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TE RC E I RO S E TO R

ONGs enfrentam desafios e ocupam espaço da ação pública

A causa é nobre, mas boas intençõesnão são suficientes para se criar umaorganização não governamental ca-paz de produzir benefícios sociaisefetivos e de forma sustentável. A si-tuação atual das ONGs, como sãochamadas essas organizações semfins lucrativos, inclui dificuldadesde várias ordens, como identificarfontes de financiamento, elaborarpropostas consistentes, captar re-cursos e gerir as organizações e seusprojetos. Elas enfrentam críticas so-bre o papel que ocupam na econo-mia e na sociedade, sua relação como governo e as empresas, seu raio deatuação – isso sem mencionar aquestão de apropriação indevida dasrelações institucionais e dos recur-sos. “É preciso avaliar com cuidadoas questões envolvendo ONGs, poisesse universo é bastante diverso ecomplexo”, considera Hebe Signo-rini, pesquisadora do Núcleo Inter-disciplinar de Pesquisa e Intercâm-bio para a Infância e AdolescênciaContemporâneas (Nipiac), do De-partamento de Psicologia da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro.O conjunto de instituições identifi-cadas como ONGs abarca desde san-tas casas até fundações que apóiam

causas de naturezas diversas (meio-ambiente, cultura, profissionalizaçãoetc) e atingem públicos variados (co-mo crianças, adolescentes em situa-ção de risco, pacientes de doenças in-curáveis ou idosos). Muitas vezes, si-tuam-se no limiar de ações caracterís-ticas de voluntariado ou, mais profis-sionais, cumprem papel fundamen-tal em áreas não alcançadas por umainstituição pública. Acabam por re-presentar uma opção de emprego pa-ra muitos pesquisadores que nãoconseguem ser absorvidos pelo mer-cado de trabalho formal.Apesar das dificuldades de mensura-ção de estatísticas sobre tais organiza-ções, estima-se que o número de

ONGs oficialmente cadastradas noBrasil esteja próximo de 280 mil, se-gundo dados de 2002, publicados em2004, na pesquisa mais recente sobreo assunto. Sabe-se, porém, que essevalor representa pouco mais da meta-de do total das entidades sem fins lu-crativos registradas no Cadastro Cen-tral de Empresas (Cempre). A pesqui-sa revelou também que 62% das fun-dações privadas e associações sem finslucrativos existentes atualmente fo-ram criadas a partir dos anos 1990,com destaque para a região Sudeste. Ao mesmo tempo em que o númerode ONGs cresce de forma acelerada,a taxa de mortalidade dessas insti-tuições também é elevada, da ordem

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BRN o t í c i a s d o B r a s i l

Grupo circense liderado por Wellington Nogueira, da ONG Doutores da Alegria

Luis Rocha

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neiro e Recife, são profissionais deartes cênicas e devem se dedicar, nomínimo, 18 horas semanais para asvisitas e a criação do repertório artís-tico, por um período de um ano, quepode se renovar no ano seguinte. Osprofissionais dessa ONG têm dife-rentes perfis: jovens que optarampor trabalhar com ela desde a forma-tura, artistas que se tornaram gesto-res, profissionais que fizeram a tran-sição de empresas para terceiro setor,além de estagiários. “Trabalhar emONGs tornou-se uma alternativa deemprego para muitas pessoas”, afir-ma Wellington Nogueira, coorde-nador geral da Doutores da Alegria.Ele defende a profissionalização atécomo forma de efetivamente legiti-mar a organização pela qualidade dotrabalho, tornando-a uma opção in-teressante de investimento social. Para Nogueira, ONGs bem admi-nistradas têm mais chances de criarnovas formas de gestão e geração derenda, com propostas de novos mo-delos econômicos, atrelados ao de-senvolvimento humano. “O desafioé que podemos fazer o novo ao invésde copiar o passado. E, nesse proces-so, rever legislações e tornar asONGs cada vez mais atraentes para omercado de trabalho, fomentandosustentabilidade” acrescenta .Para Christina Moreira, coordena-dora de projetos da Sociedade VivaCazuza, “as ONGs ainda não po-dem ser consideradas uma alterna-tiva de emprego, porque a maioria

Alexandre de Almeida, da ONG Griots, conta histórias para crianças hospitalizadas

de 70% no primeiro ano de criação,segundo especialistas. No total deONGs apuradas, há ainda uma par-cela considerável de instituições queconstam dos registros, mas já nãooperam mais: não fecharam oficial-mente, sobretudo em virtude doscustos envolvidos no processo.O que explica esse fenômeno? ParaMichel Freller, presidente da empre-sa Criando, consultoria especializa-da em terceiro setor, “a maioria dasONGs trabalha de forma muitoamadora. Mesmo sem visar lucros,devem aprender a atuar como umaempresa”, considera.Alexandre de Almeida, diretor exe-cutivo da ONG Griots, de contado-

res de histórias para crianças hospi-talizadas, situada em Campinas(SP), concorda. “Não é possível rea-lizar um trabalho consistente se asatividades forem realizadas por pes-soas de boa vontade, mas sem quali-ficação. Mas nossos contadores sãovoluntários devido a dois fatores: avontade de doar o tempo pela causada dor infantil e a dedicação, de emmédia uma hora semanal, que ospermite permanecer em suas profis-sões”, diz Almeida. Já os palhaços da ONG Doutores daAlegria que, com apresentações cir-censes, leva diversão e mensagenspositivas a crianças hospitalizadasdas cidades de São Paulo, Rio de Ja-

Alexandre Battibugli

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delas não tem verba para contratarfuncionários”. Segundo Christina,o perfil de quem trabalha emONGs da área de saúde é o de pes-soas afetadas e/ou infectadas por al-guma doença. “Costumo dizer queas pessoas que trabalham na Socie-dade Viva Cazuza, apesar de não se-rem portadoras do HIV, são aquelasque foram sensibilizadas pelo vírus,que compraram essa briga”.

CAPTAR RECURSOS Um dos maioresproblemas enfrentados pelas ONGsé a sustentabilidade. Em encontrorealizado em Campinas para deba-ter essa questão, Jorge Gonzaga deOliveira, da ONG Aheda, disse que“as dificuldades para captar recursosestão maiores: é preciso aprender aelaborar bons projetos e parcerias,conhecer os incentivos fiscais e em-presas interessadas em financiarprojetos sociais”. Lílian Perez, conselheira fiscal doInstituto para o Desenvolvimentodo Empreendimento Social Susten-tável (DESS), aponta que a maiordificuldade das organizações é obterrecursos para projetos de longo pra-zo. Localizado em Santa Bárbarad’Oeste (SP), o DESS é uma ONGfacilitadora, que apóia comunida-des no uso eficaz dos recursos locais,por meio de maior integração comfinanciadoras da região.Elaborarprojetos exige clareza nos objetivos,atividades e métodos de trabalho. Pa-ra isso, surgiram empresas privadas

especializadas em elaborar e encami-nhamar projetos, informa Ana Caro-lina de Oliveira Zanoti, especialistaem projetos da Criando.Para ONGs nascentes, a dificuldadeé maior: precisam se tornar conhe-cidas para conseguir financiar seusprojetos. Para isso existe uma cate-goria de capital conhecida por seedmoney (capital semente). Trata-se derecursos obtidos junto a simpatizan-tes próximos do núcleo gestor. Hátambém iniciativas como a da ONGAshoka, que apóia empreendedoressociais do mundo todo. Após a sele-ção dos grupos, a organização dáuma bolsa mensal por três anos paraque se dediquem aos projetos.

PAPEL SOCIAL Nem governo, nem se-tor privado, o terceiro setor surgiunum momento em que o Estadoperdia poder em nome da regulaçãodo mercado apoiada pelo liberalis-mo. Mas será que esse novo setor,que muitas vezes assume as funçõesque o Estado deixou de realizar, temrazão de existir? Para a pesquisa-dora Hebe, a questão é qual o papeldas ONGs na sociedade. “Não soucontra essas entidades, mas simcontra a forma de atuação de gran-de parte delas no mundo e no Bra-sil, atualmente”. A pesquisadoraafirma que muitas ONGs migra-ram para o papel de executoras depolíticas públicas, o que é compe-tência do Estado. “Estudos recentesdemonstram que a execução de po-

líticas públicas por ONGs é inefi-ciente por ser muito mais custosaem termos de mão-de-obra”, diz.Hebe lembra que há ONGs cum-prindo funções governamentais de-terminadas pela Constituição, co-mo as que prestam serviços de pro-teção à testemunha. “Isso é atribui-ção do Estado. Realizar esse traba-lho é inconstitucional”, afirma apesquisadora.Para ela, há espaço para que atuem,por exemplo, na reivindicação dedireitos e na sistematização de de-núncias contra abusos, exclusões edesrespeito aos cidadãos. O outro éatuar em projetos experimentaisque, se bem sucedidos, podem seradotados como política pública.“É preciso cuidado, porém, emevitar interferências que a depen-dência financeira implica no papelreivindicatório dessas organiza-ções”, alerta.

Flávia Gouveia

SERVIÇO

Mais informações sobre ONGs:

Associação Brasileira de Organiza-

ções Não-Governamentais:

www.abong.org.br

Instituto Brasileiro do Terceiro

Setor: www.ibtsonline.org/index2.php

Rede de Informações do Terceiro

Setor: www.rits.org.br

Instituto DESS: www.dess.org.br

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