| cartas ao editor | bebidas energéticas – uso...

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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 54 (3): 363, jul.-set. 2010 363 1 Mestrado em Psicologia Social pela PUCRS. Psiquiatra. Bebidas energéticas – uso indiscriminado? Gilda Pulcherio 1 O uso de bebidas energéticas (energéticos) encontra-se disseminado no Brasil, principalmente entre os jovens, e preocupa por suas consequências pouco conhecidas (1). Ini- cialmente vendidas em pequenas doses com o slogan “Que te dá asas”, hoje são encontradas em embalagens de até 2 litros, com nomes como “Cachorro louco”, “Atômico”, etc. Sabe-se que os energéticos são substâncias psicoativas com propriedades altamente estimulantes, devido à expressiva quantidade de taurina e cafeína, esta variando entre 50 mg e 505 mg por 200 ml. Não há qualquer aviso sobre intoxi- cação por superdosagem (2). Além disso, são normalmente comercializadas junto às bebidas alcoólicas. Para o público jovem, o grande efeito destas bebidas se deve à mistura com o álcool. Nos EUA, 48,4% dos adolescentes amostrados associam frequentemente bebi- das energéticas com álcool (3). Noutro estudo, 54% dos adolescentes pesquisados relataram o uso combinado em festas (4). No Brasil, 76% dos usuários de energéticos o consomem com bebidas de alto teor alcoólico, tais como uísque e vodca (5). Esta associação é muito popular e pode ser perigosa, pois mostra capacidade de reduzir os sintomas adversos da alco- olemia, incluindo seus efeitos depressores. Tais fatores po- dem levar o sujeito que consome a não perceber sinais de intoxicação alcoólica, aumentar riscos de acidentes, assim como ao abuso e dependência do álcool (6, 3). Além dis- so, foram relatados efeitos colaterais, como dor de cabe- ça, palpitação cardíaca e insônia, entre outros (5, 4). Ade- mais, a privação do sono que pode ocorrer com o uso de energéticos é fator de risco para desencadear quadros hi- pomaníacos ou mesmo mania franca em pessoas suscetí- veis ou portadores de transtorno bipolar, após uso pesa- do de energéticos (7). O Brasil carece de legislação específica sobre o tema, entretanto sabe-se que, de acordo com o Decreto-Lei n.º 560/99, não há obrigatoriedade de informação quanto aos efeitos da ingestão. No Rio de Janeiro, contudo, tramita um projeto de lei estadual que proíbe a comercialização de bebidas energéticas em boates e danceterias, o que, apesar do cunho proibicionista, evidencia a pertinência do assunto. Assim, é importante que a comunidade médica esteja atenta aos riscos do consumo indiscriminado de energéti- cos, sobretudo quando associados ao álcool, e verifiquem a ingestão destas bebidas nos atendimentos, possibilitando uma abordagem mais precisa em relação aos riscos do al- coolismo e outras drogas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ballistreri, MC, Corradi-Webster, C.M. O uso de bebidas energéti- cas entre estudantes de educação física. Rev. Latino-Am. Enferma- gem 2008; 16:558-564. 2. Reissig, CJ, Strain EC, Griffiths RR. Caffeinated energy drinks – A growing problem. Drug Alcohol Depend. 2009; 99(1-3):1-10. 3. Oteri A, Salvo F, Caputi, AP, Calapai G. Intake of energy drinks in association with alcoholic beverages in a cohort of students of the School of Medicine of the University of Messina. Alcoholism Clin Exp Res 2007; 31(10):1677-1680. 4.Malinauskas BM, Aeby VG, Overton RF, Carpenter-Aeby T, Bar- ber-Heidal K. A survey of energy drink consumption among colle- ge students. Nutrition Journal 2007; 6(35):1-7. 5. Ferreira SE, Mello MT, Formigoni MLOS. O efeito das bebidas alcoólicas pode ser afetado pela combinação com bebidas energéticas? Um estudo com usuários. Rev Assoc Med Bras 2004; 50(1):48-51. 6.Ferreira SE, Mello MT, Pompeia S, Formigoni MLOS. Effects of energy drink ingestion on alcohol intoxication. Alcoholism Clin Exp Res 2006; 30(4):598-605. 7. Vieira RM. Bebidas energéticas e Mania. Jornal do Centro de Estu- dos Luis Guedes (CELG) da Universidade do Rio Grande do Sul 2001; out:9. Endereço para correspondência: Gilda Pulcherio Rua Dona Lida Monteiro, 450 91720-300 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3354-7688 [email protected] Recebido: 21/6/2010 – Aprovado: 22/6/2010 | CARTAS AO EDITOR | 024-648_bebidas.pmd 21/12/2010, 13:39 363

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BEBIDAS ENERGÉTICAS – USO INDISCRIMINADO? Pulcherio et al. CARTAS AO EDITOR

Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 54 (3): 363, jul.-set. 2010 363

1 Mestrado em Psicologia Social pela PUCRS. Psiquiatra.

Bebidas energéticas – uso indiscriminado?Gilda Pulcherio1

O uso de bebidas energéticas (energéticos) encontra-sedisseminado no Brasil, principalmente entre os jovens, epreocupa por suas consequências pouco conhecidas (1). Ini-cialmente vendidas em pequenas doses com o slogan “Quete dá asas”, hoje são encontradas em embalagens de até 2litros, com nomes como “Cachorro louco”, “Atômico”, etc.Sabe-se que os energéticos são substâncias psicoativas compropriedades altamente estimulantes, devido à expressivaquantidade de taurina e cafeína, esta variando entre 50 mge 505 mg por 200 ml. Não há qualquer aviso sobre intoxi-cação por superdosagem (2). Além disso, são normalmentecomercializadas junto às bebidas alcoólicas.

Para o público jovem, o grande efeito destas bebidasse deve à mistura com o álcool. Nos EUA, 48,4% dosadolescentes amostrados associam frequentemente bebi-das energéticas com álcool (3). Noutro estudo, 54% dosadolescentes pesquisados relataram o uso combinado emfestas (4). No Brasil, 76% dos usuários de energéticos oconsomem com bebidas de alto teor alcoólico, tais comouísque e vodca (5).

Esta associação é muito popular e pode ser perigosa, poismostra capacidade de reduzir os sintomas adversos da alco-olemia, incluindo seus efeitos depressores. Tais fatores po-dem levar o sujeito que consome a não perceber sinais deintoxicação alcoólica, aumentar riscos de acidentes, assimcomo ao abuso e dependência do álcool (6, 3). Além dis-so, foram relatados efeitos colaterais, como dor de cabe-ça, palpitação cardíaca e insônia, entre outros (5, 4). Ade-mais, a privação do sono que pode ocorrer com o uso deenergéticos é fator de risco para desencadear quadros hi-pomaníacos ou mesmo mania franca em pessoas suscetí-veis ou portadores de transtorno bipolar, após uso pesa-do de energéticos (7).

O Brasil carece de legislação específica sobre o tema,entretanto sabe-se que, de acordo com o Decreto-Lei n.º560/99, não há obrigatoriedade de informação quanto aosefeitos da ingestão. No Rio de Janeiro, contudo, tramitaum projeto de lei estadual que proíbe a comercialização de

bebidas energéticas em boates e danceterias, o que, apesar docunho proibicionista, evidencia a pertinência do assunto.

Assim, é importante que a comunidade médica estejaatenta aos riscos do consumo indiscriminado de energéti-cos, sobretudo quando associados ao álcool, e verifiquem aingestão destas bebidas nos atendimentos, possibilitandouma abordagem mais precisa em relação aos riscos do al-coolismo e outras drogas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ballistreri, MC, Corradi-Webster, C.M. O uso de bebidas energéti-cas entre estudantes de educação física. Rev. Latino-Am. Enferma-gem 2008; 16:558-564.

2. Reissig, CJ, Strain EC, Griffiths RR. Caffeinated energy drinks – Agrowing problem. Drug Alcohol Depend. 2009; 99(1-3):1-10.

3. Oteri A, Salvo F, Caputi, AP, Calapai G. Intake of energy drinks inassociation with alcoholic beverages in a cohort of students of theSchool of Medicine of the University of Messina. Alcoholism ClinExp Res 2007; 31(10):1677-1680.

4. Malinauskas BM, Aeby VG, Overton RF, Carpenter-Aeby T, Bar-ber-Heidal K. A survey of energy drink consumption among colle-ge students. Nutrition Journal 2007; 6(35):1-7.

5. Ferreira SE, Mello MT, Formigoni MLOS. O efeito das bebidasalcoólicas pode ser afetado pela combinação com bebidas energéticas?Um estudo com usuários. Rev Assoc Med Bras 2004; 50(1):48-51.

6. Ferreira SE, Mello MT, Pompeia S, Formigoni MLOS. Effects ofenergy drink ingestion on alcohol intoxication. Alcoholism ClinExp Res 2006; 30(4):598-605.

7. Vieira RM. Bebidas energéticas e Mania. Jornal do Centro de Estu-dos Luis Guedes (CELG) da Universidade do Rio Grande do Sul2001; out:9.

Endereço para correspondência:Gilda PulcherioRua Dona Lida Monteiro, 45091720-300 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3354-7688 [email protected]

Recebido: 21/6/2010 – Aprovado: 22/6/2010

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