, assim quecheguei, descalcei os sapatos, arrumei-os nadispensa, guardei o saco e os livros no escritórioe fui para a cozinha. Coloquei os óculos de sol,que estavam na minha cabeça, na bancada depedra onde está o microondas e atei o avental àcintura.No escorredor da loiça lavada, estavam duastaças de sobremesa secas, que optei por retirar ecolocar em cima do tampo de vidro do fogãopara não se molharem.Não me lembro exactamente no que estava apensar na altura, mas recordo-me que não era naElizabete, nem em nada parecido. Com tantotrabalho, outro tipo de prioridades, seimpunham. E a faculdade era, sem dúvida, amaior preocupação do momento. Só sei que, a dada altura, passava a esponja comdetergente da loiça, quando ouvi um barulho domeu lado direito a cerca de cinquentacentímetros de distância, consequência dodeslocamento em diagonal que uma das taçasfazia em cima do tampo do fogão«Que é isto, um sismo? A terra mexeu» pensei àmedida que a tacinha de vidro se deslocavalentamente. «Talvez o chão esteja torto e eununca tenha reparado».

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Com as mãos cheias de sabão, afastei-me dabacia e posicionei-me de frente para o fogão nalinha do tampo. «Bom, também pode ser que o tampo esteja malfechado, motivando uma inclinação e que tenharesultado num deslocamento de uma das taças»pensei, não valorizando o sucedido. Mas qualnão foi o meu espanto, quando ao retomar alavagem da louça, comecei a ver a outra taça adeslizar com a mesma velocidade, o mesmosentido e com o mesmo ritmo!Fiquei incrédula. Os meus olhos nem queriamacreditar no que acabavam de ver, pela segundavez consecutiva, num curto espaço de tempo. Aminha estupefacção não me permitia discernir,rir ou ter medo. Nunca tinha visto nada assim.Já tinha ouvido contar muitas histórias depessoas, que com o poder da mente, conseguemdeslocar objectos. Mas esse não foi o meudesejo e confesso que nunca perdi tempo comesse tipo de coisas, à excepção de quando eracriança e via algum programa que falasse dessetipo de capacidades da parte de algumaspessoas.«Não pode ser, devo estar doida? Como é queisto é possível?» interrogava-me estupefacta.Tirei as luvas com que lavava a loiça e comeceilogo a ponderar todas as hipóteses possíveis.

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O que mais me intrigou foi perceber e testar queos pontinhos brancos, que eu achava que erammera decoração da tampa do fogão,funcionavam como atrito à loiça, isto é, umapeça de vidro sobre a tampa, muito dificilmenteescorregaria, mesmo que estivesse molhada ouse a primeira estivesse inclinada.Quanto mais analisava as hipóteses, mais dúvidatinha. Um ano depois, resolvi contar o sucedidoa um amigo que era engenheiro de profissão emuito ligado às questões da física. Também elenão percebeu como é que foi possível teracontecido uma coisa daquelas, depois de terfeito várias experiências.- Não tenho resposta científica para o sucedido– concluiu o meu amigo.Nessa altura, poucos minutos depois doacontecido, decidi chamar duas vizinhas quesubiam as escadas, e com as quais tenho umarelação muito próxima.O cepticismo de uma delas podia ajudar aesclarecer alguma coisa que me tivesse passadodespercebido.A mais velha, sentada numa cadeira, ficou muitoatenta a ouvir o que eu ia contando, tentando deforma lógica visualizar e perceber o enigma. Amais nova de pé, encostada à bancada de pedrae de frente para o fogão, não conseguia imaginara situação. Ela percebia que eu não estava aMaria de Fátima Veloso 86

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fantasiar, e compreendia que eu precisava deperceber o que tinha sucedido mas, por outrolado, não achava forma de acreditar que estavaperante um fenómeno paranormal, por ser umapessoa muito céptica em relação a estesassuntos. Naqueles instantes, gerou-se, um climamuito estranho, de grande dúvida, silêncio eintrospecção em que os nossos olhares secruzavam. Foi então que os meus óculos de sol,que eu havia colocado na bancada de pedra, sefecharam, fazendo um barulho. - Ouviram? – perguntou-nos assustada avizinha mais céptica e que estava de pé. – Estebarulho veio mesmo por detrás de mim.Realmente, tanto eu como a senhora que estavasentada na cadeira, ouvimos o barulho, mas nãolhe demos importância, porque continuávamoscentradas a tentar perceber a dança das taças. Pedi à senhora que se desviasse e constatei queo barulho que todas tínhamos ouvido tinha sidoem resultado dos óculos se fecharem. Como éque os óculos se fecharam sozinhos sem queninguém os mexesse? Não sei.No fim, rematei com a seguinte explicação paramim mesma: - Alguém estava aqui comigo, que eu não vi edecidiu brincar. Não obstante e para não medeixar mal vista, decidiu dar um arzinho da suagraça aos presentes.Maria de Fátima Veloso 87

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Garanto-vos que o episódio não me tirou osono. Antes pelo contrário. À medida que fuiaceitando os factos como sendo reais e naturais,as coisas começaram a encaixar-se e eu passei ater mais paz de espírito e a estar mais tranquila.«Por que é que me acontecem estas coisas e aosoutros não?» perguntava-meExistem centenas de pessoas no mundo que jáexperienciaram episódios similares a estes. Eoutras até que já procuraram experiênciaspontuais como o jogo do copo, em que osespíritos falam com os participantes que estão àvolta da mesa.Por mim, tenho a dizer que nunca procurei nadaque estivesse relacionado com o paranormal,mas sei que desde pequena o paranormal seatravessa no meu caminho. Que coisa estranha!Há quem diga que todos somos “vítimas” deinúmeros episódios provocados pelos espíritos,mas uns sentem e outros não. Tudo tem a vercom a capacidade espiritual e o estado deevolução em que cada pessoa se encontra. Os sucessivos desabafos e relatos que tinha coma Diana, levaram-me a perceber que deveriaprocurar ajuda de alguém que percebesse destasmatérias ou até ouvir uma outra opinião.A minha desconfiança em relação a estes temascuja ciência ainda não conseguiu decifrar, émuito grande. Mas ainda maior, era a minhaMaria de Fátima Veloso 88

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necessidade de perceber o ponto de vista dosoutros em relação ao que me estava a acontecer.Preocupa-me a desmotivação e vergonha geral,relativamente ao aprofundar deste tipo deassuntos, relegando-o para “curiosos”, quemuitas vezes sem escrúpulos, deturpam asubstância e a moral do tema, com vista a finslucrativos ou de conveniência. Não admira, porisso, que publicamente as pessoas tenham receiode falar destes e outros temas idênticos, que sãomuito mais importantes para a razão da vida dohomem, que outros constantemente debatidos.

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«Aquele que crê que todas as coisas aparecem por acasonão acredita que Deus exista. Ninguém é tão louco quenegue que as coisas da natureza, que operam com umcerto tempo e ordem definidos, estejam sujeitas aogoverno, ordenação e disposição de algo. Vemos que osol, a lua e as estrelas, e todas as coisas naturais seguemum curso determinado, que seria impossível se fossemmeros produtos do acaso. Assim como é dito no Salmo, érealmente louco aquele que não acredita em Deus. (Sl.14,13), 1).»

São Tomás de Aquino

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«É irónico que nós os vivos, tenhamos a mesma capacidade demanter os mortos junto de nós através dos nossos pensamentos,

como eles têm de nos manipular através dos seus.»

James Van Praagh

UM ANO APÓS A SUA PARTIDA

Dezembro, para mim, é o mês mais bonito doano. As ruas iluminadas e o espírito do Natalinvade-nos num sentimento mais solidário,apesar dos excessos do comércio, que meirritam profundamente e que por vezes, fazemas pessoas andarem numa correria desenfreada.Não era preciso nada disso, pois trata-se apenasda festa da família. A subversão do sentido doNatal chega a ser chocante.Nunca, como neste tempo, o simbolismo doNatal esteve tão associado ao marketing e àscompras desenfreadas; às trocas de prendas,muitas delas por conveniência; ao subsídio deNatal, que vai salvar o último empréstimocontraído para comprar mais uma Play Station,ou até ao número de mortes e acidentes nasestrada que, nesta altura do ano, mais fazlembrar uma guerra civil que um período de paze amor.

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Conta-se que ainda Jesus Cristo não havianascido e já se comemorava esta data, comosendo a festa da família e celebração pelosucesso do que a terra dava ao homem emresultados das suas plantações. De resto, osirmãos Testemunhas de Jeová explicam muitobem essa fase bíblica.Assim sendo, aproveitou-se a data já existente eencaixou-se mais um motivo de celebração: adata comemorativa do nascimento do Filho deDeus, Jesus Cristo. Embora hajam especulações,não se sabe exactamente em que dia nasceuJesus.Mesmo assim, adoro o período de Natal e atéconsigo viver o verdadeiro sentido da quadra. Omês de Dezembro chega e eu mal posso esperar,para montar a árvore de Natal. Que bonito! Atéme apetece adormecer a contemplar o brilhodaquelas luzinhas, sempre a apagarem eacenderem. É mágico! Acho que, para mim, temo mesmo fascínio que tem o palco quandodanço. É como um sonho de criança tornadorealidade.Nesse ano, tal como nos anteriores, a árvore foicolocada junto ao meu sofá, na sala de estar. Aminha casa é um apartamento com cerca de cemmetros quadrados com dois quartos, uma salade estar, a cozinha, uma casa de banho umescritório aproveitado de uma marquise fechada.Maria de Fátima Veloso 92

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Durante todo ano, tenho por hábito sentar-meno meio do sofá mas, quando a árvore de Natalestá montada, é junto dela que me sento.Decorria mais um serão e como na televisão nãodava nada que me prendesse a atenção,aproveitei aquela hora antes de me deitar parapôr as minhas leituras em dia. De resto, é o que mais gosto de fazer quandome é permitido ter tempo.Não me recordo do livro que tinha em mãos,mas sei que estava completamente submersa naleitura, quando algo me chamou à atenção: umanjinho, que enfeitava a árvore de Natal e queainda ficava relativamente longe de mim,começou a mexer-se de um lado para o outro,como se alguém tivesse provocado aqueladança.Incrédula, fixei os meus olhos nele, à espera queparasse de abanar. Mas como nunca maisparava, resolvi agarrá-lo. Petrificada, nãoconseguia perceber o que tinha motivado aquilo,por isso, comecei a especular e a experienciarvárias hipóteses: não me tinha mexido; nãotinha folheado o livro, com força suficiente queprovocasse vento capaz de tal; não havia janelasabertas; o chão não tinha estremecido. O que éque poderia ter sido? O que foi aquilo? E aenergia que estava na sala e que erainconfundível?Maria de Fátima Veloso 93

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«Meu Deus, já percebi: Só pode ser!» lancei parao ar com toda a certeza «alguém está aqui e eunão me tinha apercebido. Por isso, logo arranjoumaneira de se fazer sentir».Quando era mais pequena e vivia na casa dosmeus pais, tinha por hábito adormecer com asluzes da árvore de Natal ligadas. A porta do meuquarto dava para a sala onde se encontrava opinheiro. As luzes acesas iluminavam o meuquarto. E assim gostava de estar, até ser vencidapelo sono. Depois a meio da noite, os meus paisvinham apagar as luzes, por segurança.Quando vim morar sozinha, deixei esse hábito.Os telefonemas dos meus pais intensificavam-sena quadra natalícia, momentos antes de medeitar, para que eu não me esquecesse dedesligar as luzes do pinheiro. - Podem-se incendiar, Fátima: pode haver umcurto-circuito e tu nem dás por isso. Estãosempre a avisar na televisão – diziamOs sucessivos avisos, até se tornavamaborrecidos mas, a verdade, é que nunca cedi àtentação de adormecer com as luzes ligadas.Fico até aguentar no sofá, mas depois vou paraa cama e as luzes ficam apagadas.Uma noite, dormia tranquila no meu quarto, quefica também de frente da sala de estar ondeestava a árvore de Natal e senti como se alguém

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me tivesse chamado para ir até ao fundo daminha cama e olhar a árvore.Nem quis acreditar, as luzes estavam ligadas!Levantei-me com medo e dirigi-me até à árvorepara as desligar. Mais uma vez incrédula ereceosa, não aceitei a desculpa de ter tido umacrise de sonambulismo. Alguém tinha ligado asluzes para depois me despertar.«Meus Deus! Como é possível?» matutei. «Éinacreditável! Que explicação há para isto? És tuElizabete? Só podes ser! Não sabes que éperigoso ligar as luzes quando se está a dormir eninguém está a ter conta nelas? Não faças maisisso, assustas-me. Deixa-me dormir. Assim nãome ajudas»No dia seguinte, quanto mais pensava noassunto, mais estranha me sentia. Não posso estar a inventar tudo isto? Não serápura imaginação? Quem é que me pode explicaro que se está a passar?

Nesse final de ano, combinei com a minhaafilhada de casamento, que agora se encontravadivorciada, passar a noite de trinta e um deDezembro comigo. Nunca fui pessoa de gostarde grandes farras, confusões e aglomerados. Emdias e épocas festivas, nem gosto de sair de casa.

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Ela concordou, e acabámos por nos divertirbastante, entre ver televisão e correr para amesa.O pior foi durante a noite: como ela ressonava,acabei por não dormir nada. Falta de hábito! Depois dessa noite, entrei num período de cercade duas semana, onde mal conseguia dormir.Sentia sempre uma sensação de presença emcasa que começou logo na noite de final de ano.Não estava sozinha, mas não consegui verninguém.A minha vizinha tinha-me contado que, um dia,ouvira alguém dizer que não era bom ter emcasa fotografias de pessoas que já tivessemfalecido. Isso fazia com que ficassem presas àspessoas que as mantivessem nas molduras.Nessa semana, comecei a pensar que o melhorseria tirar a fotografia da Elizabete da moldurada sala e colocar outra no seu lugar, mas os diasiam-se passando e eu nunca mais a substituía. No segundo domingo de Janeiro de dois mil esete, telefonou-me a esposa de um jogador doBenfica que estava de volta a Portugal, depoisde ter estado no Brasil, para curar o filho bebéque era alérgico a qualquer coisa que os médicosportugueses não conseguiam descobrir e queafectava o menino. Quanto a mim, acho que eramais cisma dela que outra coisa.

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- Fátima, passa por cá amanhã. Tenho muitasaudade de você – pediu-me. - Ok, Sofia. Amanhã depois de sair do Benfica,passo pela tua casa. Mas olha que chego tarde,só lá para as vinte e duas horas – acrescentei.- Não tem problemas, nós esperamos-te.Segunda-feira, já bem de noitinha, bati à portada minha amiga, com quem não falava há meses.Entrei na casa dela e descalcei-me: um hábitoque ganhei, desde que vivo na minha casa.Como não deixo ninguém entrar de sapatos,também não entro calçada na casa dos outros.Fui até à sala que ficava do lado esquerdo daporta da entrada, onde estava o bebé que seencontrava sentado no chão. Com dez meses deidade, já se sentava sozinho.Quando me sentei junto dele, a minha amigaSofia, olhou para mim muito séria e disse-me:- Fátima, você não veio sozinha.Sem perceber a observação, olhei para ela, talvezcom a expressão mais parva que alguma vezfizera. Observei ao meu redor e não vi ninguém. - Não percebi o que disseste. Não tragoninguém comigo – respondi-lhe.- Não, Fátima, você traz sim. Eu estou vendo. Éuma criança e ela está mesmo ali por detrás docarrinho do meu filho. Olha para lá. Talvez vocênão consiga ver, mas eu estou vendo.Maria de Fátima Veloso 97

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Mais incrédula que nunca, e de olhos bemabertos, examinei toda a sala e, em especial, olugar onde estava o carrinho de bebé.- Não estou a ver ninguém, Sofia. Como é que éessa criança? – perguntei-lheFez um gesto com a mão, indicando a altura, àmedida que se ia explicando:- Olha é mais ou menos deste tamanho. Deveter uns onze, doze anos. Tem cabelos escurosque lhe dão pelos ombros. Mas não dá para vermais, porque se escondeu de você.Para mim era muito clara aquela observação. ASofia tinha o dom da visão. Nunca me tinhapassado pela cabeça que alguém que euconhecesse pudesse ter. Ela nunca tinha vistonenhuma fotografia da Elizabete e sabia apenaso essencial: que a minha aluna era criança etinha morrido de uma doença grave.- Sofia será a Elizabete? – perguntei. – Lembras-te daquela minha aluna que morreu, fez o mêspassado um ano? - Lembro sim – disse. -Desde a noite da passagem de ano, que tenhodormido mal. À noite, quando me deito, é comose sentisse a presença de alguém junto a mim, sóque não consigo ver. Chega a ser aflitivo. Não tesei explicar, mas fico contente e até aliviada porhaver alguém que consegue ver o que eu sinto enão vejo. Tenho lá em casa uma fotografia daMaria de Fátima Veloso 98

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miúda mas, desde o início do ano, que tenhopensado em tirá-la, mas depois nunca o faço, –continuei. – Hoje, tive um sonho muitoestranho; foi como se alguém utilizasse o meusonho para me pedir que a tirasse da estante,pelo menos por uns tempos. O sonho foi muitoexplícito e pediam-me que o fizesse hojemesmo, para bem das duas. Mas, de manhã, saia correr e mais uma vez não deu.- Pois é, Fátima, é a Elizabete que não te estádando descanso. Ela ama tanto você, que nãopercebeu que te está prejudicando. Talvez vocêseja a única porta que ela tem para comunicarcom o mundo dos vivos. Ela não quer subir equer ficar sempre junto de você, mas isso nãopode ser – explicou-me.Fiquei perplexa com tanta informação. O quemais me impressionou, é que a Sofia estavamuito segura do que falava. Ela sabiaexactamente como lidar com este tipo desituação. Isso, de alguma forma, aliviou-mebastante.- Fátima, quando você chegar em casa, vaidireitinha à fotografia da Elisabete e guarda lánum álbum – pediu-me. E agora, vou falar paraa menina Elizabete que é muito espertinha esabe que não vale se esconder. Elizabete, eu seique você está me ouvindo, por isso eu vou falarpara você. Eu sei que você ama a Fátima e elaMaria de Fátima Veloso 99

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também te ama, mas você assim não estáajudando ela. Você precisa de subir, precisa de irpara Jesus. A Fátima nunca te vai esquecer. Umdia, ela irá ter com você e aí, vocês poderãoestar sempre juntas. Não tenha medo. Você éuma linda menina, é um anjo, e estará sempreacompanhada pelo Papai do céu. Agora vai esegue o seu caminho. Nós te amamos.Não sei explicar o que se sente, nem tão poucoo que se pensa, ao ser-se testemunha duma coisadestas. Esta mulher era espírita, como meexplicou mais tarde, nessa mesma noite. É umapessoa bem formada que estudou fisioterapia noBrasil, com várias especializações. Tambémchegou a trabalhar em televisão e foi aí, que oseu marido, jogador de futebol de um clubebrasileiro, se apaixonou por ela antes de vir parao Benfica. Ela contou-me que o marido fez mil e umacoisa para chegar até ela e acabaram por casar.Uma bela história digna de registo. Isso é que éser persistente! São um casal maravilhoso. Gentemuito boa e honesta. Não fazia sentido, a Sofiainventar tudo aquilo. O que é que ela ganhavacom isso? Além disso, era entre todas do grupo,aquela que menos sabia da Elizabete. Com adoença do filho, ela estava sempre fora e eutambém nunca mais comentei nada sobre amenina, após a sua morte.Maria de Fátima Veloso 100

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Nessa mesma noite, quando cheguei a casa,substitui a fotografia por outra, minha. A partirdessa noite, passei a dormir tranquila.Coincidência!?

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Uns tempos depois, voltei a estar com a Diana,e contei-lhe o que se tinha passado. Ela, que jáanteriormente me havia aconselhado a ouviroutras opiniões, teve a iniciativa de falar comoutras pessoas, mais familiarizadas com este tipode temas e marcar-me duas consultas compessoas distintas.Na primeira consulta, para além de não tergostado, não senti confiança na capacidade dasenhora para me ajudar a resolver as minhasinquietações. Fiquei com a sensação de quepercebia menos que eu. Por isso, ficou-se por alimesmo e nunca mais apareci.A segunda consulta foi bastante diferente eresultou naquilo a que muitos chamam deregressão a vidas passadas. Isto é, a terapeuta,que também tem formação em psicologia clínicae outras especialidades de que não me recordo,através dum diálogo de cerca de três horas,transportou-me para um período da minha vida,que eu não sabia existir ou que não merecordava.Não foi necessário recorrer à hipnose, como éfrequente neste tipo de consulta, pelo que sei.Tudo decorreu num ambiente muito sereno,com uma música de fundo que me é muitofamiliar e que é muito usada para exercícios derelaxação, meditação e até de ioga.

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A consulta teve duas partes: a primeira, em quefalámos abertamente da Elizabete e em queexpliquei os factos que me vinham acontecendo,nos últimos tempos, desde que ela adoecera.As minhas dúvidas prendiam-se em saber sepodia ser mesmo ela a responsável pelosepisódios que vinha presenciando nos últimostempos; se haveria alguma hipótese de aspessoas que morrem, afinal não estaremdefinitivamente mortas, mas passarem numaprimeira fase, a viver de uma forma diferente epróxima daqueles que estão vivos; se erapossível que os defuntos tivessem contactoscom as pessoas que ainda se encontram vivas. Estas são perguntas a que muita gente gostariade obter resposta e até de ter a confirmação,face ao medo do vazio e do desaparecimentototal, que significa a morte na eternidade.

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Existe uma grande necessidade por parte dohomem, em se identificar com Deus ou comuma força maior, de forma a garantir a suacontinuidade na imensidão da eternidade. Tudoisto tem motivado, ao longos dos tempos, váriascrenças religiosas, filosóficas e até um certoclientelismo em negócios, que tem levado ohomem a fazer gerações de guerras, sempre emdefesa do que julga saber e ser o melhor.Há quem diga que uma mentira contada muitasvezes se torna verdade, como muitas outras“verdades” por aí existentes e que têm servidode base para muita gente “erguer” as suas vidas. A conversa com a terapeuta deixou-me bastantemais tranquila. A Elizabete procurava-me, talvezpor achar que eu seria a única pessoaverdadeiramente preparada, entre todas as queconhecia, para estabelecer algum tipo decontacto e com isso, ficar mais aliviada sabendoque eu nunca iria guardar o segredo só paramim. A verdade vale o que vale, mas uma coisaé certa: ninguém pode desmentir esta versão. Deresto, muito há para investigar nesta matéria.A outra parte da conversa foi a que me deixoumais inquieta: rever uma vida passada! Alguémacredita nisso? Pelo menos eu não. Querdizer… eu não acreditava, nem deixava deacreditar. É mais uma das muitas dúvidas quesubsiste na cabeça de qualquer homem, no seuMaria de Fátima Veloso 104

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perfeito juízo e que nunca tenha sido posta àprova.Numa conversa estruturada em parábolas,conseguida através de perguntas inocentes quemais pareciam não fazerem sentido, dei pormim a responder com a maior exactidão, masestupefacta pelo que via na minha memória eque era descodificado pela terapeuta.Só para concluir, porque senão seria precisoescrever outro livro, digo-vos que fui encontrarpessoas da minha outra vida passada, que fazemparte desta vida actual. Será isso possível? «Agora é que endoidei de vez» penseiParece que ainda estou a ver, a terapeuta aperguntar-me:- Então, Fátima, quem é essa pessoa? Tuconhece-la?Com grande expectativa, começava por ver apessoa sempre de baixo para cima. Via primeiroos sapatos, depois as calças ou o vestido, e só nofim, a cabeça; como se estivesse sempre decostas voltadas. Então? – insistia ela – Já lhe viu a cara?Era só nessa altura, que a pessoa finalmente sevirava e mostrava o rosto. Meu Deus, comopode ser! Nesta expectativa insólita, vim aencontrar pessoas que fazem parte dos dias dehoje e com as quais me relaciono ou járelacionei.Maria de Fátima Veloso 105

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Posso dizer-vos que sai de lá enleada numturbilhão de emoções e de pensamentos,bastante confusos. Precisava urgentemente desair dali para poder rever cada pergunta, cadalembrança, cada sentido dado às coisas. Horas antes de entrar naquele consultório, todaa minha pré disposição era favorável aocepticismo e agora, via-me com o “menino nosbraços”. Não é de excluir esta possibilidade,apesar de ainda ser muito confusa para a minhacabeça, muito céptica.Como diz o padre Lauro Trevisan, pós-graduado em Filosofia, jornalista com formaçãoem Psicologia, Teologia e Parapsicologia no seulivro Conhece-te e Conhecerás o Teu Poder;«Os parâmetros de conhecimento da menteconsciente – e entre eles menciono as crençasreligiosas – não são, em si, garantias de verdade.Podem ser fruto de equívocos, de tradições, dehábitos de antepassados, da visão parcial dotodo, de estudos recolhidos por mentesesclarecidas, mas nem sempre infalíveis. O que éa verdade? Onde está a verdade? Como seidentifica a verdade?»A verdade é sempre algo que pode ter umaenorme ambiguidade. Não sou eu que o afirmo.Jesus Cristo, outros profetas e homens dotadosde uma maior sabedoria e sensibilidades já o

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diziam e as pessoas atentas que buscam aessência das coisas sabem-no.

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Já estamos no ano de dois mil e sete, a minhalicenciatura está concluída, a minha saúde estáestável, com o meu quisto benigno a evidenciar-se, só quando “estico a corda”:«Olá, amiga, vê lá se vais mais devagar. Omundo não acaba hoje e tu tens de abrandar oritmo. Porque se fizeres tudo hoje, não terásnada para fazer amanhã». Isso é o que ele pensa.Escondidinho no meu cérebro, o KinderSurpresa – nome que lhe dei por ser dotamanho do brinde do famoso ovinho dechocolate para crianças.Já estou a preparar mais um espectáculo quepela primeira vez, vai ser no dia do aniversário:treze de Maio.O ritmo de trabalho e os problemas relativos àfalta de ordenados em atraso, não chegam parame desligarem da Elizabete. Sinto-a, umas vezesmais que outras. Esta era uma realidade quepersistia e com a qual tinha aprendido aconviver, apesar de nada saber.Sempre à procura de respostas e de maiscertezas, caminho neste tempo, que mais meparece de expectativa para um futuro, com oqual nunca sonhei.«Para onde vou? Para onde me levas,Elizabete?»Pela primeira vez, comecei a ganhar consciência,que nada disto me podia estar a acontecer porMaria de Fátima Veloso 108

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acaso. Assim como existem pessoas comenorme talento para tratar da saúde dos outros,para cozinhar, para o cinema, para cantar, parafazer desporto ou política e existem outras, comtalentos mais diferenciados, fora do comum. O grande filósofo grego Sócrates foi um deles.Vivia para interpelar a razão de cada um. Paraele, era importante que cada um estivesse navida consciente do seu próprio pensamento eideal, que as pessoas não se limitassem a viver,que levantassem questões relativamente a tudo oque viam e não viam. Ao longo da história da humanidade, existirampessoas muito sensitivas, cuja sensibilidadeextrapolaram o senso comum uma vez que erampossuidoras de um talento e de uma dimensãohumana admirável. A Jesus Cristo com exemplomaior da história da humanidade, segue-se gentecomo a Madre Teresa de Calcutá, São FranciscoAssis, o Profeta Maomé, Dalai Lama, Buda,Ganghi, Martin Luther King Jr., NelsonMandela e muitos outros homens defensores deoutros credos religiosos não menos importantes,bem como muitas outras pessoas dotadas depoderes extra-sensoriais ou de uma grandiosabondade que dedicaram as suas vidas à paz, àcura, e a ouvirem os problemas dos outros emdefesa de grandes causas sociais. Acredito que

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ainda hoje a natureza continue a produzir gentecom este perfil.

Muitas pessoas no nosso tempo, têm escritolivros e dado palestras que têm servido paradespertar as mentes humanas. Mas tambémexistem outras, que nunca escreveram, que nãosão reconhecidas mundialmente e que sãoigualmente responsáveis pelo bomacompanhamento que prestam à sociedade, doponto de vista espiritual.Recordo-me de um professor que tive nauniversidade que dizia: «Vou muitas vezes aofundo, para não me afundar de vez.»Ele defendia abertamente que tínhamos entradono milénio da espiritualidade, uma vez que ohomem já tinha adquirido algum domínio datecnologia, da ciência e da saúde.Nunca o mundo teve tantas condições para queo homem vivesse feliz e realizado e nunca comoagora, as pessoas vivem na solidão, nodescontentamento e em constante crise. O quelhes falta, realmente?Há tanta coisa por descobrir e por desvendar.Além da grande crise de valores que a sociedadeocidental está a atravessar, é necessário que ahumanidade pare para reflectir sobre muitosassuntos que são vitais para a existência doMaria de Fátima Veloso 110

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homem, como sejam a morte ou a vida depoisda morte. Este tipo de assuntos são quasesempre descredibilizados e remetidos para ofórum da Teologia, das religiões ou do domíniomístico, quando é um problema transversal, euniversal. A morte toca a todos,independentemente da idade, da classe social, dosaber, ou do que quer que seja. Chega mais sedopara uns do que para outros, mas ninguém lheestá imune. Por isso pergunto: - Quando é que será que a comunidade mundialvai olhar de frente para este grande fantasmaque é a morte e tudo o que ela encerra em simesma e encará-la, sem medos nem rodeios? Seé que encerra alguma coisa e não apenas o corpofísico.

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- Fátima, conheci alguém que é espectacular. Jálá fui; precisas de ver para acreditar, – disse-me aminha prima Irene, sobre uma senhora que,segundo ela, encarnava um espírito do falecidoPadre Cruz, que para muitos portuguesescatólicos é como um santo. A sua vida decorreu numa fase em que, após aimplantação da República em Outubro de milnovecentos e dez, a fome e a misériaaumentavam gradualmente em Portugal. Pairavano ar a vontade de exterminar as doutrinascristãs e reinava a perseguição ao clero. Areligião era acusada de adormecer o povo eimpedir a sua consciencialização política.Enquanto a maior parte dos padres negava a suaprópria fé, o Padre Cruz enfrentavacorajosamente os inimigos da Igreja. Mesmoaquando, da proibição do uso da indumentáriasacerdotal e quando Igreja e Estado foramlegalmente separados, o Padre Cruz, continuoua usar as suas vestes. Também se diz que a suaintuição era surpreendente, que lhe permitiadetectar sobreviventes no meio de corpos semvida, depois das violentas lutas ocorridas noinício do século XX. Além disso, percorria aszonas mais pobres, ajudando com as suasesmolas e palavras de conforto os mais carentese necessitados.

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Lembro-me de ter catorze, quinze anos e meterem contado esta pequena história que vospasso a narrar.Certo dia, o Padre Cruz apanhou o comboioque vinha de Sintra para Lisboa e não comprouo bilhete de transporte, porque achava queaquele dinheiro faria mais falta a um pobre paralhe matar a fome, do que à empresa doscomboios.O revisor andava pelas carruagens a pedir osrespectivos títulos aos passageiros e, quandoconfrontou o Padre Cruz e este lhe disse quenão possuía o título de viagem, mandou-odescer na estação seguinte. Ao apito do responsável pela estação, para queo comboio seguisse de viagem, este nãoconseguiu deslocar-se. Que alvoroço! Depois da máquina ter sido devidamenteobservada, o maquinista constatou que nãohavia problemas no motor, mas não percebeuporque é que ela não andava, até que ocobrador, se lembrou que tinha expulsado dacarruagem um senhor já com alguma idade, queenvergava um hábito preto comprido até aospés e que trazia nas mãos uma Bíblia. Olhoupara o cais da estação e constatou que o velhopadre se mantinha no mesmo sítio, onde tinhadescido da carruagem. Meio hesitante, lembrou-se então de se dirigir ao senhor e pediu-lhe queMaria de Fátima Veloso 113

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subisse de novo para o comboio. O velho padresubiu para a carruagem, sentou-se no banco e ocomboio começou a deslizar sobre o carris,rumo ao seu destino. Não posso confirmar a veracidade da história,pois nesse tempo ainda não existia. Mas quemma contou, era bem pequena na altura, foialguém que a testemunhou.Após a morte do Padre Cruz, o seu corpo foidepositado num jazigo, no cemitério de Benfica.Todos os dias é visitado por centenas depessoas que vêm dos mais variados locais e quedepositam não só flores como fazem pedidos,tomando aquele espaço, num local de cultosagrado, oração e agradecimento.

Muito desconfiada, acedi ao convite da minhaprima, quanto mais não fosse para aacompanhar.Fez-me muita confusão ver aquela mulher dequarenta e cinco anos aproximadamente, estarreceptiva a experiências daquelas: disponibilizaro corpo para que um espírito entrasse nele.Residente num bairro social de Lisboa, a suacasa era pobre, mas o seu coração erasuficientemente rico para receber todo tipo depessoas: desde muito ricas e grandespersonalidades dos vários quadrantes dasociedade portuguesa a gente mais modesta.Maria de Fátima Veloso 114

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Não prometia mundos nem fundos, mas tentavasomente orientar os corações mais inquietados,muitas vezes de forma assertiva.Não levava dinheiro pelas consultas, ficando àconsciência do cliente dar o que lhe parecia maisjusto. A sua vida resumia-se a criar os três filhos,a ajudar os outros e a viver os seus muitosproblemas de saúde.Fui lá duas vezes, o suficiente para sentir poraquela mulher uma enorme compaixão e umsentimento de ternura. Talvez cada um tenha oseu destino e o daquela mulher fosse esse: dar oseu tempo a ouvir e a orientar os outros. Nãoacredito muito no conceito de destino, segundoo qual tudo o que vivemos está traçado e apenasvimos ao mundo para cumprir o que Deusescreveu. Para mim, essa teoria não faz muitosentido. O homem tem livre arbítrio para fazer asua vida segundo as suas crenças, pensamentos eacções. Acredito que cada um de nós, antes dedescer à terra, se propõem ultrapassarobstáculos e a crescer espiritualmente. Unsconseguem outros não.Na eternidade não há passado, presente nemfuturo, tudo se passa como num tempo único.Essa necessidade de dar nomes às coisas, advémda carência do homem, no sentido de seenquadrar melhor com o seu tempo de vida.

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Lembro-me entre muitas outras coisas, de elame ter dito:- Ninguém pode virar as costas para o que estádestinado. Por que se não, a sua vida podetornar-se incomportável e a pessoa nuncachegar a encontra paz.Percebi exactamente o recado que ela me estavaa transmitir. Provavelmente, antes de entrarneste corpo, assumi objectivos que agora nãoestou a reconhecer. Desse ponto de vista, odestino sou eu que estabeleço e Deus aceitacomo uma prova de crescimento espiritual quetenho de atravessar.Confirmou a presença de Elizabete na minhavida e disse ainda que não era a única. Deushavia-me dado essa sensibilidade que, de resto,todos os homens possuem em diferentes níveis.A maior parte das pessoas não só o desprezapor ignorância e medo, como existem outrosque se governam à conta disso e ainda há os quese aproveitam para fazer chacota do assunto.Conheço casos concretos de pessoas bemsucedidas na vida profissional, muitas delasfiguras públicas e não só, que antes de fazeremo que quer que seja na sua vida, consultamprimeiro um vidente ou médium para que onegócio lhes corra de feição. Por outro lado, seforem interpelados sobre algum assunto destanatureza, eles não só se ofendem, como aindaMaria de Fátima Veloso 116

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subestimam o tema. É o retrato de umasociedade camuflada de muita hipocrisia.Que Deus dê paciência aos mais audazes eaqueles que buscam a verdadeira sabedoria. Énesses que reside a esperança de um diachegarmos a algum lado: sem ser os grandeempregos; a fama; a estabilidade da taxa dejuros; o olhar só para o seu próprio umbigo;passando por cima das questões queincomodam a consciência humana.Num milénio que se pretende que seja maisdedicado à espiritualidade, depois decontrolados alguns dos mais importantesparadigmas que permitem ao homem, umamelhor qualidade de vida, torna-se urgentetrabalhar, não só na paz de espírito, como nacompreensão da felicidade que, afinal, não vemda aquisição dos bens materiais, nem da rupturado conceito família, nem de publicidadeenganosa da comunicação social.

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Se há coisa que gosto de fazer, é passar por umaigreja e acender uma vela por intenção de algoou alguém que possa precisar. Vejo, nesse acto,uma extensão do meu mais profundo bem-querer e da oração, que se estende para além doperíodo que estarei dentro da igreja e que esperoque tenha repercussão positiva. A luz e o calorque emana, tem o significado da energia que seexpande, até onde o meu eu material nãoalcança – a bênção – por isso, são muitofrequentes as minhas idas à igreja nesse espíritode missão, quer por mim, quer pelos outros epela Elizabete que me acompanha.Começo agora a perceber que, quanto maisnaturalmente aceito o que tenho vivido esentido com esta criança, mais espaçados vãosendo os sinais que indiciam a sua presençajunto de mim.Já terá subido ao céu de vez? Sei lá eu se vaipara o céu ou para um outro sítio. Existemtantos dogmas e um vazio, em relação ao sítiopara onde vamos.Para ser sincera, não partilho da opinião daquelateoria defendida pelos irmãos Testemunhas deJeová, que diz que só um pequeno grupo depessoas, cento e quarenta e quatro mil, subirãoao céu para reinar com Cristo e que todas asoutras ficaram adormecidas debaixo da terra e

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só serão salvas no fins do tempo, quando chegarJesus (Apocalipse, Revelação, Capítulo 14). Não vejo as coisas dessa maneira. Mas podereiestar errada. Para mim, Jesus Cristo veio aomundo, oriundo de gente pobre, com conceitosmuito simples sustentados só no amor a Deus eao próximo. Se Deus quisesse que as coisasfossem complicadas, não teria Jesus nascido noseio de uma família real, com todo o protocoloque lhe estaria subjacente? As outras religiõespartilham pontos comuns com o Cristianismo,na medida em que assentam os seus pilares nasimplicidade, no amor e na sabedoria como baseda sustentabilidade da vida humana. Não será ohomem que gosta de complicar o que Deus nosdeu, como simples?Tudo se embaraça, porque cada um de nós querser mais amado que o outro; cada um de nósquer ter mais do que o outro; quer ser maisrespeitado do que o outro. Em suma, cada umde nós quer ser um pequeno deus para osoutros. É nesta promiscuidade de tantosquereres supérfluos, que nos afundamos ecomplicamos a relação de amor que dita oprimeiro e o segundo mandamento de Cristo:«Ama a Deus acima de todas as coisa»; «Ama oteu próximo, como a ti mesmo.»Se cada um de nós assentasse a sua vida nestedois grandes pilares, as sociedades e todo oMaria de Fátima Veloso 119

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conceito de vida em torno do homem seriambem diferentes e para melhor. Penso que dissoninguém tem dúvida.A muito frágil conjuntura económica dePortugal, a alta taxa de desemprego, aprecariedade de um grande grupo de jovenstrabalhadores dentro do tecido social portuguêsdevido aos recibos verdes, as sucessivas subidasdas taxas de juros indexadas ao Banco CentralEuropeu, as sucessivas subidas do preço dopetróleo e do valor do dinheiro, foram terrenofértil para piorar a minha já muito débilcondição profissional e financeira. Deixei muitos trabalhos para me dedicar ao meusegundo curso, a licenciatura em Dança, quedurou cinco anos e meio. A carga horária eramuito exigente, de modo que só pude ficar como Benfica e pouco mais. Durante esse temporecusei inúmeras propostas de trabalho, algumasdas quais passei para outras colegas. Depois docurso acabado, tive de voltar a procurar outrosempregos mais estáveis.Há muito que havia deixado a carreirahospitalar, para me dedicar em exclusivo àsartes, dando aulas de dança e de ballet emescolas e no Sport Lisboa e Benfica. Percebiaque, como bailarina ou como professora, estavacada vez melhor. Mas a falta de gente influentepara me colocar nos sítios certos era a grandeMaria de Fátima Veloso 120

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lacuna para o meu sucesso. Pois é: um dosgrandes males deste meu querido país são oscompadrios e as cunhas. Por isso quanto melhorprofissional me tornava, pior era para arranjaremprego e pior era para me pagarem. Anecessidade de pagar a minha casa, que haviaadquirido em Lisboa, estava-se a tornar cada vezmais incomportável a ponto de me fazerexasperar ainda mais e não via solução em ladonenhum.

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Depois da morte da Elizabete, comecei arecorrer a ela para lhe pedir que me ajudasse,como sempre fizera com Deus e ainda faço. O facto de já não estar entre nós alimentava essepedido: não só a sua presença na minha vida,como também um modo de actuação e deprovação. Era como se eu não quisesse que elame deixasse.Foram muitas as vezes que me senti de mãos epés atados, sem solução para a minha vidaprofissional. Era como se estivesse em “standby”. Tinha perfeita noção de que algo se passava naminha vida e que, por isso, era importantevivenciar toda aquela provação. Foi um tempoem que me dediquei muito à leitura: literaturaclássica portuguesa, literatura estrangeira; livrosde auto ajuda e política, entre outros.Assustava-me sentir que, ao mesmo tempo queo cerco se fechava em relação à minha vidaprofissional, ainda conseguia ter a tranquilidadepara sorrir, escutar e ajudar os outros. Deimuitas vezes por mim, a interrogar Deus:«Que queres de mim, dar comigo em doida?Queres testar a minha resistência? Até ondeserei capaz de ir, com o bem que faço aosoutros e com o vazio que recebo, muitas vezes,em troca? Queres que me revolte?»

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Para ser realista, há muita gente que se queixado mesmo. O bem vem muitas vezes dondemenos se espera e aqueles a quem maisajudamos são quem menos agradece e até nosprejudicam. É realmente difícil crescermos, como sereshumanos e sermos tolerantes com os da nossaespécie.Percebo, agora que o sofrimento traz um grandeprémio: a capacidade de nos tornarmosmelhores para nós e para os outros. Amaturidade não é um produto da idade, maissim o resultado da capacidade que cada homemtem para enfrentar a adversidade que lheaparece nas várias situações ao longo da vida. Foi neste período de tempo, que a ideia deescrever este livro começou a ganhar raízes.«Escreve, Fátima, porque vais ajudar os meuspais e o resto da minha família a superaremmelhor a dor. Faz por mim. Só tu o podes fazer.Tens sido preparada para isso» ecoavaconstantemente na minha cabeça.Mas a força impulsionadora, que faz com que osactos passem à acção, não aparecia. Ossucessivos problemas do dia-a-dia consumiam aminha alegria e vontade de fazer algo que exigiamais de mim. Afinal de contas, escrever umlivro que traga uma mensagem diferente, não écomo escrever um artigo de jornal ou um textoMaria de Fátima Veloso 123

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para abertura de espectáculo. É diferente: émergulhar nas minhas feridas; é pôr a nu o meueu verdadeiro e a minha vida; é estar sujeita avárias críticas: E sabe Deus que críticas! «Não Elizabete, ainda não me sinto preparada.Um dia irei escrever o teu livro, mas primeiro,tenho de sentir o chamamento» respondia-lhe.Nunca mais me haviam saído da cabeça aspalavras daquela mulher que me haviainformado que não era só a Elizabete que meprocurava: havia mais pessoas. E a verdade éque sempre consegui destrinçar quando era ela equando não era, porque o contacto estabelecidoe a forma como me chamavam à atenção erammuito diferentes.O objectivo da Elizabete na minha vida era bemdiferente do da Leonor, a falecida filha da minhaamiga Matilde. Enquanto a Elizabete era maiscompanheira, a Leonor servia-se de mim paraajudar a sua família e fazia-o constantemente,muitas vezes, sujeitando-me a algum sofrimentoe ingratidão da parte deles que nuncaperceberam.A incapacidade em ajudar a sua problemáticafamília fazia-a recorrer a mim, com algumafrequência. Só mais tarde é que percebi queaquilo que eu achava ser um acaso da vida, umareacção à acção das minhas atitudes e opçõestinha sido manipulado e atraído por ela.Maria de Fátima Veloso 124

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Acho que o lugar onde estão aqueles que jápartiram deste mundo, lhes permite ver melhorque nós, que por cá andamos, o rumo quedamos às nossas vidas.Na realidade, pouco consegui ajudar estaspessoas, porque quando alguém não quer serajudado, os outros nada podem fazer por eles.Por isso, a minha acção vai no sentido do bem-fazer e bem-querer, mas só a intenção não basta.Foram anos de tentativas e de grandesofrimento para mim. Deste caso, não falareimais, pelo menos neste livro.Serve o presente relato só para vos contar que aforma mais original que a Leonor arranjou parame agradecer todo o bem que sempre fiz à suafamília, foi dar-me uma gata, que veio no motordo automóvel do meu vizinho. E eu que nãoqueria animais em casa e não gostava de gatos…Trocava mensagens via Internet com um amigomuito próximo da sua família e com o qual jánão falava há bastante tempo e havia muito paradizer, só que eu tinha de sair para ir dar aulas aoBenfica e combinámos, então, trocar umaspalavras mais tarde.Já noite dentro e muito cansada, ainda mearrastei até ao computador para não deixarpendurado o meu amigo. Só que ele nãoapareceu.Maria de Fátima Veloso 125

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Em vez disso, ouvi um miar muito aflitivo quevinha de dentro de um motor do automóvel queestava estacionado em cima do passeio, mesmodebaixo da minha janela. Éramos muitos vizinhos de voltar do carro, paratentar tirar de lá um gato bebé, que nãoconseguia sair. A coisa foi tão demorada, queacabei por subir para a minha casa e desligar-medo assunto. Estava muito cansada e o animalparecia muito teimoso. Minutos mais tarde, ouvium regozijo dum vizinho, que, finalmente, tinhaagarrado o animal. Como ele já tinha um cão eum gato em casa, não podia ficar com maisnenhum. As outras pessoas que estavam à janelatambém tinham os seus animais e outras haviaque não estavam interessadas em ter bichosdentro de casa; pois são sempre uma prisão.Ainda tentamos pôr o animal nas traseiras doprédio, onde existem muitos outros gatos, mas avizinha que tinha um quintal virado para oterraço onde eles habitam, já andava farta degatos e não queria mais nenhum para sujar o seuquintal. Compadeci-me com o animal, que seagarrou ao meu peito e já não me largou. Todosujo de óleo, era do tamanho da minha mão.Havia sido a mim, que se tinha mostrado pelaprimeira vez, ainda dentro do motor doautomóvel. Acabei por ficar com o bichinho,que não tinha mais do que quatro a cincoMaria de Fátima Veloso 126

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semanas. Estávamos no primeiro dia de Junhode dois mil e oito. Na semana seguinte, quando falei com a minhaamiga Matilde de Trás-os-Montes, contei-lhe oque havia sucedido. Ela que adorava gatos ehavia tido muitos, quis logo saber como era onovo membro da família.- É de raça europeia, tigrado de cor cinzenta,preta e branca. E tem uns olhos enormes –descrevi.- Sabe, Fátima, a minha filha Leonor, tinha umassim e gostava muito dele. Fui eu quem lho dei.Também tive muitos gatos e só não tenhoagora, porque os meus problemas respiratóriosnão deixam. Eles largam muito pelo – contava –Já lhe deu nome?- Dei-lhe o nome provisório de Kiko, porquenão sei se é um gato ou uma gata – explicai-lhe. - Então pode dar-lhe o nome de Baltazar? Erao nome do gato da minha Leonor.Depois de desligar a chamada, nem queriaacreditar na feliz coincidência. Como é que eutinha dentro da minha casa um animal de queantes não gostava, nem confiava? As muitashistórias contadas sobre este felino e um mauexemplo que me chegou através da minha avómaterna, que teve um que lhe mordeu umaperna, deixando-lhe um buraco, eram mais doque motivos, para não os querer nem por pertoMaria de Fátima Veloso 127

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- Gatos? Nem pensar! – dizia eu. Nunca pensei tanto em ter um animal, comonesses últimos tempos. É muito triste meter achave à porta e não ter ninguém à nossa espera.- Um animal também faz muita companhia –diziam-me a Matilde. Por outro lado, eu só gostava de cães e nãotinha tempo para ir com eles à rua. Para mim,também era desumano deixar o animal todo diatrancado num apartamento fechado semamigos. Não, isso era impensável. Bem sei que tinha Deus, a Elizabete e, de vezem quando, também a Leonor, mas isso nãochegava. Eu precisava de uma companhia maisreal, mais palpável a quem dar colo. Acabou por ser uma das melhores coisas que avida me deu. Já tenho comentado com algumafrequência, que só quem tem um animal em casaé que consegue perceber o que é ter amor aosbichos.A Matilde foi a minha casa conhecer a KikaBaltazar e ficou encantada com ela:- Fátima, ela é igualzinha ao gato da minhafalecida filha. O focinho, as manchas, a cor, atéa atitude. Que sorte que teve. Vai adorar tê-la evai-lhe fazer muito bem. Nunca mais se há-desentir sozinha.E a previsão da minha amiga assim se temcumprido.Maria de Fátima Veloso 128

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Os animais têm um dom enorme para tratar dasnossas emoções e nos darem alegria. Sãograndes companheiros.

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Na saga de mandar currículos para tudo quantoera sítio, nem no Centro de Emprego me safei.Fui às feiras de emprego, consultei jornais,inscrevi-me em todos os sites de empregos queme apareceram, mandei candidatura espontâneapara hotéis, hospitais e nada. Já estávamos em Outubro e as minhas despesaseram mais altas que o meu único ordenado, quevinha do Benfica e que também não me estavama pagar.Já levava de atraso dois meses e alguns dias nopagamento à prestação do crédito à habitação.Continuei com uma serenidade para a qual nãotinha explicação. As contas por pagar, só nãoeram piores porque a minha querida segundamãe e meu anjo da guarda, foi ajudando a pagaro que podia. Os meus pais verdadeiros tambémforam incansáveis.Como no ano anterior, havia arranjado umaescola, a meio do mês de Outubro, quando asinstituições de ensino já têm todos os seusdocentes contratados, por isso, nesse ano,acalentava a mesma esperança.Sempre num estado de profunda interpelação,fazia o caminho da igreja com muita frequência,onde pedia a Deus e à Elizabete que meajudassem.Foi também nesse mesmo mês que a ideia deescrever o livro ganhou contornos irreversíveis;Maria de Fátima Veloso 130

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teria de ser feito o quanto antes. O fundamentodo livro e a sua concepção estiveramdirectamente ligados à concretização do meunovo emprego. Numa sexta-feira à noite, sentada no meu sofá,ouvi na minha cabeça.«Fátima, começa a escrever o livro que oemprego aparece logo a seguir. Começa oquanto antes».O livro vai ser escrito e vais arranjar uma editoraque o irá editar. Vais negociar os direitos dolivro com uma pequena percentagem para aeditora, por causa dos custos de produção. Orestante irá reverter a favor de crianças comgraves problemas de saúde e cujos pais nãotenham dinheiro para as tratar. O livro vai servendido em todo o mundo e o dinheiro que forrealizado com a sua venda num determinadopaís, vai ficar nesses mesmo país, para ajudar ascrianças que ali vivem. Atenção, o dinheiro quefor realizado num determinado país, não volta aPortugal, fica nesse mesmo país.O livro vai ter uma grande tiragem e assim nãosó irás ajudar muitas crianças a ficar por maistempo, junto dos seus pais e familiares, comoainda, ajudarás os meus pais a aceitem a minhapartida. Fá-lo, por favor: por mim, pelos meuspais, pelas crianças e por ti. Só tu o podes fazer.Não tenhas receio. Obrigada».Maria de Fátima Veloso 131

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Dia vinte de Outubro de dois mil e oito, maisuma vez sentada no sofá da minha sala, defrente para o computador, mandava currículospara tudo quanto me aparecia à frente. Otelefone tocou e do outro lado ouvi a voz daDiana.- Então Fátima, como vai? – perguntou-me.- Olá, Diana. Como está? – respondi-lhe. –Confesso que ando preocupada comigo mesma.Deveria estar sem dormir, mas isso não me estáa acontecer. Tenho a renda da casa em atraso;não consigo arranjar emprego; o Benfica não mepaga e ainda me retirou parte do ordenado, maseu estou tranquila, com uma serenidade que nãoé normal. Não sei se estou mais preocupadacom a falta de emprego, se com o meu estadode espírito – disse-lhe.- A menina tenha calma, porque há-de apareceralguma coisa de que vai gostar. Não desanime –tentava-me reconfortar.- Sabe, Diana, já comecei a escrever o livro daElizabete. Finalmente, senti um forte apelo,talvez deva ser por isso, que não estou tão mal.O facto de estar a escrever algo, que tem umamissão maior, deixa para segundo plano a faltade emprego e dinheiro; faz-me elevar até outroestado e sentir outro conforto – acrescentei- Faça isso, Fátima, e peça-lhe, que ela vai aajudá-la. Tenho a certeza disso – reforçou.Maria de Fátima Veloso 132

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- Diana, isso foi o que ela me disse: que assimque eu começasse a escrever o livro, o empregoapareceria. Vamos ver! Eu tenho a certeza quemereço mais da vida, do que ela me tem dado.Mas talvez seja importante passar por tudo istopara o que virá no futuro. E, nesta medida, éessencial aceitar e tentar perceber o que merodeia. Para que um dia, possa dar, valor ao queDeus me vai colocar para resolver. Eu tenho fée não desânimo com facilidade.- Isso, Fátima, um dia a menina ainda há-de teruma vida tranquila com tudo a que tem direito.Merece-o e tem feito por isso sozinha. AElizabete vai ajudá-la. Tenho a certeza disso.E assim nos despedimos.Desliguei o telemóvel e, nos segundos seguintes,voltou a tocar. Pensei que seria novamente elapara me dizer alguma coisa que tivesseesquecido. Olhei para o número que estava novisor e não o reconheci.-Estou sim – atendi.- É a Dra. Fátima Veloso? – perguntou uma vozmuito formal do lado de lá.- Sim, sou eu.Naquele breve instante, pensei quem seria.Quase ninguém me trata assim.- Estou a ligar da Casa Pia de Lisboa. Umacolega sua entrou em licença de parto e

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precisamos, com urgência, que a Dra. asubstitua. Aceita? - Sim, aceito – respondi-lhe.- Então, não se importa de se apresentaramanhã aqui nos Serviços da Provedoria, emBelém para levantar a guia e preencher os papéisnecessários? – perguntou.- Não, senhora. Amanhã estarei logo aí pelamanhã. Obrigada.Por muito que eu tentasse descrever o que sentinaquela hora, nem em mil páginas conseguiriaexprimir o quanto me ia na alma, na cabeça e aténo meu corpo.Sem pensar em mais nada, liguei de imediato àDiana a fim de lhe contar o que havia sucedido.- Diana, está sentada? Ligaram-me agora mesmoda Casa Pia de Lisboa a convidar-me paraamanhã me apresentar ao serviço. A Elizabete jáfez das dela. O que mais falta acontecer paraque as pessoas acreditem? - Ó Fátima, a menina merece e vai ser umagrande sorte para a Casa Pia tê-la lá, pelo que écapaz de fazer pelos outros e pelas suasqualidades humanas – encorajava-me e ficavaagora mais tranquila e satisfeita. A neta, maisuma vez, tinha mostrado do que era capaz,mesmo não estando presente fisicamente.Não só fiquei até ao final do ano lectivo, comoainda fui convidada a renovar o contrato no anoMaria de Fátima Veloso 134

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lectivo seguinte. Sai, apenas, porque o horárionão era compatível com o do Sport Lisboa eBenfica, que era mais importante para mim.Depois disso, nunca mais precisei de andar atrásde emprego nenhum, tudo se tornou mais fácil,no sentido de uma melhor realizaçãoprofissional, mais ordenado e mais firmeza embusca do que acho que vai ser a minha missãopara um futuro próximo. Recebo comfrequência e durante todo ano, vários convitespara trabalhar em várias instituições, muitasdelas de prestígio.Passar pela vida, parece-me que é muito mais doque um encontro ocasional de pessoas.Há quem defenda que não existem acasos.Outros dizem que, quando alguém se cruza nonosso caminho, é porque tem uma mensagemmuito concreta para nos passar. Existem outrosainda, que não acham nada disso, e quedefendem que adamos neste mundo e que,depois, nos vamos embora e desaparecemos noinfinito.Irrita-me e entristece-me profundamente,quando olho à minha volta e me apercebo queas pessoas andam constantemente alienadas ouadormecidas sobre as questões essenciais davida. Qualquer coisa que apareça na televisão, narádio ou até mesmo numa montra de um centrocomercial, é o pretexto para tapar buracos; éMaria de Fátima Veloso 135

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como se estivessem a “encher chouriços” – issoé a verdade da vida para muita gente. Acreditamna imprensa “cor-de-rosa” e mexericos e,depois, não acreditam que pode existir um póst-mortem.Para a maior parte das pessoas, o essencial davida prende-se muito com a superficialidade dasquestões e, por isso, torna-se mais importanteparecer do que realmente ser.Ao longo do meu crescimento como serhumano, tenho tido muitas dúvidasrelativamente à existência dum destino, ao qualninguém consegue fugir ou, se pelo contrário,temos a total arbitrariedade para fazermos danossa vida o que bem quisermos. Também mepergunto muitas vezes se os valores que sãotransmitidos através das várias religiõesexistentes, são efectivamente verdadeiros ouexiste algum outro motivo para subverter osfactos históricosPenso nas pessoas que entraram e saíram daminha vida: o que ganhei e perdi na minharelação com elas. Entristece-me constatar quealgumas em quem investi tanto amor ededicação, mais tarde me magoaram, semqualquer tipo de remorsos. Há quem diga, que as pessoas só ficam na nossavida o tempo necessário para aprendermosalguma coisa com aquela relação. QuandoMaria de Fátima Veloso 136

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cumprem o seu objectivo, vão embora e seguemo seu caminho. Há autores que defendem quecada pessoa se encontra num determinadoestádio de evolução espiritual e mental. Daí, quehaja pessoas que magoam as outras, não pormal, mas porque não se encontram no mesmoestádio de evolução e que, por isso, nãoentendem o que recebem e nem o que dão aosoutros. O grande estereótipo das sociedades actuaisincide na obrigação de se ser feliz; toda gentetem o direito e o dever de ser sempre feliz, deestar sempre bem e a sorrir de preferência. Estartriste ou chorar por um motivo qualquer quepossa ser mais ou menos válido, é razão depreocupação, além de não fazer nada bem àspessoas. Se a sintomatologia se repetir então écaso para pedir ajuda psiquiátrica, porque tudose resolve com uns comprimidinhos queadormecem os neurónios, a dor, os sentimentose a vida.Não sou contra a ida ao psiquiatra, bem pelocontrário. Existem casos, em que é mesmonecessário consultar esses técnicos de saúde esujeitar-se aos tratamentos, para voltar aencontrar o equilíbrio dentro da saúde mental.E, quanto mais cedo o doente perceber queprecisa de ajuda, melhor. A psiquiatria é uma

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especialidade médica tão credível e respeitávelcomo qualquer outra.A questão aqui é outra: trata-se da censura aosestados básicos da vida, como sejam a alegria e atristeza que, sendo estados emocionaisessenciais à vida e ao crescimento do homemcomo um todo, devem ser vividos na suaplenitude e sem vergonhas. Quantas vezes nos sentimos mais aliviados,depois de uma crise de choro? Por vezes, nemexiste um motivo concreto, mas o sentimentode tristeza invade o nosso espírito e a coisa só secompõe, com umas lagrimazinhas deitadas cápara fora, a maior parte das vezes, bemescondidos de toda gente. Até porque, como dizo ditado: “O Homem não chora”. Que grandeutopia!A solidão também tem o seu quê de estigmasocial. Para a maior parte das pessoas, estar sónão é bom, não faz nada bem à saúde e alémdisso, parece mal. Estarmos sempreacompanhados é que é; mesmo que nossintamos sozinhos no meio de dezenas oucentenas de pessoas. Sei lá eu, quantas vezes me senti só, no meio demuita gente.Com a partida da Elizabete, reestruturei algumasformas de pensar, conteúdos morais, éticos esobretudo, deixei de ver só para o lado que maisMaria de Fátima Veloso 138

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me convinha. Algo mudou em mim e acho quepara melhor.Também compreendi que a minha e a vida detodos nós, é mais uma missão de servir e amaros outros, do que nos entregarmos a projectosmeramente pessoais e muitas vezes banais.

Elizabete fez três AVC num curto espaço detempo. Numa das viagens que fazia deambulância a caminho dum outro hospital, eladespertou de um dos AVC para pedir ao pai quea acompanhava a seu lado:- Pai, diz à mãe que gosto muito dela.

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“Com isto, não estou absolutamente a insinuar que asminhas experiências sejam perfeitas. Dispenso-lhes amesma importância que um cientista, cujas experiênciassão conduzidas com precisão, intuição e minúcia, masque jamais chega a um resultado absoluto e mantémsempre a mente aberta. Passei por várias etapas deintrospecção, esquadrinhei o meu interior e analisei cadaaspecto psicológico das situações.”

Mohandas K. Ganghi

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“Damos o nome de milagre às coisas porque não somos capazes dereconhecer que a nossa vida quotidiana normal é um milagre e que

os milagres são realmente a norma”

Concetta Bertoldi

II PARTE

Não é nem nunca foi minha intençãoestabelecer teorias acerca de assuntos tãosubjectivos e complexos para a compreensãohumana. Antes, tentei expor um problema que éde resto, uma grande incógnita para todos nós e,a partir daí, levantar questões.A interpretação que atribui a cada episódio queaqui relatei, foi a resposta possível e necessáriapara aquietar o meu espírito ou talvez o meujuízo. Fui apanhada completamentedesprevenida e sem ter a quem recorrer.Quantos mais, não terão sido tão apanhadoscomo eu?Na educação religiosa que os meus pais mederam, nunca se fez referência à vida depois damorte. O meu pai é um homem profundamentecatólico e devoto, a minha mãe uma mulher quese diz católica mas quanto a mim, mais porafinidade do que realmente por convicção.

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Conclui todo o catecismo da igreja católica quedurou vários anos onde me foi ensinado, que seaceitarmos Jesus Cristo como nosso salvador etivermos uma conduta irrepreensível, quandomorrermos vamos para o céu, onde Jesus eDeus nos esperam. Tal como aconteceu comJesus, o nosso espírito e a nossa carneressuscitam (Lucas 24); (João 20); (Marcos 16);(1ª Carta ao Coríntios 15).Também me ensinaram que o homem só morreuma vez, assim como Cristo (Carta aos Hebreus9, 27-28).Por outro lado, o espírito do Demónio2 éfrequentemente citado ao longo das váriasescrituras: (Mateus 25); (Job 1,10). Os anjostambém são uma entidade frequentementereferenciada ao longo de toda a escritura. Oanjo3 mais conhecido é Gabriel, que apareceu aMaria para lhe comunicar que esta ia se mãe deJesus (Lucas 1:26-38), curiosamente o mesmoanjo que é referido no livro sagrado da religiãomuçulmana, O Alcorão, e onde o profetaMaomé, confessa a sua filha, que erafrequentemente visitado por este, antes da suamorte.

2 Demónio: Significa uma força sobre-humana, um fantasma, um espírito3 Anjos: Em grego ângelos; malàk, em hebreu. Significa mensageiro,enviado. É um espírito.Maria de Fátima Veloso 142

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Li e meditei a Bíblia algumas vezes e nuncadeixei de ter dúvidas. A dada altura, o conceitode morte e o que ela significa em termos devazio eterno ou não, passou a inquietar-me echeguei mesmo a sofrer com a dimensão queeste enigma me causava.Só mais tarde, entre uma conversa e históriasque se contam, é que comecei a ouvir a versãode que o homem pode afinal não morrerdefinitivamente. As igrejas cristãs assumem essa versão, combase nas escrituras bíblicas. Falam daressurreição de Jesus Cristo, mas, depois, nãosabem explicar o que acontece exactamente aoespírito de quem morre, logo a seguir aodecretado como morte clínica. Será que as pessoas depois de morrerem aindatêm alguma forma de contactar os vivos? Sobreessa dúvida encontrei um texto bíblico doAntigo Testamento que é bastante eloquente, ISamuel: 28 (3-15)«O profeta Samuel falecera e todo o Israelchorara a sua morta. Sepultaram-no em Rama,sua cidade. Saul O rei de Israel tinha expulsadodo país os feiticeiros e os adivinhos.Os filisteus mobilizados foram acampar emSunem. Saul, reunindo as tropas de Israel, foiacampar em Guilboa.

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Ao ver o exército dos filisteus, Saul inquietou-see teve grande medo. E consultou o Senhor, oqual não lhe respondeu em pelos sonhos, nempelos sacerdotes, nem pelos profetas.Saul disse aos seus servos: «Buscai-me umanecromante para que eu a consulte».Responderam-lhe eles: «Há uma em En-Dor».Saul disfarçou-se, mudou de roupa, e pôs-se acaminho com dois homens. Chegaram de noiteà casa da mulher. Saul disse-lhe: «Prediz-me ofuturo, evocando um morto, e faz-me aparecerquem eu te designar». Respondeu-lhe a mulher:«Bem sabes o que fez Saul, ao expulsar osmagos e os adivinhos. Porque me armas ciladaspara me matar? Mas Saul jurou-lhe pelo Senhor,dizendo: «Por Deus, não te acontecerá malalgum». Disse-lhe então a mulher: «A queminvocarei?» Respondeu-lhe Saul: Faz com queme apareça Samuel».E a mulher tendo visto Samuel, soltou umgrande grito e disse ao rei: «Porque meenganaste»? Disse-lhe o rei: «Não temas! Quevês?» – «Vejo, respondeu a mulher, um Deusque sobe da terra». Saul replicou: «Qual é o seuaspecto?»- «O de um ancião, envolto nummanto», respondeu ela. Saul compreendeu queera Samuel, e prostrou-se com o rosto em terra.Samuel disse a Saul: «Porque Perturbaste o meurepouso, fazendo-me vir aqui?» Respondeu Saul:Maria de Fátima Veloso 144

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«Estou em grande angústia porque os filisteusatacam-me e Deus Se retirou de mim, me nãorespondendo nem pelos profetas, nem pelossonhos.»Já ouvi versões em que o homem morrefisicamente, mas o seu espírito subsiste e templena consciência, do que se está a passar.Depois, algumas almas sobem ao céu ou descemao inferno, como lhes queiram chamar, masoutras ainda ficam cá por uns tempos, fazendo obem ou o mal, conforme a sua predestinação,contactando os vivos.Há também a teoria da reencarnação, de que sóouvi falar aquando da minha consulta e numlivro que li e que abordava vagamente esseassunto. O budismo assenta os seus pilares nareencarnação, mas honestamente, não tenhoconhecimento para falar de tal.Desconheço que hajam manuais ou tesescientíficas, credenciadas por Universidades derenome internacional que ajudem a discutir e acredibilizar o assunto. Assim sendo, o que seriaum tema respeitado e aceite por todas associedades tornou-se um tabu que ainda nãoalertou as mentes mais inquietas do tecidomundial. Algumas pessoas, vão atirando dicaspara o ar, com o sentido de ver alguém pegar notema com seriedade, mas a coisa morre ali

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mesmo, tal como nasce, assim como a própriavida!Como podemos compreender algo que está forado conhecimento humano?James Van Praagh dá como respostas a estapergunta: «A nossa condição humana, baseadaem sistemas e atitudes preconcebidas de crençareligiosa, bloqueia qualquer explicação que possaestar próxima de uma verdadeira compreensão.A morte tem sempre sido o maior dos mistérios.Apenas podemos imaginar e formular teoriassobre o que realmente ocorre, mas nuncasaberemos exactamente o que a morte é, até aomomento em que nós próprios iremosexperimentar».A morte é um tema que interessa a todos eabarca todos. Não deixem que este assunto sejasó do domínio da igreja, da teologia ou da fé. Épreciso, a participação e opinião séria de todosos intervenientes da sociedade, porque a falta deinteresse dos grandes grupos pela questão, leva aque outro tipo de gente sem credibilidade segoverne à custa do sofrimento dos outros,vendendo “banha da cobra”.Se o estado da economia, a qualidade da política,o zelo pela saúde, e de muitos outros temas quesão importantes para todas as sociedadesmundiais, são discutidos e rebatidos com aparticipação de vários intervenientes, porque éMaria de Fátima Veloso 146

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que não se poderá falar com seriedade sobre otema da morte e o que está para depois dela?

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«Devíamos reconhecer que o sofrimento faz parte da existência ouem termos budistas, do samsara – o ciclo das existênciascondicionadas. Se o considerarmos como uma coisa negativa,anormal, do qual somos vítimas, a nossa vida torna-se umamiséria. O problema vem do modo como reagimos. Quando mesmoaquilo que consideramos como sofrimento deixa de nos perturbar,a felicidade torna-se possível.»

Dalai Lama

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“Não sei como, porque sou limitada, mas sei que Deus é tãograndioso que não me surpreenderia que desse às almas que

morrem as recompensas que elas merecem”

Concetta Bertoldi

III PARTE

O homem mais parece que viveinstrumentalizado, como uma máquina que éprogramada para um determinado fim. Todosandamos às voltas com as mesmassuperficialidades, carências, vaidades e manias. Cada vez mais longe dos afectos, orientamos anossa vida para caminhos isolados, tortuosos eoprimidos. Não admira que doenças como adepressão venham, dentro de muito poucotempo, a ser um dos maiores flagelos dahumanidade. A OMS – Organização Mundial deSaúde – reconhece a dimensão do problema.Vamos ver, o que acontece, quando láchegarmos. E nem vou falar do grande númerode doenças que são causadas pela vida stressantea que cada um de nós se sujeita no dia-a-dia.A crise económica que está afectar os váriospaíses do ocidente, a subida e descida dosvalores do petróleo, das taxas de juros, o valordo dinheiro, a globalização, as vidas da figuras

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públicas da sociedade mundial, podem ser umafonte de interesse mas, de modo algum, podemsubestimar ou subverter outros tipos deinteresses que manifestamente, podem elucidara vida do homem, enquanto tal e redimensioná-la.E daqui faço um apelo:- Ó Homem, porque dormes em pleno acto devida? Acorda, fica esperto e desperto. Duvida detudo mas não feches a porta a nada. Nãoexcluas da tua vida, aquilo que não conseguesenxergar com os olhos. Muitas coisas nestemundo foram descobertas sem que, o homemas visse. E, nem por isso, deixamos de alcançaro quanto já conseguimos até aos nossos dias.Quantas coisas inimagináveis foram provadaspor alguém que, um dia, ousou ultrapassar ospreconceitos e formas pré estabelecidas e comesse seu acto de heroicidade, o mundo e acivilização avançou.Ténue é a linha que separa a vida da morte,como é também o objecto que tem forma,daquele que não se reconhece, não se manifestadentro dos conceitos aceitáveis e que, por isso, éconsiderado, inexistente. Haverá alma humana? O que medeia o sentidoda vida? O que é a substância da vida? Qual osentido da vida para cada homem que nasce?

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Como é que num contexto universal, onde tudofaz parte do todo, onde existe uma cadeia defuncionalidades para tudo, onde há uma ordempara as coisas acontecerem dentro de um tempoque tem a sua própria razão, o próprio homemse envergonha de questionar mais a seu respeito,no que confere às suas eternas dúvidasexistenciais? Para a maior parte da população mundial, ohomem vem ao mundo e acaba nesta que é asua única e derradeira oportunidade de seexperimentar como objecto do ser.A minha razão e a minha lógia cruzam-sefrequentemente em grandes batalhas com o meuoutro lado que é a fé. Falta provar que existe oque o homem ainda não alcançou. É nestas alturas que questionamos a verdadeiraessência da vida, porque a dor é tão grande quenão deixa espaço ao homem para fugir e fingirque não vê, porque as explicações que são dadascomo adquiridas e únicas, deixam de fazersentido, quando o contexto é diferente. Entãoposso dizer que existem dois estados de almasou de espíritos: alegria e tristeza e que muitascoisas que fazem sentido, quando estamoscontentes, podem não fazer sentido nenhum,quando nos encontramos tristes. Esta simplesconstatação pode muito bem servir de alavancapara avançarmos noutros caminhos.Maria de Fátima Veloso 151

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Elizabete tinha todas as condições para viverbem, em todos os domínios da vida. Erainteligente, bonita, bondosa, saudável entremuitos outros aspectos positivos, tinha um paimédico, uma mãe exemplar, vivia no seio dumafamília reputada, num contexto familiar,financeiro e social excelente. Nada fazia preverum desfecho destes.

Com o passar do tempo, qualquer coisa medizia, que nada acontece por acaso. Não éapenas o cliché da frase tantas vezes banalizada.É sobretudo uma esperança e, no fundo, umacerteza, que se abriu uma pequena tampa de umburaco que, de boca pequena, parece nuncamais ter fim.

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«A morte é um momento crítico para o qual é muito útilprepararmo-nos. Devemos reflectir sobre o seu carácter inelutável.

Reconheçamos que ela faz parte integrante da nossa vida, uma vezque a vida tem necessariamente um princípio e um fim. Querer

escapar-lhe é um esforço inglório.»

Dalai Lama

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«É surpreendente! O amor que sentimos, levamo-lo connosco…»

«Não existe nenhuma Verdade Absoluta no sentido objectivo,mas há uma verdade subjectiva, há aquilo que é verdade para nós,

e isso é extraordinariamente importante na nossa vida»

Neale Donald Walsch

IV PARTE

Quando em Setembro de dois mil e oito, decidiavançar com este livro, não sabia muito bem oque escrever nem por onde começar. Alémdisso, na minha cabeça, existia um receio latentequanto à interpretação que fariam do livro e ojulgamento que fariam da minha pessoa.Acreditem, tive de me conter bastante para nãochocar as várias sensibilidades da sociedade nosrelatos que aqui descrevi. Sabia que devia escreve-lo, porque se passoualgo que nunca me haviam ensinado areconhecer nem como lidar. Precisava deorganizar a minha cabeça e para isso, era precisoexpor os factos. Mas estes só por si podiam nãovaler nada. Como é que poderia ajudar-me amim mesma e os outros?Não pretendo magoar ninguém, nem fazerfolclore de assuntos tão sérios. Entre muitascoisas, desejo com este livro apelar a um diálogoecuménico onde todas as religiões, filosofias e

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crenças sejam aceites e acarinhadas como umamais valia ao crescimento do homem como umtodo. Afinal, todas elas têm trazido, ao longo dahistória da civilização, aspectos muito positivose, assim sendo, é mais um motivo de regozijo erespeito do que censura. «Até mesmo asdiferenças acabam por ser úteis, onde existetolerância, caridade e sinceridade», são palavrasde Gandhi, que se enquadram perfeitamenteneste contexto.Dr. Michael Bernard Beckwith, no livro OSegredo, afirma que «O homem é um campoinfinito de desconhecidas possibilidades. Somosenergia, tudo é energia. A energia não acaba,apenas se transforma.» A física quântica começaa apontar esse caminho.O Homem nada sabe de concreto sobre o queestá para lá do cair do pano. Ganhamos mais emaceitar a união dos vários pensamentos do que aexcluir ou censurar aquilo que não professamosou conhecemos.Dr. Michael Bernard Beckwith disse ainda que«o homem torna-se naquilo que pensa. Ascapacidades e os dons que estão nos indivíduossão ilimitados, porque somos seres ilimitados.»Por isso, tudo pode ser possível.Os cientistas dizem que usamos apenas cincoporcentos do potencial humano. Imagine seconseguirmos utilizar os cem porcentos?Maria de Fátima Veloso 155

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Chegaríamos ao cerne da questão e saciaríamosas nossas necessidades.

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Reconheço que o meu país é muito pobre nestamatéria do paranormal, que apenas é falada emsurdina. Existem muitas pessoas que trabalhamcomo videntes e médiuns, mas dão apenasconsultas e a maior parte desta gente deixamuito a desejar. São quase inexistentes os livrose história que nos possam levar a acreditar, háexcepção de alguma literatura estrangeira.O que eu buscava era alguém que, para além deter essas capacidades, escrevesse sobre este tipode fenómenos, que os interpretasse e explicassede forma coerente de modo a que tudo fizessealgum sentido.

Na II parte do livro, escrevi um texto queabordava o póst-mortem, segundo a minhaintuição e aquilo que já ouvira de conversasbanais. Mas nada disso me servia. Precisava degente credível, de literatura fiável, de relatosreais, de gente aclamada pela opinião pública,onde não pudesse deixar dúvidas. Mas onde osiria encontrar? Na Internet? Em filmes? Hátanta coisa dúbia!Numa manhã de Fevereiro de dois mil e dez, saipara ir ao Centro Comercial aqui da zona eacabei por passar pela livraria para ver se haviaalguma coisa interessante. Qual não foi o meuespanto, quando dei de caras, no corredorcentral, com um livro de Concetta Bertoldi –Maria de Fátima Veloso 157

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Como se Vive Depois de Morrer – E outrasperguntas que há muito deseja fazer a ummédium. Nem queria acreditar. Agarrei no livro ecomecei a ler as letras maiores, completamenteeufórica e sôfrega, com o que me acabava deacontecer.«Alguém me aprontou esta», pensei. Tinha-mesentido quase que arrastada até aquele lugar eagora, já sabia porquê. A curiosidade que se tem quando temosoportunidade de pegar num livro desta natureza,é quase indescritível, porque não conseguimoscompreender como é que alguém sabe o quemilhões de pessoas ignoram.Em quatro dias li, reli e sublinhei o livro. Tantacoisa interessante para saber e compreender,para poder chegar mais perto da minhanecessidade e complementar o meu livro que seencontrava numa fase de stand by. Realmenteestou no caminho certo, pensei. E se alguémtem de o fazer, então vamos a isso e que Deus eos espíritos me ajudem.Quando queremos realmente alguma coisa, ouniverso conspira a nosso favor. É tudo umaquestão de tempo.Logo no início do livro a autora ConcettaBertoldi, uma conceituada médium americanaque serve a família real britânica, apresenta-nosMaria de Fátima Veloso 158

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o seu colega James Van Praagh, que está a fazeruma pesquisa para encontrar psíquicos“verdadeiros” em todo o mundo. Entende-sepor psíquicos, aquelas pessoas que têmcapacidades de mediunidade, domínio doparanormal, bastante desenvolvidas. Segundo esse autor, toda a gente é psíquica emmaior ou menor grau, mas nem todas as pessoaspodem ser médiuns. Nem todos têmcapacidades para atender e ajudar os outros nocampo da paranormal. Deduzi que, nos Estados Unidos como emqualquer parte do mundo e também emPortugal, existe muita gente a governar-se deforma pouco honesta, fazendo-se passar peloque não é e assumindo capacidades que nãotem. Mais à frente, fico a saber que também existemfundações e associações que investigam averacidades dos episódios paranormais, deforma imparcial e com métodos. À medida que mergulhava na leitura, identifiqueimuitas coisas que vivencie com a Elizabete, comLeonor e com muitas outras pessoas ouespíritos, que não me pronunciarei. Com a descoberta da existência destas pessoas ecom a leitura dos seus livros, muitas dúvidas seeclipsavam: afinal, outras pessoas que moram aum oceano de distância e de quem nunca ouviMaria de Fátima Veloso 159

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falar, não só percepcionam o mesmo que eu,como são ainda mais capazes e assertivas, alémde terem ao seu dispor toda uma informação eapoio que nunca tive. Conclui que era de todoimpossível estar a delirar ou inventar tudo istoque me vinha acontecendo, quer com aElizabete quer com outros.Confirmei nas leituras que fiz, que os mortosnos podem tocar através da energia que são, oque se pode assemelhar a pequenos choqueseléctricos; podem deslocar ou esconderobjectos; podem interferir com a correnteeléctrica, dando a sensação de que está a falhar;podem ligar e desligar aparelhos eléctricos;podem fazer-nos sentir arrepios de frio quandoestão juntos de nós, porque a temperatura baixaquando eles estão presentes. Quantos de nós já fomos «vítimas» destassurpresas? Todos, claro! Só que ignoramos.Outra informação que eu já supunha saber, masque ignorava haver mais gente a pensar damesma forma, embora a história das apariçõesde Fátima façam relevo a isso: todos os médiunscontactam com os mortos de modo diferente.Alguns limitam-se a ver os mortos, outrosapenas os ouvem e outros, ficam apenas comuma impressão geral.

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Agora que tinha provado do mel, não ia parar.Próximo autor: James Van Praagh e tudo o queapanhei escrito por ele e traduzido, foi lido erelido. Concetta Bertoldi, tinha dado a indicação queele a superava e que estava no top do maishonesto e do melhor que se pode encontrar nomundo. É um médio de renome internacional,com uma história de vida, impressionante. «Hámais poder no conhecimento do que naignorância» é dele esta frase que tem tudo a vercomigo. Este livro e esta busca põem à prova o meumedo, quando decido caminhar por águas nuncaantes navegadas, em busca duma luz e daverdade. Metermo-nos dentro duma carapaça enão querer saber não é de todo o melhor para ohomem e muito menos para mim.Nunca achei graça às experiências echamamentos com espíritos, típica brincadeirade miúdos ou gente graúda irresponsável. E porincrível que pareça, Van Praagh pensa domesmo modo: «os fantasmas podem serperversos e prejudicar bastante qualquer pessoainexperiente que por ignorância, se aventureneste mundo inexplorado». Deixo aqui o aviso.Ao longo de toda sua vida, este homem temtrazido algum conforto aos corações maisdespedaçados, mas também a todos aqueles queMaria de Fátima Veloso 161

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encaram a morte com horror, como eu. Claroque existe gente que acha tudo isto uma mentira,mas é impossível agradarmos a todos.

«A morte não existe. É simplesmente o fim docorpo físico. Os espíritos estão entre nós,comovendo-nos com o seu amor, guiando-nosatravés da sua sabedoria e protegendo-nos domal». Ainda que eu não acreditasse, tudo fariapara aceitar e interiorizar esta frase, que é paramim uma bênção.Van Praagh, afirma que somos na morte o quesomos em vida. Creio que faz todo o sentido,pois só o corpo deixou de existir. A essência dapessoa está lá, não desaparece: é energia, épensamento. Vejamos um exemplo: um casal tem dois filhos,amam-nos, educam-nos e proporcionam-lhetudo da mesma forma sem favorecimentos. Masas duas crianças, logo à nascença mostramserem bem diferentes, até mesmo no caso degémeos verdadeiros. Com o avançar da idade, as diferenças vão-seacentuando. Porquê? Porque as crianças játrazem uma predisposição que ultrapassa ocódigo genético. Além de serem um ser físicosão essencialmente seres espirituais. E o seuespírito tem todo um vasto registo deantecedentes.Maria de Fátima Veloso 162

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Está provado cientificamente que cada criança játrás consigo uma vontade e uma personalidadeprópria. Muitas vezes, os pais nem seidentificam com a personalidade ou otemperamento daquele filho, não reconhecem oresultado expectável da sua obra de criação eeducação.A minha relação com os meus pais biológicos éum retrato fiel disso mesmo. A pessoa em queme tornei pouco tem a ver com a educação edesejos dos meus pais: nem em gostos; nem empersonalidade; nem mesmo no meu percursoprofissional. Nada em mim, indicia que fuieducada por eles, a não ser nos valores como ahonestidade e o respeito aos outros.

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Recentemente vi um programa televisivogravado nos Estados Unidos em que serelatavam os fenómenos paranormais comcrianças com um sexto sentido muito apurado.Crianças e jovens que têm capacidades que lhespermitem ver e sentir os mortos. Entre muitasoutras coisas, falou-se também do medo queesses pais sentem em relação ao juízo que asociedade faz, devido às capacidades psíquicasdos seus filhos. Neste caso em concreto, foramapresentados e acompanhados dois jovens comidades de quinze e dezassete anos, quecolaboraram com equipas de investigaçãoprofissional da Universidade de Boston numcaso de um jovem desaparecido.Neste caso, os jovens videntes tiveram contactocom os objectos pessoais do desaparecido econseguiram decifrar energias que emanavamdestes e que lhes permitiu, com o apoio dasautoridades policiais, desenvolverem pistas eajudarem a solucionar um caso que ganhounovos contornos depois das suas intervenções. Foi incrível testemunhar como é que duaspessoas completamente distintas e sem estaremem contacto uma com a outra, aquando dosinterrogatórios responderam de igual forma aacontecimentos que não vivenciaram e queresultaram na visão concreta do sítio do

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desaparecimento do jovem e que eles nãoconheciam.Nesse programa, os médiuns responsáveis peloacompanhamento dos jovens médiuns, disseramque os espíritos têm capacidade deinfluenciarem as nossas emoções e nos criamansiedade. Subscrevo.

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Em Portugal tivemos uma história com videnteque ganhou contornos internacionais.Em mil novecentos e dezassete, três crianças dafreguesia de Fátima no concelho de Leiria,disseram insistentemente ter visto e falado coma mãe de Jesus, em cima de uma pequenaazinheira «Uma Senhora mais brilhante que osol; a Senhora vestida de Branco.»Os pequenos pastorinhos de origem humildeeram Lúcia, Francisco e Jacinta de dez, nove esete anos respectivamente. Segundo estes, sóLúcia, a criança mais velha, era a única queconseguia falar com Nossa Senhora. As outrasapenas conseguiam vê-la. Aqui neste exemplo,podemos confirmar à semelhança do que foidito anteriormente, que cada pessoa tem umacapacidade ou dom, diferenciado. A Senhora apareceu-lhes pela primeira vez atreze de Maio de mil, novecentos e dezassete epediu às crianças que estivessem naquele lugar,ao meio-dia de cada dia treze dos mesesseguintes até Outubro desse mesmo ano.Ao longo dessas seis aparições, a mãe de Jesusrevelou alguns segredos relativos a futurosacontecimentos que ião acontecer no mundogeopolítico, entre outros.No Portugal anticlerical da segunda década doséculo, este tipo de acontecimentos eraminadmissíveis; falar de Deus era na altura muitoMaria de Fátima Veloso 166

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perigoso. Por isso, as crianças foram sujeitas àsmais diversas investigações, ameaças e subornos,no sentido de não só se saber exactamente oque cada uma delas escondia, como também erado interesse de quem mandava, que as mesmasdesmentissem o sucedido.Mas a mais velha, Lúcia, garantiu que a Senhoralhe tinha dito que na última aparição, daria umaprova da veracidade das aparições ao mundo.Foi então perante uma grande multidão, estima-se que entre cinquenta mil a cem mil pessoas e,à mesma hora de sempre, no dia treze deOutubro, a chuva parou e as nuvens saíram paradar lugar à maravilhosa dança do Sol, um factosobrenatural que foi registado e divulgado porum Jornal nacional, o Século.O «milagre do sol» é sem dúvida, um dosfenómenos mais deslumbrantes e notáveis dahistória da humanidade.Este ano de dois mil e onze no mesmo recintode sempre, no dia treze de Maio, em plenacelebração eucarística aniversaria das aparições,presidida pelo arcebispo de Boston cardeal SeanO`Malley e durante todas a transmissão quedurou o vídeo produzido pelo santuário deFátima, numa evocação pública e jubilosa pelaBeatificação do Papa João Paulo II – O papa deFátima, que este ano foi proclamado Beato peloVaticano em Roma – o sol foi envolvido porMaria de Fátima Veloso 167

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uma aureola, fenómeno que foi desde logointerpretado por todos como mais umamanifestação divina de agradecimento econfirmação, perante milhares de pessoas detodo mundo, jornalista e televisão queregistaram o facto de forma perplexa.Segundo o professor doutor de economia JoãoCésar das Neves que na sua extraordinária obra,O Século de Fátima, contextualiza osfenómenos Fátima não tanto do ponto de vistada fé, mas mais no sentido da vertente históricafactual e no contexto dos grandesacontecimentos que afectaram o mundo noséculo XX. Foi essencialmente no seu livro queme baseai para contar muito sucintamente ahistória e são deste intelectual a reflexão:«Como é possível que as afirmações de trêscrianças tenham arrastado multidões,influenciado a igreja e o papa, o mundo e apolítica? De onde vêm as profecias tãosurpreendentemente certeiras e ligadas de formatão pormenorizada aos grandes mistérios dasreviravoltas do século, que confundemquaisquer historiador? Como pode ser que, apartir de uma aldeia perdida no meio da serra,num país minúsculo e numa época em que atéas viagens eram horrivelmente difíceis, tenhanascido uma vasta rede de influências que seestendeu de Lisboa a Roma e a Moscovo?»Maria de Fátima Veloso 168

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«Pretender que Fátima se tenha baseado emmentiras ou fábulas acaba por ser maisfantasioso do que, simplesmente, admitir que éverdade o que ela afirma acerca de si mesma.»A história de Fátima está completamenteenraizada na cultura portuguesa, de tal forma,que muitos pais, deram o nome de Maria deFátima às suas filhas em homenagem à mãe deJesus Cristo.A minha história não é diferente. Sou o terceirofilho que de um casal que queria muito ter umamenina. A minha mãe trouxe-me ao mundo nodia treze de Maio, pela hora da aparição e o meupai não lhe deu mais alternativa ao nome: Mariade Fátima por nascer no dia da Nª. Sr.ª deFátima a mãe de Jesus.Cresci sempre com uma profunda e enormeresponsabilidade pelo nome que carregava epelo simbolismo que ele representa para a fécristã Católica em Portugal e no resto domundo. Desde que me lembro, a mãe de Jesus,significou durante uma grande parte da minhavida, a minha principal referência como mulher,onde me alicercei para desenvolver o meucrescimento espiritual. Só mais tarde é que aminha consciência se foi alargando e hoje, tenhoa certeza, que embora as minhas crenças actuaissejam bem diferentes do que eram há uns anosatrás, a mãe de Jesus, não estará decepcionadaMaria de Fátima Veloso 169

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comigo. Pois o caminho que tenho dado àminha vida tem a total aprovação do seu amorincondicional como Mãe.Se Fátima é hoje um nome sagrado para osCatólicos, também o é para a religiãoMuçulmana. Fãtimah é a última filha da primeiraesposa, Cadija, do profeta do Islão, Maomé, efoi também a única de todos os seus filhos queassegurou a descendência. Foi sempre uma filhazelosa que cuidou do pai até ao últimomomento. Fãtimah foi sempre uma mulhertemente a Deus. É o nome feminino maisrespeitado pelos irmãos muçulmanos4.

4 Irmãos muçulmanos: Na igreja Cristã, irmãos são todos aquelesque aceitam Cristo como seu salvador. Para mim, Deus é só um epor isso não só somos todos irmãos como devemos igualmenteamar-nos uns aos outros independentemente da crença, da cor, daraça e do estatuto social. Maria de Fátima Veloso 170

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Final de Abril de dois e onzes, recebi comopresente de Páscoa da minha aluna Mette-Maritde oito anos: um desenho da nossa aula deballet. Como era o primeiro que recebia, feitopor uma aluna da minha escola, decidi afixa-lona porta do meu cacifo, na zona dos vestiários.As semanas passaram-se e na primeira aula emque a minha aluna Mary já com doze anosacabados de fazer na semana anterior, chama-me à atenção para um pormenor no desenho.Matte-Marit não só tinha desenhado todas ascolegas do ballet, como ainda tinha acrescentadouma nova colega a quem deu o nome deElizabete e que na legenda escreveu «AElizabete não existe».Observei a constatação e nem queria acreditar.As mães que estavam presentes e assistiam àconversa, ficaram tão atónitas quanto eu. Comoa Matte não estava naquele dia, não pudeesclarecer as minhas dúvidas. Na aula seguinte,chamei não só a mãe da Matte como a própriacriança e pedi-lhe, que me explicasse o desenhoque tinha feito. Ela disse que estava em casa elembrou-se de o fazer. Quando lhe pergunteiquem era a Elizabete e por que é que ela tinhaescrito na legenda que a «Elizabete não existe»,ela responde-me que antes do concluir, “deu-lhe” na cabeça de acrescentar mais aquelacolega.Maria de Fátima Veloso 171

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Tudo aquilo me fez imensa confusão. Foiquando lhe perguntei se ela conhecia algumaElizabete. Ela afirmou que não tinha nenhumaamiga, vizinha e nem conhecia ninguém comesse nome. A mãe que estava por perto, tambémconfirmou, que não se lembrava de alguma vezter ouvido a filha mencionar esse nome no roldas suas amizades.A Matte-Marit entrou para o ballet no SportLisboa e Benfica com dois anos e meio, doismeses antes da Elizabete falecer e ela não sabiada existência da Elisabete e nem da concepçãodo livro. A Mary também foi aluna do Benfica eé curioso, que ela só tenha feito o reparo dodesenho, depois de ter completado a mesmaidade com a que a Elizabete morreu.

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Cinco de Dezembro de dois mil e onze, eramcerca de onze horas da noite, depois de mais umdia de trabalho e de todo o ritual que procede aomesmo, reconfortei-me no meu sofá para voltara pegar no livro que tinha começado a ler nessefim-de-semana. Adoro ler e no Natal passado, omeu irmão mais velho, tinha-me oferecido olivro de Nora Roberts, Inocência Perdida.Desvalorizei o livro em relação a outros que mepareceram mais apelativos. Mas agora ia fazerum ano que o livro estava na minha estante e eunem me havia disponibilizado para lhe pegaratentamente. Quando o fiz nesses dias, já não olarguei: realmente a escritora consegue agarrar oleitor logo nas primeiras páginas. Assim sendonessa segunda-feira, o meu espírito estava ávidodo livro. Mas pouco depois de me ter sentado ede a gata se ter refastelado no meu colo porcima da manta, o cadeirão de verga que estava àminha direita na sala, começou a ranger de umaforma perturbante. A gata levantou de imediatoa cabeça e sentou-se no meu colo a olharfixamente para o cadeirão. É sempre inquietantequando percebo que o animal confirma osmesmos barulhos que eu: ou melhor que osbarulhos não são imaginação da minha menteou do meu ouvido. Perguntei-lhe o que ela via,mas esta nem tirava os olhos da direcção docadeirão à medida que o ranger das vergas seMaria de Fátima Veloso 173

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ouvia cada vez mais alto. Claro que fiquei commedo, não sou diferente dos demais. Lidar comisto, tira-me do sério e atordoa-me. A minhaprimeira reacção foi mandar embora quem aliestivesse, em nome de Jesus Cristo. Mas fi-lo deuma forma tão indelicada e dura que depois mearrependi. Achei mais uma vez que o intruso,não tivera respeito pela minha vontade, masdepois cai em mim e pensei que talvez fossealguém que eu havia conhecido e que apenasquisesse estar ali. Tive pena, desculpei-me e pedique para da próxima vez tivesse mais cuidadopara não me assustar. Momentos depois, dei pormim a pensar no ridículo da situação aos olhosdos incrédulos. O barulho contínuo pela noitedentro até às três da manhã, a hora a que me fuideitar.No dia seguinte, aproximadamente à mesmahora, volto a sentar-me no sofá, a gata salta parao meu colo, pego no livro, mergulho na leitura ecomeçam as vergas do cadeirão a ranger. A gatalevanta a cabeça olha para o cadeirão, mas já nãose surpreende. O medo nessa noite não tevelugar. Olhei para o cadeirão e esbocei umsorriso terno para quem lá estivesse. Quem querque fosse, nunca vi, pois ainda não tenho essacapacidade e confesso-vos que tenho medo de ater. Ainda tentei ter um diálogo comigo mesmana tentativa de adivinhar quem estava por ali.Maria de Fátima Veloso 174

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Mas como não ia chegar a conclusão nenhuma enem estava interessada, mergulhei novamenteno livro até às três da manhã. Os barulhosforam-se suavizando à medida que a noite iaavançando.Na manhã do dia seguinte quarta-feira, fui fazero teste ao cadeirão. Sentei-me nele e testei quemovimentos seriam precisos fazer para que esteemitisse ruído. Conclui que só uma pessoamuito pesada o conseguia. Os meu cinquenta ecinco kilos não foram suficiente para o fazerranger. Também conclui, que para uma pessoaleve o fazer chiar, teria de estar sempre a mexer-se para à frente e para trás ou para os lados,como as crianças gostam tanto de fazer, quandoestão irrequietas ou para chamar à atenção. E foia partir daqui, que as coisas passaram a fazeralgum sentido, pelo menos para mim.Nessa mesma manhã, falei com uma amiga econtei-lhe o sucedido. Pedi-lhe que tivessecoragem para ir a minha casa nessa noite, apenaspara confirmar o barulho, mas percebi que elanão estava à vontade e quando chegou a noite,não apareceu. Também tinha levantado ahipótese de filmar o cadeirão durante as horasem que eu estivesse a ler, para ter a confirmaçãodo barulho na filmagem. Só que nessa noite, nãoaconteceu nada e nem na outra seguinte. Penseique quem quer que fosse, tivesse resolvido irMaria de Fátima Veloso 175

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embora e não me preocupei mais. Mas o meupensamento estava mais inclinado paraElizabete, que este ano, faria seis anos após asua morte e a data batia com o mesmo dia dasemana: ela morrera a nove de Dezembro numasexta-feira e este ano, o aniversário da suamorte, era numa sexta-feira. Por uma questão de opção, ainda vivo sozinhana minha casa, onde tenho uma gatinha quemimo como se fosse uma filha. Acho que é umproblema geral: as pessoas que vivem sós, têmtendência para projectar nos seus animais deestimação, toda a sua afeição como se fossempessoas. Sinto pela Kika um amor incondicionale como tal, compro-lhe tudo o que há não sópara animais como para crianças. Quandoencontro um brinquedo que acho que a podeestimular, compro-lho, nem que sejaelectrónico. E é muito engraçado constatarcomo ela reage bastante bem. A minhamadrinha, diz que eu não deixo a gata ser umfelino, porque está demasiado humanizada. Bommas ela é feliz assim. Podem acreditar que se amusica não lhe for do seu agrado e estiver muitoalta, ela vem pedir-me para baixar o volume. Éinacreditável! Se me ligarem para o telefone decasa ela, desliga-o. Deita a baixo o auscultador edepois pega nele com as duas patinhas e carreganos botões até o equipamento se calar. MasMaria de Fátima Veloso 176

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vamos ao essencial: A kika tem como seusbrinquedos uns hamsters electrónicos, que paraandarem e emitirem barulhos, tem de se carregarno botão que está no dorso do brinquedo. Deoutra forma ele não anda. É um brinquedomuito querido para as meninas até à idade dedoze anos. E muitas delas fazem questão de oterem e até há quem faça colecção.Manhã de dia nove de Dezembro de dois mil eonze, assim que acordei disparou o barulho dohamster da kika na cozinha. Ainda pensei quetivesse sido ela, mas a gata estava deitada emcima da minha cama, ao fundo dos meus pés eassim que deu pelo barulho na cozinha, saiodisparada para ver o que se passava. Tanto eucomo a gata sabíamos que era o hamsterelectrónico, pois o seu barulho é inconfundível.Mas quem o terás posto a trabalhar se nãoestava mais ninguém na minha casa? Para mimfoi a mesma pessoa o mesmo espírito que sesentou no cadeirão de verga naquele início desemana e que hoje me fazia lembrar a hora dasua partida e também o levantamento dos seusrestos mortais, como mais tarde tive aconfirmação da parte da avó. Depois disso, elanunca mais deu sinais. Que faço eu com estainformação, guardo-a só para mim? Não meparece justo.

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Todas estas pequenas histórias e outras ditaramem mim, que cada vez faz mais sentido que «Otempo que passamos na terra é um tempo deaprendizagem. Do ponto de vista espiritual, aúnica coisa que é esperada por nós é que nosamemos uns aos outros de forma a valorizarmo-nos enquanto seres espirituais que somos.Estamos aqui para fazer o melhor que pudemose tratar os outros com compaixão e bondade. Odomínio humano é uma excelente escola, ondeas nossas almas podem aprender a crescer. Seconseguirmos isso, a nossa transição para ooutro mundo, poderá ser fácil e jubilosa», comodefende Van Praagh.

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Recordo-me também de ter visto um programana televisão, que falava acerca do pai de AnneFrank e da forma como esse homem se deu àcausa, para tornar inesquecível a vida da suafilha. Anne é, nos dias de hoje, o primeiro rostodo povo judeu, vítima do holocausto. A sua vidafoi breve, mas aquilo que conseguiu, através daescrita dum diário, foi tão poderoso quecontinua a ressoar nos dias de hoje. Enquantovia o programa, identifiquei-me de algumaforma com aquela personagem: também eugostaria de imortalizar a vida de Elizabete e oque ela representa: todos os filhos que partirame deixaram os seus pais agarrados à vida nummanto de sofrimentos. Através deste pequeno livro, muitas vidas serãosalvas e muitos pais poderão recordar que,graças à fatalidade de uma criança de doze anosque morreu vítima de cancro, o seu filho oufilha poderá crescer com tudo aquilo a queElizabete ficou privada. Nada acontece poracaso e a vida de Elizabete tem uma mensagempara o mundo, que este não pode recusar:Será a morte o fim de tudo?

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AGRADECIMENTOS

Agradecer alguma coisa ou a alguém é a melhorforma de se atrair mais do mesmo. É um dosgestos mais nobres que o homem realiza na suavida. Também é uma das melhores energias quepodemos emanar para o universo, pelo dom davida que recebemos. O agradecimento é definitivamente a prova deque afinal não estamos sós, mas que precisamostodos uns dos outros e que as nossas vidas secruzam e se influenciam umas às outras comoímanes.Assim sendo, aqui deixo os meusagradecimentos a todas as pessoas que de umaforma ou de outra se cruzaram na minha vida:umas marcaram o encontro pela positiva eoutras com dor e ingratidão. Mas reconheçohoje, que todas foram importantes para a pessoaem que me tornei. Que Deus as abençoe.

Aos meus pais Isabel Veloso e Amadeu Veloso,o meu agradecimento pelo dom da vida e porme terem transmitido os valores que tenho.Obrigada pelo esforço e pelo amor que sempreme deram.

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Olinda Agulhas, minha segunda mãe, quesempre me deu colo e carinho quando eranecessário. Que me obrigou a estudar, quandonão queria, que me falava as verdades que nãoquero ouvir, que me leva flores e doces nosmeus espectáculos. A tua paciência, doçura eforça moral deram-me coragem para continuar etornar-me na mulher que hoje sou.

Enfermeira Belmira Romão, obrigada por serum bom exemplo para mim: é a mulher maisgenerosa que alguma vez vi; a santa protectorados animais e dos doentes. Se houver céu, jáganhou o seu lugar. Obrigada do fundo do meucoração, por acreditar em mim e pelo apoioincansável que me dá quando mais preciso.

Dr. António Vieira Sanches, a amizade não semede pelo tempo mas sim pela intensidade epelos gestos de afecto que demonstramos aosamigos. Obrigada pelas palavras de incentivo eajuda na concretização da minha escola de dançae pelo apoio no lançamento deste livro.

Dr. António Sabino do Carmo, um homembondoso que sempre esteve disponível para meatender, ouvir e incentivar. Se não escolhemos afamília onde nascemos, os amigos sãodefinitivamente a família que escolhemos emMaria de Fátima Veloso 181

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vida. Tem sido um verdadeiro padrinho.Obrigado pela sua amizade, lealdade e bondade.Margarida Pedrosa, Obrigada pela amizade, pelapreocupação que tens comigo. As mulheres nãose medem pela altura, nem pelo dinheiro,medem-se pela grandeza do coração e tu ésgrande.

Alessiane Pales e Paulo Almeida, o amor é omelhor mote para se viver. Vocês são na minhavida a prova disso mesmo. Obrigada por tudo oque fizeram por mim. Amo-vos com todo omeu coração e com todo o meu espírito.

Giovanni e Roberta – Se o mundo do futebolou do desporto vos tivesse como lideres, creiofirmemente que todas as pessoas iriam quererviver nesse meio. Esse dom para evangelizartudo e todos é qualquer coisa de maravilhoso.Que Deus vos continue a dar sabedoria, paraelevarem o Seu nome ao âmago de todas asnossas emoções. Vocês e os vossos filhos sãosangue do meu sangue e carne da minha carne.

Diana – Não consigo sequer imaginar a dorporque tem passado nestes últimos anos.Mesmo assim, teve força suficiente para ouvirtudo o quanto me ia acontecendo. Obrigada,pela grande mulher, esposa, mãe, avó eMaria de Fátima Veloso 182

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conselheira que é. A sua sabedoria e bom sensoé de tal forma um bom exemplo, que dariaoutro livro. Que Deus e a Elisabete lhe dêem acoragem suficiente, para enfrentar cada diacomo um legado novo de esperança.E ainda a Deus, a Jesus, à Nª. Sr.ª de Fátima, àElizabete e a todos os espíritos amigos que metêm ajudado e acompanhado ao longo da vida,com paciência e amor incondicional. Eutambém vos amo. Obrigada

Tânia Azevedo – É incrível como umas vidasnos levam a outras. É surpreendente constatarque nada acontece por acaso. E é pena que nomeio da aflição, muitas vezes não tenhamos odiscernimento para ver mais além. A perdarecente da tua mãe, e a tristeza que passastesensibilizou-me e aproximou-me mais de ti.Como resultado deite o meu livro para ler, como qual te identificas-te. Depois abraças-te oprojecto da publicação do livro na internet,como se fosse teu. Espero sinceramente contarcontigo para o pós publicação; creio que nãovamos ter mãos a medir e sozinha, por muitosdons que Deus me tenha dado, não darei contado assunto. Que Deus te dê na medida do teucoração.

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