domingas · quantas aí que ninguém pode dizer um “ai”, ... joão do vale – mulhé, o que tu...
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Domingas
(Retorno de João ao Rio de Janeiro nos fins dos anos 60. João do Vale e Domingas,
quando ele encontra Jackson Lago no Rio de Janeiro)
Domingas – Graças a Deus, homem, pensei que nunca mais ia te ver!
João do Vale – Que nada mulhé, graças à São Benedito que os milico num me fizeram
nada demais, fiquei exilado na minha Pedreiras, o Chico e o Caetano... Hum esses sim
foram pra longe, tão nas zoropa...
Domingas – Vê se não te mete em confusão, porque baixaram um tal de AI não sei das
quantas aí que ninguém pode dizer um “ai”, a polícia mete logo a porrada em todo mundo!
João do Vale – Diacho, todo lugar que eu vô tem milico me vigiando, me censurando, sô
um homi da música, Domingas, se eles me impedem de fazê meu trabaio, vô vivê de quê?
Domingas – Tem calma, homem, com um tempo eles esquecem e você pode tocar sua
vida adiante, agora não pode é dar motivo pra eles, se não complica...
João do Vale – Num esquenta não, mulhé, vô bebê meu chá de macaco quietinho!
Domingas – Não brinca com coisa séria, João... Já foi sorte o seu amigo lá ter livrado a
sua...
João do Vale – Ah, mas eu num vô ficá socado em casa, não.... Mas num vô de jeito
nenhum!
Domingas – Psiuuu! Fale baixo que o Riva tá dormindo, tá com uma febre que só vendo!
João do Vale – Tu já levô ele no médico? Esse minino pelo meno tomou os remédio?
Domingas – Num tive como sair de casa, esses dias aqui foram difíceis...
João do Vale – Pois deixe comigo, que trago esse remédio danado num instante!
Domingas – Deixe de história, homem, é melhor que eu vá, pois se a polícia te pega por
aí, já se viu...
João do Vale – E eu sô lá bandido pra tá me escondendo? Num se preocupe não,
Domingas, sei me cuidá...
Domingas – Olha lá, homem, se te pegarem de novo...
João do Vale – Se preocupe, não, Domingas, vô num pé e volto noutro!
(Passagem de tempo. Domingas espera João durante horas na sala. É madrugada,
Domingas cochila, ouve-se os passos de João. Ele entra em cena, bêbado e
cambaleante)
Domingas – Isso é hora de chegar, homem?
João do Vale – Mulhé, o que tu tá fazendo acordada inté essa hora?
Domingas – Te esperando, né, João! Você saiu desde cedo pra comprá os remédios aí me
volta uma horas dessas, bêbado e me pergunta o que tô fazendo acordada?
(Silêncio)
Domingas – Cadê os remédios?
João do Vale – Que remédio? Ah... Os remédio...
Domingas – Vai dizer que você não trouxe os remédios?
João do Vale – Fiz melhor... Entra aí, homi, entra...
(Jackson Lago entra, bêbado e cambaleante)
Jackson Lago – Boa noite... Muito... Prazer... Sou amigo do João da... Do Vale...
João do Vale – Tá vendo aí, mulhé, esse é o homi que veio pra vê o Riva...
Domingas – João, esse homem tá bêbado...
João do Vale – Psiuuu! Não... Esse é o médico... Dr. Jackson Lago....
Domingas – Aí, meu Deus, eu tô é arrajada com você, João!
João do Vale – Arre, eu num tinha nada que ter casado...Sô poeta, boêmio, devia de ter
ficado era solteiro, solto por aí...Tem inté aquele ditado que diz que as pessoas que fazem
coisas que se arrependem vão pro céu...
Domingas – O azar é que a gente vai se encontrar lá!