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CE | SUPPLY CHAIN, OPERAÇÕES E LOGÍSTICA • MOVIMENTAÇÕES DAS CADEIAS GLOBAIS

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MOVIMENTAÇÕES DAS CADEIAS

GLOBAIS

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| POR ANDREW BEHEREGARAI FINGER

As roupas que veste, os aparelhos eletrô-nicos que possui e os diversos objetos que maneja em seu dia a dia provavel-mente chegaram às suas mãos pelas Global Value Chains (GVCs). Foram as cadeias de valor globais que fize-ram com que esses produtos fossem

gerados com melhor eficiência, custo, qualidade e diversi-dade para o seu uso.

Ao tornarem o mundo “plano” – eliminando barreiras e facilitando a competição e a colaboração –, as forças da glo-balização permitiram às empresas buscarem em outros países não apenas novos mercados consumidores, mas principal-mente fornecedores. A partir da década de 1970, as empresas de manufatura americanas e da União Europeia passaram a mover suas produções para países em desenvolvimento, iniciando a formação das cadeias de suprimento globais.

Esse repasse de processos para diversas organizações em outras partes do mundo fez com que as companhias perce-bessem a importância e a vantagem de concentrar o foco em suas competências essenciais. Com isso, mais atividades não estratégicas foram externalizadas, resultando em ações mais amplas de outsorcing e offshoring no âmbito global.

Nas Global Value Chains (GVCs), a disputa é por quem domina o poder e consegue conquistar maior valor agregado.

Um exemplo são as fabricantes de carros. Transformaram-se em montadoras, repassando o custo de desenvolvimento, a montagem e o estoque de subcomponentes para seus forne-cedores. Empresas como a BMW agora focam em marketing (design e tecnologia), relacionamento com o cliente e enge-nharia. Repassam até mesmo a montagem de carros a parcei-ros. Desde 2001, a Magna monta alguns modelos da BMW.

Nas décadas de 1990 e 2000, houve a evolução para a manufatura dispersa globalmente. Diversas partes do pro-cesso de produção espalharam-se pelo mundo, formando uma cadeia de agregação de valor em cada etapa ao redor do planeta. Por exemplo, a Boeing passou a se relacionar com mais de 5.400 fornecedores em quatro continentes para montar sua família de aeronaves 787 com suas cerca de 2.3 milhões de partes. Alguns itens, como a fuselagem, são fabricados pela própria Boeing, enquanto outros, como o trem de pouso, são montados fora.

As GVCs incluem todas as atividades que as empresas realizam para constituir um produto desde sua concep-ção até o consumidor final – incluindo design, produção, marketing, distribuição e suporte ao consumidor final. A questão principal que direciona a academia e a práti-ca consiste em como o valor é criado e capturado nessas

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Por serem cadeias complexas, as GVCs têm na governança um dos aspectos centrais para uma gestão e coordenação eficazes.

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cadeias – de acordo com a concepção original de Michael Porter: redução de custos, aumento de lucros nas transações ao longo dos elos, ou diferenciação de processos, produtos e serviços. Entre as diversas estratégias utilizadas para criar valor, a cooperação tem se mostrado determinante, visto que promove integração e troca de informações na cadeia.

GLOBAL, MAS NEM TANTOApesar de serem globais, as GVCs muitas vezes são re-

gionais ou simplesmente envolvem a América do Norte, a Europa e a Ásia. Essa dinâmica depende de cada produto ou indústria e de como os diversos países se especializam em suprir ou desenvolver serviços em determinada área. Iniciativas como o Sourcemap (open.sourcemap.com) mostram as cadeias globais de diferentes setores e pro-dutos. Pode-se perceber, pelos mapas, que várias cadeias estão limitadas a países do mesmo continente, ou vendem mundialmente, mas produzem regionalmente (como a da grife Benetton).

Hoje, empresas de grandes marcas italianas de roupas e acessórios, por exemplo, focam em design e marketing, preo-cupadas em desenvolver e agregar valor à marca. Toda a sua produção é repassada para países do Leste Europeu. Produtos made in Italy são fabricados na Polônia, na Macedônia e na Albânia. Trata-se de países com menores custos de produ-ção – criticados, muitas vezes, por permitirem condições de trabalho inadequadas –, e considerados pelas marcas mais próximos cultural e logisticamente do que a Ásia.

Outra movimentação recente no mapa das cadeias globais é a da China. Desde a sua transformação em grande produtor nas GVCs, o país tem buscado alterar sua posição em busca de maior agregação de valor e, automaticamente, de ganhos mais elevados. As indústrias chinesas passaram a terceiri-zar as atividades e os processos de menor valor para países do Leste Asiático, que agora realizam grande parte da pro-dução para o mundo, como a China fez na década de 1990.

Destaca-se, ainda, o retorno de processos de produção à Europa e aos Estados Unidos. Chamado de reshoring,

backshoring ou reverse offshoring, esse movimento obje-tiva retomar vantagens competitivas quanto ao transporte, bem como aos custos de transação e de produção. Além das questões logísticas e culturais, exemplificadas no caso das grifes italianas, há a influência do crescente nacionalismo, como o do Governo Trump, em trazer as operações globais de volta para casa.

GOVERNANÇA COMO FOCOPor serem cadeias complexas, as GVCs têm na governan-

ça um dos aspectos centrais para uma gestão e coordenação eficazes. Os relacionamentos e a dinâmica de poder entre os membros da cadeia são fundamentais para entender o seu funcionamento.

A descrição inicial feita pelo pesquisador Gary Gereffi, na década de 1990, ainda hoje explica fundamentalmen-te as relações nas GVCs. Segundo ele, existiriam as pro-ducer-driven chains e as buyer-driven chains, ou seja, as cadeias “direcionadas pelos produtores” e as cadeias “di-recionadas pelos compradores”.

As producer-driven chains são cadeias como as das mon-tadoras de carros e das fabricantes de equipamentos eletrô-nicos, em que as decisões estão nas mãos dos produtores, que planejam e reorganizam a produção (tanto em ritmo como em volume). As cadeias de suprimentos e de distri-buição têm de se readequar conjuntamente ao que os pro-dutores determinam.

As buyer-driven chains são direcionadas, em geral, por grandes varejistas e marcas. Uma rede de supermercados como a Walmart escolhe de quem comprar globalmente, com base nos preços e prazos que achar mais convenien-tes. Da mesma forma, uma marca como a Nike decide o que deve ser fabricado, quando, onde e quais as melhores condições para fazê-lo.

A classificação em cadeias de “produtores” e “comprado-res” é simplificada, mas suficiente para entendermos que, dependendo do tipo de cadeia em que o negócio se encon-tra, deve-se identificar quem domina o poder.

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As GVCs têm sido utilizadas para delinear estratégias econômicas de países que definem políticas públicas para

mudar seu papel em certas cadeias globais.

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Os relacionamentos nas GVCs passaram a ser muito im-portantes e, em alguns casos, até confusos. Por exemplo, a Samsung é, ao mesmo tempo, fornecedora e concorren-te da Apple. Peças como cartão de memória, processa-dores e display foram fornecidas pela Samsung à Apple para o iPhone 7, mas isso não impediu que a Samsung sofresse processo de sua parceira por cópia do design de smartphones e tablets.

Poder e relacionamento mostram, novamente, a impor-tância de se desenvolver a governança. Mesmo empresas experientes e líderes em suas GVCs não conseguem, por vezes, controlar a cadeia, como a Mattel, com seu recall de brinquedos devido a um erro de subcontratados; a Boeing, com grandes atrasos no desenvolvimento do Dreamliner, em razão de problemas não dos seus fornecedores diretos, mas de elos mais distantes; e a Samsung, recentemente com problemas com os provedores de baterias de seus tablets.

PRINCIPAIS TENDÊNCIAS As GVCs vão continuar se movendo, de acordo com as

mudanças nos paradigmas da produção e dos mercados.A decisão da China em subir na cadeia de valor está alte-

rando a sua participação nas GVCs. Também contribui para isso a plataforma de e-commerce Alibaba, que coloca o país como intermediador mundial na venda de qualquer produto que também possa ser fornecido e produzido globalmente. O foco da China desloca-se, assim, da produção para a in-termediação entre a produção e a venda em um processo de menor custo e maior valor agregado. Chamam a atenção o tamanho, o volume de transações e o alcance que o Alibaba tem ao vender itens, muitas vezes de pequenos produtores da Ásia, para o mundo todo.

Cadeias globais envolvem não apenas a manufatura, mas também serviços. Por exemplo, mundialmente, as áreas de contabilidade, tecnologia de informação (TI) e exames mé-dicos são hoje terceirizadas. Além disso, os próprios servi-ços nas GVCs industriais – como armazenagem, transpor-te e mesmo pós-venda – espalham-se por diversos países.

As empresas vão buscar ou ampliar a possibilidade de ter-ceirização de serviços onde obtiverem melhor relação de custo × benefício.

A sustentabilidade também tem impactado as GVCs. Muitas empresas precisam e querem garantir que a pegada ecológica de seus parceiros e fornecedores seja adequada. Isso está levando ao aumento da governança nas GVCs, como já citado, além de um planejamento em rede mais cuidadoso.

Por fim, as GVCs têm sido utilizadas para delinear estra-tégias econômicas de países que definem políticas públicas para, ao longo do tempo, mudar seu papel em certas cadeias globais. O objetivo é adquirir maior valor agregado, como fez a China e como o Vietnã está fazendo, ao discutir como pode deixar de ser apenas produtor global.

O Brasil está presente nas cadeias globais, mas não exer-ce papel central. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2011, o Brasil apresentou um índice de participação nas GVCs de 35,2 – superior ao da Argentina (30,5), porém bem inferior, por exemplo, ao da China (47,7) e da Alemanha (49,6). O pro-blema é que a participação brasileira ocorre basicamente no início da cadeia, com matérias-primas básicas minerais e agrí-colas com pouco potencial de agregação de valor. Apesar de clara vocação agrícola, somos também plataforma de produ-ção e exportação para a América Latina em setores como o automobilístico e o de eletrodomésticos. Mas qual será nos-so papel globalmente? Em quais setores o Brasil pode gerar e agregar valor? Sem essa discussão, o país ficará longe dos grandes ganhos que as GVCs podem proporcionar.

ANDREW BEHEREGARAI FINGER > Universidade Federal de Alagoas (UFAL) > [email protected]

PARA SABER MAIS:- Organização Mundial do Comércio (OMC). Global Value Chains. Disponível em: wto.org/

english/res_e/statis_e/miwi_e/miwi_e.htm- Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Global Value

Chains. Disponível em: oecd.org/sti/ind/global-value-chains.htm - ValentinadeMarchi,EleonoradiMariaeGaryGereffi.Local cluster in global value chains:

linking actors and territories through manufacturing and innovation, 2017.- Victor Fund, William Fund e Yoram Wind. Competindo em um mundo plano: como construir

empresas para um mundo sem fronteiras, 2008.