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A expansão das heresias: o catarismo e sua disseminação (França - sécs. XII-XIII)

Adrienne Peixoto Cardoso1 (Graduada – UNIPAMPA)

O presente trabalho aborda a expansão da heresia Cátara na França, especificamente, no Languedoc, nos séculos XII e XIII. A heresia Cátara é considerada uma das mais importantes heresias medievais, que atingiu os segmentos social, religioso e econômico da Igreja Católica, além de servir de inspiração para a criação de outros grupos contestatórios. A problemática aqui levantada refere-se ao impacto da expansão herética sobre a cristandade. Qual o alcance do catarismo como movimento contrário ao modus vivendi definido pela Igreja Católica medieval? A hipótese levantada é de que a heresia Cátara se espalhou com tanta força ao longo do século XII devido à indiferença que a Igreja dedicava às questões religiosas neste período. A Instituição estava mais envolvida com temas políticos e relações de poder envolvendo a nobreza e a coroa, do que propriamente preocupada com a salvação espiritual do seu “rebanho”. A Igreja Católica estava em decadência moral, frequentemente contestada por uma população pobre e esquecida que se sentia cada vez mais desamparada frente a clérigos enriquecidos que levavam uma vida de ostentação. Assim, o distanciamento, a desmoralização e o abandono se tornaram terrenos férteis para o surgimento de movimentos heréticos. Este estudo faz parte, originalmente, do Trabalho de Conclusão de Curso, agora fracionado e aprofundado para melhor entendimento das diferentes temáticas que o constituíram. As fontes utilizadas têm como objetivo fundamentar a análise do contexto francês, mais especificamente do Languedoc, a caracterização e estrutura da heresia Cátara e da Igreja Católica, no período do século XII e XIII. A metodologia utilizada esta baseada na pesquisa, seleção e leitura de fontes históricas e historiográficas, para sistematização de referências que permitam a contextualização, questionamento e interpretação do impacto da heresia cátara, ao longo de dois séculos, contra a hegemonia da Igreja Católica. As obras de referência são FALBEL (2007), obra específica sobre heresias medievais, que proporciona um panorama sobre o tema; FRANCO JR (2018), que permite pensar a utopia proposta pelo catarismo; GODES (1995), para uma abordagem específica sobre a organização social e religiosa dos cátaros; GONZAGA (1993), para compreender um importante desdobramento do catarismo, a criação da Inquisição; e MACEDO (2000), leitura especializada em outro desdobramento fundamental desta heresia, a Cruzada Albigense.

Representações de personagens cristãos e muçulmanos na Historia Roderici

Alinde Gadelha Kühner2 (Doutoranda - PPGHC/UFRJ)

O presente trabalho faz parte da minha atual pesquisa, que está sendo realizada com a finalidade de obtenção do grau de Doutorado em História Comparada. O objetivo final deste estudo é compreender como foram representadas as relações entre cristãos e muçulmanos em duas obras cidianas: Historia Roderici (final do século XII) e Poema de mio Cid (início do século XIII). As duas obras serão comparadas, analisando as semelhanças e diferenças entre elas, a fim de compreendê-las em relação aos seus contextos de produção. Rodrigo Diaz de Vivar (também conhecido como El Cid) foi um guerreiro castelhano que viveu no

1 Licenciada em História pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), integrante do Laboratório de Pesquisa e Estudo em História Medieval (LAPEHME/UNIPAMPA), integrante do Pólo Interdisciplinar de Estudos do Medievo e da Antiguidade (POIEMA/UFPel). Orientada pelo Prof. Dr. Edison Bisso Cruxen (UNIPAMPA). 2 Integrante do Programa de Estudos Medievais – UFRJ.

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século XI, durante o reinado de Afonso VI de Castela. Sua relação com o rei foi conturbada, entre asilos e momentos de vassalagem. Em momento de asilo, o cavalheiro chegou a ser mercenário no reino de taifa de Zaragoza. Nos últimos anos de sua vida, sem relação de vassalagem com Afonso VI, Rodrigo conquistou a cidade de Valência e seus arredores, sendo seu senhor até morrer. Muitos foram os escritos sobre a vida de Rodrigo Diaz, mas foram escolhidos para a tese a Historia Roderici e o Poema de mio Cid, dada a proximidade temporal e a grande discrepância entre seus conteúdos. O foco desta comunicação é parte da análise da Historia Roderici. Prosa latina, foi escrito no final do século XII, possivelmente por um letrado relacionado ao Mosteiro de Santa María de Nájera. Alguns autores consideram-na como uma das obras mais próximas ao que seria a biografia de Rodrigo, mesmo com alguns anacronismos. A partir da técnica de análise da narrativa e da noção “representação”, de Roger Chartier, serão analisadas as representações dos personagens cristãos e muçulmanos na Historia Roderici. Os personagens são positivados e negativados a partir de seu credo ou de acordo com as políticas de alianças legitimadas nas obras? Pretendo compreender se essas qualificações são excludentes ou se podem agir conjuntamente nessas representações, a depender da situação narrada. A hipótese provisória desse trabalho é que as representações dos personagens cristãos e muçulmanos não se dá por relação direta entre credo e caracterização. Os personagens foram qualificados não pela fé que professavam, mas pela legitimidade ou não de suas ações: sendo assim, alguns cristãos eram negativados e alguns muçulmanos eram positivados. Há de se destacar que representar um muçulmano favoravelmente no século XII não significou pensá-lo como igual, de acordo com os parâmetros do século XXI. Uma convivência-coexistência, como pensado por Salvador Martínez, era admissível – mas era o possível a ser admitido naquele contexto.

Uma análise sobre a representação feminina a partir do olhar sobre a literatura medieval e o tratado de Trotula de Salerno

Amanda da Cruz Xavier (Graduanda - UERJ)

O propósito desta comunicação é traçar uma análise da literatura medieval de autoria feminina, a partir dos escritos de Trotula de Salerno, que é habitualmente referida por suas produções referentes ao saber ginecológico na Idade Média. Trotula de Salerno viveu entre os séculos XI e XII, na Itália. Ela produziu textos médicos relacionados à anatomia e à fisiologia feminina que aborda sobre assuntos como a menstruação, o puerpério e a concepção, dentre outros. Planeja-se refletir, a partir de alguns de seus escritos “De passionibus mulierum e De ornatu mulierum”, as discussões por ela implementadas acerca da realidade social e das representações por ela elaboradas em torno da condição feminina. Assim, iremos nortear esta apresentação a partir do livro “Trotula de Ruggiero: Sobre as Doenças das Mulheres”, tradução dos Tratados de Trotula organizado por Karine Simoni, que discursa sobre os exercícios e pesquisas feitas por Trotula. Tal como, a partir de alguns de seus documentos, iremos apontar como ela auxiliou com os seus saberes a medicina feminina, de que modo ela aproveitou o fato de ser mulher para fazer um diagnóstico mais aprofundado sobre esses temas em seu período, refletir sobre os espaços por ela alcançados e como ela era representada.

Da mesma maneira, pretendendo elaborar as discussões com base em alguns estudiosos como: Michelle Perrot, Rita Schmidt, Le Goff, Pina Boggi. Por fim aspiramos reconhecer na obra de Trotula a forma como ela, enquanto conhecedora do saber médico e mulher, tratou do tema da modernidade e das doenças femininas.

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Fluxo patrimonial, casos de endividamento feminino e suas consequências entre os séculos IV e V d.C.

Amanda Reis dos Santos (Mestranda - PPGHC/UFRJ)

Algumas das obras deixadas por Paládio de Helenópolis, Jerônimo de Estridão e Gerôncio possuíam em comum, além de terem sido escritas praticamente na mesma época e versarem acerca do monasticismo em expansão tanto no Oriente quanto no Ocidente, o fato de revelarem uma intensa atividade econômica capitaneada por mulheres da aristocracia romana – da qual eles mesmos se beneficiaram. Dito isso, o objetivo da presente comunicação será analisar a administração do patrimônio feminino entre os séculos IV e V d.C. a partir de alguns capítulos da História Lausíaca (420), da Vida de Melânia, a Jovem (450) – respectivamente compostos por Paládio e Gerôncio, acima citados – e do epistolário jeronimiano (374-420), mostrando as possibilidades e os limites da detenção e dissipação de bens materiais de aristocratas como Paula, a Antiga e ambas as Melânias, bem como de sua rede familiar e de contato. Poderiam elas possuir e usufruir, de fato, de seu patrimônio? Que marcas isso deixava em seus círculos de convivência social? Que tipos de munificência feminina se consegue mapear na literatura da época? Para dar conta de responder essas questões, serão mobilizadas a História Cruzada – metodologia proposta por Bénédicte Zimmermann e Michael Werner, à qual a pesquisa de Mestrado em História Comparada (PPGHC), em andamento, se vincula – e a Análise de Conteúdo – método utilizado para organizar e estruturar a leitura dos documentos supracitados. Munida dos problemas e do arcabouço metodológico apontados acima, será defendido aqui que diversas mulheres cristãs provenientes principalmente da aristocracia senatorial romana tiveram certa liberdade de administrar autonomamente seus bens materiais a partir da segunda metade do século IV, apesar de terem de enfrentar alguns obstáculos para que isso ocorresse.

A narratividade literária e a dinastia Plantageneta na Inglaterra: apreensão de um imaginário sociocultural para efeitos políticos?

Ana Carolina Pedroso Alteparmakian (Mestranda - PPGHS/USP)

A presente comunicação deriva-se da pesquisa de mestrado em andamento intitulada O romance, a Igreja e a mulher na Idade Média: as distintas caracterizações de ‘Isolda’ em “Tristan”, de Thomas da Inglaterra. O enfoque ao qual a pesquisa tem se dirigido é para a personagem Isolda da Irlanda, rainha da estória constituinte do Roman de Tristan, narrativa em versos octossílabos produzida por Thomas da Inglaterra durante a década de c.1170, ao que tudo indica, na corte anglo-normanda do rei Henrique II da Inglaterra. A personagem em questão, Isolda da Irlanda (originalmente Yseut, em francês arcaico) foi objeto de debate em ambiente acadêmico durante o século XX. Graças às possíveis origens céltico-pagãs do mito de Tristão e Isolda, têm-se apontado Isolda como uma mulher destacável, forte, astuta e que não se encaixava nos padrões de conduta cristã aceitáveis para o sexo feminino. Ela seria, portanto, distinta ao “estereótipo” que delineou-se para as mulheres desde a produção de dogmáticas cristãs formuladas pelos Padres da Igreja, durante o início do cristianismo. A pesquisa acolhe, de certo modo, as recorrências destes discursos (atualmente considerados misóginos) durante os séculos medievais; é possível que tais apontamentos sugeridos durante o cristianismo primitivo sobre as condutas e as relações entre os sexos, tenham sido continuamente resgatados e modelados a partir de necessidades contemporâneas durante a Idade Média ocidental. Para compreender Isolda

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necessitamos, no entanto, compreender o todo que a cercara. Assim, temos buscado recuperar os vislumbres dos contextos em que o mito de Tristão e Isolda (re)emergiu durante a Idade Média: a Inglaterra anglo-normanda sob domínio da dinastia Plantageneta. Este cenário centro-medieval ocidental contou com significativos conflitos por espaços de poder, principalmente relativos às atuações/atribuições reais e eclesiásticas. Dessa forma, é possível que a gradual implementação da Reforma Pontifical (conhecida tradicionalmente como Reforma Gregoriana), durante o século XI (com avanços também durante o século XII) tenha alterado as lógicas de interação entre as instâncias real e clerical nos reinos cristãos ocidentais. Durante este período, podemos ver emergir também a ampliação de uma cultura escrita medieval a qual, sublinha-se, estava amparada sobre a burocracia real anglo-normanda recém instalada na Inglaterra. Neste conjunto, dentro das culturas anglo-normanda e francesa, intercambiáveis naquela época, encontramos, por exemplo, o movimento chamado de “amor cortês” (em langue d’oc, fin’amor) e o que chamou-se posteriormente de Matéria da Bretanha (composta pelas narrativas dos ciclos arturianos e tristânicos). Alguns aspectos constituintes desta “literatura” iam de encontro às ideias cristãs mais ortodoxas, principalmente àquelas relativas ao lugar reservado ao feminino. Podemos, dessa forma, levantar a hipótese de que tais narrativas foram formuladas – a partir de um aparato folclórico advindo da oralidade popular – como forma de uma “resistência” política da realeza angevina frente às investidas formuladas pelo clero (tanto o inglês quanto o papado) na Inglaterra. Assim como tais conteúdos – principalmente aqueles que referem-se a um passado bretão, de origens célticas – podem também terem sido apreendidos como forma de legitimar a conquista normanda da ilha, que completava apenas cem anos durante o reinado de Henrique II, e proporcionar uma atitude integradora frente aos galeses recém conquistados por Henrique II, por exemplo.

Cultura e poder na Reginalidad de Leonor Plantageneta.

Ana Luiza Mendes (Doutora - UFPR)

Roberta Bentes (Mestra - UFPR)

O objetivo deste trabalho é analisar a maneira com que Leonor Plantageneta (1161-1214) aplicou seu poder enquanto rainha de Castela. Segundo José Manuel Cerda, Leonor era a filha do matrimônio mais influente e poderoso do mundo daquele período: Leonor d’Aquitânia (1122-1205) e Henrique II Plantageneta (1133-1189), de modo que ela era uma valiosa peça para as articulações políticas do momento e seu casamento com Afonso VIII de Castela (1155-1214) estabeleceu o início da aliança entre Inglaterra e o reino ibérico. Com a união meticulosamente planejada, o reino inglês pode espraiar a sua zona de influência e poder na região de Castela, convenientemente próxima dos seus territórios ao sul da região francesa. A cereja do bolo advém com o dote de Leonor: a região da Gasconha, que é vista como um cinturão para travar o avanço da Ile-de-France sobre a região do Langue d’Oc. Para além do poder político que sua ascendência impunha, outro importante elemento a ser considerado na sua ação enquanto rainha de Castela é a influência cultural que exerce no reino ao levar consigo o modelo cultural desenvolvido na corte inglesa que prezava pela produção trovadoresca, devido a influência de sua mãe, herdeira direta dessa cultura, que contribuiu para a sua transmissão. Assim sendo, é possível verificar no reino ibérico a insurgência de elementos artísticos e culturais provenientes do reino inglês, corroborando a hipótese de que Leonor governava por meio da cultura. Essa característica é definida por Cerda como uma legítima marca do exercício da reginalidad medieval. O conceito de reginalidad é proveniente do inglês queenship,

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utilizado pela historiografia inglesa a partir da década de 1990, sendo utilizado como modelo teórico relacionado à História das Mulheres, por meio do qual se analisa o poder exercido pelas rainhas da Idade Média e Moderna. Nesse contexto, a proposta do trabalho é afirmar a utilização desse conceito inserindo a ação régia de Leonor baseada em sua ação como promotora da cultura cortês e mecenas. Como uma das fontes que contribuem para pensar a sua reginalidad cultural-política tem-se as cantigas dos trovadores catalães Ramon Vidal (1196-1252) e Guillem de Berguedá (1130-1195) que compõem para a rainha, contribuindo para nos dar um visão da prática trovadoresca na corte castelhana a partir do reinado de Leonor que é apresentada como uma rainha ideal. Essa concepção também é pensada por alguns estudiosos a partir de sua ação enquanto patrona das artes, o que seria atestado pelas técnicas empregadas em Castela, na arte tumular, na arquitetura das igrejas, tipicamente inglesas. Sobre isso não há um consenso, uma vez que há uma escassez de fontes sobre a efetiva ação de Leonor, porém há indícios acerca de que ela tenha atuado como mecenas por meio da manutenção de uma corte trovadoresca, recebendo trovadores da Gasconha, Provença e Catalunha, tornando-se um dos centros promotores dessa cultura. A ação de Leonor estava, portanto, em sintonia com a nova concepção de mundo evidenciada no século XII, da qual emergia uma noção de indivíduo que prezava pela sua “formação intelectual” e cultural, culminando no uso das suas produções não só para entreter, como também para reinar e afirmar a identidade do poder régio. Essa estratégia é aplicada por seu contemporâneo e irmão Ricardo Coração-de-Leão (1157-1199) e seu “irmão de criação”, Afonso II de Aragão (1157-1196), além de poder ser visualizada de forma mais sistemática nas políticas de futuros reis, como Afonso X (1221-1294) e Dom Dinis (1261-1325), mas abordá-la a partir da ação régia de uma rainha contribui para a ampliação dos estudos sobre o poder, de modo a inserir perspectivas da ação das mulheres nessa esfera.

A institucionalização da espiritualidade feminina: os casos de Marie d’Oignies, Clara de Assis, Guglielma de Milão e Marguerite Porete

Andréa Reis Ferreira Torres (Doutoranda - PPGHC/UFRJ)

A presente comunicação traz algumas considerações iniciais da pesquisa de doutorado cujo objetivo central é estudar o papel de liderança espiritual ocupado por mulheres a partir da comparação de quatro casos e documentos: o Processo de Canonização de Clara de Assis, produzido na Úmbria, em 1253, com os relatos do grupo de mulheres que vivia sob sua liderança espiritual; o Processo Inquisitorial contra os Devotos de Santa Guglielma, ocorrido em Milão, em 1300, com os testemunhos daqueles viam nela uma figura de inspiração espiritual; a Vida de Marie d’Oignies, que morreu em 1213, em Liège e que foi considerada santa e modelo de espiritualidade, mesmo pertencendo a uma comunidade não institucionalizada e por vezes considerada herética; e a consulta aos teólogos do processo inquisitorial de Marguerite Porete, ocorrido em Paris, em 1310, e que contém elementos sobre a espiritualidade de uma mulher que compôs uma obra e foi condenada à morte por ela. Para a comunicação, recortamos o tema da institucionalização das formas devidas das quatro mulheres, uma vez que a comparação dos quatro documentos visa ampliar o leque da análise sobre as possibilidades de participação feminina nos desenvolvimentos religiosos ao longo do século XIII, culminando no início do XIV. Desta forma, objetiva-se abordar a questão da institucionalização, desde a completude desse fenômeno com o caso de Clara de Assis e São Damião, passando pela adoção e defesa da espiritualidade de Maria d’Oignies por um membro influente da Igreja, como era Jaques de Vitry, pelo apoio prestado pelos monges cistercienses ao culto de Guglielma, até a

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experiência de Marguerite Porete, que teve sua obra elogiada por um membro da hierarquia eclesiástica em um primeiro momento, mas foi condenada em outros. Sendo assim, apresentamos como problemática para essa temática específica a seguinte questão: quais as instituições envolvidas na trajetória das quatro mulheres de acordo com os registros dos documentos e como se dava a articulação entre elas? Como hipótese inicial, defendemos que há uma fluidez nas possibilidades de participação feminina na vida religiosa e na elaboração da espiritualidade do período que, em parte, questiona a dicotomia criada entre religiosidade laica e religiosidade clerical. A utilização do método comparativo na análise será aplicada seguindo os pressupostos de Jürgen Kocka, ou seja, analisando as particularidades de cada caso propondo uma abordagem, a partir de cada documento, que não esteja necessariamente afiliada ao que conhecemos a priori acerca da espiritualidade medieval. Além disso, a comparação entre fenômenos permite aproximar os registros presentes em documentos tão diferenciados em suas formas e propósitos, como são um processo de inquisição, um processo de canonização ou uma hagiografia.

A representação do corpo feminino em Santa Clara de Assis

Arilla Nicolle da Costa (Graduada – UFPA)

A presente pesquisa é uma abordagem sobre o corpo feminino a partir do caso de Clara de Assis, analisando as penitências corporais que foram vinculadas com a sua vida e escritos. Nesse sentido, pesquisou-se sobre a vida da mulher no processo histórico no medievo, mais precisamente durante o século XIII. Este período foi investigado a partir das Fontes Franciscanas II, que, dentre outros períodos, apresenta documentos sobre a vida desta mulher, que posteriormente foi canonizada pela Igreja romana. Para análise de dados foi utilizada como fonte primária a Regra Monástica que ela escreveu, e como fonte secundária sua Legenda e o Processo de Canonização. Por conseguinte, as formas de dominação do corpo feminino por meio das normativas e das orientações da Igreja corroborou para a disseminação de discursos misóginos pautados em trechos bíblicos e na ideia que se tinha ou/e tem do corpo da mulher no meio secular e clerical, influenciando em sociedades regidas sobre os princípios do patriarcado. Procurando entender como Clara de Assis comportava-se diante dos exercícios corporais perante a Ordem no seu cotidiano; problematizar a história de Clara de Assis no período Medieval, através da História Cultural; perceber através da análise documental as formas de exercício corporal; compreender a relação que Clara de Assis tinha com seu próprio corpo, buscando perceber a forma pela qual se mortificava. Apresentando o corpo de modo “santificado”, ou seja, o processo que as mulheres faziam para mortificar a carne, aplicando penitências que as fizessem se purificar dos males e seus pecados. Trazendo em voga as formas que elas faziam para que fossem atribuídas experiências de contato com o divino. Jacques Le Goff e Nicolas Troung apresentam uma significativa abordagem sobre a compreensão do corpo, em que o mesmo tem uma história, uma concepção e um lugar na sociedade e sua presença no imaginário, na realidade e na vida cotidiana que se modificaram ao longo do tempo e das sociedades históricas: na academia grega romana ao asceticismo monástico. Na Idade Média há uma mudança grande, e o estudo sobre história do corpo é essencial para explorar tal modificação. É necessário, portanto, sair de uma perspectiva natural desses acontecimentos para um olhar político sobre o civilizar o corpo e mostrar os conflitos na Idade Média sobre o corpo, que era alternadamente glorificado e reprimido, exaltado e rechaçado.

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Ricardo III, da Inglaterra realeza e memória

Beatriz Breviglieri Oliveira (Mestranda – PPGHS/USP)

Ao longo dos séculos, a imagem que nós construímos sobre Ricardo III da Inglaterra tem sido baseada no que foi escrito, no séc. XVI, por William Shakespeare em sua peça homônima, A tragédia do rei Ricardo III. Os modelos e visões de realeza a ele empregados foram criados não apenas para traçar um paralelo comparativo entre ele e os monarcas que o precederam e sucederam mas também para fomentar um imaginário de tirania e caos, presidido por um rei igualmente maléfico. Mas como tal imagem se construiu? Com a descoberta de seu corpo, em 2012, por um time de especialistas da Universidade de Leicester novos questionamentos e discussões sobre sua vida e repercussões na história inglesa surgiram e me levaram a buscar entender as dimensões e o processo em que tais imagens foram criadas e de que maneira a memória pode ser construída, transferida, alterada e esquecida. Partindo do contexto social e político em que Ricardo III havia vivido, suas tensões e conceitos de realeza, analisamos as influências e recortes presentes em uma seleção de trabalhos sobre o monarca que fazem parte dos primeiros 30 anos de memória escrita após sua ascensão ao trono como, A Usurpação de Ricardo III, de Dominic Mancini e História dos Reis da Inglaterra, de John Rous.

Os preceitos dietéticos e o cuidado com a saúde em períodos de pestilência na obra Medicina Sevillana

Bianca Mendonça Soares3 (Graduanda - UEG)

O objetivo desta pesquisa é a análise e estudo da peste a partir dos preceitos médicos encontrados na obra Medicina Sevillana, escrita pelo médico judeu Juan de Aviñon (1323-1384). Composta por um prólogo e sessenta e nove capítulos, a obra abrange temas diversos acerca da pestilência, como: as formas e sinais de uma epidemia, suas causas, métodos terapêuticos e medidas preventivas para evitar a doença. Esta se espalhou pela cidade de Sevilha no século XIV e dizimou grande parte da população do período. Desta forma, este trabalho se fundamenta no estudo da fonte a partir das recomendações dietéticas e os cuidados com a saúde da população em tempos de epidemia. A fonte de nossa pesquisa é a obra Medicina Sevilhana composta no século XIV. Dentre os gêneros da Literatura médica medieval, o escrito é um manual que tem como foco as discussões acerca de saúde e doenças em Sevilha. Metodologicamente, nesta pesquisa será realizado um levantamento bibliográfico acerca da medicina medieval e a peste, para assim, estudar a definição de pestilência presente na obra Medicina Sevilhana de Juan de Aviñon. Em seguida, o foco é a análise documental com a crítica externa e interna da fonte que deve ser estudada, inserida no contexto do século XIV, ligada aos saberes da medicina universitária e ao momento de propagação da peste nos reinos ibéricos. Assim, realizando a análise documental, pretende-se estabelecer um diálogo entre os preceitos médicos, presentes na obra Medicina Sevilhana e a historiografia ligada ao estudo da medicina medieval, sua contribuição para a população em períodos de grande pestilência e as fundamentações teóricas utilizadas na medicina da época. No que se refere às hipóteses, na obra Medicina Sevillana, observa-se que a pestilência é definida como a morte não natural quando é causada pelo ar corrompido. A base para a compreensão dessa

3 Orientada pela Prof.ª Dr.ª Maria Dailza da C. Fagundes.

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concepção de peste é a teoria humoral desenvolvida pelo médico grego Hipócrates e base teórica para os preceitos da medicina medieval. Com base na teoria humoral, os médicos no medievo compreendiam a saúde como o equilíbrio dos quatro humores (sangue, fleuma, biles amarela e biles negra) e as doenças como um desequilíbrio. Assim, na concepção de Juan de Aviñon, a causa da peste está ligada ao desequilíbrio do humor sanguíneo, detentor das qualidades quente e úmido, tendo em vista que este humor estava diretamente ligado com o ar considerado a principal forma de manter a saúde ou de espalhar doenças. A pesquisa se justifica pela necessidade de investigar a peste no Medievo pelo viés do discurso médico, ou seja, compreender essa doença a partir do olhar de um físico que vivenciou essa epidemia. Por conseguinte, a partir do estudo da obra de Juan de Aviñon, levantamos algumas questões para análise: Como a peste é definida por Juan de Aviñon? Qual a relação na fonte em estudo entre o ar e meio ambiente com a propagação da peste?

A definição teológica da pregação e do pregador nos Prothemas dos Sermões Dominicais de São Boaventura

Bruno Alves Coelho (Mestre - Universitat de Lleida)

Os Sermões Dominicais são uma coletânea de cinqüenta sermões boaventurianos proferidos ao longo de todo um ano litúrgico, porém com data imprecisa, deixando assim margens para três possibilidades – 1250-1251, 1252-1253 ou 1255-1256 –, como requisito estatutário da Universidade de Paris. O discurso está direcionado para o seleto grupo social formado praticamente por intelectuais, mestres e estudantes da Universidade de Paris. Consideramos de suma importância os sermões pois, demonstram a atuação predicativa de Boaventura, cujo discurso detém escassa análise pelos estudiosos do autor franciscano. Paris está no rol das grandes cidades deste período e é atração para os desejosos de uma ascensão social seja pelas oportunidades que o mundo urbano oferece ou mesmo pela novidade do saber gerado na universidade. O contexto socioeconômico geral do ocidente medieval dos séculos XII e XIII é profundamente marcado pelo amplo desenvolvimento agrícola, com maiores áreas cultivadas e melhores técnicas que resultaram em maiores e melhores colheitas. Este evento possibilitou o desenvolvimento urbano, pois, havia condições de mais víveres e houve, finalmente, certa constância na produção de alimentos, fato que garantiu às cidades sua dedicação e desenvolvimento das manufaturas, acarretando numa ampla atividade econômica local (cidade e campo) e também inter-regional. Neste contexto de abundância, a vida intelectual encontrou solo fértil para se desenvolver. A universidade torna-se, neste ínterim, uma síntese da vida laica e da vida eclesial, por sua inegável entrada na sociedade como instituição construtora de conhecimento, mas, devido à sua tutela papal, também uma instituição normatizadora da vida social e cultural. Partindo da estrutura sociocultural acima descrita e percebendo-a em nossa fonte principal para este estudo, OPERE DI SAN BONAVENTURA.Sermoni Domenicali. Roma: Città Nuova Editrice, 1992: X, como Boaventura reproduz esta estrutura em suas palavras e, em que sentido ele ajuda a inovar nesta questão? Por ser um pregador universitário, mas, também ser um franciscano, Boaventura apresenta nova definição da pregação cristã e também do pregador? No tocante à pregação como ensino/instrução os sermões boaventurianos apontam para uma novidade trazida pela Ordem dos Frades Menores ou acaba por repetir o modelo da época? São questões que inicialmente vêm à tona e precisam de respostas. Para o desenvolvimento da pesquisa vamos estabelecer, inicialmente, um diálogo com alguns autores que nos possibilitarão delinear e delimitar bem nossa abordagem. Tomaremos como ponto de partida VERGER, Jacques. Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII. Bauru: EDUSC, 2001. Verger aborda as temáticas da cultura, do ensino e da sociedade medievais

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dos séculos XII e XIII sob a óptica da História Cultural, enfatizando o viés cultural do ensino e aprendizagem dos saberes produzidos a partir das várias instituições daquelas sociedades. Pensamos que esta abordagem é fundamental para a pregação medieval, pois, esta se insere também no campo do ensino, tanto científico quanto religioso e moral. Daí, é mister nos determos em São Gregório, GREGÓRIO MAGNO. Regra Pastoral. São Paulo: Paulus, 2010, que em sua Regra Pastoral praticamente definiu os rumos da pregação medieval. Por isso, olhar para esta obra é buscar pelas fontes da pregação minorítica em seu estilo, conteúdo e objetivo. Assim, estes dois autores nos darão boas condições de percebermos a pregação medieval em sua forma, conteúdo e influência social que Boaventura, no século XIII, herda e ajuda a desenvolver. Dando um passo a mais em nossa pesquisa, é importante percebermos também a figura do pregador. Para tal, André Miatello apresenta importante estudo do uso da retórica e da hagiografia nas pregações mendicantes na Itália medieval do século XIII, MIATELLO, André Luis Pereira. Santos e pregadores nas cidades medievais italianas: retórica cívica e hagiografia. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. Para nossa pesquisa seu trabalho é revelador do papel do pregador na construção da sociedade. Um terceiro passo diz respeito a Boaventura propriamente dito. Para este fim Bougerol, BOUGEROL, Jacques Guy. Introducción a San Buenaventura. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1984, nos apresenta a complicada cronologia e biografia boaventurianas e discorre brevemente sobre toda a obra do filósofo/teólogo franciscano. Todavia, nossa aproximação do Pregador franciscano ficaria deficitária sem a excelente obra de Francesco Corvino, CORVINO, Francesco. Bonaventura da Bagnoregio. Francescano e pensatore. Roma: CittàNuova, 2006, que nos apresenta algo já visto na obra de Bougerol, porém, dá um passo a mais ao compreender Boaventura em sua atividade como intelectual e como franciscano.

Era viking global em perspectiva: a integração global proporcionada pelas investidas vikings nos séculos VIII-IX

Caio de Amorim Féo (Mestrando – PPGH-UFF)

Nos últimos anos a História Global tem conquistado cada vez mais espaço nas análises historiográficas sobre as sociedades capitalistas. Contudo, sua utilidade enquanto perspectiva histórica vem demonstrando-se frutífera também para as sociedades pré-capitalistas visto o crescimento de análises em torno de uma Idade Média Global. A título de exemplo, a obra de Janet L. Abu-Lughod, Before European Hegemony: The World System A.D. 1250-1350 (1989), representa uma das análises mais brilhantes em que tal perspectiva é aplicada, realizando uma análise dos múltiplos sistemas-mundo entre os séculos XII e XIII. A Escandinávia medieval não se mantém de fora da tendência dessas produções, mas ainda se manifesta de forma tímida. O trabalho The Viking Diaspora (2015), de Judith Jesch, é sem dúvida o principal estudo na área. A autora se debruça sobre o período de 750 a 1100, investigando o processo de migração escandinava acarretado a partir do século VIII, delineando principalmente as manifestações do meio cultural através do uso de fontes linguísticas, literárias e arqueológicas. Partindo do conceito de “diáspora” como expressão do sentimento de conectividade daqueles que participaram da migração com seus locais de origem, a autora investiga o processo em si e seus resultados através de como os migrantes refletiram sobre aquela situação, almejando a revelação de padrões de continuidade (JESCH, 2015, pp. 55-81). Contudo, um dos pontos pouco explorado na historiografia, inclusive no trabalho de Judith Jesch, é o afloramento e a própria configuração sistêmica das investidas de guerreiros vikings em uma vasta área geográfica do globo. Nesse sentido, o presente trabalho objetiva examinar as incursões vikings entre os séculos VIII e IX, enquadrando as sistemáticas expedições em múltiplas regiões do

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mundo como um sistema estruturante. Para tal, valemo-nos de uma vasta gama de fontes escritas, mas que podemos citar a título de ilustração os Annales Regni Francorum, Annales Bertiniani, Crônica Anglo-Saxônica, Viagem ao Volga de Ibn Fadlan, De Administrando Imperio de Constantino VII. Visa-se, portanto, estabelecer os parâmetros fundamentais para a configuração de uma Era Viking Global, demonstrando como as incursões proporcionaram uma intensificação dos contatos e conexões em níveis dos mais diversos da Escandinávia com o globo até então nunca vista.

O Registo e processo de deposição de Ricardo II e a construção da memória Lancaster – Inglaterra (séculos XIV e XV)

Caio de Barros Martins4 (Doutorando - PPGH/UFF)

Esta comunicação tem por objetivo analisar o Registro e Processo de deposição de Ricardo II Plantageneta, presente no Rotuli Parlamentorum do primeiro ano de Henrique IV. Tal fonte apresenta um conjunto de crimes de Ricardo contra a instituição monárquica e o reino, que juntos auxiliaram a oferecer um caminho legitimo para ascensão dos Lancaster ao trono inglês em 1399. A historiadora da linguagem Jenni Nuttal bem observou que parte crucial do estabelecimento dos Lancaster no trono em 1399 foi a “criação” de uma retórica que desse pouco espaço para questionamento sobre a deposição de Ricardo II e ascensão de Henrique de Lancaster como Henrique IV. O novo rei e seus partidários tiveram que explicar o trono vacante. A explicação oferecida foi de que Ricardo II desistiu da coroa devido seus atos falhos como rei. Mas além da renúncia ao trono Ricardo II também foi deposto. Um discurso simbólico e de construção de memória acerca da monarquia estão presentes em tal fonte, o que torna a mesma privilegiada para o estudo da legitimação régia no medievo. A título de exemplo. No mesmo documento contendo o processo de deposição de Ricardo II há a transcrição de dois sermões oferecidos pelo arcebispo de Canterbury, que comparava Ricardo a uma criança e a chegada de Henrique IV ao trono como a maturidade necessária ao reino. Discurso feito com base em 1 Coríntios 13:11. Este trabalho apoia-se numa ideia de que o passado em suas diversas interpretações era utilizado como foram de legitimar ideias, podendo ser ressignificado de acordo com objetivos específicos do presente. Portanto os usos do passado estão diretamente interligados com o conceito de memória. A memoria que segundo Mary Carruthers significa um processo em que a literatura se torna institucionalizada e internalizada segundo a linguagem e pedagogia de um grupo. É importante salientar que todos os crimes apontados no Registro e Processo impactaram de certa forma também a produção cronística da época. Ou seja, intelectuais de destaque da época como Adam de Usk em sua Chronicon Adae Usk e Thomas Walsingham em sua Chronica Maiora reproduziram quase que de forma igual os discursos feitos no âmbito do Parlamento. Isto é, maior parte do que foi escrito sobre a personalidade de Ricardo II foi feito após sua deposição em 1399 e, consequentemente a reprodução de sua imagem “ruim” demonstra a alta circulação desse discurso. Tem-se por objetivo mostrar que ao postular tantos crimes ao rei deposto, os partidários Lancaster tentam retirar a crença numa usurpação, apresentando Henrique IV como a única salvação para uma Inglaterra devastada pelo mal governo. Oferecendo um caminho legitimo a nova Dinastia, que não oferecesse qualquer crítica ou crença numa ascensão arbitrária do trono inglês. Para isto os partidários utilizaram de diversos elementos narrativos, sobretudo lendas e

4 Bolsista CAPES. Orientado por Vânia Leite Fróes.

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profecias, além de narrativas bíblicas que auxiliaram na construção da memória Lancaster. Percebendo ainda que o principal eixo de construção da memória no início da nova dinastia era a degradação da imagem de Ricardo II, muito mais que os “bons” feitos do novo rei.

O Livro das Bestas: uma proposta de reflexão acerca do papel do conselheiro medieval

Camila da Silva Santanna Figueiredo5 (Graduanda – UERJ)

Entre os anos de 1288 e 1289, o teólogo, filósofo e místico catalão Ramon Llull (Raimundo Lúlio numa tradução para o português) escreve a obra O Livro de Félix, também conhecido como O Livro das Maravilhas. A obra foi escrita na primeira viagem de Llull à Paris, que possuía três propósitos: conquistar o apoio do monarca Filipe IV à Jaime II, que havia perdido a sua ilha para seu irmão Pedro III de Aragão; tentar uma inserção na faculdade de Paris; e pedir o auxilio para a construção de escolas de línguas para os pregadores cristãos aprenderem as línguas dos ditos infiéis na França, sob o aceite do rei francês. Neste contexto, Llull desenvolve o Livro das Maravilhas, composto de dez partes do qual a sétima, O Livro das Bestas, é o que nos interessa nesse trabalho. O Livro das Bestas é uma fábula que se passa numa corte de animais que tentava eleger um novo rei. Depois de alguns debates, o Leão acaba por ser o escolhido, principalmente por conta do apoio da Raposa, que com a sua eloquência consegue convencer os demais animais de que o Leão é a escolha correta. Certa de que seria chamada para compor o conselho real, a Raposa acaba por ser preterida pelo Leão que a deixa de lado. Furiosa por ter sido negligenciada, a Raposa concebe um plano de vingança que teria como resultado a morte do monarca. Para composição desse trabalho, utilizamos como metodologia a análise de discurso da fonte e como aporte teórico usamos os conceitos de apropriação e de representação proposto por Roger Chartier. Nessa fábula, a Raposa consegue ser alçada como conselheira no decorrer da história, se tornando posteriormente a única conselheira do Rei. Apesar da sua inteligência e eloquência, ela as utiliza para a queda moral do Rei e consequentemente a infelicidade do reino. Buscamos com esse trabalho discutir o papel do conselheiro medieval, quais deveriam ser as suas ações e funções. Como esse livro é endereçado ao rei Filipe IV, que estava apenas há dois anos no poder, e como a viagem de Llull era para arraigar o apoio do monarca, acreditamos que o autor quis mostrar que o Rei precisava ter cautela com os seus homens de confiança e mostrar que ele estava na corte como uma pessoa potencialmente confiável, a quem Filipe IV poderia dar crédito sem medo.

5 Bolsista voluntária do projeto de iniciação científica da UERJ “A configuração do poder real na Castela do século XIII: uma análise da obra jurídica afonsina em seu diálogo com o corpo social”, sob a orientação da Profa. Dra. Marta de Carvalho Silveira.

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A fundação da universidade de Toulouse: as relações entre o papado, as forças locais e os dominicanos.

Cássia Luana De Freitas Moreira. (Graduanda - UFPA).

Esta pesquisa visa esclarecer a dinâmica de forças e de interesses que levou a fundação da Universidade de Toulouse, no sul da França no século XIII. Considerando o contexto bastante problemático em que se deu tal fundação, caracterizado por embates políticos entre as forças locais e os agentes da monarquia e da igreja papal. Para isso a pesquisa pretende explorar também a atuação da ordem dominicana (também conhecidos como Irmãos frades Pregadores) naquele contexto, visto que era um grupo, próximo ao Papa, que já estavam presentes naquela região, e como assinala Carolina Coelho Fortes (2018) existe uma evidente associação entre a identidade dominicana e a instituição universidade. A metodologia utilizada pauta-se na análise do discurso foucaultiana, destacando a contribuição de Foucault (1970) no que diz respeito à articulação no discurso entre saber e poder. Analisando fontes como as cartas enviadas por Gregório IX (Papa do período estudado), que falam sobre a Universidade Toulouseana, bem como o tratado de Paris de 1229, já que a Universidade de Toulouse aparece como um dos artigos do mesmo, dentre outras; relacionando tais fontes com a historiografia. Jacques Verger (2002) destaca a originalidade das universidades, bem como seu papel social e cultural, visto que naquele contexto já se constituíam como centros de produção de saber, sempre foram alvo de embates políticos. Por meio de tal cruzamento (entre teoria e fontes) a pesquisa pretende esclarecer quais os motivos que levaram a fundação da Universidade em Toulouse. Foi possível observar que a instituição foi fundada imersa em um contexto em que muitos autores como, Pierre Mandonnet (Apud 2015), acreditam ser de crise para a Igreja romana, crise essa diretamente relacionada à crescente adesão a Heresia Cátara no sul da França. Com base na leitura de Felipe Wolf (1974), levantam-se as seguintes problemáticas: o intenso combate à heresia praticado no sul da França teria alguma relação com a formação daquela universidade? Qual o papel desempenhado pela ordem dominicana nessa dinâmica de forças? A hipótese principal que endossa essa pesquisa é que a universidade Toulouseana faz parte de uma política anti-herética desempenhada pelo Papado, além de servir como base para as pregações dos dominicanos naquela região. As universidades, como assinala Caroline Gual (2019), já foram alvo de diversos debates entre historiadores, sobretudo a universidade de Paris e Bolonha (consideradas como modelo), entretanto, no Brasil, são poucos ou nulos os trabalhos que pensam a fundação da Universidade de Toulouse, portanto, essa pesquisa tem relevância por propor novas reflexões para a Historiografia.

A concepção de pessoa no pensamento de Agostinho de Hipona no Início da Idade Média

Daiane Rodrigues Costa (Doutoranda – PPGF/Unisinos)

Não são poucas as vezes em que a Idade Média é representada como dualista, influenciada, sobretudo, pelo pensamento grego antigo (Platão e Aristóteles). Apesar dessa ponte de ideias entre antiguidade grega e Idade Média ser válida, é necessário reconhecer as profundas transformações que os pensadores medievais realizam. A influência não trata-se de uma mero “continuísmo” entre tais períodos de pensamento. Baschet (2019), afirma que a Idade Média possui uma concepção dual de mundo e, portanto, de ser humano. Mas ela não é dualista, pois este consiste na supervalorização da alma/espírito em detrimento

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do corpo (relacionado a animalidade e não a racionalidade). Nesse sentido, como Agostinho apresenta em sua obra a concepção de ser humano? Nossa hipótese, construída na alçada da pesquisa, permite-nos entender que em Agostinho, há uma concepção dual, mas que não desvaloriza o mundo material. Ele compreende o ser humano como uma dualidade de corpo e alma. A alma condensa três dimensões: Vontade, memória e inteligência. Já o corpo, é tridimensional e possui os órgãos sensoriais. O ser humano não identifica-se apenas em sua alma, como no pensamento de Platão ou Descartes, por exemplo. A pessoa só existe quando há corpo e alma em estreita união e harmonia. O corpo, por ser corruptível ao tempo, é menos perfeito que a alma. Mas como estamos tratando da concepção de um pensador cristão, como tudo que foi criado, ele também é compreendido como algo bom por natureza. O corpo, para Agostinho, só se corrompe em más ações quando a alma lhe governa mal. Deste modo, observa-se, já no início da Idade Média, uma concepção de ser humano que não desvaloriza o corpo, mas o compreende como um elemento fundamental na formação da pessoa. Marca esta, que lhe é própria durante quase mil anos. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório. Nos valemos de uma leitura hermenêutica sobre a bibliografia/fonte primária e demais comentadores. Compilamos os dados através de fichamentos e esquemas para construir a pesquisa e seu texto.

O conceito de prudência em Tomás de Aquino

Diogo Luiz Lima Augusto (Doutorando - PPGH/PUC-Rio)

A prudência, por muitos séculos, foi um dos elementos centrais na reflexão filosófica. A tradução latina “prudentia” do vocábulo grego φρόνησις (phronesis) foi mobilizada por Cícero e consagrada por Tomás de Aquino. A phronesis estoica, traduzida por prudentia, conforme mobilizou Cícero, encontra diferenças claras com a phronesis aristotélica, dentre as quais, a inexistência da oposição entre a sophia e a phronesis, a qual para Aristóteles estaria no plano da doxa. De fato, para Aristóteles, a phronesis deveria ser pensada no plano distinto da sabedoria, notadamente por ser da ordem do contingente, mas, para os estoicos, prudência e sabedoria eram concebidas como similares. Cícero, por sua vez, assimila prudens e sapiens, e tal assimilação foi apropriada na reflexão medieval acerca da prudência. Nesta apresentação, partimos da hipótese que o conceito de prudência em Tomás de Aquino é transformado em relação à phronesis aristotélica e a prudentia estoica. É indubitável a relação da noção de prudentia para Tomás de Aquino com a phronesis estóica. Ao mesmo tempo, a phronesis aristotélica, mostra-se profundamente presente na maneira como Tomás formulou a noção de prudência. Desta sorte, pode-se afirmar que Tomás de Aquino mobilizou um conceito sui generis de prudência em relação as práticas letradas de seu tempo. Para Tomás, a virtude da prudência, como nos elucida Josef Pieper, é o fundamento das restantes virtudes cardeais (justiça, fortaleza, temperança). Isto é, para Tomás, ser prudente é aceder a um tipo de conhecimento prévio da verdade, da qual depende o bem obrar de todas as outras virtudes. O prudente para Tomás de Aquino é aquele que vê adiante (porros videns), cuja sede, por sua vez, é a razão. Nesse sentido, a prudência pertence à razão, o que poderia levá-la a ser interpretada como virtude intelectual. Contudo, a prudência relaciona-se, em Tomás, ao bem moral, isto é, sabedoria das coisas humanas. A prudência consiste, neste sentido, numa recta ratio agibilium, reta razão aplicada ao agir, a qual nos permite afirmar que a prudência é uma virtude especial, uma espécie de ponto médio entre a virtude intelectual e a moral. A prudência em Tomás de Aquino consiste, neste sentido, numa espécie de sinderesis. Essa é talvez uma das principais novidades acerca da discussão da prudência em relação à concepção da phrorenis aristotélica e estóica.

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As masculinidades subalternas na idade média: reflexões historiográficas

Douglas Novais da Silva (Graduando – UFOB)

O presente trabalho objetiva realizar um debate historiográfico sobre as masculinidades subalternizadas presente na Idade Média, precisamente no período que corresponde aos séculos XII e XIII. Parte-se do pressuposto de que as masculinidades são múltiplas, não existe somente um tipo de masculinidade, a universal, mas sim várias. Nesse contexto, entendem-se as masculinidades como “configurações de práticas que são realizadas na ação social e, dessa forma, podem se diferenciar de acordo com as relações de gênero em um cenário social particular” (JESUS, 2016, p.104 apud CONNELL, 2013, p. 250). Assim, as masculinidades se constituem historicamente, como afirma Tolson (2014). Esta é uma identidade de gênero, na qual se constitui entre as mais diferentes sociedades, culturas e épocas. Diante disso estabeleceremos uma análise historiográfica de dois trabalhos. O primeiro foi escrito por Bruno Álvaro (2008) intitulado “A construção das masculinidades em Castela no século XIII: Um estudo comparativo do poema de Mio Cid e da vida de Santo Domingo de Silos”, e o segundo por Cassiano de Jesus (2016), o qual se chama “Os corpos que (não) importam no medievo: breves reflexões historiográficas”. Tais textos têm como foco central as discussões em torno das masculinidades no medievo, lançando questões de como a mesma era tratada em tal período histórico e em suas múltiplas formas. É importante ressaltar que os estudos sobre as masculinidades é algo recente, o que implica na pouca produção historiográfica que debata tal problema de pesquisa. Dito isto, a análise historiográfica aqui levantada tem como problema principal pensar as masculinidades no medievo. Mas, além disto, refletir as masculinidades subalternizadas, ou seja, as masculinidades que fugiam do padrão hegemônico do período, esta que se estruturava na imagem do homem completo, este sendo heterossexual, cristão, que não realizava práticas pecaminosas, e no que tange ao sexo, não praticava relações sexuais que iam contra os princípios cristãos. Desse modo, a masculinidade imposta pelo sistema hegemônico dizia respeito ao homem fiel e bondoso, os homens que iam contra e não se encaixavam a este modelo orquestrado pela Igreja, eram tidos como homens inferiores e desprezíveis, subalternos. Assim, são esses sujeitos que se inscrevem dentro das masculinidades subalternas. Uma das masculinidades subalternizadas apresentada na historiografia é a sodomia. Segundo Jesus (2016), as “sodomias são resultantes do discurso e práticas religiosas e do poder monárquico, construídos em oposição às masculinidades hegemônicas”. Ou seja, a sodomia é considerada como uma contra regra do que está imposto naquela sociedade e época, assim, sendo considerado como um ser desprezível que vai contra a masculinidade hegemônica. Em suma, é possível perceber nas análises um quadro múltiplo de masculinidades no medievo. Tendo uma masculinidade hegemônica e outras que vão contra o que a primeira propõe, nesse cenário se insere a sodomia.

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O retrato das mulheres islâmicas nos livros didáticos.

Érika Fraga dos S. Demori6 (Graduanda – Unesa)

O objetivo deste projeto é analisar as representações veiculadas sobre as mulheres islâmicas nos livros didáticos tomando por base os conteúdos referentes ao Oriente muçulmano medieval. Pretende também discutir a forma como esses conteúdos foram apresentados aos alunos e a sua consonância com as diretrizes estabelecidas pela política pública educacional prevista na Base Nacional Comum Curricular. Para essa pesquisa utilizamos o método comparativo e como referência para essa discussão será traçado um paralelo entre as discussões levantadas por Edward W. Said, Bernard Lewis e Ayaan H. Ali acerca das possibilidades para o entendimento da cultura muçulmana e os elementos presentes nos livros didáticos que se remetem à compreensão do papel social que as mulheres ocupavam na sociedade muçulmana. Os livros utilizados como fontes de estudos foram livros do segundo segmento do Ensino Fundamental, “Estudar História das origens do homem à era digital” de Patrícia Ramos Braick e Anna Barreto e “Nos dias de hoje – História” de Flávio de Campos, Regina Claro e Miriam Dolhnikoff. Como fonte digital utilizamos o site Ensinar História da professora Joelza Ester Domingues <http://ensinarhistoriajoelza.com.br/>. Utilizar os livros didáticos e os sites didáticos como fontes de pesquisa é de suma importância, pois é através deles que podemos perceber como os conteúdos que a política pública educacional considera importantes para a formação do futuro cidadão brasileiro são apropriados pelos autores dessas obras e representados através da narrativa histórica adotada para a exposição desses conteúdos. A relevância de discussão dessa questão está em dois pontos fundamentais: o primeiro é que essa discussão contribui em muito para o reconhecimento, por parte do alunado, da existência de uma pluralidade cultural que precisa ser respeitada, especialmente no que se refere à diversidade religiosa e de costumes. O segundo ponto é que ela contribui para o reconhecimento, principalmente por parte das alunas, das conquistas políticas, econômicas, sociais e culturais já adquiridas pelas mulheres no âmbito da sociedade ocidental, e que precisam tanto ser preservadas quanto cada vez mais aprimoradas. Com isso podemos refletir sobre como tais representações acerca do elemento feminino podem contribuir para reforçar ou para combater a intolerância entre o alunado brasileiro.

Jerônimo de Estridão e as representações de gênero nas missivas às mulheres nobres de Roma na Primeira Idade Média

Fabiano de Souza Coelho7 (Doutor - PPGHC/UFRJ)

Este trabalho tem por objetivo examinar, por meio da categoria de gênero e do conceito de representação social, como Jerônimo de Estridão, monge e sacerdote católico, em seus epistolários – produzidos entre os anos 380 a 420 – pensaram o feminino e o masculino, e, consequentemente, impactaram a percepção cristã católica sobre a mulher da aristocracia romana. Em sua fase madura cristã, essa simpatia pelo gênero feminino fez que o monge de Estridão elaborasse e remetesse um número de significativas cartas para as damas cristãs da aristocracia do Império Romano Ocidental. Esse presente trabalho faz uma

6 Bolsista FAPERJ no projeto “O oriente muçulmano medieval nos livros didáticos do Ensino Fundamental”, orientada pela Profa. Dra. Marta de Carvalho Silveira. 7 Secretaria de Educação (SEDU/ES).

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reflexão das representações femininas, em algumas cartas de Jerônimo e, por consequência, propõe compreender melhor as mulheres cristãs aristocráticas como figuras relevantes de superação da ordem patriarcal existente na sociedade romana na Primeira Idade Média. Pensamos as seguintes hipóteses que nortearão o nosso trabalho, a entender: a) O monge Jerônimo fundamentado na cultura clássica, na cristã e na experiência católica, produziu discursos em suas missivas representando as mulheres aristocráticas virgens, casadas e viúvas com elementos religiosos louváveis e persuasivos; b) Mesmo sendo redimensionadas a partir do masculino e alocadas numa hierarquia social e eclesiástica, nos discursos de Jerônimo, as mulheres da alta sociedade romana, ao renunciarem ao sexo e ao matrimônio, desfrutaram de uma significativa liberdade e exerceram um protagonismo na sociedade e na comunidade religiosa cristã. Optamos por usar a tradução da Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), porque ela possui o texto em língua latina-espanhol e, além disso, é encontrada mais facilmente em bibliotecas nacionais e, especialmente, europeias. Dada a particularidade do estudo, selecionamos estas obras que foram intituladas pelo monge Jerônimo: Epistulae (Cartas), aquelas escritas para as mulheres e trocadas por esse Padre da Igreja entre os anos 380 e 420. Acreditamos que os textos antigos devem ser compreendidos em sua particularidade. Por conseguinte, de acordo com o sujeito e o lugar de poder ocupado por seu autor. Com isso, entendemos que Jerônimo construiu seus discursos carregados de argumentos no estilo retórico. Com isso, o método de leitura documental empregado neste trabalho será a Retórica. Optamos por essa abordagem metodológica, porque consideramos que tal irá nos orientar num melhor entendimento das fontes produzidas por Jerônimo, e, consequentemente, irá nos subsidiar na compreensão do papel projetado sobre as mulheres romanas virgens, viúvas e casadas na comunidade católica e ligadas à alta aristocracia. Trabalhar-se-á, nesta pesquisa, com a proposta de leitura retórica de textos, a partir das ideias do filósofo francês Oliver Reboul que define essa leitura como a arte de persuadir por meio do discurso. Assim, a leitura retórica é aplicável apenas aos discursos que visam persuadir e não aplicável a todos os discursos. Portanto, a retórica versa sobre o discurso persuasivo, ou ao que um discurso tem de persuasivo, ou seja, a retórica tem como objetivo levar algum indivíduo a crer em alguma coisa.

Fome, epidemia e catástrofe nas crônicas monásticas italianas (séculos VIII-XI)

Felipe Augusto Ribeiro (Doutor - PPGH/UFMG)

Esta apresentação contém os primeiros resultados de uma pesquisa recém iniciada.

Ela versa sobre como os cronistas italianos, entre os séculos VIII e XI, registraram episódios de fome, epidemia e catástrofes naturais (inversos rigorosos, tempestades, secas, terremotos). Para esta ocasião, foram escolhidas as obras de Leão de Óstia (ou Marsicano) e Pedro Diácono (reunidas sob o título de Chronica Monasterii Casinensis), além da Historia Longobardorum Beneventanorum de Erchemperto e da anônima Chronicon Salernitanum. Produzidas no mosteiro de Montecassino e adjacências, elas documentam a vida cotidiana da região de Cápua, Salerno, Nápoles, Espoleto e Benevento, desde o século VI. O contexto de produção e circulação dessas obras dá o recorte espaço-temporal da pesquisa, cobrindo o sul da península no período lombardo. O objetivo da exposição, que constitui a primeira etapa do projeto (em andamento), é identificar alguns desses registros e comentá-los, à luz da bibliografia especializada. Tal intento será perseguido mediante uma metodologia que passa pela análise vocabular, com a semântica das palavras-chave coletadas nas ocorrências (fame, peste, tempestas, tribulatio e pauperitas, entre outras, com suas variações gramaticais – substantivas, adjetivas, etc.), e pela interpretação das

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passagens selecionadas. Uma única pergunta constituirá o problema norteador desta comunicação, em específico: como os cronistas registraram os episódios supramencionados? A partir da leitura das fontes formula-se uma hipótese para tentar responder tal questão: a fome, para além de sua realidade, teria aparecido nas crônicas com uma função retórica, de valor discursivo, operada para qualificar, mais do que descrever, o caráter e as ações dos sucessivos reis e príncipes territoriais que governaram o espaço em cena. Dessa proposição uma conclusão será esboçada: a despeito das eventuais menções a catástrofes e a epidemias – fenômenos cuja etiologia os medievais não souberam traçar – a fome teria sido compreendida, pelos cronistas, como um fenômeno social estritamente relacionado às práticas de governo, fosse pelo viés moral, significado pelas experiências religiosas, fosse pelo viés político e econômico, que demandava ações caritativas da parte dos poderosos, bem como ativas políticas públicas e intervenções estatais destinadas a garantir o abastecimento satisfatório das comunidades e a proteger os pobres contra a carestia. Essas proposições se assentam em premissas que já estão colocadas na historiografia: ainda que catástrofes naturais sejam relatadas nas crônicas, elas não teriam sido as responsáveis pelos episódios de fome e peste que os documentos narram. Na Itália, o principal fator gerador de crises teria sido a guerra: como resultado da moralidade humana, produto de desejos como a cobiça, a desobediência e a vingança, o conflito teria sido, de um lado, tragédia governamental que agudizava a frágil situação dos pobres, lançando-os em penúrias recorrentes, intermináveis; de outro, ele também teria constituído oportunidade ímpar para que os bons governantes exercessem a caritas e interviessem em favor dos pobres, contra os maus governantes.

Advinhas e vendedoras de ilusões: estereótipos das feiticeiras e bruxas na literatura.

Fernando de Sá Oliveira Júnior (Mestrando – PPGH/UFAL)

Este trabalho analisa a representação construída acerca da feiticeira e da bruxa na literatura, destacando a influência do “modelo” estabelecido pela Celestina de Fernando Rojas em fins da Idade Média, especificamente as feiticeiras alcoviteiras, que exerciam a atividade da adivinhação, fabricando e vendendo ilusões e filtros, e cuja a ação repercutia tanto em Espanha quanto em Portugal. A análise da personagem supracitada, se dá a partir das fontes primárias, da aparição da mesma em Tragicomedia de Calisto y Melibea, edição de Valência, em 1514, e reproduzida em Salamanca, em 1500, e cujo o exemplar se encontra na Biblioteca Nacional de Madrid; e a versão Libro de Calisto y Melibea y de la puta vieja Celestina, editada em 1518, e disponível on-line em Biblioteca Nacional de Espanha. A metodologia se dá justamente na análise das referidas obras em busca da representação da feiticeira Celestina, sendo relevante entender a maneira que Rojas escreve e como se deve examinar o que está nas “entrelinhas” de sua narrativa. Analisar o imaginário social através da literatura, como Durval Muniz de Albuquerque problematiza não é separar literatura e história, e sim articular ambas. A personagem Celestina, apesar de não ser a primeira na sua “linhagem” de alcoviteira, é destacada constantemente por autores ao longo da historiografia como uma referência para o entendimento do universo psicológico e das expertises da alcoviteira. As magias e os fervedouros são apenas um fano de fundo, pois nelas se destacam as relações sociais, pois Celestina lida com nobres, plebeus e clérigos. Utilizamos como aporte teórico, dentre alguns trabalhos, o de Bethencourt (2004) e de Coelho (1963), Delumeau (2009), que discutiu a ideia de “diabolização” e a hostilidade em relação a mulher, Ginzburg (1988), que nos auxilia a refletir a questão do que seria a feitiçaria e/ou as religiões populares, e por fim Hessingsen (2010) discute a atuação do Tribunal do Santo Ofício em Espanha.

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O ofício da virgem nas horas de Jeanne II de Navarra: Análise ornamental e comparações iniciais

Gabriel Alves Pereira8 (Mestre – PPGHIS/UFRJ)

A presente comunicação tem por objetivo apresentar uma análise ornamental inicial do

Ofício da Virgem Maria do Livro de Horas de Jeanne II de Navarra (Paris BnF ms nal 3145).

Ele é um manuscrito de uso litúrgico franciscano ricamente ornamentado que foi

encomendado e pertenceu à Jeanne II de Navarra (1328-1349), rainha de Navarra durante

os francês. Esse manuscrito possui 68 miniaturas e 37 iniciais historiadas. Há centenas de

iniciais com motivos decorativos e figurados que incluem brasões de armas, cabeças

humanas, animais e seres híbridos. Margens ornamentadas também fazem parte da

decoração desse manuscrito, e é possível identificar nessas imagens marginais seres

híbridos, animais, insetos, figuras humanas, seres antropomórficos, zoomórficos etc.

Sabemos que quatro artistas participaram do trabalho de ornamentação do manuscrito,

sendo que três vieram do ateliê de Jean Pucelle. Esse trabalho de decoração foi chefiado

por Jean Le Noir, principal aluno de Jean Pucelle. Christopher de Hamel afirma que As

Horas de Jeanne d’Evreux teria sido um modelo para a ornamentação das Horas de Jeanne

II de Navarra. Para essa análise inicial, além do Livro de Horas de Jeanne II de Navarra

(Paris BnF ms nal 3145) utilizaremos como forma comparativa o Livro de Horas de Jeanne

d’Evreux, que pertenceu a Jeanne d’Evreux e foi iluminado pelo mestre de Jean Le Noir, o

artista parisiense Jean Pucelle. Para esse exame inicial, faremos uma comparação

ornamental entre as imagens do Ofício da Virgem presentes no Livro de Horas de Jeanne

II de Navarra com as imagens do mesmo Ofício do Livro de Horas de Jeanne d’Evreux.

Nosso objetivo é identificar semelhanças e distinções artísticas e estilísticas entre os dois

manuscritos, a fim de compreender o modo de funcionamento do Ofício. uma análise inicial

foi possível encontrar diversas distinções ornamentais entre os dois manuscritos. Há de

fato semelhanças, contudo chegam a ser superficiais se compararmos com os

antagonismos. Logo, algumas de nossas hipóteses são: Haveria relações entre o

ornamental e o modo de funcionamento do Ofício, principalmente pelo fato de que Jeanne

II de Navarra possivelmente participou de toda a produção de seu manuscrito; há de certa

forma uma influência de Jean Pucelle, contudo parece haver mais distinções, o que

acabaria afastando os dois artistas nesse caso.

8 Pesquisador do LATHIMM-UFRJ.

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Um olhar sobre a criação da imagem da comunidade muçulmana dentro do reino de

Afonso X

Gabriel Camejo Sampaio9 (Graduando –UERJ)

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a imagem representada e entendida acerca da comunidade muçulmana dentro da Península Ibérica, particularmente no reinado de Afonso X no século XIII. Proponho um entender como as obras da corte Afonsina, tanto as políticas quanto as culturais, apresentavam a imagem do Islã e de seus seguidores no reino castelhano, além do imaginário que circundava toda uma sociedade a respeito da imagem e das origens de um povo que era designado como infiel. Mesmo com toda a interação existente entre os povos na península e as trocas culturais e de saberes ocorridas, particularmente entre muçulmanos e cristãos, iremos analisar a criação da imagem do muçulmano no âmbito jurídico. Os muçulmanos tiveram um grande espaço na corte de Afonso X que valorizou os conhecimentos e as ideias que circulavam na comunidade árabe-muçulmana desde a fundação da religião no século VII com o profeta Maomé, passando pelos califados Omíada e Abássida, a exemplo da grande casa da Sabedoria, epicentro e propagadora do conhecimento islâmico. A partir disso, a utilização do conhecimento islâmico foi introduzida na Europa ocidental para o benefício e o aprimoramento das ideias e também o desenvolvimento de obras de grande importância para a cultura ocidental, mas isso não significou que o ideal de combate à religião islâmica tenha sido deixado de lado. Durante o governo de Afonso X a escola de tradução, situada na cidade de Toledo e fundada no século XII, traduziu diversos textos clássicos do árabe para o latim e para o castelhano. As obras jurídicas, como o Fuero Real e as Siete Partidas, representaram a formulação de normas que regulamentavam o convívio social e até ofereciam à comunidade muçulmana certa proteção legal, mas analisando as as crônicas e a literatura produzida no reinado afonsino é possível identificar diversos relatos pejorativos e depreciativos a respeito do islã e acima de tudo de seu profeta. Alguns autores afirmam que houve uma utilização das obras islâmicas para uso do projeto político do monarca, porém a imagem do muçulmano herege ainda se mantinha fixada entre os cristãos.

Um modelo para Henrique III, da Inglaterra: o Itinerarium Peregrinorum et Gesta

Regis Ricardi

Gabriel Toneli Rodrigues (Mestrando - PPGH/UFPR)

O reinado de João I da Inglaterra (1166-1216) constitui um ponto de virada para a história inglesa, na qual os reis ingleses deslocaram cada vez mais suas atenções para o próprio reino da Inglaterra, visto que anteriormente muitos de seus monarcas tinham interesse maior nos territórios pertencentes à coroa inglesa no continente (Normandia, Aquitânia, Anjou, Britânia), assim elevando um dos principais agentes políticos no século XII. Durante

9 Bolsista de iniciação científica - Bolsa UERJ no projeto “A configuração do poder real na Castela do século XIII: uma análise da obra jurídica afonsina em seu diálogo com o corpo social”, orientado pela Profa. Dra. Marta de Carvalho Silveira.

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os primeiros anos do reinado de João, porém, a monarquia inglesa viu grande parte de suas possessões continentais perdidas em favor da coroa francesa. Seu reinado, assim, pode ser separado em três fases distintas, mas que contém pontos convergentes entre si. A primeira, desta forma, se situa entre 1199 e 1206, caracterizada pelas perdas continentais. As disputas entre o poder eclesiástico e a monarquia, contudo, marcariam a segunda fase, constituída entre 1205 e 1214. Por fim, temos o fracasso da campanha de 1214 no continente (vide a Batalha de Bouvines), permitindo a Primeira Revolta Baronial (1215-1217) e consequentemente a assinatura da Magna Carta (1215), marcando o período final do reinado de João. Nosso projeto de pesquisa centra-se, entretanto, na compreensão da redação da crônica Itinerarium Peregrinorum et Gesta Regis Ricardi, na qual há a construção de um modelo régio feita por seu autor, Richard de Templo, em torno do antigo rei Ricardo I (1157-1199). A submissão do autor ao arcebispo Stephen Langton, figura importante em dois dos principais acontecimentos do reinado de João, isto é, sua excomunhão (1209) e a imposição da Magna Carta (1215), nos leva a crer que era do interesse da Igreja inglesa cristalizar o que para ela era interessante de ser lembrado, conjuntamente a manutenção das críticas do clero inglês contra João. A crônica foi redigida em latim entre os anos de 1216 e 1220, aproximadamente, sendo seu autor um clérigo que posteriormente viria a ser cônego na Igreja da Santíssima Trindade de Londres. Participante da Terceira Cruzada do Oriente (1189-1192), as informações sobre o autor são sensivelmente escassas. O Itinerarium, única obra atribuída a Richard, tem o objetivo de narrar os acontecimentos da Cruzada, mais especialmente a participação nela de Ricardo I. A crônica, entretanto, não se limita a isso em nosso entendimento, pois enxergamos que há a elevação da figura de Ricardo como um rei ideal, a partir de valores que se aproximavam da ética cavaleiresca. Existe também, contudo, um destaque realçado de membros da Igreja na crônica, existindo, para nós, a formulação de uma sociedade ideal, construída a partir de um rei forte, porém que preservava os privilégios da nobreza e do clero, e uma relevância primordial do poder eclesiástico nos assuntos do reino, ao mesmo tempo em que mantinha sua independência em relação a monarquia. Nosso questionamento, desta maneira, centra-se na questão do porque de alguém relacionado com o arcebispo da Cantuária e possivelmente incentivado por ele, redigiu uma crônica elogiando Ricardo I e criticando João I. E até que ponto é a intenção Ricardo de Templo circunda a conservação do status do clero? A partir disso, fazemos a análise de fragmentos selecionados que fundamentam a construção de um modelo régio em torno de Ricardo e mostram o protagonismo do poder eclesiástico, estabelecendo um diálogo entre o conteúdo da crônica e seu contexto de produção. Nosso objetivo, desta forma, é trabalhar com a questão da imagem que é construída de um rei e sua relação com um clero que é protagonista dentro da Terceira Cruzada, construindo, assim uma análise que contemple o sentido do relato como cristalizador de valores e de hegemonia política.

Um estudo sobre a intelectualidade medieval africana islâmica: o historiador segundo Ibn Khaldun

Giovanna Ily Farias Ramalho (Graduanda - UFPE)

Ibn Khaldun foi um polímata norte-africano que nasceu no século XIV na região do Magreb. Sua obra mais importante é intitulada Muqaddimah, tradicionalmente traduzida como Prolegômenos na língua grega e Introdução a História Universal em Português. No livro, esta é justamente a proposta apresentada pelo autor. O tunisiano faz uma análise histórico-cultural sobre os povos árabes que se espalharam pela África do Norte a partir do século VII, chamando atenção para detalhes da dominação árabe que se mostra grandiosa aos olhos do autor. Mas esse não é o único aspecto relevante da obra, já que é nesse livro que

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Ibn Khaldun desenvolve ideias que, posteriormente, justificará o título, concedido por alguns, de “pai das Ciências Sociais e da Filosofia da História”. Levando em consideração que Khaldun encabeça um importante debate para a área das ciências sociais em geral e que sua obra tem muito a contribuir para as civilizações contemporâneas, proponho pormenorizar a crítica historiográfica presente na Muqaddmah observando o debate proposto pelo autor sobre a relevância do registro da história, os métodos da escrita historiográfica e suas críticas a autores da época.

O passado romano e a romanitas bizantina: uma análise preliminar da “Historia Syntomos” e da “Cronografia” de Miguel Psellos (séc. XI)

Guilherme Welte Bernardo10 (Mestrando – PPGH/UNIFESP)

Como a historiografia recente tem enfatizado, o que chamamos de Império Bizantino foi a reminiscência oriental do Império Romano durante a Idade Média, sendo os termos bizantino e Bizâncio – nome da antiga cidade sob a qual Constantinopla foi edificada – construções historiográficas que remontam ao século XVI, ligadas a histórica negação por parte do Ocidente da autoidentificação dos romanos orientais. As fontes bizantinas, no entanto, não deixam dúvidas quanto à forma como eles se identificavam: esses helenófonos não somente se viam como romanos, mas como os únicos verdadeiros romanos, não existindo uma noção de ruptura com o império da Antiguidade. No século XI, esse Império Romano medieval continua a ser pensado por seus historiadores dessa forma. Como Gill Page ressalta, historiadores podem ser agentes importantes na formação de identidades, uma vez que lidam com o passado histórico, importante elemento na formação de identidades de grupo. Um desses historiadores foi Miguel Pselo, burocrata imperial, conselheiro de diversos imperadores e um dos mais importantes intelectuais bizantinos, estando ligado diretamente ao reavivamento do conhecimento clássico durante o governo de Constantino IX Monômaco (1042-1055), tendo recebido inclusive o pomposo título de Cônsul dos Filósofos, criado pela primeira vez para ele. Miguel Pselo nos deixou duas produções historiográficas. A primeira é uma “crônica” da história romana de caráter simples e didático, intitulada Historia Syntomos. Ela provavelmente foi escrita com a finalidade de ensinar o futuro imperador Miguel VII Ducas (1071-1078) quando este ainda era seu pupilo, e tem uma narrativa que parte da fundação de Roma por Rômulo até o imperador Basílio II, o Bulgaróctono (960-1025). A segunda é uma “história” com características classicizantes fruto do reavivamento clássico do período, considerada uma das obras primas da literatura histórica bizantina. Transmitida até nós com o título de Cronografia, ela consiste numa narrativa que parte de Basílio II até Miguel VII. Ambas as obras expressam ideias de romanidade e evidenciam, especialmente a primeira, a perspectiva romana oriental de continuidade imperial da Antiguidade até o Medievo. Em nossa pesquisa com o título provisório de Entre a integração e a barbarização: romanos e ocidentais na historiografia bizantina dos séculos XI e XII, temos como objetivo analisar a maneira como os historiadores bizantinos construíam uma identidade romana e como isso influenciava a forma como eles olhavam para os povos latinos que adentravam suas fronteiras. A presente comunicação tem como objetivo apresentar uma análise preliminar de uma de nossas fontes, a Cronografia, e complementarmente apresentar e pontuar alguns elementos da Historia Syntomos de Miguel Pselo. Analisaremos cada passagem proposta a partir da coesão discursiva das obras, buscando entender em que contextos o passado romano é invocado e como o discurso identitário é formulado, partindo da perspectiva de que a identidade é construída por meio da diferença. Acreditamos que a identidade romana era um elemento central no discurso político e histórico bizantino, sendo

10 CAPES / LÆMEB / LEME.

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extremamente necessário que levemos a sério a autoidentificação desses romanos medievais para melhor compreendermos sua visão de mundo e sociedade.

O épico Beowulf como fonte histórica e as possibilidades de pesquisa

Hayanne Porto Grangeiro (Mestre – PPGH/UFF)

Poucos são os registros documentais do período anglo-saxão que conseguiram atravessar mais de dez séculos de história. Ainda menor é o número de produções literárias que sobreviveram aos dias atuais. A indefinição a respeito dos elementos que compõem a produção de obras poéticas do período anglo-saxão é recorrente, pois tanto seus autores como períodos e locais de produção são, majoritariamente, desconhecidos. Apesar de ser um registro documental bastante utilizado por pesquisadores que trabalham com temáticas referentes à Inglaterra anglo-saxã, o épico Beowulf encontra-se inserido nesta problemática acerca da indefinição destes elementos. Considerando as condições estéticas relacionadas ao gênero literário ao qual pertence o épico e a relação entre as produções literárias e as sociedades medievais é possível se aproximar das condições de produção da obra. No entanto, incertezas ainda pairam sobres estes quatro elementos de produção que serão aqui mobilizados: autoria, datação, localização e audiência. Há de se destacar que a discussão acerca destes se estende por mais de dois séculos e não pretende ser esgotada nesta apresentação. Ou seja, mesmo esta fonte histórica podendo ser facilmente acessada na íntegra nos dias atuais e recorrentemente sendo utilizada em trabalhos acadêmicos, a problemática a respeito de sua produção segue mobilizando os estudiosos. Assim, em um primeiro momento, caberá a esta apresentação promover um debate sobre a condição do épico como fonte histórica, destacando as principais contribuições desenvolvidas na área de estudos anglo-saxões aos debates acadêmicos a respeito da produção de um dos grandes registros históricos do período anglo-saxão. Em seguida, dentro das possibilidades de pesquisa, será abordado brevemente o processo de elaboração da pesquisa de mestrado da comunicadora, cuja dissertação recebeu o título de “As mulheres em Beowulf: a representação feminina na sociedade anglo-saxã dos séculos VII e VIII”.

Arthur ainda vive? O problema da crença no século XII

Isadora Cristine Martins (Mestranda – PPGHS/USP)

Na primeira metade do século XII, Geoffrey de Monmouth, historiador eclesiástico situado em ponto de contato entre a cultura bretã e a cultura normanda, reúne fragmentos da tradição oral bretã e os compila em uma única obra em latim, a Historia Regum Britanniae, aqui tratada pela abreviação HRB. Consideramos que essa obra, composta no período de dominação normanda da Bretanha, representa um ponto intermediário entre as narrativas orais, às vezes manifestadas em verso, com caráter local, e a literatura de cavalaria, momento do deslocamento do personagem de Arthur para outros espaços, especialmente para as cortes da Europa Continental. A forma como Monmouth apresenta Arthur tem papel importante na transformação que vai amplificar Arthur para outras regiões da Europa, e a conquista normanda cria as condições para que a história seja difundida. Além do sucesso do personagem de Arthur nas cortes, há uma tradição nas fontes do século XII que tende a atribuir ao povo bretão a espera pelo retorno de Arthur, tema que está inevitavelmente ligado àquele de sua morte. No livro IX da HRB, Monmouth descreve a morte de Arthur, e consideramos que este trecho dá origem às fontes que falam de seu retorno. Em 1191, os monges da abadia Glastonbury supostamente exumam o corpo de Arthur, que teria sido

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encontrado dentro dos terrenos que pertencem à abadia. A partir daí, passa-se a associar a ilha de Glastonbury com Avalon. Para Antonia Gransden, a exumação de Arthur em Glastonbury foi uma farsa executada pelos monges para suprir suas necessidades por um patrono. Não conseguindo encontrar um santo que desempenhasse esse papel, Glastonbury voltou-se para um personagem da literatura que vinha se tornando popular com a difusão da HRB. Para a autora, a necessidade de um patrono vinha da busca por prestígio e representava uma desvantagem em relação a outras abadias beneditinas. Há uma tradição historiográfica que associa Arthur com o messianismo régio, que seria expresso pela esperança do povo bretão no retorno de Arthur. Historiadores e pesquisadores de outros períodos tendem a comparar essa perspectiva com outras experiências posteriores na História, como a mitologia maravilhosa em torno de Dom Sebastião no século XVI. No Brasil, o mito de Arthur vem sendo usado para fazer conexão entre as tradições orais brasileiras com suas raízes medievais, valendo-se do pensamento da história de longa duração das mentalidades, onde o mito de Arthur teria transmigrado o Atlântico para tomar outras formas. Da mesma forma, a historiografia interpretou a exumação de Glastonbury como manobra monárquica para acabar com a “esperança bretã”, assumindo que esse era um problema que afetaria diretamente a monarquia plantageneta; a principal interferência que aponta para a dúvida sobre a sobrevivência de Arthur nas fontes seria a ausência de sua tumba. Desde a década de 1990, no entanto, a discussão em torno da tese da espera bretã se transformou. Patrick Sims Williams contesta a perspectiva de Roger Sherman Loomis, na qual Arthur figura como um herói popular antes da criação da HRB. Virginie Greene questiona sobre a pertinência de utilizar o termo messianismo para se referir à realidade medieval. Greene, em sua revisão da literatura sobre as fontes galesas e bretãs, reconhece que a espera por Arthur nas fontes escritas parece ser sempre atribuída ao outro, uma vez que são raros os relatos bretões que atribuem a si mesmos a espera pelo retorno de Arthur. As fontes bretãs e galesas anteriores à Geoffrey de Monmouth, como poemas e narrativas de heróis, quase não mencionam Arthur como um de seus heróis principais, diferente do que Loomis tentou demonstrar em seu livro. Dessa forma, reconhecemos que é importante prestar nova atenção às fontes que mencionam uma espera pelo retorno de Arthur, tentando retirar a análise do escopo de sua reprodução dentro do espaço cortês e tentar depreender quem é o povo que espera por Arthur, mencionado nas fontes do século XII. A partir da análise das crônicas de Glastonbury, inferimos que há uma tradição de peregrinação associada a Arthur antes que a abadia de Glastonbury tentasse usar essa tradição com propósitos políticos. Para Patrick Geary, uma das formas de expressão da religião camponesa era a peregrinação a sítios sagrados. Dessa forma, tentaremos executar uma leitura das fontes mencionadas a contrapelo, observando referências laterais a Arthur e prestando atenção nas relações de poder que as crônicas ensejam.

Entre o báculo e a espada: a prática do mecenato e a atuação Militar do papa Júlio II (1503 – 1513)

Jordana Eccel Schio11 (Mestranda - PPGH/UFSM)

Durante 1503 e 1513 o pontífice Júlio II buscou ampliar os Estados Papais, por isso liderou muitas ações políticas e militares. Membro da família Della Rovere, Giuliano foi nomeado cardeal pelo seu tio, o papa Sisto IV (1471 – 1484) no ano de 1471. Manteve-se afastado de Roma durante o reinado de Alexandre VI (1492 – 1503), todavia depois da morte deste

11 Bolsista CAPES.

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retornou à cidade. Após o brevíssimo pontificado de PioII (1503), Júlio II foi eleito seu sucessor. Enquanto ocupou o trono papal atuou contra a prática da simonia e apoiou ações missionárias na América, entre outras questões sacerdotais. Contudo, entre seus contemporâneos era reconhecido como um papa guerreiro, sendo até ridicularizado por Erasmo de Roterdã (1466 – 1536) na obra Elogio da Loucura e criticado por Francesco Guicciardini (1473 – 1541), que afirmou não ver nada de sacerdotal em Júlio. Dessa maneira, um dos protagonistas do Renascimento era reconhecido como alguém mais acostumado a empunhar uma espada do que um báculo. Todavia, Júlio II foi um entusiasmado patrono das artes, sendo assim, mecenas de Michelangelo Buonarroti (1475 – 1513) e de Rafael Sanzio (1483 – 1520), ambos produziram arranjos iconográficos apreciados por seus contemporâneos e, atualmente, por milhares de turistas que visitam o Vaticano. Esse estudo, ainda em fase inicial, tem como aspecto fundamental analisar o uso político da arte e a instrumentalização, por Júlio II, da fama de Michelangelo e Rafael, que produziram nos primeiros anos do século XVI grandes programas iconográficos. Para isso, as fontes principais desse estudo são: o afresco que decora o teto da Capela Sistina, feito entre 1508 e 1512, por Michelangelo, e o mural intitulado Escola de Atenas, produzido entre 1511 e 1512, por Rafael. As fontes auxiliares desse estudo são duas: o livro Storia d’Italia escrito por Guicciardini, mas publicado postumamente em 1561, e O Príncipe de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), publicado em 1532. Tanto em pesquisas em nível nacional, com menor expressão, quanto em nível internacional, Júlio II é tautologicamente associado a figura de il terribile, haja vista o tipo documental (cartas, bulas papais e documentos diplomáticos) usado pelos pesquisadores. Diante disso, nosso estudo fará a análise iconográfica e iconológica dos afrescos, a partir do método proposto por Erwin Panofsky (1892 – 1968), cotejado com as fontes auxiliares, a fim de traçar a atuação de Júlio II no campo militar, a frente dos exércitos papais e no campo artístico, como mecenas. A análise será interpelada pelo viés da corrente historiográfica da História Cultural e, principalmente, pela luta de representações, proposto pelo historiador francês Roger Chartier (1945). À vista disso, nosso estudo inicial vai se dedicar a analisar as estratégias simbólicas adotadas pelo pontífice na esfera militar e cultural.

Como nascem as “bruxas”: a perspectiva do Malleus Maleficarum na conversão do gênero feminino para a feitiçaria nos séculos XV-XVIII

Juliana Avila Pereira (Graduanda – FURG) 12

Sophia Martinez Papaconstantinou

(Mestranda - PPGH/FURG)

A figura da bruxa povoa o imaginário coletivo na contemporaneidade e foi o principal alvo da Inquisição na transição do período medieval para o moderno, sendo referenciada no manual dos inquisidores Malleus Maleficarum. Desta maneira, questionamos: De que maneira simples pessoas do gênero feminino, supostamente, se “tornam” bruxas na visão de Kramer e Sprenger e suas consequências? No período de transição do medievo para a modernidade, as bases da igreja católica estavam sendo questionadas e desconstruídas. Desta forma, a Igreja para se manter no cerne da vida social e no poder lança a campanha da Santa Inquisição, para lembrar a todos que o clero era o grande salvador, para isto, construíram no imaginário coletivo a figura de um inimigo comum a ser combatido: o

12 Pesquisadora no grupo de pesquisa Cultura e Política no Mundo Antigo, coordenado pelo professor Jussemar Weiss Gonçalves.

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demônio e as bruxas. O primeiro é umas das figuras mencionadas na Bíblia e, para tanto, não pode ser penalizado “de forma direta”. Já, a segunda, são mulheres normais, que supostamente se corromperam através da figura do Diabo, assim, entregando-se a ele. Este inimigo deve ser penalizado por crime de lesa-majestade e por isso deve sofrer a pena capital: morte pela fogueira. Mas quem eram estas “bruxas”? Para além do gênero feminino, estas eram mulheres idosas, viúvas e que fugiam ao padrão estabelecido de “mulher” para aquela sociedade, tendo em vista o olhar dicotômico presente.

Quarta carta de Clara de Assis (1193-1253): a despedida de duas almas

Karine Goulart de Almeida (Graduanda - UERJ/FFP)

A presente comunicação busca analisar a quarta carta escrita por santa Clara de Assis para santa Inês de Praga (1211- 1282). As cartas de santa Clara podem ser consideradas como um rico material para compreendermos sua ação espiritual (aconselhar e exortar suas filhas), diferentemente dos documentos direcionados à Igreja, que buscam a aprovação de sua forma de vida, neste caso encontrava-se presa a questões institucionais. A quarta carta à santa Inês foi selecionada para este trabalho por apresentar certa intimidade entre Clara e Inês já estabelecida em correspondências anteriores. Clara ressalta seu imensurável amor por Inês atribuindo à mesma o título de “metade de minha alma” caracterizando a importância do afeto e da caridade como reflexo do amor de Deus, típico do período. Outro elemento relevante é que esta é a última carta de Clara para Inês, uma carta de despedida. Clara percebe que o momento de sua morte se aproxima e escreve para sua filha espiritual. Assim, analisaremos os conceitos contidos no documento que demonstram a singularidade da linguagem de Clara ao mesmo tempo em que refletem a espiritualidade monástica do período. As fontes utilizadas foram as cartas de santa Clara observando também seus outros escritos, a metodologia foi a de análise do discurso narrativo e aprofundamento do estudo sobre a Ordem de Santa Clara. As obras de referência foram “Fontes Clarianas” (PEDROSO, 1993), “A Reforma na Idade Média” (BOLTON, 1990), “Holy feast and holy fast” (BYNUM, 1987), “Francisco de Assis” (LE GOFF, 1998), “Em busca da Idade Média” (LE GOFF, 2003). Deste modo é perceptível a personalidade ativa, sensível e elegante desta que é a fundadora da Ordem das Irmãs pobres ou Irmãs Clarissas. O que aponta para uma propagação do seu ideal de vida para os séculos posteriores principalmente como uma força espiritual, dentro ou fora de um mosteiro.

A subversão do espaço e a reorganização da imagem a partir da mudança de suportes: o caso do manuscrito púrpura de Rossano

Karolina Santos da Rocha (Graduanda - UNIMONTES)

As fontes imagéticas possuem diferentes suportes e funções. Seja um manuscrito iluminado ou uma pintura mural, cada qual interfere na produção da imagem a partir das suas possibilidades e dos seus limites. Dessa maneira, seria possível identificar, a partir da disposição e organização das imagens, “problemas visuais”, que indicam que determinado modelo imagético não se encontra em seu suporte original. Este poderia ser o caso do Codex Purpureus Rossanensis (Σ 042). Trata-se de uma cópia de luxo dos evangelhos incompletos produzidos no século VI e compõe uma família de três manuscritos. Este possui 188 fólios em pergaminho purpúreo, medindo 25,0 x 30,0 (cm). Seus caracteres são escritos em letra uncial nas cores dourada (com posicionamento padrão nas três primeiras

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linhas de cada página de texto), prateada (restante do texto) e preta (nas inscrições relacionadas às miniaturas). O conteúdo textual do manuscrito está em grego e contém o texto completo do evangelho de Mateus, o texto incompleto do evangelho de Marcos, 40 trechos do Antigo Testamento e o início da epístola de Eusébio de Cesaréia a Carpiano, que disserta sobre as origens do sistema de tabelas canônicas e dá instruções sucintas para seu uso. Além disso, o codex possui quinze fólios com imagens, dos quais doze representam o ciclo da vida de Cristo. Ao analisar as iluminuras presentes no manuscrito, alguns autores (Weitzmann e Loerke) formularam a hipótese de que a composição iconográfica original do codex pertencia a uma pintura mural anterior. No entanto, apesar das críticas que são feitas aos autores, é possível identificar elementos que corroboram com a ideia e explicam determinadas escolhas figurativas. Assim, esta apresentação se propõe a desenvolver melhor o argumento primeiro defendido pelos autores, construindo a argumentação a partir da própria fonte imagética.

Heresia e Ortodoxia: o Discurso como exercício do poder

Kayo Eduardo Masello de Almeida (Graduando – UFRRJ)

Simplificadamente designadas como “doutrina contrária ao que foi definido pela igreja em matéria de fé” ou “contra-senso” e “conforme com a doutrina religiosa tida como verdadeira”, heresia e ortodoxia, respectivamente são apresentadas como binômios antagônicos no que diz respeito a sua corriqueira significação nos dicionários mais populares. No entanto, essas significações parecem atrelar-se a uma visão submetida ao caráter religioso sobre o qual se encontra a teologia. Porém, essas são designações historicamente construídas através das relações de poder expressas nas produções discursivas e que, se não observadas pelo historiador de forma ampla, podem ter sua complexidade minimizada. O presente trabalho corresponde à apresentação dos resultados parciais de uma pesquisa monográfica cuja temática parcial se insere nas relações de poder por meio do discurso. Esse pretende abordar o caráter teórico-metodológico do historiador diante desses dois termos complexos observando a construção histórica e diferenciando a sua perspectiva daquela entrelaçada ao caráter religioso, dogmático e apologético. Assim, as problemáticas levantadas correspondem enfaticamente a responder perguntas não sobre uma documentação específica, mas a como o historiador pode, dentre tantas perspectivas, abordar os conceitos já mencionados à luz dos procedimentos teóricos e metodológicos da análise discursiva. Considera-se, portanto, para esse trabalho as obras de Eli Orlandi, Helena Brandão e Michel Foucault como essenciais para o entendimento do conceito de análise do discurso assim como sua aplicabilidade na pesquisa histórica. Dessa forma, para corroborar com a possibilidade de pesquisa partindo da análise discursiva demonstrar-se-á a partir de documentação atribuída à Agostinho de Hipona que a criação dos termos corresponde às relações de poder que permeiam o campo religioso através de enfrentamentos observados no campo linguístico, mas que fazem sentido no contexto amplo no qual esse discurso é proferido.

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Quadrinhos como fonte histórica: Análise da Medievalidade em O anel do Nibelungo, de P. Craig Russell

Lana Letícia Barbosa de Souza (Graduanda – UNIMONTES)

O nosso objeto é a graphic novel O Anel do Nibelungo (The Ring of the Nibelung), ilustrada por um dos maiores artistas de quadrinhos, P. Craig Russel. Esta por sua vez é uma ambiciosa adaptação do épico de Richard Wagner, O Anel do Nibelungo (Der Ring des Nibelungen). O ciclo de Wagner de quatro óperas contínuas, embora distintas, é renomado pela destilação de antigos mitos germânicos, como nossas fontes medievais Saga dos Volsungos (c.1300), e do núcleo mítico da maior obra literária do medievo germânico, a Nibelungenlied ou a Canção dos Nibelungos (c.1200). A estrutura desta famosa saga musical foi seguida em sua adaptação em quadrinhos, tendo Russel desenhado e lançado separadamente cada adaptação do ciclo da ópera (O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O crepúsculo dos Deuses). Porém, o que utilizaremos nesta pesquisa é sua compilação lançada em 2018 no Brasil, pela editora Pipoca & Nanquim. As histórias em quadrinhos hoje são utilizadas como temas em diferentes produções da indústria, como os filmes de super-heróis. Mas há uma temática especial que é explorada pela mídia em séries de TV, novelas, jogos e também quadrinhos: o Medievo. O imaginário em torno da Idade Média abriu caminhos para uma difusão de várias outras “Idades Médias”, em que a fantasia e glória da mitologia medieval tomaram proporções tão grandes, que estereótipos em volta do período de mil anos foi fixada. Com isso, conceitos novos que dialogam com a Nova História Cultural surgiram para ilustrar estas situações, como o Medievalismo e o Neo-medievalismo. Em um primeiro momento, traçaremos um paralelo entre as fontes medievais (Saga dos Volsungos e Canção dos Nibelungos) e o objeto (o quadrinho ‘O Anel do Nibelungo’), com o objetivo de identificar o que permanece hoje das histórias originais. Reforçando que não pretendemos, e nem seria possível, traçar uma "fidelidade histórica" entre o objeto e as fontes, mas sim, buscar as referências narrativas empregados pelos autores para construir o efeito de temporalidade desejado. Após isso, teremos algumas respostas para o questionamento: O que das fontes originais mais aparecem na HQ, e o que aparece menos? E por que? Podemos responder de forma prévia e resumida esta questão, já que em uma análise já previamente iniciada, podemos perceber que os elementos por vezes colocados nas fontes como fantásticos, fantasiosos, são justamente os pontos reforçados na HQ, tendo o plano de fundo político das fontes sem um protagonismo. A partir disso, podemos pensar como foi feita a transposição da história original para a mídia, em que se sobressai o senso comum acerca da Idade Média.

A formação de uma comunidade abstinente: jejum e eclesiologia no “ensinamento no domingo da abstenção de laticínios” de Nicéforo I de Kiev (1104‒1121)

Leandro César Santana Neves13 (Doutorando PPGHIS-UFRJ)

Nicéforo I (1104‒1121), apesar de admitir não saber o idioma eslavo, fora talvez o mais prolífico metropolita da Rus de Kiev em relação a quantidade de obras sobreviventes a ele atribuídas, com quatro escritos chegando até os dias atuais. Dentre estes, o breve sermão conhecido como “Ensinamento no domingo da abstenção de laticínios” (Poutchenie v

13 Laboratório de Teoria e História das Mídias Medievais (LATHIMM-UFRJ/USP)/CNPq.

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nedeliusyropustnuiu) não é tão abordado quanto as outras três obras, apesar de seu grande potencial enquanto documento histórico. Possivelmente proferido, em 1113, o “ensinamento” trata da importância do jejum a ser praticado durante a Grande Quaresma ortodoxa, bem como lembra a audiência de práticas proibidas durante dito período. É perceptível no documento a existência de um forte vínculo entre jejum e pertencimento, enfatizado em seu caráter retórico e pedagógico, sendo que os membros da Igreja de Rus somente são o que são pela abstinência correta. Logo, visamos nesta apresentação demonstrar a maneira pela qual o metropolita constrói no documento analisado sua concepção de comunidade de fé rus e a delimita para seus ouvintes a partir da ênfase dada pelo autor ao aspecto do jejum. Ao ensinar sobre o significado e os benefícios espirituais da abstinência alimentar a partir de uma retórica apelativa que constantemente envolve o público-alvo, Nicéforo cria um grupo que ao mesmo tempo se organiza e se legitima em torno da prática purificadora que, na visão do metropolita, materializaria o sagrado cristão e portanto formaria uma Igreja. Deste modo, considerando a eclesiologia como o discurso sobre a comunidade de fé, os rus que Nicéforo afirma amar incondicionalmente estão unidos no plano soteriológico pela prática do jejum e, por essa razão, os maus hábitos que afetam negativamente o ato (jejuar com rancor e embriagar-se, por exemplo) e corrompem os membros devem ser corrigidos a fim do bom funcionamento espiritual da comunidade.

A apropriação das festas pagãs pela cultura religiosa cristã no medievo

Luana Cantalice Dias (Graduanda – UERJ)

Maria Manuela Vitoria Fonseca Lourenço

(Graduanda – UERJ)

O presente trabalho se propõe realizar um debate historiográfico entre de obras que

trabalham a questão da apropriação e da ressignificação da festa pagã em homenagem a

Adônis no dia 23 de junho, que marcava o fim do inverno e começo da primavera, sendo

assim, o começo da colheita e da fertilidade. Ao chegar à era cristã, ocorre uma releitura

na celebração, tirando o protagonismo do deus Adônis e o substituindo pelo santo João

Batista, que se acredita dentro desta religião, ter nascido no dia 24 de junho. Nosso trabalho

tem a pretensão de relacionar os símbolos pagãos com a forma que a festa joanina tomou

na cultura medieval, em alguns lugares na Europa, e o que pode ser percebido de seu

formato original, e de suas mudanças cristianizadas, hoje nas festas juninas brasileiras,

introduzidas pela colonização portuguesa. Para discutir a problemática da apropriação e do

apagamento de símbolos pagãos nos basearemos na noção de longa duração partilhada

pela Escola dos Annales e nos conceitos de apropriação e de representação apresentados

na história cultural de Roger Chartier. Ainda usaremos as obras: Festas Juninas Festas de

São João - Origens, Tradições e História, de Lúcia Helena Vitalli Rangel; O Ramo de Ouro,

de James George Frazer; Uma interpretação analítico-comportamental de aspectos

culturais e simbólicos da fogueira de São João, de Anderson Jonas das Neves; Today in

festive history: it’s St John’s Eve – for bonfires, drink, dancing and dreams; e The circle

dance of the cross in the acts of John: an early christian ritual, de Melody Gabrielle Beard-

Shous como referência para a pesquisa.

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Santidade em imagem: um estudo das iluminuras de Domingos de Gusmão (Séculos XIII e XIV)

Lucas Gabriel Reis Rodrigues (Graduando - UFPA)

O presente trabalho propõe discutir de que maneira os manuscritos e as imagens foram fundamentais para reafirmação de modelos de santidade evangélica no mundo medieval, em finais do século XIII e início do século XIV, em Toulouse, sul da França. A documentação se constitui de escritas e imagéticas, haja vista que ambas trazem elementos que formam os ideais de santidade apregoados naquela época e que serão utilizadas como bases para as análises. A pesquisa em questão volta-se para o estudo do caso de Domingos de Gusmão, antigo Mestre Geral da Ordem dos Frades Pregadores, canonizado pelo papa Gregório IX em 03 de julho de 1234. Nos séculos XIII e XIV, um aspecto predominante da espiritualidade medieval é a prática da evangelização, principalmente devido à forte atuação das ordens mendicantes. As fontes a serem utilizadas tratam-se da crônica de Jordão da Saxônia (Orígenes de la Orden de Predicadores). Quanto às imagens, as iluminuras dominicanas que utilizaremos são integrantes do manuscrito denominado “Libellus de solacione et institucione noviciorum”, o qual faz parte do catálogo geral dos manuscritos das Bibliotecas Públicas da França. Compreende-se aqui que as imagens são produtos do próprio imaginário do seu pintor/criador, atendendo à necessidade do sujeito ou da instituição que fará uso desta. Ou seja, as imagens produzidas naquele período e que serão alvo desta análise situam-se em um conjunto de relações entre sujeitos religiosos e o próprio modelo de santidade que se buscava alcançar por meio de suas funções, estabelecendo assim a relação entre Modelo e Imagem, discutida por Franco Jr. (2010). O historiador francês André Vauchez (1989) destaca que a figura destes “homens de Deus” também funcionava como intercessores junto ao Sagrado para proteger aqueles que o invocam. Dessa maneira, para os dominicanos e a Igreja era importante demonstrar que Domingos detinha os atributos de um Santo. Para Schmitt (2002), os valores das imagens são construídos a sua própria época, ignorando a representação do tempo, do movimento, da história ou representação de uma narrativa. Dessa forma, pode-se identificar no período estudado em questão que estes valores ainda são preservados entre a Ordem, a qual de maneira bastante organizada edita seus capítulos gerais, provinciais e se preocupa em resolver os conflitos internos e garantir do prevalecimento de seus ideiais. Visalli e Godoi (2016) consideram indispensáveis os valores do ornamental, do simbólico e da materialidade das iluminuras medievais. Tais considerações nos possibilitam conduzir o debate do valor destas iluminuras, desde os cuidados em produzi-la, preservá-la ao cumprimento das funções que lhe vão sendo atribuídas dentro da própria Ordem. Segundo Gajano (2002), as imagens não somente são formas de veiculação desses modelos de santidade, como manifestam-na pelos elementos fixos presentes nas figuras, principalmente dos Santos. Para a autora, a iconografia promoveu e deixou evidentes os “sinais” de santidade. Assim, entende-se que as imagens produzidas de Domingos e da Ordem possuem elementos que nos permitem realizar estas relações. As virtudes pregadas por Domingos também se aplicaram a outros personagens. Assim, será possível estabelecer um contraste apresentado de que o autor das iluminuras também entendia, ou então foi orientado, de que a Ordem preserva ainda um ideal de santidade comunitária, permitindo que as virtudes pregadas se estendessem para além dos clérigos.

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Legislação e Igreja em Wessex: autoridade e equivalência entre eclesiásticos e leigos nas leis do rei Alfredo, o Grande (871 - 899)

Lucas Pereira Rodrigues (Mestrando – PPGH/UFF)

O Domboc, código de leis do rei Alfredo, o Grande, escrito na década de 890, é geralmente tido como uma obra legislativa cujos objetivos centrais foram os de afirmar o poder régio e auxiliar na criação de uma identidade inglesa. Enquanto diversos trabalhos se direcionaram para a análise de aspectos referentes a estes objetivos, poucos se voltaram para assuntos mais periféricos, como o tratamento dispensado pelo Domboc a outras esferas da sociedade, como, por exemplo, a Igreja. O contexto da Igreja na Inglaterra do século IX é um no qual diversos pesquisadores identificam um processo de secularização. Por esta palavra entende-se um cenário no qual confundem-se as autoridades eclesiástica e secular, a partir do momento em que ambas buscam exercer seu domínio sobre o campo religioso inglês. Ao mesmo tempo, temos um poder régio que atua fortemente no patrocínio e fundação de estabelecimentos religiosos e a conformação de uma realidade em que a independência monástica, seja em relação ao poder régio, aristocrático ou episcopal, não está na ordem do dia. Dentro deste contexto, entendemos a documentação legislativa como capaz de nos informar um conjunto de práticas que se busca reforçar ou suprimir, e portanto, como a expressão de uma realidade mais ou menos observável ou, no mínimo, de uma ideologia predominante entre certos setores dominantes que a compõe (régios e aristocráticos) e da visão de mundo destes setores. Assim, acreditamos ser possível identificar no Domboc a percepção régia sobre o mencionado processo de secularização da Igreja, a partir do momento em que várias leis tratam aristocratas seculares e eclesiásticos (bispos, em sua maioria) como equivalentes, extratos da elite cujas obrigações e direitos nos parecem profundamente semelhantes, ao menos dentro da ideologia régia a partir da qual se concebe a referida documentação. Nesse sentido, as leis aparecem tanto como ilustrativas de uma percepção régia quando atuantes numa realidade que buscam moldar a partir dessa percepção. O propósito do presente trabalho, portanto, consiste em analisar aquelas leis contidas no Domboc que tratem da Igreja e da aristocracia, buscando identificar a equivalência que as mesmas estabelecem entre a aristocracia secular e a eclesiástica (principalmente episcopal).

Hibridismo cultural e imaginário: milagres e narrativas das sagas (séc. XII - XIV) na formação da identidade cristã islandesa

Lucas Pinto Soares (Mestrando - PPGH/UERJ)

Esta pesquisa tem como tema principal o ‘hibridismo cultural na formação da identidade islandesa cristã’. Compreender o processo de cristianização através da análise das fontes escritas; ‘sagas islandesas’. Em uma perspectiva não somente vista de cima pra baixo (dos reis para o povo), mas a partir do imaginário das pessoas das comunidades, dos comportamentos narrados nos acontecimentos dessas escrituras, que incorporaram o cristianismo na cultura escandinava, sendo assim um processo de cristianização e não uma conversão religiosa. As sagas tinham como propósito narrar a história da Islândia, todavia, muitas dessas escrituras têm autores anônimos e foram atribuídas aos seus compiladores, que eram cristãos. Temos, portanto, a história de um povo, uma cultura, construída em narrativas submetidas a outro imaginário. Essas narrativas, provavelmente foram utilizadas como ferramentas de consolidação do Deus cristão na história da Escandinávia, na

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formação de sua identidade e na construção do imaginário dos senhores locais – godar – que ainda cultuavam os deuses ancestrais. Houve, ainda, uma associação dos milagres dos cristãos aos ritos metafísicos que os nórdicos acreditavam, esses milagres significavam uma ação direta da divindade cristã em benefício de seus fiéis. Duas hipóteses são levantadas nesta pesquisa, sendo elas, que; o imaginário edificado nas sagas como instrumento dos bispos em prol do cristianismo moldou a identidade islandesa registrada; e o sincretismo e a associação de milagres cristãos a divindades e rituais pré-cristãos originaram em uma cultura islandesa cristã híbrida. Realizaremos a leitura e análise das principais fontes que narram a história da Islândia, Kristni Saga, escrita na última década do século XII por Gunnlaugr Leifsson (d. 1218 ou 1219) e Njáls Saga, escrita entre os anos 1270 – 1290 por um autor anônimo. Ainda, utilizando dos conceitos de hibridismo cultural de Peter Burke e da análise de Johnni Langer na relação pagão-cristão na saga de Njáls, pretendemos analisar a influência cristã nas narrativas identitárias e a formação do imaginário cultural islandês. Os textos de Oliveira, Fernandes e Kristjánsdóttir acrescentam o referencial de análise de pesquisas específicas a respeito da cultura, política e das sagas islandesas. Oliveira enriquece os conceitos de Burke voltando-se para o tema do processo de cristianização da Escandinávia. Portanto, realizando um diálogo e debate historiográfico entre os autores, com seus respectivos temas e analisando as narrativas das sagas, avançamos a passos meticulosos esta pesquisa.

Os culpados pela peste

Marcia Gomes de Paulo (Graduanda – UERJ)

A peste negra foi uma pandemia que assolou a Europa medieval nos anos 1340. De Portugal à Rússia, originária da Ásia central, vindo provavelmente pela Rota da Seda, nas pulgas dos ratos que os comerciantes involuntariamente transportavam junto com suas mercadorias. O surto espalhou-se com uma virulência nunca antes registrada na história, matando milhões de pessoas e modificou as relações sociais, econômicas e políticas nos lugares onde esteve presente.Quando ainda não se sabia o que causava as mortes que iam acontecendo rapidamente e de uma forma até então nunca vista, acreditava-se que o mal era provocado por castigo divino ou ainda por conspirações de grupos marginalizados, com o objetivo de enfraquecer os poderes locais. O objetivo deste trabalho é apresentar os impactos que a peste negra causou na sociedade medieval e como essa pandemia serviu para a perseguição e assassinato de bodes expiatórios, especialmente os judeus, leprosos e ciganos. A partir da análise de textos, de documentos da justiça eclesiástica e da literatura medieval, faço uma breve apresentação sobre como esse mal marcou as sociedades medievais, especialmente na Espanha e na França e como grupos que já eram segregados e marginalizados foram injustamente culpados pela disseminação da praga.

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Nos idos de Ramon Llull: Península Ibérica e Maiorca Reconquistadas

Marcos Jorge dos Santos Pinheiro (Graduando – UFMA)

O trabalho se concentra na compreensão do dinâmico ambiente cultural e religioso da Europa – em sentido macro –, e mais especificamente, da Península Ibérica e das Ilhas Baleares centro-medievais. Esta se faz nevrálgica no objetivo de contextualizar o filósofo Ramon Llull (1232-1216) dentro de seu contexto temporal-geográfico – predominantemente, Palma de Maiorca. Por isso, o recorte temático situa-se mais concentradamente nas questões da mentalidade de Reconquista feudo-clerical, que encontra um auge notável nos idos do século XIII, em detrimento de, propriamente, promover-se aqui uma simples biografia intelectual. Que seja, o recorte temático cá proposto tem função ancilar para entender os desígnios de Ramon em sua trajetória intelectual. Llull, após uma vida mundana nas cortes de Jaime I, converteu-se por volta de 1263 ao cristianismo, após uma série de visões, presenciando o “Senhor Deus Jesus Cristo suspenso com os braços em cruz, muito dolorido e apaixonado” (VC, I, 2). Já em 1274, recebe uma visão beatífica de Deus, e objetiva compor obras que denunciassem e corrigissem os erros dos infiéis (VC, III, 14). Ele nasceu em Palma de Maiorca poucos anos pós-Reconquista promovida por Jaime I, sucedendo-se que habitava uma fronteira transcultural e econômica, onde mesclavam-se judeus, muçulmanos e cristãos. Por isso, não há como negar que viveu dentro de um contexto cultural dialeticamente contraditório: diálogo e violência. Interna e externa. O que busca-se no presente recorte é entender os objetivos de Llull como frutos de uma mentalidade medieval permeada de ideais bélico-mistagógicos. Alguns episódios que contribuíram para a consolidação deste traço mental no período centro-medieval da Europa foram: a Reforma Pontifical; a Ideologia do Milênio e a Reconquista Cristã. A Reforma Pontifical, mais conhecida por Gregoriana, protagonizou o conflito político-teológico do papado com o poder temporal dos reis. Em meados do século IX, o Império Cristão, na figura de Carlos Magno (742-814), intentava uma simbiose com a Igreja ao modo do cesaropapismo bizantino (DAWSON, 2014, p. 318-9) (translatio imperii). Ao fim do auge do conflito, a auctoritas espiritual do pontífice que se seguiu ganhou ainda mais vitalidade e autonomia ante a potestas temporal da aristocracia e a Cristandade Latina – até pelo menos Bonifácio VIII com a Unam Sanctam –, tendo por consequências, por exemplo, o combate à simonia e nicolaísmo, a eclosão do movimento de Cruzadas e a fundação de (novas) ordens monásticas e mendicantes. Quanto à Ideologia do Milênio, sabe-se que os idos do milênio viram um período não de “obscurantismo medieval”, mas de “uma etapa no surgimento e na afirmação do Ocidente cristão” (BASCHET, 2006, p. 99). Ocorrem processos que resultam no crescimento demográfico e expansão espacial de plantio. A complexificação social abre espaço para o desenvolvimento produtivo e comercial dos senhorios e, a posteriori e talvez contraditoriamente, até mesmo o revigoramento das cidades, possibilitando a venda e troca dos excessos agrícolas e de artesanato em feiras, o que implicava na necessidade de fortificação militar, política e jurídica dos núcleos urbanos. Ainda nesta conjuntura, a Reconquista Cristã foi um importante fenômeno que sincretizou, na Península Ibérica, a religião católica à guerra, tratando-se de um fenômeno combativo-colonizador que mobilizou boa parte da sociedade cristã ibérica, não sem auxílio dos franceses, ingleses e alemães, para a recuperação das terras hoje portuguesas e espanholas, desde o ano de 711 até 1492. Enfim, cá defendo a hipótese de que Ramon, apesar de notável expoente de seu tempo, há de balizar seus desígnios de acordo com os feixes da mentalidade de Reconquista que emerge na Cristandade medieval. Suas inúmeras obras compiladas para a conversão de infiéis, viagens à África, requestos a reis e papas, construção e manutenção do mosteiro de Miramar, enfim, levam a isto.

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A história medieval pelo Instagram: experiências com o projeto de extensão

barbaridades medievais

Mateus Delalibera (Graduando – UFTM)

A princípio, é necessário colocar que essa pesquisa se encontra em processo, uma vez que parte de uma iniciativa de projeto de extensão em continuidade. Desde 2019 a UFTM adota a PCC (Prática como Componente Curricular) como uma forma de contribuir nos cursos de graduação, sendo obrigatório nas licenciaturas e facultativo nas demais graduações, ficando a cargo do/a docente de cada disciplina a forma como essa atividade teórico-prática se dará. Assim, a PCC permite aos estudantes de licenciatura um contato com a educação básica e/ou em outros espaços que não somente o escolar voltado para a educação, tendo várias formas para cumprimento da matriz curricular. Explicado isso, no primeiro semestre de 2019, a Prof.ª Drª. Cláudia Regina Bovo, que ministra a disciplina de História Medieval no curso de História da UFTM, passou como uma forma de PCC para a turma, a criação de um perfil em alguma rede social para realização da atividade em ambiente virtual. Dessa forma, o perfil @barbaridadesmedievais foi criado no Instagram como meio de estabelecer um contato com grupos de pesquisa e estudos da área (entre pares), mas principalmente com a comunidade externa que encontra nas redes sociais além de um passatempo, uma oportunidade de ampliar seus conhecimentos e aprender mais. O grupo foi criado em 2019.1, entretanto com a possibilidade de permanência, foi registrada como projeto de extensão em 2019.2 e, desde então, já passou e passa por mudanças constantes de acordo com as análises feitas pelos integrantes, que também mudaram no decorrer dos semestres. Como meio de levantar uma problemática, a apresentação discutirá alguns temas abordados nesse primeiro ano de projeto através do conteúdo das postagens e interação com o público, evidenciando as possibilidades de se fazer uma História Medieval no Brasil e o seu ensino em um ambiente não-formal de educação. A apresentação será fundamentada por meio de reflexões acerca da Teoria da História, História Pública, Ensino de História Medieval e História Medieval.

O rei Arthur galês: representações do passado e a busca pela soberania galesa nos contos arthurianos do Mabinogion (Séculos XIV E XV)

Matheus de Paula Campos (Graduado - PUC Goiás)

As fontes para este trabalho consistem nos contos galeses sobre o Rei Arthur, extraídos do corpus de narrativas intitulado Mabinogion. Os contos que dizem respeito a este personagem são: Culhwch e Olwen, O Sonho de Rhonabwy, A Dama do Poço, Geraint Filho de Erbin e Peredur Filho de Efrog. A partir da pesquisa do contexto de produção das estórias (que não têm autoria conhecida); da comparação com outros textos das Matérias de Bretanha que trazem Arthur como personagem; dos conceitos de representação, imaginário, simbólico, maravilhoso e figura, buscamos compreender como tais obras referenciam e representam o passado galês frente aos avanços, sobretudo, da Inglaterra, e como buscam um reestabelecimento da soberania de Gales na Grã-Bretanha. Os contos do Mabinogion, especialmente os textos arthurianos, podem representar a derrocada das conquistas galesas e apelar pelo retorno do estatuto glorioso perdido. Em Gales, o desenvolvimento de profecias que clamavam por um herói redentor, ampliou o apelo por Arthur e seus guerreiros, que passaram a figurar em importantes textos galeses. Além

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disso, O Sonho de Rhonabwy traz Arthur como um monarca esvaziado de poder e glórias, apontando para uma descrença em Arthur enquanto herói de Gales e representando o passado a partir de desenvolvimentos históricos negativos.

Ricardo, o destemido em Bayeux e a construção de alianças entre normandos e escandinavos

Matheus Brum Domingues Dettmann (Mestrando - PPGHS/UFRJ)

Esta pesquisa busca analisar um caso especifico onde um personagem da historia medieval foi entregue para ser criado entre escandinavos. Trata-se de Ricardo, o destemido, o terceiro soberano da Normandia. A Normandia tem sua origem no século X, quando o rei franco ocidental Carlos III realiza uma concessão de terras a um chefe escandinavo conhecido como Rollo. Como foi dito por autores como David Crouch em sua obra “The normans: The History of a Dinasty”, uma das grandes preocupações dessa nova dinastia normanda estabelecida em Rouen será subjugar outras lideranças escandinavas desse norte francês, especialmente estender seu controle sobre a região hoje conhecida como Baixa Normandia. Após Guilherme, Longa-Espada, filho de Rollo derrotar e submeter outros chefes escandinavos ele envia seu filho Ricardo para ser educado em Bayeux, uma região que estaria sobre domínio de lideranças escandinavas. Embora a Historia Normannorum de Dudo de Saint-Quentin, documento que iremos analisar neste trabalho, afirme que Ricardo foi enviado para Bayeux para aprender o nórdico, parece inviável que este seja o único motivo, tendo um objetivo claramente político por trás dessa atitude. Assim, enviar Ricardo para Bayeux é uma atitude política para reforçar e construir importantes laços de amizade com os escandinavos da região, os trazendo para a autoridade de Rouen, idéia esta reforçada pelos trabalhos de Adam Kosto “Hostages in the Middle Ages” e de Stefan Olsson “The Hostages of the Northmen: From the Viking Age to the Middle Ages” que buscam abordar o peso político e simbólico por trás do ato de se conceder e trocar reféns. Para além de laços de amizade, este trabalho trata da hipótese de Guilherme enviar seu filho para Bayeux ser um ato para atrelar o grupo familiar da dinastia de Rouen por laços de parentesco às lideranças nórdicas da Baixa Normandia. Essa ideia é reforçada pelos estudos de Helle Vogt em seu texto “The function of Kinship in Medieval Nordic Legislation” e de William Ian Miller em seu “Bloodtaking and Peacemaking: Feud, Law and Society in Saga Iceland” que ao analisarem o caso islandês perceberam no contexto escandinavo o uso do parentesco como uma ferramenta política a fim de reforçar alianças. Assim atos como casamento e enviar crianças para serem criadas por outros serviam de forma atrelar a criança e a família biológica dela por laços de parentesco com a família que a acolhia. O objetivo desta pesquisa é definir qual a natureza da passagem de Ricardo por Bayeux e qual seu valor político dentro do contexto normando de atuação, além de seu valor na expansão e consolidação da autoridade da dinastia normanda. Para isso analisaremos a obra de Dudo em conjunto com outros documentos como os Anais de Flodoardo de Reims e a Gesta Normannorum Ducum de Guilherme de Jumieges, realizando um estudo crítico destas fontes dentro deste contexto misto que a Normandia se insere, o de fazer parte tanto da esfera política de atuação escandinava quanto da carolíngia.

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Os vícios e as virtudes de Giotto a serviço do patrocinador da capela Scrovegni (1303-1305)

Michelle Maschio (Mestranda – PPGH/UFPR)

Pode-se afirmar que é ultrapassada a ideia de que Enrico Scrovegni construiu e mandou adornar com afrescos, entre 1303 e 1305, a Cappella degli Scrovegni em Pádua apenas por uma questão expiatória. De fato, a família Scrovegni e, mais especificamente, o pai de Enrico, Reginaldo, enriqueceu e ganhou fama em virtude da prática da usura. Dante situa a figura de Reginaldo n’O Inferno (XVII, 64-65) entre outros usurários. Enrico foi o único patrocinador da capela, cujo interior foi totalmente decorado com afrescos realizados por Giotto de Bondone e sua oficina. Foi cristalizada a ideia de que a capela foi construída e adornada apenas como um meio de salvar a alma do falecido pai de Enrico. O fato de que a família Scrovegni possuía uma má reputação, em decorrência da sua atividade econômica, ajudou a disseminar essa hipótese até recentemente. Contudo, é preciso observar que ainda no século XIII, houve um relaxamento da Igreja sobre a prática da usura, muito por conta da criação do Purgatório no mesmo período. Apesar de ser igualmente um monumento funerário, como consta em seu testamento, Enrico tinha pretensões mais imediatas para sua capela, que era anexa à sua residência. Ele buscava atingir uma posição política compatível com sua condição econômica, por conta disso também foi investido cavaleiro e traçou alianças matrimoniais para si e familiares. Notadamente, era o homem mais rico da região e, é possível pensarmos que alçasse ser a maior autoridade de Pádua. Giotto de Bondone faz parte da grandeza que se esperava de tal empreendimento. Seus afrescos ganharam fama e, quem os visitasse durante as festas marianas obtinha indulgências. A iconografia da capela contempla a história de Cristo, na qual Maria também é protagonista. Além do ciclo principal existe um conjunto de afrescos que representam os sete vícios e as sete virtudes. São alegorias, ou seja, são expressões figuradas de uma determinada ideia. Nesse sentido, a escolha desses afrescos para análise permite-nos perceber quais virtudes o patrocinador exaltou e quais vícios ele não pretendia estar vinculado. Aliada a nossa hipótese de que Enrico Scrovegni pretendia ascender politicamente e, que a capela não tem um objetivo expiatório, nosso principal objetivo é entender como seu patrocinador utilizou as pinturas de Giotto como um instrumento de poder e de promoção social.

O matrimônio de acordo com Las Siete Partidas – Maria de Molina (Castela – séculos XIII-XIV)

Mirja Myrcea Dennisse Churquina Corro (Mestranda – PPGH/UnB)

O matrimônio foi bastante utilizado durante a Idade Média para fins políticos. Os séculos XIII-XIV foram marcados por diversas conturbações políticas e várias estratégias foram definidas para acabar com os conflitos. Em Castela, assim como na Península Ibérica, o casamento foi uma delas. Neste trabalho, busca-se analisar o tema do matrimônio na Cuarta Partida, do conhecido texto de leis Las Siete Partidas, tomando o casamento de Maria de Molina (1260-1321) como exemplo, visto que este foi bastante afetado pelo documento jurídico. Quando Maria de Molina entra no cenário de Castela depara-se com a disputa ao trono, vendo-se diretamente afetada pelas leis impulsionadas pelo então rei D. Alfonso X. O casamento da rainha com Sancho IV (1258-1295) foi acompanhado por uma série de obstáculos que interferiram em suas ações e negociações políticas. Relacionar o casamento de Maria de Molina com tal texto jurídico nos leva aos impedimentos

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matrimoniais, que afetam diretamente a união, e às ações empreendidas para contornar o problema durante o seu período de regência. Como o casamento de Maria de Molina e o próprio reino foram afetados pelas mudanças jurídicas, são questões a serem tratadas neste trabalho. Poderiam essas leis serem ignoradas? Quais as consequências geradas pela falta de obediência às leis? Essas são algumas questões que pretendemos responder.

O tratamento dado pelos muçulmanos aos moçárabes em Al-Andalus

Nathália Velloso de Castro Costa Ribeiro (Graduanda – UERJ)

A presente pesquisa visa o estudo do processo de islamização da Península Ibérica, que teve início em 711, quando Tariq ibn Ziyad, comandante das tropas muçulmanas, saiu do Norte da África para conquistar a Hispânia, acompanhado por soldados que eram de maioria berbere. Ao longo desse processo, a cidade de Toledo transformou sua trama urbana romana-visigoda por outra de concepção islâmica, que até hoje segue viva. Já que uma parte dos muçulmanos que foram chegando se estabeleceram na parte alta, outros o fariam na zona de Vega Baja na qual também permaneceria parte da antiga povoação, uns em um processo de conversão ao islã e outros mantendo-se como cristãos. Com o estabelecimento dos omíadas na Al Andalus, o centro do poder político passou a ser Córdoba. Na organização administrativa territorial do Estado andalusi, Toledo se converteu na base militar mais importante da Fronteira ou Marca Média. Os muçulmanos permaneceram na Península Ibérica até o ano de 1492, quando aconteceu a conquista de Granada pelos Reis Católicos. E durante esses séculos muitas trocas culturais aconteceram entre cristãos e muçulmanos. Nos interessa o tema do tratamento dado aos moçárabes pelos muçulmanos na região de Al Andalus durante o processo de islamização da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XV. O tema detém como suporte de informação duas fontes. A primeira seria o “Pacto de Omar”, que foi assinado em 637 d. C. por Omar I, depois da conquista da Síria cristã e da Palestina. E aborda o conjunto de limitações e privilégios firmados entre conquistadores muçulmanos e conquistados não muçulmanos. A segunda fonte seria o Pacto de Teodomiro ou Tratado de Orihuela, um pacto entre os muçulmanos e o povo conquistado, que funcionava como um tratado de capitulação, que foi um acordo entre Teodomiro, membro da aristocracia visigoda, e Abd al-‘Aziz Ibn Musa, filho do conquistador Musa, em abril do ano 713, adquirindo para ele e os seus a condição de dimmíes o protegido do islã. Esta condição presumia a liberdade de culto e o respeito de vidas e fazendas em troca do pagamento de um imposto de capitação em moeda e espécie (trigo, cevada, vinagre, mel e azeite) segundo a condição livre ou escrava dos cristãos submetidos. O “Pacto de Omar” foi criado anteriormente à islamização da Península Ibérica e consequentemente, ao Pacto de Teodomiro ou Tratado de Orihuela. Mas podemos observar o respeito às condições de ambos os pactos na Península Ibérica durante o período de dominação muçulmana por parte de cristãos e judeus. Assim, as fontes selecionadas levam a crer que os árabes não impuseram a conversão, já que o objetivo principal era explorar economicamente a nova conquista, impondo tributos e aumentando o número de contribuintes. Além disso, não dispunham de um grande efetivo para o uso da força, por muito tempo. E também a conversão da maioria da população diminuiria a arrecadação de impostos, já que os convertidos teriam os mesmos direitos dos muçulmanos, e então, pagariam apenas o dízimo. Mas será que o tratamento dado pelos muçulmanos aos moçárabes era entre iguais? O que diferenciava os moçárabes nessa sociedade era apenas o pagamento de mais tributos em relação aos convertidos? Buscando responder a essas indagações, o objetivo desta pesquisa é conseguir provar que

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o tratamento dado pelos muçulmanos aos moçárabes não era entre iguais, e sim uma relação na vertical, o que fez com que ao longo dos anos aumentasse a insatisfação entre a população.

A vindicta contra os hereges no tratado anti-herético de frei Moneta de Cremona

Patrícia Antunes Serieiro Silva (Doutora – PPGHS/USP)

O caráter lícito da pena de morte dos hereges incorrigíveis foi um argumento bastante recorrente nos tratados anti-heréticos entre os finais do século XII e a primeira metade do século XIII, período de elaboração de instrumentos jurídicos de combate às heresias, marcado, conforme observou Raoul Manselli, por uma gradativa passagem da persuasão (persuasio) à coerção (coercitio). Entre as obras da polêmica anti-herética que abordaram a pena de morte dos hereges, destaca-se a Summa Adversus Catharos et Valdenses de frei Moneta de Cremona, frade da primeira comunidade de Pregadores de Bolonha. Composta entre 1241 e 1244, poucos anos após o envolvimento de alguns frades dominicanos em missões de natureza inquisitorial (1231-1233), a Summa visou a instrução e a preparação de seus leitores (noviços, frades, prelados, laicos) principalmente para a pregação anti-herética, em particular contra os cátaros e os valdenses, os dois principais grupos heréticos daquele momento. No XIII capítulo do quinto e último livro do tratado, dedicado ao mandamento “Não Matarás”, Moneta esboçou uma “teoria” sobre a perseguição justa e sobre o caráter lícito da vindicta em sua forma mais extrema; a punição com a morte. Ao refutar a opinião dos seus interlocutores de que a vindicta seria um pecado mortal, o dominicano tentou conciliar as virtudes cristãs fundamentais, como a caridade e a misericórdia, com as medidas coercitivas contra os hereges e outros malfeitores, à luz das Escrituras e do pensamento patrístico. O objetivo desta comunicação é apresentar alguns pressupostos, os quais, segundo o frade, conferiam legitimidade à pena de morte dos hereges e dos demais malfeitores: o ofício legítimo daquele que aplica a punição; a certeza do crime daquele que deve ser punido, evitando, assim, a morte dos justos e dos inocentes; a vindicta baseada no amor e não no ódio; a exemplaridade da pena, com o objetivo de provocar medo nos demais; a colaboração da Igreja e das autoridades seculares na perseguição e na punição dos hereges; e a responsabilidade do poder civil no exercício da vindicta e na manutenção da paz. Cotejando a suma anti-herética do frade cremonês com outros tratados anti-heréticos dominicanos e não dominicanos que abordaram a pena de morte dos hereges, verificou-se que Moneta deu continuidade à tradição polêmica sobre o tema, de base principalmente agostiniana, oferecendo, por sua formação como pregador, uma exegese mais ampla e sistematizada a favor da morte dos hereges e dos demais malfeitores. Identificou-se, ainda, no âmbito exegético, certos elementos que conferem traços específicos ao discurso do dominicano, como a preocupação com o significado dos termos, a introdução de versículos aproximados pelos vocábulos e temas, a atenção dada à interpretação bíblica feita pelos interlocutores – com a finalidade de poder melhor refutá-los – e a utilização de metáforas zoomórficas, vegetais e médico-patológicas. Conclui-se que a defesa da vindicta contra os hereges foi um assunto relevante na pregação anti-herética dominicana nos primeiros anos do ofício inquisitorial, porque, por meio de modelos, imagens e episódios bíblicos, reforçava-se a legalidade das medidas repressivas e punitivas que poderiam recorrer os agentes eclesiásticos com a colaboração das autoridades civis. Todavia, entendeu-se também que o respaldo à pena de morte dos hereges nos textos dessa natureza reforçaria mais a possibilidade de tal pena ser executada do que a recorrência sistemática da penalidade.

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“Deixo eles agora ousarem e nunca cederem, e eles logo se alegrarão em um triunfo”: a construção de uma ideia de virtuosidade bélica normanda a partir da

gesta Willelmi, de Guilherme de Poitiers (C. 1077)

Paulo Christian Martins Marques da Cruz (Mestre – PPGH/UNIFESP)

A partir de um bem sucedido processo de retomada da atividade monástica no Ducado da Normandia, especialmente no que se refere aos séculos XI e XII, e em conexão com formas de patronato exercidas por alguns duques normandos, como Ricardo I (gov. 942 – 996) e Ricardo II (gov. 996 – 1026), observou-se campo propício para a produção de escritos narrativos. Foi, pois, no interior desse processo que confeccionou-se o texto do capelão ducal Dudon de Saint-Quentin (c. 965 – c. 1035), denominado De Moribus et Actis Primorum Normanniae Ducum (c. 1015). Ao abordar temas que convergiam para a etnogênese da gens normannorum, que precisava por meio deste esforço elaborar para si uma identidade - e com isso, suas fronteiras em relação aos francos -, certos topoi retóricos se solidificaram na historiografia normanda. Com base no que compreendemos ser um núcleo central, um considerável número de outros escritos históricos foram elaborados, sobretudo a partir da Conquista Normanda da Inglaterra, ocorrida em 1066. Do corpus cronístico ligado ao processo, destacamos a Gesta Willelmi, de Guilherme de Poitiers (c. 1020 – 1090), que assim como Dudon, ocupou o posto de capelão, agora de Guilherme I da Inglaterra (gov. 1066 – 1086). Sendo a única narrativa biográfica de um governante normando, o texto ainda possui o mérito de ser a principal fonte sobre o episódio da Batalha de Hastings, clímax do processo da Conquista. A eloquência da escrita da História de Guilherme de Poitiers igualmente é fundamentada pela historiografia em vista do sensível número de referências ligadas à Antiguidade, as quais em muito, acompanham o mesmo movimento iniciado por Dudon. Alicerçado nisso, nossa pesquisa intenciona explorar como Guilherme de Poitiers, em sua escrita, colaborou para a construção e/ou reafirmação de certos valores ligados à marcialidade dos normandos. Tendo em vista tal escopo, cremos ser possível pensar que parte substancial das descrições concernentes à temática da guerra guardaria relação com a própria história vivida do autor, uma vez que este teria desempenhado função de guerreiro junto às hostes do duque Guilherme II em período anterior à tomada dos votos monásticos. Para além disso, seria importante apontar na direção da permanência de certos lugares comuns na historiografia na qual Guilherme se insere, uma vez que esperava-se que sua gesta circulasse não apenas pela corte normanda, mas também por uma territoriedade mais ampla, o que incluía a recém adquirida Inglaterra. Por conta disso, nos valemos da observação dos lugares sociais de produção deste discurso, os quais necessitam serem tomados enquanto sistema simbólico. Atentando para isso, julgamos que a utilização de referenciais antigos colaborou para a valoração de seu texto, cuja circulação poderia ser identificada pela reprodução de certos elementos em obras temporalmente distantes, mas ainda assim relacionadas ao reino anglo-normando, como teria sido o caso da Historia Anglorum (c. 1135), de Henrique de Huntingdon (1080 – 1160).

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Cultura da vergonha na sociedade inglesa do século XIV: o caso Contos da Cantuária de Geoffrey Chaucer

Rafaella Marques Farias (Graduanda – UFPE)

Ao escolher o tema da vergonha na análise dos contos do literato inglês Geoffrey Chaucer tenho em mente que a vergonha, além de descrever a própria desonra, pode se referir à emoção resultante de uma falha, podendo, então, ser considerada a partir da sua relação com o que as pessoas entendem de comportamento positivo e negativo. Assim, o emprego do conceito de “cultura da vergonha”, usado primeiramente por E.R. Dodds ao referir-se a sociedade grega, possibilita abordar um aspecto da subjetividade medieval e dos relacionamentos entre os membros da sociedade. Chaucer viveu e trabalhou no centro da vida política e da realeza, durante o reinado do rei Ricardo II, da Inglaterra. Era constantemente incumbido de trabalhos diplomáticos, o que lhe proporcionou diversas viagens, incluindo à Itália Renascentista. É nesse contexto que Chaucer trouxe para os Contos da Cantuária um engajamento humanista, além de se preocupar cada vez mais com a posição do valor interno, quer dizer, dos valores éticos de certo e errado na literatura. Seus trabalhos por muito tempo visavam um público cortês. Entretanto, quando Chaucer sai do cerne político e não mais trabalha na corte, suas obras tomam um formato mais popular e com influências antropocêntricas. As narrativas, com influências que vão desde os fabliaux franceses até os romances cavaleirescos, muitas vezes apontam para problemas sociais, colocando o ideal e a realidade lado a lado. Chaucer traz a vergonha atrelada fortemente as questões de gênero. Enquanto a vergonha para a mulher representa um alerta de algo “errado” perante seu lugar na sociedade e que precisa ser superado, para o homem a vergonha expressa-se majoritariamente no ego do indivíduo, considerado um ponto crucial para definir seu status social ou a sua identidade, e exercendo real influência nas ações dos personagens. Minha proposta, portanto, é analisar esse tema do ponto de vista psicológico, mas também antropológico. Haja vista, quando falamos de emoções, é importante entender que se nos referimos ao tema através do ponto de vista psicanalítico, corremos o risco de deixar passar o contexto social em que se expressa. Assim, explorando a bibliografia relacionada, irei me basear em definições antropológicas, como as de Scheff e psicológicas, como as de Morrison e Gilbert, com o intuito de elucidar como a vergonha age e como ela está relacionada à sociedade em que ele se insere. Será feita uma análise detalhada das narrativas de alguns contos, estabelecendo uma relação entre a conjuntura social inglesa do século XIV e a literatura de Chaucer. Para tanto, colocarei o enfoque em cinco dos Contos da Cantuária: o da esposa de Bath, o conto do médico, o conto do provedor, o conto de Chaucer sobre o Melibeu e o conto do pároco. Esses textos possuem manifestações significantes da vergonha, além de nos esclarecer sobre o pensamento de Chaucer, exemplificando as formas complexas pelas quais a vergonha é imaginada na literatura inglesa medieval tardia e identificando como é revelada a relação interna entre a experiência pessoal da vergonha e a maneira como ela é produzida em relação aos outros, seja nas esferas doméstica ou política. Portanto, entender a vergonha como elemento atormentador do indivíduo perante a sociedade baseada “no que vão dizer”, é entender as maneiras pelas quais a psicologia do que se é considerado certo e errado se molda no interior da subjetividade medieval.

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De Dani a Nortmanni: transformações na representação social dos normandos em

algumas fontes régias do período carolíngio (741 – 829)

Renan Perozini Gomes Barrozo14 (Mestrando - PPGH/UFRRJ)

Este trabalho tem como objetivo analisar as mudanças ocorridas nas representações dos escandinavos, sob a ótica de alguns textos francos do século IX, especificamente a Vita de Carlos Magno os Anais Reais Francos e os Anais de São Berto. Nesse sentido, discutirei como a historiografia trata a relação entre as representações e os possíveis contatos entre esses dois povos, envolvendo a Frísia como um importante ponto de ligação entre o continente e o Mar do Norte, servindo de base para trocas comerciais que se estenderam a relações sociais. Este trabalho terá como ponto de partida a transformação ocorrida nas relações entre escandinavos e francos que resultaram nas migrações dos primeiros para o território dos segundos, cujo recorte é tido pela historiografia como o momento das primeiras incursões. Ademais, analisarei o discurso empreendido pelos autores das fontes, tentando compreender a razão de haver uma alternância nas representações nos textos francos, ao longo do recorte temporal do final do século VIII e início do IX, cujos escandinavos são classificados a priori como Dani, alternando-se para nortmanni. O que para esta análise, marca as mudanças na forma de se relacionar desses dois povos, visto que o segundo termo, segundo a minha perspectiva, não é apenas uma característica geográfica, mas um termo negativado a partir da matriz franca. A articulação teórica do trabalho possui como referencial os conceitos de representação social e retórica da alteridade de François Hartog. Compreendendo desta forma, que os autores dos discursos possuem uma matriz diretriz relativamente comum e para representar os normandos, faz-se necessário um trabalho de tradução das características para a realidade franca, generalizando e posicionando os dois povos, no que ele chama de fronteira da alteridade. Para a compreensão da matriz diretriz comum, utilizarei as discussões propostas pelo conceito de Brian Stock de comunidades textuais, estabelecendo desta forma a relação entre os textos escritos em diferentes momentos, mesmo que sem uma formação comum dos autores. Assim, embora as fontes façam parte do recorte carolíngio, uma das hipóteses que tentarei defender no trabalho é que os discursos são formas de disputas internas e que os escandinavos são mecanismos de legitimidade desses discursos.

Visões da morte: revisitando a iconografia da peste negra no século XXI – iniciando uma pesquisa

Rodrigo de Carvalho Conceição15 (Mestrando - PPGEH/UFRJ)

O presente trabalho está relacionado a uma pesquisa ainda em fase inicial e vinculada ao Programa de Estudos Medievais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a coordenação da Profa. Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva, nosso objetivo é propor uma discussão sobre o tema da morte, em perspectiva histórica. Durante o levantamento de filmes de temática medieval para concluir a monografia do curso de História, percebemos que em alguns deles é recorrente a referência à Peste Negra e às formas

14 Orientado pelo Dr. Marcelo Santiago Berriel.

15 Colaborador do Programa de Estudos Medievais/UFRJ. Professor da SEEDUC-RJ e da Prefeitura Municipal de Itaguaí.

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como as pessoas do medievo lidavam com a epidemia. Pretendemos analisar, a partir da visão que o homem medieval tinha da mortandade, como esse olhar catastrófico foi traduzido através da arte, principalmente das artes plásticas. Utilizaremos como fontes principalmente as obras de "O Triunfo da Morte" (1563) do holandês Pieter Brueger assim como a outra obra imagética “São Roque curando a Praga”, de Tintoretto (1549). Nosso interesse nessas obras está em verificar o eco da Peste no Século XVI e assim comparar com a época atual e perceber se ainda hoje tais iconografias impactam seus observadores no processo de fruição artística. Para ilustrar nossa discussão utilizaremos, principalmente, os livros “Ano 1000 ano 2000 – na pista de nossos medos”, de Georges Duby , “História da Idade Média – Textos e Testemunhas” de Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez, “Decameron” de Giovanni Boccaccio, “A Civilização Feudal – do ano mil à colonização da América” de Jérome Baschet e “A Grande Mortandade” de John Kelly.

Romanitas versus christianitas: o papado de Gregório Magno (590 - 602) e as relações de poder entre Império e Igreja na Antiguidade Tardia.

Rodrigo Fernandes Vicente16 (Graduando – Unifesp)

Dos ocupantes do trono de São Pedro durante o período que convencionou-se chamar de Antiguidade Tardia, o papa Gregório I (também conhecido como Gregório Magno ou Gregório, o Grande) é um dos nomes que mais se destacam; não somente por conta da sua produção teológica expressiva, mas também porque se mostrou um político hábil à frente da cidade de Roma lidando com as políticas Imperiais e eclesiásticas de Constantinopla e defendendo os interesses da sua Sé. É em Gregório Magno que vamos ver um dos primeiros conflitos entre a noção de Romanitas e de Christianistas dentro da Igreja latina; em um cenário onde o Império Bizantino se mostrava mais preocupado em defender as fronteiras orientais dos Persas, deixou a Península Itálica e sua antiga capital em posição frágil. Gregório teve que lidar constantemente com o perigo de um novo ataque lombardo à Roma já que, com a invasão lombarda de 568-69, esses se tornaram os principais senhores da Itália obrigando Gregório - em alguns casos - a gastar o tesouro da Igreja para reforçar o aparato defensivo de Roma e de Nápoles. Apesar de valorizar o Império Bizantino e de reconhecê-lo como o legítimo Império Cristão, Gregório foi hábil em enviar missões para a evangelização dos lombardos e de projetar o poder da Igreja Latina com a missão de Cantuária para a conversão dos anglo-saxões. Gregório, dotado de grande astúcia, soube lidar com as constantes tragédias ocorridas na Roma de seu tempo (guerras, saques, pestes) sem perder de vista o trabalho pastoral e a afirmação da Sé de São Pedro como o centro legítimo da Christianitas. Conforme Robert Markus menciona, não devemos olhar para as fontes gregorianas como um “tratado político” de época, pois em várias situações Gregório agiu de modo divergente de seus escritos. A Regula pastoralis e as Homilias sobre Ezequiel são úteis nesta pesquisa, pois demonstram a vontade de Gregório em fazer a Igreja latina atuante e missionária frente às investidas universais do clero de Constantinopla. Liber Regulae Pastoralis (ou Livro da Regra Pastoral), a principal fonte deste trabalho, foi um tratado escrito por Gregório um ano após a sua consagração como bispo de Roma em 590. É reconhecidamente uma das obras mais influentes do seu tempo, sendo um caso raro para uma obra latina que foi traduzida para o grego logo após a sua publicação. Tal como alguns eminentes líderes espirituais que o precederam (neste caso cito Gregório Nazianzeno e Agostinho de Hipona, bispos e grandes influências para

16 Orientado pelo Prof. Dr. Fabiano Fernandes.

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Gregório), a Regra pastoral se distingue não só por ser um guia de como agir no trabalho comunitário, mas sim por definir os tipos daqueles que não estavam aptos para a vida pastoral – fazendo Gregório uma profunda análise de tipos de pastores e de fiéis. A questão que indaga este presente trabalho é que a Regra não só se faz importante somente por sua ressonância (inovadora para um texto latino da época) no Oriente, mas sim porque serviu como um importante instrumento para Gregório Magno projetar o poder de Roma entre os bispos cismáticos dos Três Capítulos e fora das fronteiras da romanitas.

Inferno de Dante Alighieri: imaginário e discurso sobre o suicídio na obra a divina comédia no século XIV

Saulo Breno Souza Silva

O presente trabalho objetiva analisar o discurso e o imaginário medieval em torno do suicídio na obra a Divina Comédia. Pesquisa essa localizada no estudo das mentalidades, que para Jacques Le Goff se refere àquilo que o homem tem em comum com seus contemporâneos em relação ao seu cotidiano e suas atitudes automáticas revelando seus pensamentos (LE GOFF apud CHARTIER, 1990). Hilário Franco Junior afirma que os sonhos, os pensamentos e suas expressões nos revelam um pouco das estruturas imóveis da sociedade, o que chamamos de História faz parte de uma parcela mínima da existência humana, que por mais violentas que sejam as ondas dos eventos históricos, ainda assim não alteram as bases mentais que vem desde o início da humanidade (FRANCO JUNIOR, 2001). O documento utilizado como fonte primária é a Divina Comédia, uma obra dividida em três partes, inferno, purgatório e paraíso. A parte utilizada é a primeira parte, Inferno, onde o foco do trabalho será uma análise do sétimo circulo onde podemos observar o castigo de um suicida. A Divina Comédia foi escrita para moralizar as pessoas nos últimos séculos do medievo. Além disso, foi usada como forma de manutenção do domínio da Igreja Católica que estava dentro de um período de transformações sociais. Pode se observar no escrito a concepção do universo do homem medieval, onde o inferno seria um agrupamento de pessoas sentenciadas ao sofrimento eterno por não cumprirem os mandamentos cristãos. Destarte, a sociedade medieval revela-se como sendo altamente simbolista, onde tudo é um símbolo a ser decifrado e que o mundo espiritual e intrínseco na realidade cotidiana do medievo. Johan Huizinga acrescenta que o verdadeiro caráter de um período histórico mostra-se melhor na sua maneira de encarar e manifestar em seu dia a dia do que nas expressões filosóficas e científicas (HUIZINGA, 2011). Kaliny Vanderley Silva e Marciel Henrique Silva, explicam que diferente dos fatos que ocorrem depressa, a cultura permanece imóvel, e suas mudanças são lentas a ponto de serem quase imperceptíveis. O imaginário de uma época é o esboço de como serão construídas as relações de uma determinada sociedade (VANDERLEY SILVA; SILVA, 2009). Vamos usar os estudos de Émile Durkheim sobre o suicídio para fundamentação teórica, para melhor compreender a seguintes questões: O que poderia levar a alguém a por término a própria vida dentro da sociedade medieval? Qual era o imaginário sobre o além-tumulo do suicida? E qual a visão dos indivíduos sobre um suicida? Para melhor analisar o documento, usamos a metodologia da analise de discurso descrita por Eni Orlandi, que afirma que esta analise em compreender não a estrutura do texto, mas do que se fala no texto (ORLANDI, 2003, p. 15). A hipótese e que a sociedade da época, passava por mudanças profundas e que as mesmas transformações afetavam o psicológico dos indivíduos da Idade Média, pois para Johan Huizinga a Europa passava por um período melancólico, era um momento de muitas guerras e fome que foi agravada pela peste (HUIZINGA, 2011). Com isso, na analise do documento textual podemos melhor entender a mentalidade do homem dessa época. A sociedade da baixa Idade média enfrentava transformações em diversas áreas e o

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fenômeno do suicídio é apenas um dos sinais dessas transformações, entender o ato de suicídio ajudar a entender o período medieval.

Poder e combate ao catarismo no Languedoc (século XIII): pontuamentos sobre as ações do bispo de Toulouse

Silvio Augusto da Silva Ramos Júnior17 (Graduando-UFPA)

Esta pesquisa visa investigar a atuação do bispo Fulco, titular da diocese de Toulouse entre 1205 e 1231 (SCHULMAN, 1998), no combate aos hereges conhecidos por cátaros ou albigenses. Possui como objetivo evidenciar a forma como se deu a atuação do bispo de Toulouse no referido combate, seguindo o recorte temporal de 1210 a 1216, além de atentar não somente à pluralidade dos meios de combate aos cátaros, como também levantar hipóteses quanto às motivações daquele bispo. A metodologia adotada possui referencial teórico na concepção foucaultiana acerca da criação de verdade. Segundo Foucault, “entendo por verdade o conjunto de procedimentos que permitem a cada instante e a cada um pronunciar enunciados que serão considerados verdadeiros” (FOUCAULT, 2006, p. 233). Em outras palavras, a verdade é algo produzido e está longe de ser universal. Ela é fruto das constantes relações de poder, que ao ser estabelecida/enunciada acaba por produzir mais poder, à medida em que para ser respeitada, necessita de condicionantes que a tornam verdadeiras, bem como objetivam-se a atender os anseios de quem a produz. Possui como direcionamento metodológico a proposta de Silva (2015) em relação à pesquisa histórica em fontes textuais medievais, sobretudo levando em consideração as técnicas de levantamento de dados por ela apresentadas e as diferentes etapas constituintes de uma pesquisa. O arcabouço documental constitui-se em duas fontes históricas editadas e publicadas em formato de livro; a primeira, Histoire de la Croisade Contre les Hérétiques Albigeois (1837), traz um compilado de informações em forma de verso sobre a Cruzada Albigense; e a segunda, Libellus de Principiis Ordinis Praedicatorumi (1947), de autoria do beato dominicano Jordão da Saxônia, retrata os agentes e fatores que influíram na criação da Ordem dos Frades Pregadores. Ambas, trabalhadas junto a uma importante bibliografia selecionada, no qual faço destaque à tese de doutorado de Schulman (1998), contribuíram ricamente aos objetivos propostos pela presente pesquisa. No entrelace entre a bibliografia e fontes históricas consultadas, as informações mapeadas levam Fulco rumo ao perfil de bispo intermediador, além de que, nos atenta sobre um bispo possivelmente interessado em pontuais beneficiamentos próprios e à sua diocese. Outro importantíssimo ponto de destaque são os próprios mecanismos adotados pelo referido bispo, que se constituiu nas duas principais frentes do combate às heresias medievais: o campo religioso e o campo bélico. No primeiro, têm-se claras intermediações do referido bispo em prol de Domingos de Gusmão. No segundo, também há uma dinâmica intermediadora, só que não mais envolvido nos trâmites religiosos, mas sim para o campo bélico, com beneficiamentos tanto a Simon de Montfort, líder campal da Cruzada Albigense, como ao próprio exército dos cruzados. Como ficou claro na documentação, Fulco preocupou-se em dar bases para que o combate pudesse ter continuidade e talvez não por acaso, após a subida de Montfort ao poder do condado de Toulouse, ele passou a ocupar uma posição de poder interessante a ponto de incorporar uma série de reformas em sua diocese, nos levando a questionar: Afinal, Fulco estivera interessado somente em combater

17 Bolsista PRODOUTOR.

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os cátaros?

Identidade e masculinidade em Bono Coniugali e Sancta Virginitate de Aureliano Agostinho: o caso dos eunucos (401-412)

Silvio Romero Tavares Neiva Coelho (Graduando – UFPE)

Durante o século V da Era Comum, o cristianismo primitivo foi marcado por extensos debates que tocam em questões de gênero e sexualidade. No bojo destas discussões, são escritos por Agostinho de Hipona os dois tratados doutrinários cuja análise é aqui pretendida: Bono Coniugali e Sancta Virginitate (401-412). Ambos fazem parte do mesmo projeto e, por isso, serão analisados conjuntamente. Foram escritos sob o contexto da tentativa de construção de uma ortodoxia nicena, estabelecendo fortes diálogos sobretudo com a Querela Jovinianista, problemática a qual o Hiponense se dedica. No decorrer dos textos, é estabelecida pelo bispo norte-africano uma hierarquia entre continente, aquele que se mantivesse casto, e coniugali, aquele que vivesse em matrimônio. Na tentativa discursiva de diferenciar ambos, a questão dos eunucos é tangenciada. O presente trabalho pretende mostrar como, ao usar dos eunucos como ferramenta argumentativa na tentativa de estabelecer uma ética limitante de sexualidade baseada em identidades ontologicamente atribuídas, Agostinho de Hipona acaba trazendo à tona uma masculinidade subalterna. A metodologia adotada será a análise discursiva dos documentos citados, compreendendo discurso como “uma representação culturalmente construída pela realidade, não uma cópia exata”, conforme definição estabelecida por Michel Foucault em Arqueologia do Saber. Do mesmo autor, ainda serão utilizadas, como ferramentas teóricas, as questões levantadas nos primeiro e quarto volumes de História da Sexualidade, em especial o dispositivo de sexualidade e as questões sobre filosofia cristã. Recorrerei teoricamente também às reflexões sobre masculinidade de Raewyn Connell, em especial o conceito de masculinidade hegemônica, e à Teoria Queer, buscando compreender gênero e sexualidade para além de uma lógica de produção cultural heteronormativa e binarizante. Um último conceito que toma importância é de corporeidade tal qual pensado pelo teólogo brasileiro André Sidnei Muskopff, utilizado sobretudo no entendimento da relação Sexualidade-Corpo-Divino.

Nas Fronteiras Entre Dois Mundos: A versão Árabe da Conquista Ibérica

Stefany do Carmo Previdelli de Oliveira (Mestranda – PPGHS/USP)

Partindo do século VIII, a Península Ibérica serviu de fronteira entre o Mundo Cristão e a área de influência islâmica, que se espalhava rapidamente desde o século VII. É um momento de transformação onde diversos povos passam a conviver entre si, uma vez que não há uma efetiva expulsão daqueles que habitavam anteriormente a localidade. O intuito dessa pesquisa é apresentar a visão árabe da conquista da Península Ibérica, através da análise comparativa de duas crônicas: ”A Conquista de Andalus segundo o relato de Àbdumalik Bin Habib (m.238 H./853 d.C.)” e “A crônica do Pseudo-IBN Qutayba, do Século IX, sobre a Invasão da Península Ibérica”. Observamos desse modo, como o processo de dominação teve início a partir da perspectiva islâmica, revelando assim detalhes da própria cultura dos dominadores recém chegados e como ambos os relatos se complementam,

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resultando numa visão mais ampla do momento apresentado. Busca-se estudar não somente os documentos textuais em si, mas também o gênero em que este se insere garantindo, portanto, uma análise do discurso e suas possíveis influências e, por fim, aborda-se a questão da construção da memória do período na região. Assim, nesses aproximadamente 800 anos de convivência entre as culturas judaica, cristã e islâmica, observa-se um fenômeno importante, onde Oriente e Ocidente coabitam uma mesmo lugar e como resultado, temos o acréscimo de características únicas que garantem a constituição da identidade regional.

Uma peregrinação pelo mundo desconhecido em tempos de Cruzadas: o ver e ouvir dizer de Benjamin ben Ioná de Tudela (século XII)

Taís Nathanny Pereira da Silva (Graduada - PUC Goiás)

O homem medieval raramente viaja por prazer ou por diversão, ele se move sempre pensando em um objetivo, impulsionado por uma ânsia espiritual, por uma necessidade econômica ou por exigências próprias de seu trabalho (MAZZI, 2018, p.19). Nesse sentido, poderíamos chamar propriamente de viagem este ir de um lugar para o outro motivado exclusivamente por uma necessidade material ou espiritual? Em um mundo como o medieval, em que raramente se viaja por gosto ou por puro desejo de aventura, é necessário distinguir o que é viagem e um mero deslocamento ou uma migração. Nesses casos o viajante seria apenas uma “parte”, um meio para unir os pontos de partida e chegada. Os diversos registros de viagens medievais, mesmo apresentando características e propósitos multifacetados, recorreram a um conjunto de recursos narrativos e descritivos em comum, resultando na formação de um gênero literário diversificado que é denominado como livros de viagens medievais. Esse gênero mescla o discurso documental com o discurso literário, os livros de viagens medievais são uma fonte para entender a concepção de mundo e de realidade na Idade Média e, também, permitem conhecer diversas informações e dados acerca do período. Esta pesquisa visa contribuir com os estudos sobre um fenômeno histórico multifacetado e instigante como as Cruzadas. Para isso, trabalharemos com uma fonte documental do período, O Itinerário de Benjamin de Tudela. Após viajar pela região que hoje conhecemos como Oriente Médio, entre a Segunda e a Terceira Cruzada, Benjamin ben Ioná de Tudela registrou por escrito suas vivências e os eventos que chamaram sua atenção. Ao falarmos que estamos lidando com relatos de viagens medievais, o recorte que propomos diz respeito a um texto que descreve as experiências vividas e informações coletadas de terceiros no intuito de comunicar algo, de levar essas informações a um público específico. Não é de se surpreender que os judeus tenham se mostrado particularmente fascinados com as histórias acerca de seus conterrâneos distantes, principalmente após o alargamento dos horizontes geográficos que, concomitante com a ampliação do comércio internacional e o crescimento da curiosidade científica em outras terras e povos contribuíram com a popularização dos diários de viagem judaicos e não judaicos. As desavenças com cristãos e muçulmanos levavam esse povo a se interessar sempre que ouviam que em algumas regiões ainda existiam tribos judaicas que não eram sujeitas à dominação estrangeira. Propomo-nos em investigar como R. Benjamin caracteriza as muitas comunidades judaicas com as quais travou algum contato e buscou apreender, a partir disso, os mecanismos de identidade a alteridade operando no interior de sua própria religião. R. Benjamin tem um grande interesse pelo mapeamento das comunidades judaicas, dos centros de estudo e dos lugares pelos quais passa. Seu relato das cidades costuma trazer informações a respeito da demografia judaica, dos centros de

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estudos e suas principais figuras, além de qualquer outra informação que diga respeito a uma comunidade especifica e que o autor julgue pertinente mencionar.

Uma proposta de análise da Gesta Normannorum de Dudo de Saint-Quentin como solidificação do processo de etnogênese da Gens Normannorum nos séculos X e XI

Thiago Natário

A longevidade da Normandia como unidade política de origem viking fora da Escandinávia, além da extensão e sucesso das conquistas que partiram de tal território nos séculos XI e XII, fez dos normandos um dos povos mais estudados e debatidos na historiografia medieval. Uma das principais discussões centra-se justamente em torno da questão de até que ponto os normandos de fato constituíram um povo, uma gens, distinguível e longeva, ou sua definição como tal tratou-se de um mito propagado por seus vários duques ao longo de sua história. A farta tradição historiográfica normanda ao longo da existência do ducado, que conta com várias obras de clérigos mais ou menos ligados à corte ducal, propiciou e enriqueceu discussões envolvendo a escrita da história por parte dos normandos e percepções ou elaborações de seu caráter distinto enquanto um povo. Desde pelo menos os anos 1970, inúmeros trabalhos, principalmente em língua inglesa e francesa, debateram tal questão, com destaque para o livro The Normans and Their Myth (1976), de R.H.C. Davis, o qual propõe a criação de um mito de gens normanda em meio ao declínio de seu poder no século XI, a partir da História Eclesiástica de Orderico Vital, e o artigo The Gens Normannorum – Myth or Reality? (1981) de Graham Loud, propondo a ocorrência da criação de uma ideia de normannitas já ao início do século XI. Nos anos 1980, 1990 e início dos anos 2000, a principal discussão envolvendo este primeiro período normando, os séculos X e XI, centrou-se na questão da maior disrupção ou permanência de políticas e de uma cultura de origem franca no ducado normando. A partir da década de 2010, contudo, pesquisas sobre o estabelecimento da Normandia e seus primeiros governantes têm girado cada vez mais em torno de uma percepção da gens normannorum como uma criação política dos próprios líderes rollonidas, em busca de uma galvanização de vários grupos heterogêneos em torno de si. Central neste processo teria sido a Gesta Normannorum (ou Historia Normannorum) de Dudo de Saint-Quentin, escrita no início do século XI sob a corte Rouennais de Ricardo II (996 – 1026). A extensa obra do cônego originário da Picardia narra o estabelecimento e consolidação da Normandia no século X a partir dos feitos de seus três duques, derivando a partir deles a noção de um grupo distinto dos francos e dos vikings, uma gens normannorum. O debate, entretanto, continua em aberto: quando, como e por que teria dado-se a constituição retórica de uma identidade normanda? Em busca de possíveis respostas a tal pergunta, propomos, em adição a estas pesquisas já existentes relacionando a obra ao contexto político que a originou, um referencial teórico que englobe também as ricas e extensas análises sobre os processos de etnogênese na Antiguidade Tardia e Alta Idade Média. Tese defendia por Reinhard Wenskuse e seguida por vários outros historiadores desde então, a etnogênese propõe analisar a criação ou consolidação das várias gentes tardo-antigas como, por exemplo, os francos, visigodos e lombardos, como processos políticos que visavam dar centralidade a certos grupos governantes, irradiando uma identidade para os diversos grupos heterogêneos que compunham seus regna. É nosso entendimento e proposta, portanto, que a criação de uma identidade distintamente normanda seja um processo de fins de século X e início do século XI, um instrumento de poder da dinastia rollonida visando à consolidação e legitimação de seu domínio sobre o território normando. Assim, a obra de Dudo pode ser entendida dentro deste panorama e tradição historiográfica, como a culminação de um processo de consolidação e de inserção tardia da “bárbara” gens normannorum na christiana ciuitas do século XI.

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Uma história medieval global? Reconfigurações do espaço-tempo de um passado em disputa

Thiago Pereira da Silva Magela18 (Doutorando – PPGH/UFF)

Esta comunicação trata-se de uma primeira aproximação ao tema e objeto de nosso futuro projeto de pós-doutorado. Neste pretende-se analisar o papel do comércio no modo de produção feudal. O intercâmbio medieval desde o livro Maomé e Carlos Magno de Henri Pirenne é tratado como exceção e/ou pouco importante para a dinâmica do modo de produção, e o seu maior afluxo é entendido como anúncio do fim do modo de produção feudal. Entretanto, a perspectiva da História Global tem redimensionado o papel do comércio no mundo medieval. Assim, esta comunicação se insere no bojo de trabalhos como os de Janet Abu-Lughod. Para esta autora, no sistema feudal, entre 1250- 1350, a economia era constituída por um intercâmbio global que ligava Europa, Oriente Médio, norte da África, o subcontinente indiano e a Ásia Oriental. Porém, este sistema não possuía um centro dominante tendo em vista que cada região era especializada em produtos diferentes, e não existia um império global. Contudo, este sistema de trocas econômicas entra em colapso com a peste negra, e se reestrutura no século XVI, sob novos moldes, o que tornou possível a dominação europeia transformando as outras regiões, pouco a pouco, em periferias de seu sistema econômico. Seja como for, nos interessa nesta comunicação avaliar como a História (medieval) global pode contribuir para reescrever e/ou repensar a metanarrativa eurocêntrica sobre a sua hegemonia em nível global, procurando assim contribuir para desnaturalizar uma Idade Média europeia triunfante tão idealizada por extremismos de direita contemporâneos. Essa comunicação trata-se de uma primeira análise crítica da bibliografia sobre a história global medieval. Desta maneira, pretendemos analisar aspectos como as influências teóricas, contexto de produção das obras, metodologias de análise, e a explicação econômica empregada.

Os sonhos na obra “Vida de Macrina”, de Gregório de Nissa

Yasmin Bermudo Lyra (Graduanda- UNIRIO)

Gregório de Nissa (335-394 d.C) e Macrina, a Jovem (324-379 d.C) são irmãos que fazem parte de uma família nobre e fortemente cristã da região do Ponto, em Neocesaréia. Enquanto Gregório se dedica primeiramente a uma vida de retórica e depois ao trabalho mais ativo no bispado de Nissa, Macrina, a Jovem, após a morte de seu pai, Basílio, o Velho, constrói junto com sua mãe Emélia, um mosteiro feminino na região de Anési, às margens do Rio Íris. Sempre citada como mestre, professora e santa, Macrina é referência de vida ascética para Gregório, servindo de inspiração para a obra biográfica intitulada Vida de Macrina. Escrita por volta de 381 d.C, a obra aborda desde o nascimento de Macrina, a Jovem até o dia de sua morte. O porquê de Gregório escrever sobre sua irmã já é exposto no começo do livro, em que explica que essa obra é uma resposta a uma conversa anterior que teve em Jerusalém com o Monge Olímpio. Tudo indica que, a pedido do monge para

18 Membro do Translatio Studii — UFF.

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que a história de Macrina não seja perdida, Gregório relata como sua irmã conseguiu, através da filosofia, evoluir para um puro estado de virtude do corpo e da alma. Dentro dessa obra Gregório nos conta dois sonhos proféticos que envolvem a vida de sua irmã. O primeiro é sobre seu nascimento e o segundo sobre sua morte. É interessante reparar que os sonhos não são de Macrina e sim sobre ela, tidos por pessoas próximas: o primeiro sendo de sua mãe, Emélia, e o segundo de seu irmão, Gregório de Nissa. Sendo o século IV conhecido como o século dos sonhos, é de fundamental importância entender como a religião cristã tratou e significou o pensamento onírico. A metodologia utilizada foi baseada na obra Análise do Discurso: princípios e procedimentos da autora Eni Orlandi. Os dois sonhos descritos por Gregório de Nissa serão analisados de três maneiras diferentes, análise das condições de produção, análise dos processos discursivos e análise da objetividade do texto. Ao passar por essas análises, o discurso de Gregório nos ajuda a refletir sobre o significado dos sonhos dentro do cristianismo oriental do século IV e de como eles foram usados dentro da obra “Vida de Macrina”. Levando em conta o contexto religioso onde Gregório e Macrina viveram, busco analisar os sonhos descritos na obra como sendo fundamentais para a construção da figura sagrada de Macrina. Por que Gregório utilizou sonhos proféticos? Qual é o peso que eles exercem na santidade de Macrina? Ele utiliza sonhos proféticos para confirmar a ligação de sua irmã com Deus desde o nascimento até o momento da morte. O sonho do nascimento de Macrina é utilizado para enfatizar a ligação que ela tinha com Deus mesmo antes de estar nos braços de sua mãe: o sonho serviu para mostrar que toda a futura vida virginal da menina já estava designada por Deus; e no segundo sonho, que prevê sua morte, o corpo moribundo de Macrina passa a ser visto como relíquias de um mártir, sua alma pura como um espelho que brilha e reflete a luz divina afirmando, então, que ela foi santa em sua vida terrena.