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  • 9PHONIX, RIO de JaNeIRO, 20-1: 9-11, 2014.

    EdItORIal

    A phonix chega ao seu vigsimo volume. Desde 1995, quando foi lan-ada, foram publicados 372 artigos (incluindo os deste nmero) escritos por especialistas de diversas universidades brasileiras e estrangeiras. A revista, desde o seu incio, constitui-se em um espao isonmico de publicao, cote-jado tanto por pesquisadores brasileiros quanto por estrangeiros. O objetivo central divulgar a originalidade e a singularidade da historiografia referente Antiguidade e sua posio decisiva como espao para a compreenso dos enigmas e conflitos do viver em sociedade. Publicada exclusivamente atravs do formato impresso, a Revista Phonix por excelncia um lugar de experimentao, de debate e de crtica acadmica, pautada pela liberdade de expresso, pela diversidade terico-metodolgica, pelo dilogo, pela criatividade e pela qualidade das pesquisas.

    O presente nmero da phonix composto por oito artigos de pesquisa-dores nacionais e internacionais que se dedicam ao estudo da Antiguidade Greco-Romana, sendo cinco abordando objetos referentes Antiguidade grega e trs Antiguidade romana. Quanto natureza da documentao analisada nos artigos, predominam os textos escritos, sendo diversificados os gneros literrios.

    O gnero historiogrfico tem destaque no artigo produzido por Carmen Soares. Nele, a autora questiona, ao refletir sobre o exerccio do poder na Grcia antiga, a posio de Herdoto sobre as formas de atuao poltica consideradas genericamente como regimes opostos, isto : o governo de um s (monarchia) e o governo das massas ou do povo (demokratia). No decorrer do texto, vemos que o historiador grego descreve situaes em que o governo de um s liberta e o governo das massas subjuga. No contexto latino, Deivid Valerio Gaia recorre da mesma forma historiografia antiga para apresentar algumas consideraes sobre a primeira crise financeira do Imprio Romano, a de 33 d.C., sob o Principado de Tibrio.

    O artigo de Fbio Faversani tambm se dedica Antiguidade romana e prope a anlise das diversas formas apresentadas pela historiografia antiga e contempornea para se interpretar a expresso quinquennium Neronis. O autor estuda como as interpretaes buscam explicar o termo apoiando-se em diferentes tradies como chaves de leitura e aponta para a possibilidade

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    de que o uso continuado da expresso quinquennium Neronis na literatura do Imprio Romano e posterior talvez se deva exatamente a sua ambiguidade. Ele entende que possivelmente compreenderemos melhor o seu significado consi-derando o sentido que assumiu para vrias temporalidades e grupos polticos.

    A poesia grega, de perodos diferentes, est presente no artigo de Mara Ceclia Colombani e tambm no de Fbio de Souza Lessa e Bruna Moraes da Silva. O primeiro artigo se centra no estudo da poesia hesidica da passagem do sculo VIII para o VII a.C., enquanto o segundo, nas tragdias euridipianas do sculo V a.C. Ceclia Colombani objetiva refletir sobre as caractersticas que a inquietude tica ganha em Hesodo. Tal proposta consiste em destacar em suas obras as recomendaes que sugerem uma intensa preocupao com o ethos como maneira de viver. J Fbio Lessa e Bruna Moraes analisam a morte heroica de duas personagens presentes nas tragdias de Eurpides: Alceste e Ifignia, pretendendo tanto evidenciar como o fim da vida dessas mulheres representa uma bela morte quanto investigar a intencionalidade do tragedigrafo ao representar esse discurso.

    Construindo a sua argumentao a partir de textos escritos de diversifi-cados gneros literrios, Julin Gallego investiga a definio de um cidado modelar da plis, utilizando o conceito de subjetividade instituda. Segun-do o autor, essa noo refere-se aos padres dominantes que estabelecem uma ideia do homem desejvel baseada na excluso e, acima de tudo, na expulso dos seres que, embora biologicamente humanos, so considerados socialmente inferiores e colocados fora da humanidade.

    Fechando o conjunto de artigos que se dedica a analisar a documentao escrita, o de Matheus Trevisan discute como Xenofonte de Atenas foi assi-milado ao dilogo Cato Maior por parte de Ccero e entende essa assimilao como um reflexo de sua formao e suas leituras das obras gregas.

    Neste nmero apenas o artigo de Fbio Vergara Cerqueira apresenta um corpus documental que excede os textos escritos, direcionando-se para a cultura material. Atravs da interpretao de textos escritos e imagticos, o autor estuda os aspectos do percurso da narrativa mitolgica do conflito entre Apolo e Mrsias, cuja histria se inicia com a inveno do auls pela deusa Atena, trazendo a lume, ao mesmo tempo, a querela que opunha esse instrumento, associado com frequncia ao universo dionisaco, lra, vinculada por uma tradio cultural hegemnica ao universo apolnio. A proposta do artigo apontar a diversidade de abordagens do mito, sobretudo

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    em suas representaes iconogrficas, procurando interpretar as variaes de enfoque e prestando ateno, ao mesmo tempo, aos traslados geogrficos e aos contnuos cronolgicos.

    Vale, por fim, um agradecimento especial Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro Faperj - por ter financiado integralmente este nmero da phonix, possibilitando, dessa forma, a divulgao dos resultados parciais das pesquisas de Histria Antiga desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

    Os Editores

  • 12 PHoniX, rio de Janeiro, 20-1: 12-24, 2014.

    COMUnIdad Y pOltICa En hESOdO: Una lECtURa tICO antROpOlGICa dE la RElaCIn*

    Mara Cecilia Colombani**

    Resumen:

    El proyecto del presente trabajo consiste en pensar las caractersticas que toma la inquietud tica en Hesodo, a partir de relevar en sus obras las recomendaciones que sugieren una intensa preocupacin por el ethos en tanto manera de vivir. Queremos indagar en qu medida los primeros balbuceos hesidicos pueden constituir un antecedente de la constitucin del sabio, siguiendo el planteo de Pierre Hadot, donde el modo de vida y la cuestin de la sabidura, orientada a la concrecin de un cierto tipo de bios est directamente relacionada con la nocin de ejercitacin. El trabajo se mover en una dimensin ntidamente tico-antropolgica, indagando las relaciones entre poesa y filosofa; nos ubicamos en una lnea de pensam-iento donde Hesodo representa el interlocutor insoslayable a la hora de relevar los primeros balbuceos filosficos o pre-filosficos que constituyen el magma de donde se nutre la ulterior filosofa.

    Palabras clave: Ethos; modo de vida; sabidura; ejercicios; sabio.

    Comenzaremos acompaando a Pierre Hadot en sus consideraciones sobre la nocin desopha para ver por qu el autor ubica a Hesodo en un lugar preponderante. Ya en Homero la palabra cobra fuerza, sobre todo a partir del desarrollo de ciertas habilidades o disposiciones. Dice Hadot: Desde Homero, las palabras sophia y sophos eran empleadas en los con-textos ms diversos, a propsito de disposiciones que, al parecer, no ten-

    * Recebido em 06/01/2014 e aceito em 31/01/2014.

    ** Profesora Doctora de la Facultad de Filosofa, Ciencias de la Educacin y Humanidades de la Universidad de Morn y de la Facultad de Humanidades de la Universidad Nacional de Mar del Plata. Pesquisadora de UBACyT de la Universidad de Buenos Aires.

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    dran nada que ver con las de los (HADOT, 1999, p. 30). Si atendemos a los ejemplos que el propio Hadot escoge, tomados de la pica homrica, la cuestin de la sabidura se juega en actividades y prcticas vin-culadas a medida y a reglasque, a su vez, implican cierta forma de aprendi-zaje y transmisin de los conocimientos, como en el caso del zapatero.

    Ahora bien, en Hesodo la cuestin parece pasar por otro lugar. Hadot nos remite a Soln para poder pensar la sabidura potica como una varia-cin de lo que acabamos de explicar con Homero. Coincidimos con Hadot cuando ve all otro tipo de sopha, donde la habilidad no parece ser de tipo manual o tcnico-artesanal, sino del orden de una revelacin. Este es nues-tro punto de inters porque vemos que se inaugura un tpico que retornar a lo largo de la historia de la filosofa antigua y es la presencia de la divinidad como inspiradora de un modelo de sopha que se deslinda de otras formas. Tal como sostiene Hadot: Este poder de la palabra potica, inspirada por las Musas y que da su sentido a los acontecimientos de la vida humana, aparece con mayor claridad en Hesodo, a principios del siglo VII. Si no emplea literalmente la palabra sopha, expresa con mucha fuerza el conteni-do de la sabidura potica. Testimonio tanto ms interesante porque pone en paralelo la sopha del poeta y la del rey (HADOT, 1999, p. 31). En realidad debemos ampliar las consideraciones de Pierre Hadot y poblar el campo de las figuras que ostentan esta forma de sopha y pensar en otros campos afines como el de la adivinacin y el de la purificacin arcaica. Tal como sostiene Marcel Detienne, un maestro de aletheia posee un visin de lo que fue, de lo que es y de lo que ser, ms all de las peculiaridades de cada campo, que territorializa a esas figuras excepcionales al campo de un tipo de sopha como la que estamos relevando (DETIENNE, 1986, cap. II).

    En Hadot el giro interpretativo lo lleva a sostener la alianza entre esta sabidura que ostentan el poeta y el rey, hacia el campo de la persuasin; desde este enclave, se ve reforzada nuestra propuesta de lectura de pensar la lnea persuasin-ethos que creemos relevar en Hesodo. Si suponemos que a Hesodo las Musas le han encomendado decir la verdad y sostenemos que ellas mismas han derramado sobre los reyes gotas de dulce miel, un roco suave para pronunciar las palabras y sentencias justas, el concepto de peitho y el de pistis aparecen en el campo de reflexin. Persuasin y creen-cia parecen ser los elementos que se requieren para que la accin de la pa-labra sea eficaz, productora de efectos. Creer en la palabra del poeta porque desciende del ms all, y aceptar la palabra del rey porque tambin est ins-

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    pirada por la divinidad, son elementos reveladores del esquema mental de la Grecia Antigua, y sientan, a su vez el antecedente de lo que Hadot con-sidera el valor psicaggico del discurso (HADOT, 1999, p. 31). Se trata del dominio de la palabra y su asociacin con el campo de poder que la misma entraa. Si bien el logos theokrantos en su dimensin realizadora, realiza lo real mismo, estamos, ahora, aludiendo a un vnculo ms corriente entre palabra discurso y verdad y es su capacidad de convencimiento sobre los dems. No se trata ya de la eficacia asociada al campo lexical del verbo kraino, realizar acabadamente, sino a la eficacia pragmtica de convencer y persuadir a un otro, a un pueblo, a una comunidad, a partir del valor de la palabra. Las Musas son expertas en la accin, porque, no solamente dotan a poetas y reyes de la palabra persuasiva, sino porque deleitan a los hombres y a los dioses con su bello canto, aliviando el corazn afligido. Hay all una funcin teraputica que transforma el alma apenada. Resumiendo, tenemos hasta este punto una asociacin entre palabra y persuasin, palabra y creen-cia, que parece inscribirse en la primera sabidura potica; no se trata ya de una sopha encaminada a saber hacer, sino a poder generar un cambio en la actitud del sujeto, una cierta transformacin que pasa por la creencia, la seduccin, el arrebato, el encanto que las palabras producen en quien las recibe. A partir de la palabra se produce, entonces, una cierta transforma-cin espiritual, de sesgo antropolgico: un alma afligida es reconfortada, un alma que ignora la verdad es instruida en la ciencia de Mnemosyne, un pueblo que no haya la palabra justa y sensata es conducido por los atajos de la prudencia, que disuelven los efectos de la mala eris. Hay, pues, un cierto valor teraputico de la palabra. Las palabras curan y cuidan, guardan el nimo y lo transforman, estn al servicio de ciertas circunstancias, cuando las pronuncia el ser inspirado y revelan una sabidura originaria. Hesodo da cuenta de ello; por eso apuntamos su carcter de antecedente, y lo pen-samos desde dos lneas convergentes en la importancia de la palabra como instrumento de transformacin. Luego de analizar la accin de las Musas sobre los reyes, dice: Pues aqu radica el que los reyes sean sabios, en que hacen cumplir en el gora los actos de reparacin a favor de la gente agraviada fcilmente, con persuasivas palabras y complacientes palabras (teogona, vv. 88-90). La palabra es el instrumento que transforma una situacin dada. La segunda lnea est atestiguada en los versos siguientes: Pues si alguien, vctima de una desgracia, con el alma recin desgarrada se consume afligido en su corazn, luego que un aedo servidor de las Musas

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    cante las gestas de los antiguos y ensalce a los felices dioses que habitan el Olimpo, al punto se olvida aqul de sus penas y ya no se acuerda de nin-guna desgracia (teogona, vv. 98-103). La accin parece, incluso, jugarse en una tensin olvido-recuerdo. La palabra hace olvidar aquello que genera pesar. En ese sentido, reconforta el nimo. Don de las Musas, don de los poetas, don de los reyes, don de las palabras reparadoras y convincentes. Campo de una sopha que no parece transitar los atajos de la praxis artesa-nal, sino, ms bien, por el conocimiento originario de saber cmo revertir una situacin. Ecos lejanos, quizs, de lo que sostiene Pierre Hadot, En este encantamiento podemos descubrir al mismo tiempo un esbozo de lo que sern ms tarde los ejercicios espirituales filosficos, ya sean del orden del discurso o de la contemplacin (HADOT, 1999, p. 31). Ahora bien, el poder de persuasin y de seduccin de este tipo de palabra radica, en parte, en el objeto que la misma entraa y, en este punto, se da, precisamente, el vnculo que Hadot busca en torno a la historia de las prcticas espirituales. La palabra eleva a otra dimensin; de all su importancia radical. Esta-mos frente a una intuicin fundamental: la solidaridad entre la forma de la palabra y el contenido de la misma; forma y objeto parecen tener en esta palabra hesidica un antecedente vigoroso de lo que ms tarde ser una preocupacin filosfica capital. Las Musas regocijan el corazn del padre porque le cantan y hacen ver lo que fue, lo que es y lo que ser. En cierto sentido, el canto revela la visin del fundamente mismo de lo real.

    a. Las exhortaciones del alma: modos inaugurales de una esttica de la existencia

    A continuacin, queremos hilvanar esta problemtica en torno a la nocin de sopha, que hemos indagado, con el campo del ethos como constructo a edificar. Es el momento de solidarizar sopha con bios y ver cmo el tipo de bios depende de una actitud que entraa sabidura. El proyecto es leer esta ecuacin en el corpus hesidico. Seguimos nuevamente a Pierre Hadot y coincidimos con su punto de vista: Las filosofas antiguas desarrollaron pues todo tipo de prcticas de terapia del alma, ejercitndose por medio de diferentes formas de discursos, trtese de la exhortacin, de la reprimenda, del consuelo o de la instruccin (HADOT, 1999, p. 237). En efecto, Hesodo parece responder perfectamente al espritu de esta cita. Para relevarlo de-bemos instalarnos en trabajos y das como discurso didctico. El tipo de

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    logos da cuenta de un esmerado intento de producir una transformacin en su hermano, Perses, que parece constituir el contra modelo de la constitucin tico-antropolgica, sobre todo a partir de su desapego al trabajo, a la virtud, doblete del primero, a su connivencia con los reyes devoradores de regalos, doblete estructural del linaje humano al que el propio Perses parece pertene-cer, su aficin por las querellas, privilegindolas a los trabajos esmerados.

    Creemos no adulterar el mensaje hesidico si lo pensamos desde un dis-positivo disciplinario tendiente a consolidar cierto modelo de subjetividad, a partir de los defectos de Perses y del estado general de la coyuntura histrico-antropolgica, de la cual Hesodo ha dado expreso conocimiento, sobre todo a partir del mito de las Edades. Es en el corazn de esta respuesta que pode-mos proponer la lectura de un esbozo inaugural de la preocupacin por un tipo de bios emparentado con la nocin de sopha. Si retornamos a la cita de Hadot, Hesodo parece optar por los distintos instrumentos que cita el autor: diferentes formas de discursos, exhortacin, reprimenda, instruccin. El tex-to es riqusimo en cada uno de ellos y lo que sobrevuela la letra es el concepto de askesis, ejercicio, prctica, inscrito en el campo lexical del verbo askeo. El campo es riqusimo y nos conecta con un elemento de nuestra propia in-quietud: Hesodo estara inaugurando el concepto de epimeleiaheautou, de cuidado de s como modo de alcanzar una vida conforme a valor

    1.

    El campo del verbo legitima nuestra hiptesis; epimeleomai significa cuidarse, preocuparse, aplicarse o dedicarse. Esto es lo que Hesodo inten-ta hacer con su hermano, quizs como agente testigo para llegar a todos aquellos que necesitan correccin. A nuestro criterio estamos en una lec-cin inaugural del concepto de epimeleia como modo de hacerse cargo de uno mismo, buscando transformar la propia vida en un objeto bello. Desde esta perspectiva, podemos pensar en el corpusfoucaultiano y acceder al concepto de tekhnaitoubiou. Verdaderas tecnologas de s que van dibujan-do una praxis continuada y sostenida para dar a la vida una forma bella. Hablar pues de las artes de la existencia es hablar de una cierta empresa, de una eto-poiesis, transida por un telos, un fin: alcanzar la arete, funda-mentalmente, a partir del trabajo como tekhne subjetivante. En este sentido, coincidimos con Hadot cuando afirma: En Grecia se saba desde Homero y Hesodo que era posible modificar las decisiones y las disposiciones inte-riores de los hombres eligiendo con habilidad las palabras capaces de per-suadir (HADOT, 1999, p. 237). Falta an para que ese corpus discursivo sea reglado segn las reglas de formacin discursiva, propias de la Grecia

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    Clsica; no obstante, es innegable un antecedente en la consolidacin de la relacin entre palabra-enseanza y persuasin.

    Por cuestiones de espacio no hemos podido anclar en el texto hesidico. Nuestro proyecto ha consistido en pensar la presencia que toma la inquie-tud tica en Hesodo, a partir del corpus de recomendaciones que sugieren una intensa preocupacin por el ethos y la epimeleia en tanto cuidado por la manera de vivir. Estos primeros balbuceos hesidicos constituyen, a nues-tro entender, un antecedente de la constitucin del sabio donde el modo de vida y la cuestin de la sabidura, estn directamente relacionados con la nocin de ejercitacin.

    b. La amistad como soporte de la comunidad

    En el comienzo es la relacin (BUBER, 1974, p. 20)

    La cita que encabeza el presente segmento nos marca el rumbo. Nuestro segundo proyecto consiste en efectuar una lectura de trabajos y das, refi-rindonos a la trama vincular que el poema abre al poner sobre el escenario de accin los distintos actores que constituyen el clima aldeano propio de la configuracin epocal donde se inscribe el logos hesidico.

    Martn Buber sostiene que es imposible captar al hombre aisladamente, por fuera de la relacin. El hombre slo puede ser aprehendido en el haz de relaciones que entabla ya sea con los objetos, con los otros hombres o con lo trascendente. No hay hombre por fuera de las condiciones que la relacin posibilita en la configuracin de la subjetividad. Cuando Buber se refiere a las palabras fundamentales del lenguaje se refiere siempre a pares de vocablos: al par Yo-T o al par Yo-Ello. De all que exprese: Las palabras fundamentales del lenguaje no son vocablos aislados, sino pares de vocablos (BUBER, 1974, p. 7).

    Cuando el hombre es captado en relacin, ya sea con los objetos o con otros hombres, se abre el universo personal: La palabra primordial Yo-T establece el mundo de la relacin (BUBER, 1974, p. 8).

    A la luz del marco precedente y slo apuntando a la relacin como hecho antropolgico instituyente de un universo entre actores, nos referire-mos a los Erga para descubrir all los ecos antropolgicos de este entre, como espacio de construccin vincular.

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    c. Los Erga o la preocupacin por los modos de vinculacin

    Si teogonaha sido el gran logos genealgico, los Erga constituyen un poema emblemtico de la condicin del hombre. El trabajo y la virtud son los dos grandes pilares sobre los que se apoya el relato, constituyen-do las dos caras de una misma realidad. Montado sobre esa reversibilidad de valores, el texto transcurre binariamente mostrando los aciertos de la pertenencia a la dada o las desventajas de no comprender la solidaridad indisociable de la mentada ecuacin. El hombre prudente y el intemperante encuentran su suelo de constitucin en ese terreno comn donde trabajo y virtud marcan las pautas de la configuracin antropolgica.

    Si bien el relato del trabajo y la virtud toma ribetes de tipo econmico, a partir de la problematizacin de lo que implica el tener o no el sustento nece-sario para la vida, la posibilidad del progreso material y la necesidad del cui-dado de los bienes para evitar los males que la pobreza acarrea, hay otro relato paralelo que puede ser detectado en la lectura crtica de los Erga. La misma ecuacin trabajo-virtud encamina distintos tipos de relacin intersubjetiva.

    En este marco, proponemos pensar la perspectiva de la amistad como modo de instalacin tico-poltico-esttico.

    Teniendo en cuenta que se trata de una experiencia que devuelve la capacidad humana de relacin y apertura, proponemos pensar el tema desde tres ejes: un eje antropolgico, que da cuenta precisamente de la exclusividad humana de la experiencia, un eje tico que supone pensar al hombre como responsable de esa experiencia y como ser capaz de convertir la experiencia en ethos humano y un eje poltico-esttico, ya que la actividad responsable del hombre que conoce las desventajas del egosmo se inscribe siempre en una dimensin poltica, entendida como dimensin instituyente de un territo-rio humano habitable, transido por las reglas de la solidaridad.

    En efecto, la experiencia de la amistad constituye la condicin de po-sibilidad de gestar un universo personal y de un orden humano ms arm-nico. Hesodo da cuenta de ese deseo de gestar una tipo de legalidad entre hombres transidos por lazos que se alejen de los no vnculos que las fie-ras instituyen, tal como de ello da cuenta la fbula del halcn y el ruiseor, donde resulta impensable la construccin de un lazo amigable pues impera la ley brutal de los animales (trabajos y das, vv. 200-213).

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    La primera condicin de posibilidad es el reconocimiento del otro como par en la co-gestin de ese orden. Este reconocimiento proponemos pen-sarlo desde la dimensin del asombro o la maravilla que la presencia del Otro supone en la posibilidad de fundar un espacio comn que rena a los hombres como pares antropolgicos transidos por la necesidad del en-cuentro como coordenada humana. As, la experiencia de reconocer al otro como un amigo deviene en ethos existencial. Ethos significa actitud, modo de vida, manera de vivir. Esta es la clave de la propuesta que presentamos: el hombre rompe la familiaridad de lo cotidiano, inserto en un territorio natural; neutraliza su estatuto individual para problematizar la relacin con el otro, para captarse mutuamente en el entre de esa relacin.

    Quizs hayan sido los primeros hombres, los de la raza de oro los que conocieron este deleite natural del lazo compartido: y no se cerna sobre ellos la vejez despreciable, sino que, siempre con igual vitalidad en piernas y brazos, se recreaban con fiestas ajenas a todo tipo de males (trabajos y das, vv.114-116). La fiesta representa seguramente ese espacio de vida colectiva donde el otro aparece en su dimensin de camarada, de amigo, de vecino, en un espacio compartido y construido siempre de a dos. La idea re-torna a partir de los consejos de Hesodo a Perses para ensalzar las bondades del trabajo: Jams el hambre ni la ruina acompaan a los hombres de recto proceder, sino que alternan con fiestas el cuidado del campo (trabajos y das,vv. 230-232). Sin duda la fiesta constituye el espacio emblemtico de construccin colectiva, producto del reconocimiento mutuo entre pares.

    Tomamos la nocin de asombro en el sentido de reconocer la presencia de un otro que rompe el topos de la individualidad ms extrema. El par pone al hombre en relacin relativa ya que advierte la co-existencia de un otro con quien ha de jugar lazos de distinto orden. Asombrarse significa mirar de otro modo, direccionar la mirada para descubrir un mundo transido por relaciones interpersonales: el hermano, la mujer, los hijos, el vecino, el amigo.

    Asombrarse implica asumir la relacin hombre-mundo, hombre-hom-bre para instalarse en l desde otro lugar. El asombro genera la posibilidad de descubrir al otro e invita a convertir en experiencia de phila aquello que en principio no se conoce para que advenga un nuevo conocimiento: el conocimiento del par como posibilidad de la experiencia de phila y como posibilidad del propio enriquecimiento como hombre. Si pensamos en la contrapartida, las advertencias de Hesodo a los reyes devoradores de

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    dones explica el tpico: El hombre que trama males para otro, trama su propio mal; y un plan malvado perjudica ms al que lo proyect (traba-jos y das,vv. 265-266). Daar al amigo es daarse a s mismo por el tipo de relacin que la phila instituye.

    Asombrarse es con-mocionarse, moverse en otra direccin. La presen-cia del Otro moviliza al pensamiento clausurado del individualismo para instalarse en otro horizonte: la posibilidad de darse con el otro un domicilio existencial, un albergue comn, que cobije de la intemperie existencial al que cada hombre se halla arrojado. Creemos que Hesodo da cuenta de ello cuando dice: Es el mejor hombre en todos los sentidos el que por s mismo se da cuenta (tras meditar, de lo que luego y al final ser mejor para l). A su vez es bueno tambin aquel que hace caso a quien bien le aconseja; pero el que ni por l mismo se da cuenta ni oyendo a otro lo graba en su corazn, ste en cambio es un hombre intil (trabajos y das,vv. 293-298). La escucha es el puente hacia el otro; puente que no es tarea fcil por cuanto toda instalacin antropolgica implica instalarse frente al pro-blema que el par implica en su presencia. El problema opera como una barrera a sortear, como un nudo a desanudar y all radica la dimensin tico-esttica de toda experiencia amigable.

    La amistad se sita en el punto de querer superar el lmite del hombre individual para arrojarse al afuera, al espacio del t. El desconocimiento del Otro opera como un lmite y el desafo de la experiencia de phila se orienta a superarlo. Es por ello que los dioses se indignan contra el que vive sin hacer nada (trabajos y das, vv. 303-304), teniendo en cuenta la dimensin socializante del trabajo. Si pensamos que el trabajo es el hilo que borda el tapiz de las relaciones entre los hombres, los versos pueden extenderse, a nuestro criterio, al no reconocimiento del otro como par ya que aquel que no trabaja no supera el lmite de su individualidad, depen-diendo de otro para sobrevivir. Si con anterioridad habamos pensado la amistad en la direccin de la mirada sobre lo nuevo, a partir de la presencia del Otro como aqul que puebla el universo antropolgico, ahora el nuevo ejercicio de la mirada se direcciona sobre cada uno como espacio tico, a partir de las consecuencias enriquecedoras de la experiencia de phila.

    Nos gustara a continuacin pensar las consecuencias ticas de la amis-tad como ethos. El hombre se constituye en relacin con los otros, atravesa-do por un universo simblico de valores, comportamientos e instituciones

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    que regulan las relaciones interpersonales. Desde este horizonte, la cuestin tica se presenta en tanto accin con los otros hombres. Pensemos en las re-comendaciones de Hesodo como forma del cuidado que el amigo merece en su condicin de tal; de la atencin que se le debe prestar en el juego in-tersubjetivo. En este marco sobrevuela la nocin de epimeleia. El trminose refiere al cuidado, y el verbo, epimeleo significa cuidar, preocuparse, cuidar de. El amigo merece cuidado y, al cuidarlo, el hombre se cuida a s mismo: Al que brinde su amistad invtale a comer, y al enemigo, rechzalo. Sobre todo invita al que vive cerca de ti; pues si tienen alguna dificultad en la aldea, los vecinos acuden sin ceir mientras que los parientes tienen que ceirse (trabajos y das, vv. 343-347). La disposicin inmediata del amigo para acudir all donde se lo necesita en actitud solcita contrasta, muchas veces, con la demora del pariente, marcando ntidamente los distintos estatutos de vnculos que de ordinario se establecen entre amigos y parientes.

    Podramos entonces redefinir la vida en comunidad y pensarla como un territorio existencial comn, poblado por personas, cosas y discursos, atravesado por particulares relaciones. La constitucin de uno mismo como varn virtuoso se da siempre en un encuentro insoslayable con el mundo de los otros y de las cosas: la preocupacin de s y el cuidado de s, como en un ritornelo, nos ponen fuera de s y nos vinculan con un territorio comn. El compromiso es ese carcter constitutivo del cada hombre con el territo-rio existencial, poblado de pares. Nuevas recomendaciones dan cuenta de esta percepcin en Hesodo: Una plaga es un mal vecino, tanto como uno bueno es una gran bendicin. Cuenta con un tesoro quien cuenta con buen vecino (trabajos y das, vv. 347-349).

    Pensar la experiencia de phila como hecho poltico es pensar la posibi-lidad de que la experiencia se convierta en un agente productor de efectos.

    Y es desde este suelo desde donde pensamos la dimensin de la amis-tad, desde donde pensamos nuestro propio e ineludible compromiso como sujetos capaces de tender puentes hacia el Otro, porque es, desde all, des-de donde se puede intentar una universo ms humano, en tanto universo cordial. Presentarse como un sujeto comprometido con la amistad es pre-sentarse desde un modo de instalacin que convoca a alguna accin posi-ble, tendiente a recuperar, ante todo, la posibilidad del vnculo como bien comn, como patrimonio a resguardar porque hace bien a unos y a otros: Mide bien al recibir del vecino y devulvele bien con la misma medida y mejor si puedes, para que si necesitas, tambin luego le encuentres seguro

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    (vv. 349-351). La amistad es cosa seria y como tal requiere de una serie de acciones que, al tiempo que la conservan, territorializa a los hombres al lugar de la prudencia y de la hombra de bien.

    Problematizar la dimensin poltica de la experiencia de la amistad es re-pensar la implicancia de sta sobre el medio social. La amistad instituye as un espacio comn en donde los hombres somos todos partes de un en-tramado que nos cobija en nuestra calidad de pares.

    d. Conclusiones

    Desde la perspectiva tico-antropolgica que hemos trabajado, la amistad define un tipo de comunidad que plasma un espacio social donde reinan los valores que definen a la amistad: el cuidado recproco, la horizontalidad, la comunidad, la honestidad: Aprecia al amigo y acude a quien a ti acuda; da al que te d y no des al que no te d. A quien da cualquiera da, y a quien no da nadie da (trabajos y das, vv. 354-355).Hesodo est, sin duda, preocupa-do por la construccin de una sociedad ms justa y de una aldea ms humana en trminos de habitabilidad. Sus reflexiones explcitas o implcitas sobre la amistad no pueden ser comprendidas por fuera de este inters didctico. En buena medida la consolidacin de un orden ms estable y armonioso depen-de de los modos de vinculacin entre pares. Por eso quizs, sean estos versos la conclusin misma de nuestro abordaje: No consideres al amigo igual que tu hermano; y si lo haces, no seas el primero en causarle mal ni en engaarle por el gusto de hablar. Si te empieza l con alguna palabra ofensiva o de obra, recuerda que debes tolerarle otras dos veces, y si vuelve a la amistad y quiere presentarte excusas, acptalas (trabajos y das, vv. 708-713). Se-guramente aqu est el valor de un clsico y quizs por ello los griegos nos siguen interpelando.

    COMMUnItY and pOlItICS In hESOdO: an EthICal anthROpOlOGIC REadInG Of thE RElatIOn

    Abstract: The project of the present work consists in considering the features that take the ethical concern in Hesiod, from relieving recommendations that suggest an intense preoccupation by the ethos as a way of life in his work. We want to follow the proposal of Pierre Hadot, where the way of life and the question of the wisdom, oriented to the realization of a certain

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    type of bios, is directly related to the notion of fitness.The work will move in an ethical-anthropologic dimension, investigating the relations between poetry and philosophy; We are situated in a line of thought which Hesiod represents the unavoidable interlocutor when it comes to relieve the first philosophical or pre-filosofical babbling that constitute the magma where feeds further philosophy.

    Keywords: Ethos; way of life; wisdom; exercises; wise person.

    Documentao textual

    HESODO. Obras y fragmentos. Teogona, Trabajos y Das y Escudo de He-racles. Traduccin, Aurelio Prez Jimnez. Madrid: Gredos, 2000.

    Referncias bibliogrficas

    BARRERA, J. C.; GONZLEZ GARCA, F. J.; REBOREDA MORILLO, S. los orgenes de la mitologa griega. Madrid: Akal, 1996.BUBER, M. Yo y t. Buenos Aires: Ed. Nueva Visin, 1974.COLOMBANI, M. C. hesodo. Una Introduccin crtica. Buenos Aires:Santiago Arcos, 2005.COLOMBANI, M. C. foucault y lo poltico. Buenos Aires: Prometeo, 2009.DETIENNE, M. los maestros de verdad en la Grecia arcaica. Madrid:Taurus.HEIDEGGER, M. Ser y tiempo. Mxico: FCE, 1974.JAEGER, W. paideia. Mxico: FCE, 1995.MONDOLFO, R. la comprensin del sujeto humano en la cultura antigua. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1978.PREZ JIMNEZ, Aurelio. Introduccin general. In: HESODO. Obras y fragmentos: Teogona, Trabajos y Das y Escudo de Heracles. Barcelona: Gre-dos, 2000.FOUCAULT, M. historia de la Sexualidad. El uso de los placeres. Buenos Aires: Siglo XXI, 1991.FOUCAULT, M. la hermenutica del sujeto. La Plata: Altamira, 1996.HADOT, P. Qu es la filosofa antigua? Madrid: Fondo de Cultura Econ-mica, 1999.

  • 24 PHoniX, rio de Janeiro, 20-1: 12-24, 2014.

    nota

    1 Seguimos el marco terico de Michel Foucault en su ltimo perodo de produc-

    cin intelectual, el perodo tico, donde el pensador francs aborda la problemtica del sujeto del deseo y la constitucin de s en el marco de una poltica de la exis-tencia.

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    dIlOGO naS HistRiAs dE hERdOtO EntRE tEORIa E PRAxis pOltICa. tIRanIa E dEMOCRaCIa:

    COntRaStES E SEMElhanaS*

    Carmen Soares**

    Resumo:

    Focando a nossa ateno nas duas grandes faces sociopolticas do exerccio do poder (arche) na Grcia antiga, que so a liberdade (eleutheria) e a servido (douleia), vamos questionar qual a posio de Herdoto sobre as formas de atuao poltica (pragmata) consideradas genericamente como regimes opostos, a saber: o governo de um s (em grego, por essa razo, denominado monarchia) e o governo das massas ou do povo (celebrizado no termo demokratia). O objetivo do meu estudo ser, por conseguinte, demonstrar que Herdoto descreve vrios episdios em que se verifica precisamente o inverso, isto , que o governo de um s lierta, e o governo das massas subjuga.

    Palavras-chave: Herdoto; teorizao poltica; prticas polticas; tirania / democracia; servido / liberdade.

    1. Pontos prvios

    Antes de iniciar o estudo sobre teoria e prtica poltica em matria de tirania e democracia, importa clarificar aspetos que considero pressupostos da reflexo que encetarei, a saber:

    1- justificao do interesse social (leia-se da utilidade para as socie-dades atuais) de continuarmos a estudar uma histria com vinte e seis sculos: essa pertinncia tem sido admitida por estudiosos

    * Recebido em 04/11/2013 e aceito em 10/12/2013.

    ** Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (UC). Investiga-dora do Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da UC.

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    dos mais conceituados da historiografia herodotiana, que alertam para o fato de, no subtexto da obra, podermos ler aluses a um presente indeterminado (o tempo do ns, os leitores dos scu-los subsequentes sua composio cf. CONNER apud RAA-FLAUB, 2002, p. 179-180). Em suma, estudamos um passado que enriquece o dilogo com o presente histrico em que vivemos.

    2- A busca dos sentidos que os conceitos (neste caso os regimes pol-ticos) tm deve ser um exerccio despojado de pr-conceitos, isto , de toda uma longussima herana cultural (que se iniciou na poca do autor estudado e chega aos nossos dias). Assim, a atitude do investigador perante noes como as de Monarquia, Tirania e Democracia, nas histrias de Herdoto, nunca poder partir de ideias feitas, mas sim resultar em ideias feitas a partir do prprio texto e seus contextos.

    2. Tirania e democracia: dois regimes polticos opostos

    No clebre episdio do Livro III (caps. 80-82), mais conhecido por Di-logo dos Persas, o historiador oferece ao seu pblico, sob a forma de di-logo, uma apresentao dramatizada sobre os conceitos que nos interessa rastrear.

    1 No iremos, como j fizemos noutras ocasies, proceder a um

    comentrio exaustivo do passo, mas sim recorrer s consideraes tericas que ajudam a formar uma opinio mais fundamentada sobre as vises plu-rais que o autor produz sobre os dois regimes que temos sob anlise.

    2

    Comecemos, precisamente, por atestar que o texto herodotiano no deixa qualquer dvida sobre o fato de os regimes em apreo serem con-siderados, lato sensu, opostos. Assim os apresenta Otanes, o primeiro dos nobres persas a tomar a palavra no debate constitucional do Livro III. Alis, admitindo ns, juntamente com outras vozes (PELLING, 2002), que este debate reflete opinies que circulariam nos meios cultos da Grcia do sc. V a. C., e no seria tanto o reflexo do pensamento dos persas do sc. VI a. C. (data do golpe na Prsia, que originou a ascenso de Dario ao trono em 522/521 a. C.), consideramos a posio de incipit reservada por Herdoto ao contraste entre tirania e democracia uma evidncia de que a questo estava na ordem do dia poca de composio das histrias.

    Se passarmos do domnio terico para o da prtica governativa, veri-ficamos que esse mesmo raciocnio lgico que detetamos por detrs das

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    operaes de charme de vrios lderes gregos que marcaram a cena pol-tica de diversas cidades, em finais do sc. VI-incios do V a.C. Estamos a referir-nos a Mendrio de Samos (3. 142), Aristgoras de Mileto (5. 37) e Cadmo de Cs (7. 164). Os trs indivduos tm em comum assumirem-se como promotores da ruptura com a governao tirnica que os precede-ra em favor da democracia, que voluntariamente oferecem aos cidados das respectivas poleis. No entanto, se analisadas em pormenor as nuances de que Herdoto reveste os vrios episdios e considerados os contextos mais amplos dos momentos histricos em apreo, verificamos que, nos trs casos, as atitudes pr-democrticas dos esperados sucessores dos tiranos Polcrates, Histieu e Cita no passam de estratgias deliberadas de sobre-vivncia poltica. Na verdade, o desgaste da imagem do regime, provo-cado pelas governaes dos anteriores tiranos, anunciava dificuldades em manter a paz social. Alis, um pouco por toda a Inia, assistiu-se, nesses anos conturbados do incio do sc. V a.C. (499-494), deposio dos tira-nos locais. Apoiados pela coroa persa, esses senhores viram a legitimidade da sua governao ferida, no s em resultado do prejuzo que mandatos longos e tendencialmente opressivos sempre acarretam, mas tambm pela animosidade popular que o colaboracionismo com um invasor no grego facilmente despertava por ocasio das Guerras Medo-Persas e seu preldio.

    Mendrio e Aristgoras distinguem-se de Cadmo pelas circunstncias que os faziam, de certo modo, tiranos interinos. Quer um quer outro sur-giram no plano poltico em contextos idnticos: de regncia do poder em nome do legtimo tirano, ausente em exlio (Histieu, forado pelo convite irrecusvel de Dario para ir viver na corte persa, junto daquele que era o seu verdadeiro senhor cf. 5. 23-24) ou morto por um adversrio (Polcrates, s mos do nobre persa Oretes cf. 3. 125). Cadmo, se bem que esteja no papel de legtimo herdeiro do tirano anterior, o pai, tomou a iniciativa de se afastar deliberadamente do progenitor. No entanto, ele apresentado como mais um falso pr-democrata, frgil disfarce para a sua faceta de tirano inveterado. Segundo Herdoto, na sequncia do que poderamos classificar de hipcrita renncia tirania em Cs, Cadmo toma pela fora a populao de Zancle, polis onde pretende exercer um governo absolutista do tipo da-quele em que crescera e para o qual fora educado.

    Importa notar que, embora eu tenha usado o termo democracia para os regimes que nas trs poleis em apreo sucederam s tiranias, a verdade que Herdoto no o utiliza em nenhum dos passos em questo. Diria mais:

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    se no o emprega porque h uma inteno clara em evitar um nome po-ca perfeitamente integrado na lngua grega,

    3 mas de conotao pejorativa.

    4

    Na verdade, quando se pretendia referir o exerccio do governo das massas em tons favorveis, preferia-se aplicar aquele que, como refere Otanes em 3. 80. 6, tem o mais belo dos nomes isonomia.

    5 Composto da juno

    do adjetivo isos (igual) ao substantivo nomos (parte, lote, lei), significa governao partilhada e no apenas igualdade perante a lei. Mais, a igualdade do regime tem por princpio basilar o fato de todos os cidados terem uma participao equitativa na governao, paridade que os gregos antigos resumem na expresso estar/colocar no meio (einai/tithenai es meson) de quem governa os pragmata ou o exerccio do poder. Que esse seria o principal chavo propagandstico dos apologistas da governao das massas uma ideia que julgamos ver confirmada pela recorrncia da dita expresso em trs momentos-chave do discurso herodotiano sobre o regime, a saber: primeiro, no Dilogo dos Persas (quando, a propsito de Otanes, declara que defendia que a governao fosse entregue aos Persas de forma equitativa: , 3.80.2); depois na promessa de Mendrio aos Smios de dar lugar ao gover-no popular, ao afirmar: colocando no meio de vs o poder, anuncio-vos a isonomia ( , 3. 142. 3); finalmente Cadmo, de quem o historiador diz que foi em nome da justia que tomou a iniciativa de colocar no meio dos cidados de Cs o poder ( , 7. 164. 1).

    No obstante essa virtude to apregoada da igualdade, a verdade que, j na Antiguidade, assim como hoje, os indivduos tinham conscincia de que esta, como qualquer outro valor, est sempre condicionada ao uso que dela fazem os homens. Estamos perante a conhecida diferena que sempre se deve ponderar entre teoria e prtica. Com estas advertncias pretendo introduzir o ponto seguinte da nossa reflexo: saber at que ponto tirania e democracia so retratadas tambm como regimes de semelhanas (denun-ciadas pelos antidemocratas).

    3. Tirania e democracia: dois regimes similares

    Uma das pechas comuns governao de um s e das massas so os excessos (gr. hybreis) ou abusos de poder, verificados sempre que o(s) governante(s) ultrapassa(m) as suas competncias. No caso dos tiranos, e

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    como bem sumaria Otanes - numa avaliao que o pblico das histrias facilmente reconhece materializada nas atuaes opressoras e criminosas de figuras como Periandro de Corinto, aconselhado por um par, Trasibulo de Mileto (5. 92 -), e os filhos de Pisstrato, dspota de Atenas (5. 55) -, essa m conduta (resultante do mau carter) traduz-se no desrespeito pelas leis e normas estabelecidas, o que leva instaurao do reino da injustia ou aplicao discricionria das regras (passveis de serem infringidas pelas partes favorecidas do sistema, sejam elas o tirano ou determinada fao poltica dentro de um regime democrtico). Assim se compreende a indig-nao que notamos nas seguintes palavras de Otanes (3. 80. 3):

    Como pode a monarquia ser um regime bem ordenado, se lhe permitido fazer, sem nenhuma limitao, o que quiser? A verdade que ela pode deixar fora do seu habitual juzo mesmo o melhor de todos os homens, quando empossado desse poder.

    E no estranhamos, igualmente, que Dario condene os jogos de poder que tambm se verificavam na governao democrtica, como decorre do ataque que se segue (3. 82. 4):

    E quando a vilania se orienta para o interesse comum, o que surge entre os viles no so rivalidades, mas sim poderosas alianas! A verdade que os que cometem atos de vilania contra o interesse comum se encobrem mutuamente.

    Em suma, mesmo na democracia, pode haver interesses individuais (de grupos ou philai ou mesmo de determinados protagonistas da ao poltica) que esto acima do interesse comum (ta koina, 3. 82. 4). Caso paradigm-tico, retratado nas histrias, desse democrata interesseiro a figura do grande estratego grego da batalha de Salamina, Temstocles. Como vem retratado no Livro VIII, o general ateniense vendeu-se por trinta talentos, preo que, no contexto da refrega na zona do cabo Artemsio, custou aos eubeus comprar a Temstocles a deciso de convencer os aliados gregos a permanecer no local, defendendo, assim, a sua ilha, Eubeia.

    6

    Claro que, como Herdoto no se cobe de sublinhar a propsito da pujante Atenas imperial do ps-Guerras Medo-Persas, os abusos de poder transvazam as fronteiras da polis e passam a dominar as relaes externas. Como bem haveria de verbalizar o historiador da Guerra do Peloponeso,

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    Tucdides (2. 63. 2 e 3. 37. 2), Atenas, sob a governao democrtica extre-mista do ltimo quartel do sc. V a. C., assume-se como verdadeira tirana (tyrannis) das poleis aliadas, subjugadas aos interesses dessa nova senhora, que lhes impunha tributos, coartando-lhes a liberdade e condicionando a sua soberania. Numa bvia aluso histria presente, Herdoto, no epi-sdio que relata o primeiro Conselho dos peloponsios para deliberao sobre o ataque a Atenas, proposto por Clemenes, d conta pela boca de espartanos, do crescente imperialismo ateniense (5.912):

    Senhora de si [Atenas] cresce em poder, conforme j se apercebe-ram sobretudo os vizinhos, os becios e os calcidenses, e em breve perceber mesmo quem no estiver atento.

    No podemos esquecer que o tipo de relao que se estabelece entre um ti-rano e os seus sditos a de senhor e servos, noo desde logo evidente no uso do verbo servir (therapeuo) no seguinte trecho da fala de Otanes (3. 80. 5):

    Eis, no entanto, o mais absurdo de tudo: se algum o elogia de forma moderada, zanga-se, porque no servido com desvelo; se o serve com desvelo, zanga-se com a bajulao.

    O mesmo dizer que o regime impe aos que governa um estado de servido (douleia). Tanto assim que, quando Herdoto narra o episdio da queda definitiva da tirania em Atenas, no ano de 510 a. C., e a sequncia de tentativas logradas de Esparta para reconduzir o ex-tirano ao governo de Atenas, na esperana de chamar a rival Simaquia do Peloponeso, ou seja, ao seu domnio, o historiador afirma que a polis, vivendo em liberdade (o mesmo dizer sob um regime democrtico), disputaria com Esparta a he-gemonia da Hlade. Sob uma tirania, ao invs, estaria reduzida condio de sdita obediente, como se l em 3. 91.1:

    Quando os lacedemnios se viram na posse dos orculos e per-ceberam que o poderio dos atenienses crescia, mas que estes no estavam dispostos a sujeitar-se aos seus desgnios, e compreendendo que as gentes da tica, se tivessem um estado livre, conseguiriam equiparar-se a si, mas que, sob o jugo da tirania, seriam dbeis e submissos, ponderados cada um destes fatores, os espartanos mandaram chamar do Sigeu, no Helesponto (lugar para onde se tinham refugiado os Pisistrtidas), Hpias, filho de Pisstrato.

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    Tambm os episdios atrs enunciados da oferta da isonomia a Samos, Mileto e Cs reforam essa linha de pensamento, visto que expressamente se diz no texto relativo abdicao de Mendrio que os cidados da res-pectiva polis, com essa mudana de regime, passariam (teoricamente, pelo menos!) a usufruir a eleutheria. esse esforo de purificao da imagem de dspota que explica que o Smio tenha tomado a deciso de promover uma iniciativa religiosa de forte sentido poltico (3. 142. 2-3): a construo de um altar dedicado a Zeus Libertador (Eleutherios).

    No se pense, porm, do que acabamos de expor, que a liberdade no pode nunca ser uma ddiva de um regime monocrtico. O que a theoria e a praxis poltica das histrias confirmam que essa equao vlida, mas apenas quando o senhor nico um rei (basileus) ou monarca excelen-te (mounarchos aristos)

    7. Recordemos que Djoces (1. 96-101), fundador

    da monarquia meda, aps ter libertado o seu povo da servido aos assrios, na interpretao do historiador grego, se converteu num tyrannos, em vez de ser o basileus que a sua gente elegera para trazer um clima de justia Mdia. A monarquia, forma kalos do governo autocrtico, promove a liber-dade, pois pelas mos de um homem sbio e excelente que se libertam os indivduos de uma forma degenerada, i. e., kakos, do governo, seja ele, uma oligarquia, uma democracia ou uma tirania. Disso nos d conta a argu-mentao de Dario a favor da monarquia, quando esclarece o seu estatuto de regime providencial (3. 82. 3-4):

    Na oligarquia costume surgirem, entre o grande nmero de in-divduos que coloca o seu mrito ao servio do interesse comum, poderosas rivalidades pessoais: de fato cada um deles, movido pelo desejo de liderar e de fazer vencer as suas propostas, leva a que apaream, entre si e os outros, rivalidades insanveis, das quais nascem dissenses, das dissenses homicdios e dos homicdios desemboca-se numa monarquia, e, com isto, torna-se evidente o quanto este o melhor regime. 4. Quando o povo governa, inevi-tvel o aparecimento da vilania! (). Este o tipo de situao que temos, at que algum, assumindo a liderana do povo, detenha esses indivduos! Graas a tais atos, ele admirado pelo povo e , certamente, por ser admirado que se torna um monarca! E com isto tambm ele prova que a monarquia o melhor regime.

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    Na verdade, o que o historiador demonstra com a sua re-presentao (pois todo discurso histrico uma forma no de reproduzir o passado, mas sim de um tornar de novo presente, ou seja, uma re-presentificao do passado) dos acontecimentos o quo simplista seria identificar um governo monocrtico com uma forma de servido poltica dos cidados e, ao invs, considerar que o regime democrtico garante sempre, a todos por igual, a liberdade.

    4. Concluses

    A maioria das cidades gregas do tempo de Herdoto situava no passado a experincia interna da tirania, vivendo ora sob o regime da democra-cia, ora sob uma oligarquia. Mais, a histria contempornea da Guerra do Peloponeso serviu para expor como so falaciosos pr-conceitos polticos baseados na correspondncia entre democracia e liberdade versus tirania e servido - ainda que nas entrelinhas, o historiador de Halicarnasso soube denunciar a hipocrisia de semelhantes chaves propagandsticos pr-de-mocrticos. No quis, com a anlise acabada de efetuar, sugerir que o nosso autor tenha tomado partido por Atenas ou Esparta (e respectivos regimes polticos), elas que eram as duas cidades que lideravam o conflito que as-solava internamente a Hlade na segunda metade do sc. V a. C. Pretendi, sim, evidenciar o imparcialismo e o esforo hermenutico de um historia-dor que, com toda a justia, poderamos, inspirando-nos no epteto que lhe deu Ccero no sc. I a. C., denominar de Pai da Teorizao Poltica.

    Por tudo o que foi dito, considero empobrecedor refletirmos sobre a tradio subjacente ao pensamento poltico do maior filsofo ainda desse mesmo sculo, Plato, sem desbravarmos as matrizes que desse tipo de discurso se encontram em Herdoto, assunto que j tive oportunidade de discutir noutro frum de reflexo ocorrido neste mesmo centro de produo de conhecimento e debate em lngua portuguesa sobre a Antiguidade Cls-sica, o IFCS (Instituto de Filosofia e Cincias Sociais) da UFRJ. Refiro-me ao I Colquio PRAGMA/CECH: Politea e Utopia no pensamento antigo (3 a 6 de Setembro de 2012), cujos trabalhos j se encontram publicados (SOARES, 2013).

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    ANEXO

    (traduo de hERdOtO. 3. 80-82)80. 1. Depois que terminou a agitao e que passaram cinco dias, os que

    se tinham sublevado contra os magos discutiram sobre todas as formas de governao

    8 e foram proferidos discursos inacreditveis (na opinio de al-

    guns gregos), mas a verdade que foram proferidos. 2. Otanes defendia que a governao fosse entregue aos persas de forma equitativa,

    9 argumentando

    o seguinte: Sou do parecer que no mais um de ns se torne monarca! De fato essa situao no agradvel, nem boa. Bem vistes no s a que ponto chegou a insolncia de Cambises, como tambm ficastes a conhecer a do mago. 3. Como pode a monarquia ser um regime

    10 bem ordenado, se lhe

    permitido fazer, sem nenhuma limitao, o que quiser? A verdade que ela pode deixar fora do seu habitual juzo mesmo o melhor de todos os ho-mens, quando empossado desse poder. Pois, ao passo que a insolncia lhe nasce dos bens que possui, a inveja, por seu turno, , desde sempre, inata ao gnero humano. 4. Como possui estes dois predicados, possui a vilania completa: comete muitos atos celerados, uns a fim de saciar a insolncia, outros a inveja. No entanto o homem que tirano no devia ser invejoso, uma vez que possui todos os bens! Torna-se, no entanto, no inverso disso mesmo, no relacionamento com os cidados: inveja os melhores (porque lhe so superiores e esto vivos), mas compraz-se com os mais viles dos cidados, e o melhor a acolher calnias. 5. Eis, no entanto, o mais absur-do de tudo: se algum o elogia de forma moderada, zanga-se, porque no servido com desvelo; se o serve com desvelo, zanga-se com a bajulao. Vou mas falar do que mais importa: subverte costumes ptrios, exerce violncia contra mulheres e condena morte sem julgamento. 6. A mul-tido, ao invs, quando governa, em primeiro lugar, tem o mais belo dos nomes isonomia, em segundo, no faz nada do que faz o monarca! por sorteio que exerce as magistraturas, presta contas pelo exerccio de cada magistratura, toma todas as decises em comum. Por isso proponho que ns, depois de renunciarmos a uma monarquia, promovamos o governo

    11

    da multido! que na maioria que reside o todo.81. 1. Enquanto Otanes fazia esta proposta, Megabizo defendia que se

    virassem para uma oligarquia, argumentando o seguinte: O que Otanes disse sobre abandonar a tirania tambm eu digo o mesmo; mas, quando exortava a que entregssemos multido o poder, desviou-se da melhor

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    proposta! Efetivamente nada h de mais estpido e insolente que uma as-sembleia intil. 2. Sem dvida absolutamente intolervel que homens que fogem da insolncia de um tirano venham a cair na insolncia de um povo indisciplinado. Ao menos aquele, se faz alguma coisa, f-la com co-nhecimento, j a este no lhe assiste conhecimento algum! Como poderia, pois, ter conhecimento quem no foi ensinado, no sabe o que belo, nem sabe nada por si prprio e, sem pensar, se atira governao, semelhante a um rio de torrentes invernosas? 3. O povo, buscam-no, agora, aqueles que desejam mal aos persas; mas ns, ao invs, escolhido um grupo de homens dos melhores, confiemos-lhe o poder! Realmente, entre esses, tambm ns estaremos includos e, por outro lado, natural as melhores decises surgi-rem dos melhores homens.

    82. 1. Enquanto Megabizo fazia esta proposta, o terceiro a expor a sua proposta foi Dario, argumentando: A mim, o que disse Megabizo a prop-sito da multido, parece-me ser uma argumentao correta; j o que disse sobre a oligarquia no correto. Dos trs regimes

    12 que temos nossa dis-

    posio, afirmo que apesar de todos eles serem os melhores ( o melhor o governo do povo, a oligarquia e a monarquia ) este ltimo de longe superior aos outros. 2. De fato nada se pode revelar melhor do que um s homem dotado de excelncia! Ora bem, porque se serve desse tipo de qualidades que pode zelar pela multido de forma irrepreensvel e guar-dar, no maior segredo, as suas decises dos inimigos. 3. Na oligarquia costume surgirem, entre o grande nmero de indivduos que coloca o seu mrito ao servio do interesse comum, poderosas rivalidades pessoais: de fato cada um deles, movido pelo desejo de liderar e de fazer vencer as suas propostas, leva a que apaream, entre si e os outros, rivalidades insanveis, das quais nascem dissenses, das dissenses homicdios e dos homicdios desemboca-se numa monarquia, e, com isto, torna-se evidente o quanto este o melhor regime.

    13 4. Quando o povo governa, inevitvel o apareci-

    mento da vilania! E quando a vilania se orienta para o interesse comum, o que surge entre os viles no so rivalidades, mas sim poderosas alianas! A verdade que os que cometem atos de vilania contra o interesse comum se encobrem mutuamente. Este o tipo de situao que temos, at que algum, assumindo a liderana do povo, detenha esses indivduos! Graas a tais atos, ele admirado pelo povo e , certamente, por ser admirado que se torna um monarca! E com isto tambm ele prova que a monarquia o melhor regime.

    14 5. Para resumir tudo o que foi aduzido num nico termo:

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    a liberdade donde nos veio e quem nos a deu? Do povo, da oligarquia ou de um monarca? Sou, por conseguinte, da opinio de que, visto ns termos sido libertados por um nico homem, defendamos esse tipo de regime

    15 e,

    alm disso, porque temos por bem no dissolver os costumes ptrios! Real-mente esta no a melhor atitude.

    dIalOGUE In hEROdOtUS HistORiEs BEtwEEn thEORY and pOlItICal PRAxis. tYRannY and dEMOCRaCY: COn-tRaStS and SIMIlItUdES

    Abstract: We focus our attention on two major faces of power (arche) in Ancient Greece: freedom (eleutheria) and slavery (douleia). The pur-pose of this research is to question the position of Herodotus on the subject of the two forms of political action (pragmata) generically considered as opposed regimes, i.e. the one mans rule (in Greek, therefore, called monarchy) and the government of the masses/people (demokratia). The result of this study will be therefore to show that Herodotus describes several episodes where we are faced with just the reverse situation, that is, that the government of a single man releases and that of the masses overwhelms.

    Keywords: Herodotus; political theory; political practices; tyranny and democracy; slavery and freedom.

    Documentao textual

    HERDOTO. histrias, livro 1. Introduo geral de M. H. Rocha Pereira; introduo, verso do grego e notas de J. R. Ferreira e M. F. Silva. Lisboa: Edies 70, 1994.HERDOTO. histrias, livro 3. Introduo, verso do grego e notas M. F. Silva e C. Abranches. Lisboa: Edies 70, 1994.HERDOTO. histrias, livro V. Introduo, verso do grego e notas M. F. Silva e C. Soares. Lisboa: Edies 70, 2007.HERDOTO. histrias, livro 8. Introduo, verso do grego e notas J. R. Ferreira e C. Soares. Lisboa: Edies 70, 2002.

    Referncias bibliogrficas

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    notas

    1 Considerando que nem todos os que ensinam e estudam a Histria da Grcia Anti-

    ga dispem de competncias lingusticas para aceder ao original grego de Herdoto e que as tradues que circulam em portugus no deram prioridade viso do historiador moderno sobre a fonte, efetuei uma traduo mais prxima do esprito e da forma do texto grego, que apresento no termo deste artigo (vd. Anexo).2 Este assunto j foi por ns detalhadamente analisado nas seguintes ocasies:

    Congresso internacional Plis/Cosmpolis: identidades globais/identidades locais (Coimbra, 3 e 4 de Maro de 2011), com a comunicao Regimes polticos nas Histrias de Herdoto. O Dilogo dos Persas (3. 80-82); II Congreso Interna-cional de Filosofia Griega. Sociedade Ibrica de Filosofia Griega (19-21 de Abril de 2012), Palma de Maiorca (Espanha), com a comunicao Platn: fuente para una relectura de la teorizacin poltica herodotiana. Outros estudos sobre a ma-

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    tria: Romilly (1959), Lasserre (1976), Evans (1981), Lateiner (1984), Rocha Pe-reira (1981 e 1990), Pelling (2002) e Sousa (2010). Sobre a tirania no pensamento herodotiano, ver: Waters (1971), Ferrill (1978), Gammie (1986), Parker (1988), Dewald (2003 e 2008), Moles (2007), Condilo (2010). Sobre a democracia, leia-se: Rosivach (1988), Forsdyke (2002), Rhodes (2007), Sealey (2007).3 Nas histrias, demokratie e o verbo da mesma raiz so empregados nos seguintes

    passos: 1. 131. 1 (nica vez em que o substantivo aplicado a Atenas), 6. 43. 3 (alm do substantivo usa-se, igualmente, o verbo demokrateesthai, referindo-se atuao do general persa Mardnio, tambm ele movido pela vontade de colher o favor de uma populao cada vez mais avessa aos tiranos) e 4. 137. 2 (s o verbo demokrateesthai utilizado, referindo-se s cidades da Inia, em particular a Mile-to de Histieu e o Quersoneso de Milcades).4 Como reparou Sealey (2007, p. 250-251), o segundo elemento da palavra de-

    mokratia (derivado de kratos) implicava um exerccio violento do poder. Quanto ao primeiro nome da composio (demos), conforme sugere a sua ausncia do dis-curso do persa Otanes (que prefere empregar as palavras que designam multido e massas, respectivamente plethos e polloi, cf. 3. 80. 6), surge na boca dos de-tratores do regime popular e vem, indubitavelmente, associado a um sentido baixo, como clarifica o seu uso acompanhado do adjetivo akolastos (indisciplinado, cf. 3. 81. 2) e a comparao da sua forma de agir a um rio de torrentes invernosas (i.e., a uma fora indomvel e destruidora, cf. 3. 81. 2) ambos os passos na fala do oligarca Megabizo alm da associao, por Dario, desse regime vilania (kako-tes), seno recordemos as palavras desse monrquico: Quando o povo governa, inevitvel o aparecimento da vilania! (3.82.4). 5 De fato, como bem chamou a ateno Cartledge (2009, p. 6), o termo governo do

    povo possua um sentido negativo visceral, ao passo que isonomia cobria o sentido geral de igualdade poltica (idem: p. 6).6 Sobre Temstocles, ver Soares (2002, p. 31-33) e bibliografia a indicada.

    7 De fato nada se pode revelar melhor do que um s homem dotado de excelncia!

    Ora bem, porque se serve desse tipo de qualidades que pode zelar pela multido de forma irrepreensvel e guardar, no maior segredo, as suas decises dos inimigos.8 A forma de plural do substantivo neutro , aqui usada, tem um sentido deriva-

    do dos valores denotativos feitos, negcios (pblicos, por oposio a privados), a saber governao. Cartledge (2009, p. 4) explica este sentido genrico, que, no caso da ln-gua portuguesa, em contextos mais especficos, como o do texto em anlise, pode as-sumir o sentido mais restrito de forma de governao (ou seja, regime, constituio).9 A expresso [entregue] de forma equitativa corresponde em grego a

    [], que significa ao p da letra colocar no meio, posicionamento que im-plica que todos esto a igual distncia do referente em causa (que aqui : ).

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    10 A palavra grega usada, , tem um sentido genrico muito idntico ao de

    , pelo que considero legtimo traduzi-la por regime, uma vez que a coisa, negcio a que se refere, j ficou claro acima, a coisa pblica.11

    Em grego s temos a multido ( ). No entanto, no incio deste mesmo pargrafo, Herdoto usou uma expresso mais completa: a multido governando ( ), i. e. o governo da multido. Entendo, pois, que aqui estamos perante a mesma ideia, se bem que referida de forma sincopada.12

    Na expresso tem que se subentender o subs-tantivo .13

    Uma vez mais o substantivo que se deve subentender .14

    Mesma situao da nota anterior.15

    Situao igual das duas notas anteriores.

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    SI EStO ES Un hOMBRE (GRIEGO). la SUBJEtIvIdad dEl CIUdadanO MOdlICO Y lOS SERES dESUBJEtIvadOS

    *

    Julin Gallego**

    Resumo:

    O trabalho tem como objetivo investigar a definio de um cidado modelar da plis grega, utilizando o conceito de subjetividade instituda. Esta noo refere-se aos padres dominantes, que estabelecem uma ideia do homem desejvel baseada na excluso e, acima de tudo, na expulso dos seres que, embora biologicamente humanos, so considerados socialmente inferiores e colocados fora da humanidade. Todos esses seres heterogneos (plebeus, mulheres, escravos, servos, etc.), na prtica e na teoria, so sub-metidos a diversos processos de dessubjetivao, que envolvem a negao da condio humana, ou seja, uma desumanizao.

    Palavras-chave: plis; cidado; homem; subjetividade; dessubjetivao.

    Establecer como punto de partida de este artculo la interrogacin, con-temporneamente ineludible, que se deriva del testimonio de Primo Levi (1988) desde el propio ttulo de su obra, nos impone un eje inevitable de reflexin que implica asumir no solo la existencia positiva del hombre, planteando qu es el hombre en la Grecia antigua, sino sobre todo, como contrapartida, preguntarse sobre los lmites de la humanidad.

    Levi apela a la figura del musulmn para designar la consumacin ca-tastrfica del hombre moderno, figura esquiva para la que se han propuesto las nociones de lmite de lo humano y desubjetivacin (AGAMBEN, 2000,

    * Recebido em 10/03/2014 e aceito em 02/04/2014.

    ** Professor de Histria Antiga Clssica da Faculdade de Filosofia e Letras da UBA (Universidade de Buenos Aires), Pesquisador do CONICET (Consejo Nacional de Inves-tigaciones Cientficas y Tecnolgicas) e Codiretor do PEFSCEA (Programa de Estudios sobre las Formas de Sociedad y las Configuraciones Estatales de la Antigedad).

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    p. 64-65, 80-81, 109-29, 140-42, 153-55). Como ha planteado Ignacio Lewkowicz (2004, p. 33-34), se trata de una expulsin de la humanidad que implica cuerpos biolgicamente homo sapiens pero sin inclusin en el imaginario que dona inscripcin subjetiva en la condicin humana.

    La constatacin de estos lmites comporta, pues, una institucin de la humanidad histricamente condicionada, y la vieja pregunta Qu es el hombre? no puede estar al margen de las experiencias de la no-huma-nidad. Como Agamben (2000, p. 136-37) ha puesto de manifiesto, es la imposibilidad de mantener reunidos al viviente y el lenguaje, la capacidad para emitir sonidos (phon) y el discurso (lgos), el no-humano y el hu-mano, lo que abre la posibilidad del testimonio que Levi pone de relieve y, por ende, del sujeto de la experiencia de la humanidad frente al lmite de la no-humanidad como el ncleo intrnseco del hombre. La distincin entre los dos trminos griegos sealada por Agamben es indicada por Aristteles (poltica 1253a 7-18) como principio de diferenciacin entre el hombre (ho nthropos) y otros animales gregarios. La emisin de sonidos (phon) para expresar placer o dolor es condicin necesaria pero no suficiente para la humanidad: se debe poder comunicar articulando un sentido codificado mediante el discurso (lgos), que permite decir aquello que es propiamente humano: lo til y lo perjudicial, lo justo y lo injusto, el bien y el mal. Todo esto es posible no de manera aislada sino como parte integrante de una co-munidad, y bien mirado define los parmetros que delimitan el ser hombre bajo la figura del ciudadano de una plis (zon politikn).

    Ahora bien, la perplejidad que nos provoca en la actualidad la angus-tiante comprobacin de las fronteras entre humanidad y no-humanidad esa desubjetivacin provocada ya sea por la concentracin en campos de exterminio, ya sea por la expulsin de toda inscripcin en el consumo con-forme a la dispersin del capitalismo hoy imperante (cf. LEWKOWICZ, 2004) se debe en rigor a que estas y otras experiencias deshumanizadoras contrastan con la universalidad del hombre asumida por la modernidad.

    Cmo se puede plantear esta cuestin para la Grecia antigua? Sirvin-donos de la articulacin que Agamben traza con el mundo griego al acudir a los trminos phon y lgos con los que Aristteles delimita al hombre como ser que vive en plis, es la figura del ciudadano aquella que queda convocada como punto de partida de una demarcacin de la humanidad. A nadie escapa la necesaria referencia a la esclavitud cuando de abordar esta cuestin se trata. Al plantear el problema de la libertad del ciudadano, Fin-

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    ley (1984, p. 106-11) constataba precisamente que el concepto de libertad se defina como anttesis de la esclavitud, pero que esto no era suficiente, puesto que se deba reconocer el lugar ocupado entre los hombres libres a partir de los privilegios o exenciones, que constituan de modo concreto los contenidos de un derecho positivo. Esto implicaba al mismo tiempo debe-res e incapacidades. As, lo que para unos era un privilegio apareca como una obligacin para otros; o lo que era una exencin, del otro lado era una restriccin. Era precisamente en este terreno que surga la stsis entre los hombres libres, que por definicin eran los ciudadanos de una plis, pues una ganancia para unos implicaba automticamente una prdida para otros. Una tensin permanente, por ende, en torno a la igualdad concreta. Es por ello que la stsis, dice Aristteles (poltica 1301b 26-41), surge entre los que luchan por la igualdad pero discrepan en cmo hay que entenderla.

    El tipo de subjetividad caracterstico del ciudadano griego (dejando de lado los matices inherentes a cada caso) se diseaba, pues, bajo estos pa-rmetros: libertad como propiedad exclusiva definida antitticamente res-pecto de la esclavitud; ejercicio efectivo de dicha libertad en relacin con otros ciudadanos, en una suerte de puja distributiva de derechos y deberes organizada como una lucha por la igualdad entre quienes pretendan ser iguales en todo (muchos, pobres) y quienes anhelaban ser desiguales en todo (pocos, ricos). Pero lo que tambin traslucen estas consideraciones es el problema de la relacin entre la comunidad y los individuos, entre el mbito dentro del cual era posible el ejercicio de, y la lucha por, los dere-chos y los seres afectados por esto. La subjetividad del ciudadano se daba bajo la condicin comunitaria de definicin de la humanidad, que no era abstracta sino que pona en movimiento conflictos especficos alrededor de quines se incluan dentro de la humanidad establecida segn las pautas de vida de la plis.

    Esta condicin comunitaria impona pautas ideolgicas estrictas res-pecto de qu implicaba ser considerado parte de la humanidad delimitada por la pertenencia al cuerpo de ciudadanos. Como seala Nicole Loraux (1993, p. 120-41; cf. 2003, p. 12, 16, 46) a partir de la oracin fnebre en honor a los muertos en batalla, como la de Pericles en Tucdides (II, 35-46), el elogio de la bella muerte del varn (anr) que haba cumplido con lo que le exiga la ciudad implicaba que la vida de cada ciudadano no impor-tara en s misma, pues no haba ms vida que la de la ciudad. Esta muerte cvica apenas se relacionaba con el cuerpo del ciudadano, porque sma era

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    en definitiva un mero soporte para las conductas cvicas: el ciudadano era un hombre descarnado cuyo cuerpo era solo un prstamo de la ciudad a la que pagaba su deuda muriendo en combate. Si puede pensarse en un cuerpo de la ciudad es porque ella tambin tiene un alma, que Loraux (1997, p. 75-81) explora en la Repblica de Platn donde se la compara con la politea que regula la actividad poltica. Pero a poco de andar se percibe claramente que se trata de una ciudad atravesada por la stsis, como ya vimos, que solo se resolvera a partir de la supuesta concordia de la ciudad perfecta alojada en el alma donde reside la politea.

    Esta ciudad pensada, que tanto en la oracin fnebre como en la re-flexin platnica se impone bajo el signo del Uno indiviso, deja afuera pre-cisamente todo aquello que pueda evocar el Dos instituyente y conflictivo que le subyace. Esta representacin imaginaria concibe a la ciudad como cuerpo y alma de un modo unitario, y solo puede hacer lugar al conflicto poltico bajo las especies de una enfermedad que afecta a la comunidad y altera sus debidas proporciones internas. De manera que para preservarla de todo lo que la enferma en la medida en que la divide y la vuelve contra s misma se busca la extirpacin del mal, la cura, la sanacin y la conserva-cin unitaria de la ciudad.

    As pues, los autores griegos destacan la virulencia que adquiere un conflicto civil recurriendo habitualmente a la idea de enfermedad para re-ferirse al estado en que ha cado una ciudad, que es considerada como un cuerpo convaleciente, un todo cuya divisin interna lo enferma. Herdoto (V, 28) lo destaca respecto de Mileto, a la que califica como el orgullo de Jonia pero que haba estado enferma (nossasa) en grado sumo durante dos generaciones a causa de la guerra civil (stsis). La repetida asociacin entre stsis y nsos es el modo en que el pensamiento griego asume el conflicto, asociando lo poltico con una instancia normalmente unitaria y consensual en relacin con la cual la enfermedad de la divisin es vista como una alte-racin excepcional. La ciudad enferma de guerra civil es siempre una ano-mala a remediar (cf. LORAUX, 1997; 2005), restableciendo el equilibrio que articule perfectamente la ciudad con el ciudadano ejemplar.

    Pero la subjetividad modlica del ciudadano no transcurre sin sobresal-tos en la medida en que no todos humanos participan de la misma forma y con las mismas aptitudes en el cuerpo y el alma de la ciudad. Nos referimos a los lmites que anidan en el interior de la propia humanidad. Observemos

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    primeramente lo siguiente: segn vimos al inicio, para delimitar al hombre en relacin con otras especies animales Aristteles usa el trmino nthro-pos para aludir al gnero humano; pero en la oracin fnebre de Pericles la figura invocada es la del anr, el varn ciudadano, al igual que cuando Platn (Repblica 442e; 454d-455e) selecciona con cuidado el mismo vo-cablo en relacin con la plis, o al subordinar bajo la nocin genrica de nthropos las diferencias entre el gnero masculino (t tn andrn gnos) y el femenino (t tn gunaikn gnos) (cf. LORAUX, 1981, p. 75-117). En este marco podemos ponderar los varios lmites que se entrecruzan cuando se trata de establecer las condiciones de humanidad, delimitaciones que son, a un tiempo, negativas y positivas pero para nada plenas y armnicas entre s, segn lo que se considere que forma parte o no de la situacin humana de la plis.

    La relacin entre esclavitud y humanidad ha generado arduos deba-tes (cf. FINLEY, 1982, p. 119-59). En efecto, cuando Aristteles (poltica 1454a 14-17) define al esclavo por naturaleza como el que naturalmente no se pertenece a s mismo sino a otro,

    qu implica que esa posesin, ese ins-

    trumento activo e independiente, sea un nthropos, recalcando tres veces en el mismo pasaje esta cualidad de tal (cf. 1255a 21-30)? La respuesta no parece cerrar el problema sino ms bien abrirlo a una serie de cruzamientos que diluye la definicin de humanidad en su relacin con los otros, pero tambin consigo misma. El filsofo introduce su concepcin de la primaca del alma (psukh) sobre el cuerpo (sma) as como de la inteligencia (nos) sobre el apetito (rexis): el alma ejerce un control desptico sobre el cuer-po, mientras que la inteligencia ejerce uno poltico o regio sobre el apetito (1254a 34-1254b 14). El hombre cuya alma rija sobre el cuerpo en forma natural ser mejor que aquel cuyo cuerpo rija naturalmente sobre su alma. As, este ltimo debera ser el esclavo por naturaleza al estar dotado de un cuerpo superior a su alma; y el primero, al tener la mejor disposicin entre alma y cuerpo, debera naturalmente ser el amo y el propietario de aquel que se caracteriza por tener una disposicin inversa entre ambas partes (1254b 15-30; 1252a 31-34).

    1 Se debe recordar que en acerca del alma

    (402a 6-7) Aristteles considera el alma como el principio (arkh) de la vida animal. Por ende, si un hombre no posee la mejor disposicin entre alma y cuerpo, su principio directriz est desviado, porque el alma da la forma al cuerpo (414a 14-28). Pero aqu los problemas recin empiezan, pues Aristteles (poltica 1254b 32-36) concede que a menudo hay es-

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    clavos semejantes a los hombres libres en cuerpo o en alma y que es ms difcil ver la belleza del alma que la del cuerpo (1254b 38-39).

    En Investigacin de los animales (486a 17-21; 545b 26-31), Arist-teles permite concluir que los exponentes de la especie humana (nthro-pos) no presentan diferencias fundamentales en trminos biolgicos (cf. CAMBIANO, 1987, p. 36). Y, al igual que en otras especies, Aristteles establece una distincin dentro del gnero humano entre hembras y machos conforme al carcter (thos), porque en general las hembras tienen menos coraje (athumtera) que los machos (608a 21-35). Tambin postula una in-ferioridad de aqullas con respecto a stos en orden a su fortaleza fsica y su constitucin orgnica (538b 5-10: aneurteron; cf. 493a 14-16; IRIARTE, 2003, p. 281-82). Se trata, ciertamente, de una correlacin que justifica la superioridad del macho sobre la hembra en el dominio biolgico: la hembra provee la materia o el cuerpo; el macho suministra una forma a esa materia, el alma o esencia de un cuerpo (cf. ARISTTELES. Reproduccin de los animales 716a 4-7; 738b 20-27; 732a 1-7; MAYHEW, 2004, p. 38-41).

    Dejando de lado las dems especies y situando la distincin trazada en el contexto de la especie humana, la diferencia que surge de la definicin biolgica del nthropos vendra dada por la distancia existente entre varn (anr) y mujer (gun) (cf. ARISTTELES. Metafsica, 1058a 29-35; FE-MENAS, 1994, p. 66). El lugar del varn respecto de la mujer es similar al del alma en relacin con el cuerpo, pues en ambos casos el primer trmino ocupa la posicin de la forma (edos) hacia la cual necesariamente tiende la materia (hle), siendo la primera superior a la ltima. En este sentido, es claro que Aristteles (fsica 192a 20-24) equipara a la hembra con la feal-dad (aiskhrn), teniendo ambas sus referencias positivas, normales y natu-rales en el macho y la belleza (kaln), respectivamente. Para Aristteles el hombre modlico se liga a los ideales de belleza, alma y forma, en tanto que la hembra, la fealdad, el cuerpo y la materia ocupan posiciones rela-tivas equivalentes. Esto constituye una obvia justificacin de la posicin masculina dominante en la plis (cf. CLARK, 1999, p. 11-22; MAYHEW, 2004, p. 92-113). Pero, en este plano, nada indicara una predisposicin natural a la esclavitud presente en unos humanos y no en otros, y solo habra ciertas lneas que justificaran la dominacin del gnero masculino sobre el femenino, igualmente presentes en la poltica (1254b 13-14) o en la Repblica de Platn (455e), solo por citar dos ejemplos muy comunes.

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    De todos modos, hasta cierto punto, la situacin del esclavo por natura-leza en relacin con el amo es comparable a la de la mujer en relacin con el varn: en ambos casos, los primeros proveen la materia o cuerpo y los se-gundos la forma o alma. Hay una diferencia obvia entre la mujer y el esclavo, que Aristteles (poltica 1252b 1-5; 1253b 5-10) plantea adscribindola a la naturaleza y relacionndola con los distintos tipos de poder que el hombre puede ejercer: como amo sobre sus esclavos; como marido sobre su espo-sa; como padre sobre sus hijos. Pero respecto de su concepcin de forma y materia, Aristteles coloca a la mujer y al esclavo en la posicin equivalente de materia a la que hay que dar forma. Por otra parte, Aristteles seala que la esclavitud natural no se da automticamente sino a partir de un acto de fuerza como la guerra (1256b 23-26). Esta es una guerra justa por naturaleza que da lugar a un arte adquisitivo natural utilizado para someter a los que han nacido para ser dominados, pero no quieren serlo. Este argumento junto a otros despliegan la creencia en una condicin subhumana, desubjetivada, de los que por naturaleza no son seres de la plis, condicin que se relaciona con la esclavitud natural (GARNSEY, 1996, p. 113). Pero las dificultades no dejan de aparecer, pues esta subhumanidad, esta desubjetivacin, no se corresponde con la posibilidad que, en contraste, Aristteles destaca en la tica a nicmaco (1161a 33-1161b 7) donde se conjetura la existencia de un vnculo de amistad con el esclavo, pero no en tanto que tal sino como hombre (nthropos). Tras haber construido la serie de oposiciones complementarias entre los que nada tienen en comn, y por ende tampoco phila (el artfice y el instrumento; el alma y el cuerpo; el amo y el esclavo), llega entonces a la definicin del esclavo en cuanto tal como un instrumento animado (mp-sukhon rganon) en relacin con el instrumento que es un esclavo inanimado (psukhos dolos). Pero el esclavo como hombre tendra la capacidad po-tencial de ser partcipe de una ley o una convencin, esto es, formar parte de una sociedad que lo habilitara para tener lazos de amistad. Lo que parece describirse en este caso es la esclavitud por ley, segn la cual unos pueden llegar a ser esclavos de otros pero no debido a la naturaleza sino a causa de la convencin y la guerra mediante las cuales unos someten a los otros. Quienes se reconocen como hombres y despliegan entre s lazos amistosos se incluyen bajo las condiciones instituidas por un pacto que los equipara; como amos y esclavos nunca podran gozar de un vnculo de amistad que solo es posible en el marco de un acuerdo mutuo e igualitario (cf. ARISTTELES. poltica 1255a 4-7; GARNSEY, 1996, p. 124-26).

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    En la poltica (1253a 3-7) se traza una distincin entre quienes que-dan excluidos de la plis por naturaleza o por azar (di phsin ka ou di tkhen). El que est fuera de la plis por naturaleza es necesariamente malo (phalos), amante de la guerra (polmou epithumets) como un fin en s mismo y por ende reprobable, a quien anatematiza como sin tribu, sin ley, sin hogar (aphrtor athmistos anstios) citando a Homero (Ilada IX, v. 63). Pero el hombre sin plis debido al azar, segn Aristteles, estara por naturaleza destinado a vivir en la plis. Una situacin azarosa surgira como resultado de una guerra entre dos comunidades humanas destinadas a vivir en plis por naturaleza: los hombres de una de ellas podran conver-tirse en esclavos de los ciudadanos de la otra. Y tal vez el mismo esquema pueda aplicarse para pensar el desarrollo de la esclavitud a partir del de-sarrollo de diferencias internas en una comunidad organizada como una plis. As pues, para una parte de los esclavos no resulta fcil determinar en qu medida y por qu motivos han sido transformados en seres desubjetiva-dos en relacin con la subjetividad instituida del ciudadano modlico, y por ende deben considerarse como seres expulsados de la condicin humana definida conforme a los parmetros dominantes en la plis.

    Quien no parece tener duda alguna al respecto es el autor conocido como el Viejo Oligarca en su panfleto Repblica de los atenienses (I, 6-9), que plantea una distincin entre varn (anr) y humano (nthropos) en el interior del cuerpo de ciudadanos atenienses proponiendo la exclusin de quienes no detentan el primer estatus. En efecto, los ndres son esencial-mente los mejores (ristoi), los honestos (khresto), los inteligentes (dexi-tatoi), quienes deben ejercer el gobierno. El pueblo (dmos) es expulsado discursivamente del plano poltico y colocado en situacin de esclavitud (doulea) porque est compuesto de seres ruines (ponero) y alocados (mai-nmenoi), que ya no se consideran ndres sino nthropoi (cf. JENOFON-TE. Memorables I, 2, 50; YUNIS, 1996, p. 50; LAPINI, 1997, p. 76). La utilizacin de estas oposiciones no es casual y la precisa seleccin de la terminologa nos indica que, para el autor, un anr es en s mismo bueno (khrests), el verdadero hombre destinado a vivir en plis y gobernarla; en cambio, un nthropos solo es hombre en sentido genrico, que puede por ende ser malo (poners) y estar destinado, en tanto que tal, a ser excluido de la plis y caer en esclavitud (cf. LORAUX, 2003, p. 67). En efecto, si un nthropos es considerado poners jams puede alcanzar el estatus del anr, figura a la cual este tipo de pensamiento ve como el verdadero hom-

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