“é o índio, é o índio, é o índio! é o...

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1 “É O ÍNDIO, É O ÍNDIO, É O ÍNDIO! É O GUERREIRO DA GALERA!” A questão da identidade indígena na Aparelhagem Tuxaua 1 Jairo da Silva e Silva 2 Neusa Gonzaga de Santana Pressler 3 RESUMO Solta, solta a flecha”, “É o guerreiro da galera”, “O som que faz a tribo dançar”, são alguns dos tecnomelodys mais conhecidos e tocados na aparelhagem Tuxaua, da cidade de Barcarena, e que influenciam a seus adeptos a assumirem uma identidade indígena, através da mediação perfomática e discursiva do dj e/ou das letras dos tecnomelodys com esta temática. Temos o objetivo de analisar a questão da identidade indígena nesta aparelhagem e identificar elementos que aludem a hibridismo cultural. Para tanto traremos alguns recortes bibliográficos de nossa dissertação de mestrado que aborda esta temática, onde mostraremos que, enquanto muitos vêem estes enunciados como estereótipo do homem amazônida como um índio “primitivo”, “selvagem”, evidencia-se que, os freqüentadores desta aparelhagem, assumem tal identidade. Palavras-Chave: identidade indígena; aparelhagem; hibridismo cultural. Estereótipos indígenas Em sua tese de doutorado, intitulada A invenção do índio e as narrativas orais Tupi (2009), a professora Ivânia dos Santos Neves, ao usar o termo invenção do índio, discute sobre a origem dos estereótipos indígenas . De acordo com a autora: Podemos entender que se trata de uma falsificação forjada pelas relações de poder do sistema colonial, que instituiu um índio genérico, antropófago, sem roupa, sem conhecimento e de mentalidade primitiva. (NEVES, 2009, p. 28) Assim, os estereótipos em relação ao índio se originaram no discurso dos colonos que qualificaram tanto as línguas, culturas e organizações indígenas inferiores a do homem branco, o europeu. Este equívoco ainda é reproduzido em muitas esferas da sociedade, pois ainda encontramos a visão estereotipada de um índio “selvagem”, “animalesco”, “primitivo”, 1 Trabalho apresentado no GT Nº 04 Música, meios, media: convergências e divergências, durante o I CLIC: Culturas, Linguagens e Interfaces Contemporâneas, realizado na Universidade Federal do Pará, de 27 a 30 de setembro de 2011. 2 Mestrando em Comunicação, Linguagens e Cultura. Universidade da Amazônia - UNAMA. E-mail.: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Doutora em Ciência Socioambiental pela UFPA. Professora da Universidade da Amazônia. - UNAMA. E-mail: [email protected]

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“É O ÍNDIO, É O ÍNDIO, É O ÍNDIO! É O GUERREIRO DA GALERA!”

A questão da identidade indígena na Aparelhagem Tuxaua1

Jairo da Silva e Silva

2

Neusa Gonzaga de Santana Pressler 3

RESUMO

“Solta, solta a flecha”, “É o guerreiro da galera”, “O som que faz a tribo dançar”, são alguns

dos tecnomelodys mais conhecidos e tocados na aparelhagem Tuxaua, da cidade de

Barcarena, e que influenciam a seus adeptos a assumirem uma identidade indígena, através

da mediação perfomática e discursiva do dj e/ou das letras dos tecnomelodys com esta

temática. Temos o objetivo de analisar a questão da identidade indígena nesta aparelhagem e

identificar elementos que aludem a hibridismo cultural. Para tanto traremos alguns recortes

bibliográficos de nossa dissertação de mestrado que aborda esta temática, onde mostraremos

que, enquanto muitos vêem estes enunciados como estereótipo do homem amazônida como

um índio “primitivo”, “selvagem”, evidencia-se que, os freqüentadores desta aparelhagem,

assumem tal identidade.

Palavras-Chave: identidade indígena; aparelhagem; hibridismo cultural.

Estereótipos indígenas

Em sua tese de doutorado, intitulada A invenção do índio e as narrativas orais Tupi

(2009), a professora Ivânia dos Santos Neves, ao usar o termo invenção do índio, discute

sobre a origem dos estereótipos indígenas . De acordo com a autora:

Podemos entender que se trata de uma falsificação forjada pelas relações de poder

do sistema colonial, que instituiu um índio genérico, antropófago, sem roupa, sem

conhecimento e de mentalidade primitiva. (NEVES, 2009, p. 28)

Assim, os estereótipos em relação ao índio se originaram no discurso dos colonos que

qualificaram tanto as línguas, culturas e organizações indígenas inferiores a do homem

branco, o europeu. Este equívoco ainda é reproduzido em muitas esferas da sociedade, pois

ainda encontramos a visão estereotipada de um índio “selvagem”, “animalesco”, “primitivo”,

1 Trabalho apresentado no GT Nº 04 – Música, meios, media: convergências e divergências, durante o I CLIC:

Culturas, Linguagens e Interfaces Contemporâneas, realizado na Universidade Federal do Pará, de 27 a 30 de

setembro de 2011. 2Mestrando em Comunicação, Linguagens e Cultura. Universidade da Amazônia - UNAMA. E-mail.:

[email protected] 3 Orientadora do trabalho. Doutora em Ciência Socioambiental pela UFPA. Professora da Universidade da

Amazônia. - UNAMA. E-mail: [email protected]

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“bicho”, etc, em livros didáticos, cinema, televisão, literatura, rede sociais, música, por que

não se dizer também, na academia? Ou em entre outros segmentos que produzem ideologia e

discurso, reproduzindo-os de forma que não coaduna com o real sentido do que significa ser

indio. Para Bhabha (2005, p. 117), “O estereótipo não é uma simplificação por que é uma

falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa,

fixa de representação.” No entanto, estudiosos do assunto, evidenciam que atualmente,

apesar de muitas ideias pré-concebidas, esta situação, ainda que timidamente, está sendo

substituida por outro aspecto, o orgulho de ser indígena.

Identidade indígena: “orgulho de ser o que se é”.

No Brasil, dentre os estudiosos que teorizam sobre a identidade indígena e o orgulho

em sê-lo, especificamos a Gersem José dos Santos Luciano, que é índio Baniwa, atualmente é

doutorando em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. Um fato curioso que

observamos no currículo lattes de Gersem Luciano seu conhecimento em idiomas, pois para

demostrar sua proficiência em línguas indígenas, teve que optar pela opção outros idiomas, o

que pode exemplificar a discriminação até na academia.

Em 2006, Luciano publica o livro O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre

os povos indígenas no Brasil de hoje, como indígena e militante da causa, apresenta a

significação do que é ser índio nos dias atuais, na introdução:

Este livro é uma tentativa de abordar questões que envolvem autoidentificação, auto-estima, auto-representação e autoprojeção dos índios diante de si mesmos e

da sociedade de uma maneira geral. As idéias estão baseadas na experiência de

vida e de trabalho junto a centenas de lideranças, comunidades e povos indígenas

com os quais tive a oportunidade e o privilégio de partilhar desafios e conquistas,

tristezas e alegrias, derrotas e vitórias, como foram as importantes conquistas

relativas aos direitos indígenas na Constituição Brasileira em vigor. (LUCIANO,

2006, p. 19)

Assim, no primeiro capítulo de seu livro, na primeira parte, Luciano apresenta a

questão da identidade indígena, mostrando o aspecto histórico da situação, de como a

sociedade brasileira idealiza a o índio, de um lado o estereótipo romântico do índio ingênuo,

“bobo”, ligado à natureza, e de outro lado a visão do estereótipo “diabólico” (selvagem, cruel,

malvado, bárbaro, traiçoeiro...). Na segunda parte, apresenta a orgulho de ser índio, “...é

identidade indígena e orgulho de ser índio. É ser o que se é.” (LUCIANO, 2006, p.38), evoca

a diversos fatos históricos que legitimam a a identidade indígena como identidade poltíca

simbólica que articula, visibiliza e acentua as identidades étnicas de fato. Segundo o autor:

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O reconhecimento da cidadania indígena brasileira e, conseqüentemente, a

valorização das culturas indígenas possibilitaram uma nova consciência étnica

dos povos indígenas do Brasil. Ser índio transformou- se em sinônimo de

orgulho identitário. Ser índio passou de uma generalidade social para uma expressão sociocultural importante do país. Ser índio não está mais associado a

um estágio de vida, mas à qualidade, à riqueza e à espiritualidade de vida. Ser

tratado como sujeito de direito na sociedade é um marco na história indígena

brasileira, propulsor de muitas conquistas políticas, culturais, econômicas e

sociais. (LUCIANO, 2006, p. 38-39)

O autor afirma que os índios de hoje estão vivendo um momento especial, que depois

de 500 anos de muito sofrimento, opressão, perseguição, massacre, escravidão, hoje vivem em

condições “melhores” de existência.

Culturas e tradições estão sendo resgatadas, revalorizadas e revividas. Terras

tradicionais estão sendo reivindicadas, reapropriadas ou reocupadas pelos

verdadeiros donos originários. Línguas vêm sendo reaprendidas e praticadas na

aldeia, na escola e nas cidades. Rituais e cerimônias tradicionais há muito tempo

não praticados estão voltando a fazer parte da vida cotidiana dos povos indígenas

nas aldeias ou nas grandes cidades brasileiras. (LUCIANO, 2006, p. 39)

É interessante que Luciano pergunta e ao mesmo tempo responde, se este momento é

caracterizado como saudosismo:

Isto é um retorno ao passado ou puro saudosismo? De modo algum. Isto é

identidade indígena e orgulho de ser índio. É ser o que se é, como acontece com

todas as sociedades humanas em condições normais de vida. (LUCIANO, 2006, p.39)

O futuro doutor em Antropologia, encerra o capítulo afirmando que:

A reafirmação da identidade não é apenas um detalhe na vida dos povos

indígenas, mas sim um momento profundo em suas histórias milenares e um

monumento de conquista e vitória que se introduz e marca a reviravolta na

história traçada pelos colonizadores europeus, isto é, uma revolução de fato na

própria história do Brasil. (LUCIANO, 2006, p.43)

A partir destes posicionamentos, percebe-se o diálogo de Luciano com um dos grandes

nomes dos Estudos Culturais, Stuart Hall, onde afirma que a identidade “É definida

historicamente, e não biologicamente.” Ainda segundo Hall, a identidade torna-se uma

"celebração móvel": formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais

somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1997a),

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isto é, as identidades são posicionamentos que assumimos, pois são históricas, materializadas

em circunstâncias e experiências vividas.

Aparelhagens: “Tuxaua, o guerreiro da galera!”

Buscando um conceito para Aparelhagem, nos apropriamos à descrição de um dos

grandes estudiosos do assunto, o professor da Faculdade de História da Universidade Federal

do Pará, Antônio Maurício da Costa, que em sua tese de doutorado em Antropologia,

intitulada Festa na Cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará, afirma:

A definição mais simples de aparelhagem é a que considera a sua função: um equipamento de som autônomo que faz a sonorização de diversas festas. A

unidade de controle é o ponto central da aparelhagem, hoje produzida no feitio de

uma “nave espacial”, um “disco voador” que simula decolagem no ponto alto das

festas. Em geral, o equipamento é composto por uma mesa de som,

equalizadores, televisões, computadores (para a programação das músicas), letreiros eletrônicos e/ou letreiros fixos, iluminação de discoteca para a área

próxima à unidade e iluminação interna de diversos pontos do equipamento em

várias cores. Num sentido amplo, as aparelhagens são empresas familiares que

envolvem diversos funcionários específicos e equipamentos subsidiários.

(COSTA, 2006, p. 95)

Segundo Andrey Faro de Lima, em sua dissertação de Mestrado em Antropologia

Social, intitulada É a Festa das Aparelhagens! - Performances Culturais e Discursos Sociais,

sobre a quantidade de aparelhagens:

Há em todo estado do Pará aproximadamente duas mil aparelhagens que se

diferenciam pelo “estilo” de festas a que se propõem, pelo público que atraem e

por suas dimensões e feições diversas. (LIMA, 2008, p.20)

Dentre deste universo várias aparelhagens tanto de grande porte, as denominadas

superaparelhagens, quanto as de médio e/ou pequeno porte, possuem o nome relacionado à

identidade indígena, exemplificamos com as aparelhagens Hiper Tupinambá, Guerreiro

Tuxaua, Tribo Som, Guerreiro Guarani, Guerreiro Guajará, Pancadão Marajoara,

Guerreirão de Icoaraci etc.

Dentre as aparelhagens que possuem o nome indígena, apesar da Hiper Tupinambá,

ser a mais antiga, mais conhecida, mais expressiva, mais famosa, ser a maior, preferimos

neste artigo, não analisá-la, pelo fato de que a maioria, se não, quase todos os trabalhos

acadêmicos sobre o assunto aparelhagens, geralmente abordam somente o espaço capital do

estado – Belém – , e as conhecidas superaparelhagens, a saber: Super Pop, Mega Princípe,

Rubi, inclusive Hiper Tupinambá. Olvidando de outras aparelhagens do interior do estado,

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que mantém vários adeptos. É o caso da aparelhagem Guerreiro Tuxaua, da cidade de

Barcarena, que a cada dia se consagra como uma das maiores do interior do estado, e

consegue manter um público fiel na região nordeste do Pará. A fim de conceituarmos o termo

Tuxaua, recorremos à internet, encontramos no site do Ministério da Cultura uma definição

para o termo indígena Tuxaua:

Tuxáua é um termo que varia de uma tribo a outra, na história, na cultura, na

sociabilidade, nas relações que se constituíram e que se constroem. Tendo nos

últimos anos o termo caindo em desuso em algumas aldeias, e o significado mais

freqüente que lhe foi dado (em algumas aldeias) é o de capataz e está sempre

associado à idéia de um preposto do patrão, quando da relação da exploração de

seringueiras e dos trabalhos dos demais indígenas. Porém Tuxáua, também é

sinônimo de Cacique, é autoridade máxima da tribo, é quem resolve conflitos,

convoca reuniões, marca festas e rituais, orienta as atividades agrícolas, manda construir casas, hospeda visitantes. E tal liderança do Tuxáua caracteriza-se pela

forma consensual como é exercida. O chefe, cacique, pajé ou tuxáua, é uma das

lideranças que contribui para a ordenação e a harmonização da vida cotidiana na

aldeia, especialmente no que concerne às questões ligadas à subsistência.

(CARTA TUXÁUA, 2010)

A edição eletrônica do Amazônia Jornal do dia 02/01/2006, traz em seu site:

O guerreiro Tuxaua. A grande sensação do momento, em Barcarena é a

Aparelhagem Guerreiro Tuxaua, que vem detonando todas as balas nos fins de

semana animados daquele município. Amparada por diversas inovações tecnológicas, o 'Som Que Faz a Tribo Dançar', como também é conhecida, já

arrebata multidões por onde se apresenta, uma opção a mais para diversão sadia

da galera daquela região. (Amazônia Jornal, 02/01/2006)

Em anexo, apresentamos quatro banners, que são os logotipos da aparelhagem Tuxaua

(Ver imagens 01,02,03 e 04).

Na última semana das férias de julho deste ano, na Praia de Beja, no município de

Abaetetuba, realizamos uma entrevista com o dj da aparelhagem Tuxaua, Claudio Daniel

(doravante chamaremos de dj Daniel), onde o mesmo narrou a origem do Tuxaua. Assim,

como muitas aparelhagens, o Tuxaua é um empreendimento familiar (outras também o são, é

o caso das conhecidas superaparelhagens: Super Pop, Rubi, Mega Princípe, Hiper

Tupinambá), pertence a um político de Barcarena, o vereador João Maciel Batista, mais

conhecido como Abaeté, e a sua esposa Odilair Pantoja, surgiu em janeiro de 2006,

comandada pelos djs Silvinho e Darlan, e hoje é uma empresa reconhecida em cartório, com

CNPJ e todos os trâmites legais, gerando assim vínculo empregatício diretamente a 28

pessoas que trabalham na aparelhagem. Hoje, se apresenta pelo menos umas 12 vezes ao mês,

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e comandada por dois djs, o auxiliar, dj Joãozinho e o principal, dj Daniel. Daniel, comanda o

Tuxaua desde fevereiro de 2010, e tem contrato assinado até dezembro de 2015.

Andrey Lima define as festas de aparelhagens como:

um complexo de práticas e relações sócio-significativas, construídas,

desenvolvidas e reproduzidas cotidianamente por mecanismos e recursos estético-performáticos que se direcionam e se condensam numa ordem festiva

específica, a partir da relação que se estabelece entre público e aparelhagens.

Como motor e conseqüência desta relação e experiência verdadeiramente

estética, têm-se a dimensão pública que lhe é inerente. (LIMA, 2006, p.78)

Assim, as festas de aparelhagem assumem várias categorias semânticas, como o

espaço, a performance e a relação social. Em relação ao espaço, a aparelhagem Tuxaua, se

apresenta tanto nos grandes ou pequenos clubes, em balneários, na região das ilhas, em

festivais, entre outros.

A performance e as relações sociais são dada pela mediação do dj Daniel, o que

ocasiona a indentificação indígena, o dj faz diversas práticas gestuais coreográficas e usa

adornos e adereços indígenas, inclusive, ressalta-se que o desing da aparelhagem é no formato

de duas flechas, remetendo ao uso dos instrumentos de caça dos índios. Os fãs, por sua vez,

fazem as mesmas coreógrafias, assumindo assim, a identidade indígena, além do mais, é

comum no início da festa a distribuição de vários elementos que remetem a identidade do

índio, como cocares, miniaturas de arco e flecha, adereços indígenas.

Uma exibição do Tuxaua, dependendo do dia, pode ser de 04 a 06 horas de duração,

iniciando com o dj auxiliar, dj Joãozinho, que lança vinhetas e frases que exaltam

aparelhagem como um elemento da identidade indígena, anunciando que em breve entrará em

ação o dj principal, Daniel. Dj Daniel inicia sua performance interagindo com o público,

provocando-os a imitação, mediando a relação que se estabelece com a aparelhagem, na

campo perfomático se utilizam as vinhetas pré-gravadas que ressalta a qualidade da

aparelhagem: “É o Guerreiro da galera!”, “Onde ele toca eu tou lá, que faz a minha tribo

dançar, no seu comando tribal, dj Daniel é moral!”, unindo assim também, o carisma e a

competência do dj; há efeitos sonoros; chamadas ao microfone, que é o conhecido alô, neste

momento o dj interage com seu público, através, de elogios, mensagem afetivas às equipes,

são tocadas as músicas das equipes, conhecidos como grito de guerra, coreografias, alaridos

com os lábios. O público, se identifica assim com o índio, um bom exemplo é o caso do

adepto na imagem 05 (ver imagem 05 em anexo).

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Assim, a partir deste contexto, percebe-se uma significação para hibridismo cultural

(CANCLINI, 2006) ao cruzar elementos das festas de aparelhagem com elementos da cultura

indígena. Como hibridismo cultural, recorremos a Néstor Canclini (2006), pois é um dos

teóricos fundamentais por discurtir a questão com ênfase no contexto latino-americano, em

que, segundo o próprio, a questão tradição e modernidade se dá sobretudo no campo da

cultura.

Para Canclini, o hibridismo é um dos fenômenos que mais se consagram diante da

ascensão de mídias que promovem a circulação mundial de bens diversos. Uma condição

elementar de produtos, bens e fazeres culturais que se constituem a partir da interação entre

práticas oriundas de diferentes contextos históricos ou sociais; a partir de processos de

hibridação que põem em xeque a unidade de culturas isoladas e “resistentes” a influências

externas. (CANCLINI, 2006) É nítido hibridismo cultural em algumas materialidades da

aparelhagem Tuxaua que evocam a identidade indígena, mas especificamos neste artigo

aqueles mais marcantes: a maioria dos nomes das equipes/ fãs-clubes e a letra dos gritos de

guerras destas equipes.

Segundo dj Daniel, hoje a aparelhagem Tuxaua, conta com um total de 150 equipes,

sendo que a maioria destas, tem seus nomes relacionados ao nome da aparelhagem, quando

não levam o termo Guerreiros(as), levam o nome Tuxaua, citamos algumas: Guerreiras

Apimentadas, Guerreiras Rebeldes, As Guerreiras Sem Fronteiras, Guerreiras da Curtição,

Guerreiras Fugitivas, Guerreiras Legendárias, Guerreiras Sedutoras, Guerreiras Vigaristas,

Guerreiros da Viração, Guerreiros Guardiões, Guerreiros Inocentes, Guerreiros

Legendários, Guerreiros Sem Perdão, Guerreiros Solitários, Guerreiros Vigaristas,

Guerreiros Olhos Famintos, Guerreiros Os Poderosos Perversos, Guerreiros Sem Limites,

entre outras. Reproduzimos em anexo alguns dos banners destas equipes, em nossa análise

apresentamos 08 banners, em ordem a saber: Banner 01 – Guerreiras apimentada; Banner 02

– As guerreiras sem fronteira; Banner 03 – Guerreiros da viração; Banner 04 – Guerreiras

fugitivas; Banner 05 – Guerreiros sem perdão; Banner 06 – Guerreiros olhos famintos;

Banner 07 – Os guerreiros perversos e Banner 08 – Guerreiros sem limites (Ver todos os

banners em anexo).

Apartir da leitura destes banners, podemos pontuar a identidade indígena, pois

percebe-se que em todos há uma referência ao nome da aparelhagem Tuxaua, em 04 há

imagem de índio com arco e flecha (Banners 02,03,04 e 07). Ressalta-se também, que nos

Banners 07 e 08, das equipes Os guerreiros perversos e Guerreiros sem limite, há o

estereótipo do índio selvagem, sanguinário, cruel, seus próprios nomes já os descreve :

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perverso e sem limites. Os banners das 03 equipes femeninas (01,02 e 04) e os banners da

equipes Guerreiros sem perdão (05) e Guerreiros olhos famintos (06) remetem a um processo

híbrido, pois enquanto os demais exibem a imagem de um índio, estes exaltam a imagem de

garotas sensuais desenhadas em mangá, desenho no estilo japonês; e de guerreiros de jogos

eletrônicos, o vídeo game.

As músicas das equipes, conhecidas como grito de guerra, também marcam a

identidade indígena, sem desconsiderar a hibridação cultural. Analisamos algumas letras.

01 - Hino do Tuxaua – 2010, Banda Eletro Hit's.

Onde ele toca eu tou lá,

Faz minha tribo dançar,

No seu comando tribal,

Dj Daniel é moral,

O Tuxaua,

O guerreiro da galera,

Com o dj Daniel,

Eu vou, amor,

Guerreiro Tuxaua, Guerreiro Tuxaua,

Eu vou,

Guerreiro Tuxaua,

Eu vou,

Com o dj Daniel.

02 - Hino do Tuxaua – 2010, Banda NP7.

É o índio, é o índio, é o índio, é o índio, é o índio,

Toca Daniel a nossa canção,

É NP7 que vai vai detonar,

É o hino, é o hino, é o hino, é o hino, é o hino,

Toca dj a nossa canção,

Eu quero te entregar o meu coração,

E sentir a emoção de estar aqui,

E ver você tocar pra mim.

03 - Xote do índio / Equipes Os Camaradas– Banda Swing Eletro.

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Eu tou doidodinha pra me deitar na tua cama,

Agora eu tou na festa sem você,

E com o dj Daniel comandar,

Com a Equipe Pagação,

E os Guerreiros Camaradas conquistou meu coração,

É o índio, é o índio, é o índio,

É o índio, é o índio, é o índio,

É o índio, é o índio, é o índio,

É o índio, é o índio, é o índio.

04 - Guerreiros Vigaristas – Banda C4.

… Hoje eu vou sair, não quero mais te ver,

Eu vou tentar te esquecer,

Vou pro Guerreiro Tuxaua,

Vou curtir na moral,

Com as guerreiras vigaristas do Laranjal,

Meu Guerreiro Tuxaua te encontrei,

Com as guerreiras vigaristas, me apaixonei

Com o dj Daniel meu grande amor,

Vou pro Guerreiro Tuxaua,

Vou curtir, eu vou.

05 - Guerreiros Olhos Famintos – Gang do Eletro.

Vai Daniel, começa a nossa festa,

É moral, é moral, guerreiros olhos famintos é do Laranjal,

Te liga aí, eu vou te falar uma parada,

Quem manda no setor é Daniel e Tuxaua,

Guerreiros, guerreiros olhos famintos,

É, é, é, é é, é, é do Tuxaua, mano brow.

06 - Guerreiros Titãs – Gang do Eletro.

Dá-lhe Daniel, dá-lhe a flechada,

Dá-lhe Daniel, dá-lhe a flechada,

Essa equipes é do Tuxaua,

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Onde chega meu amigo, faz a farra,

E bota pra quebrar, e bota pra mexer,

O nome dessa equipe agora eu vou dizer:

Guerreiros Titãs, guerreiros Titãs, guerreiros Titãs, guerreiros Titãs...

Em todas as letras acima, é nítido a marca da identidade indígena, elementos

convencionados à cultura indígena, são exaltados em todas as canções: tribo, tribal, Tuxaua,

guerreiro, guerreiras, índio, flecha, flechadas. O público assume esta identidade indígena

quando interage com a performance do dj, através dos gestos coreográficos, suas vestes

também combinam com o nome da equipe, todos os elementos envolvidos na performance,

alia com naturalidade, ritmos regionais tradicionais e bases estéticas do estilo musical pop

e/ou eletrônico, nos moldes de um típico produto cultural híbrido.

É típico também na aparelhagem Tuxaua, a presença de dançarinas (não-indígenas)

adornadas como índias, se apresentarem, com adornos e instrumentos índigenas. Com seus

corpos pintados e adornados, remetem a identidade indígena. Para Simone Hashiguti, em sua

tese de doutorado intitulada Corpo de Memória, 2008:

A identificação social é um processo intimamente relacionado ao corpo, pois

pressupõe a relação com o outro, cujo corpo é olhado, e que também olha, a

partir de posições historicamente determinadas, mas em movimento. Sujeito e

corpo não se separam em sua significação no campo do visível. Como materialidade simbólica, o corpo é atravessado por diferentes discursos, sejam

eles o político, o estético, o religioso, o higienista, que se constituem de sentidos

que também se movem na história em seu próprio entrelaçamento.

(HASHIGUTI, 2008, p.49)

Atribuir e reivindicar uma identidade indígena é o propósito de se encorporar o índio

na aparelhagem, que produz discursos, sentidos. Simone Hashiguti, defende em sua tese, que

na linguagem, o corpo é espessura material significante, isto é, o sujeito inscrito no/pelo

discurso a partir de seu corpo, corpo que significa para si e para o outro na relação com o

olhar. (HASHIGUTI, 2008, p. 71)

Considerações finais

Enquanto encontramos um índio estereotipado, nos livros didáticos, na televisão, na

mídia, no cinema, no dia a dia, por outro lado, encontramos também, segmentos culturais que

exaltam a identidade indígena, pois sob a ótica dos Estudos Culturais, analisamos neste

artigo, (não de forma esgotada, pois é interesse nosso continuar com esta análise em nossa

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dissertação de mestrado) a performance e relações sociais na aparelhagem Tuxaua, de que

forma esta aparelhagem produz sentidos na identidade indígena, provocando a seu público

assumir esta identidade, respondendo assim ao anseio de mestre Baniwa:

Nossos povos nas aldeias não esperam de nós, lideranças e estudantes, que

sejamos grandes intelectuais, grandes profissionais ou grandes políticos, apenas

homens e mulheres que honram seus antepassados, que não traem os projetos

sociais de hoje e de amanhã e que, sobretudo, não negam suas origens, histórias,

culturas milenares e identidades. (LUCIANO, 2006, p. 225)

BIBLIOGRAFIA

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BONIN, Iara e RIPOOL, Daniela. Se tudo der errado... viro índio: marcas da diferença

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CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2006.

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COSTA, A. M. D. Festa na Cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Tese de

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NEVES, I. A Invenção do Índio e as Narrativas Orais Tupi. Tese de Doutorado. Campinas:

Unicamp, 2008

ANEXOS

Imagem 01, 02, 03 e 04: Banners da Aparelhagem Tuxaua. (Os 04 banners foram retirados do site de

busca <www.google.com.br> Acesso em 08 jul 2011)

Imagem 01 Imagem 02

Imagem 03 Imagem 04

Imagem 05: (Adepto da aparelhagem Tuxaua fazendo o “T”, simbolo da aparelhagem, disponível em

<http://www.flogao.com.br/osmamonas/48772974> Acesso em 07 jul 2011).

Imagem 05

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Imagens 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12 e 13: Banners de algumas equipes da Aparelhagem

Tuxaua.

Disponível<http://www.4shared.com/allimages/tqwxmtZX/Banner_de_Equipes.html>.

Acesso em 08 jul 2011.

Imagem 06 (Banner 01 – Guerreiras apimentadas) Imagem 07 (Banner 02 – As guerreiras sem fronteira)

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Imagem 08 (Banner 03 – Guerreiros da viração) Imagem 09 (Banner 04 – Guerreiras fugitivas)

Imagem 10 (Banner 05 – Guerreiros sem perdão) Imagem 11 (Banner 06 – Guerreiros olhos famintos)

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Imagem 12 (Banner 07 – Os guerreiros perversos) Imagem 13 (Banner 08 – Guerreiros sem limite)