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ii

DECLARAÇÃO

Nome: Márcia Sofia Teixeira Andrade

Endereço Eletrónico: [email protected]

Número de cartão de cidadão: 14384834

Título da dissertação: Poderes das assembleias municipais em matéria financeira na

ordem jurídica portuguesa

Orientador: Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha.

Ano de Conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito Tributário

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA EFEITOS DE

INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE

COMPROMETE.

Universidade do Minho: ____/____/____

Assinatura:___________________________

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v

Agradecimentos

À Universidade do Minho, por trazer conhecimento à nossa existência, um exemplo

máximo de intemporalidade.

Ao Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha, orientador da presente dissertação, pelo

incentivo, disponibilidade e rigor que sempre demonstrou na elaboração deste trabalho de

investigação.

Pelo profissionalismo e ética, pela vocação para ensinar que me cativou para esta área

do Direito.

Aos meus amigos, pela completude que trazem à minha vida.

Em especial à Carla, à Maria e à Eugénia.

À minha mãe e irmã, pela liberdade de ser, por apoiarem incondicionalmente os meus

sonhos.

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vii

Resumo

O presente trabalho tem como objeto de estudo os poderes das assembleias municipais

em matéria financeira na ordem jurídica portuguesa.

Tendo em consideração o contexto de desequilíbrio financeiro de muitos municípios,

interessa analisar o papel do órgão deliberativo na gestão financeira autárquica.

Deste modo, torna-se indispensável conhecer a função dos municípios na estrutura

político-administrativa desde a formação do Estado politicamente organizado até à atualidade.

Para além disso, deste estudo não pode ser excluída a alusão ao papel desempenhado pelos

municípios na atividade financeira, bem como alguns dos princípios e regras que devem orientar

a execução de tais funções.

Uma vez estabelecidas essas premissas, levar-se-á a efeito uma detalhada análise sobre

as competências do órgão deliberativo municipal em matéria financeira. Nesta sequência,

iremos problematizar as soluções legais que o ordenamento tem estabelecido acerca desta

matéria, fazendo-se uma comparação com a realidade prática, aferindo eventuais patologias e,

desse modo, permitindo avançar com algumas soluções contributivas para um melhor

funcionamento do poder local e, consequentemente, da democracia local.

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ix

Abstract

The present work has as object of study the powers of the municipal assemblies in

financial matters in the Portuguese legal system.

Taking into account the context of financial imbalance in many municipalities, it is

important to analyze the role of the deliberative body in the municipal financial management.

This way, is crucial to know the function of the municipalities in the political-

administrative structure from the formation of the politically organized State until the present

time. In addition, this study can not be excluded from mentioning of the role played by

municipalities in financial activity, as well as some of the principles and rules that should guide

the execution of such functions.

Once these premises are established, a detailed analysis will be carried out on the

competencies of the municipal deliberative body in financial matters. In this sequence, we will

problematize the legal solutions that the ordinance has established on this matter, making a

comparison with the practical reality, assessing possible pathologies and, thus, allowing to

advance with some contributory solutions for a better functioning of the local power and,

consequently, local democracy.

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xi

Índice

Lista de abreviaturas e siglas ........................................................................................ xv

Introdução ......................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I ........................................................................................................................ 5

A DEMOCRACIA LOCAL EM PORTUGAL ................................................................................ 5

1. Breve resenha histórica sobre as bases da democracia local .......................................... 5

1.1 – Administração municipal durante o séc. XIV .......................................................... 5

1.2 – Declínio do Antigo Regime e o nascimento do Estado Liberal ................................. 6

1.3 – Influência do Estado Novo na estrutura administrativa local ................................. 10

1.4 – O Estado Providência e a Constituição de 1976 .................................................. 12

2. O poder local na ordem jurídica portuguesa ................................................................. 15

2.1 - Enquadramento constitucional ............................................................................. 15

2.2 - Órgãos representativos da freguesia ..................................................................... 17

2.2.1 - Assembleia de freguesia ............................................................................... 19

2.2.2 - Junta de freguesia......................................................................................... 20

2.3 - Órgãos representativos do município .................................................................... 24

2.3.1 - Assembleia municipal ................................................................................... 25

2.3.2 - Câmara municipal......................................................................................... 27

3. Conceito de democracia local e conceitos afins ........................................................... 29

3.1 – Democracia local ................................................................................................ 29

3.2 – Poder local ......................................................................................................... 30

3.3 – Autarquia local ................................................................................................... 31

3.4 – Descentralização administrativa .......................................................................... 33

3.5 - Autonomia local ................................................................................................... 34

3.5.1 - Conceito de autonomia local ......................................................................... 34

3.5.2 - Na Carta Europeia de Autonomia Local ......................................................... 36

3.5.3 - Na Constituição da República Portuguesa ...................................................... 38

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xii

CAPÍTULO II ..................................................................................................................... 41

DIREITO FINANCEIRO LOCAL .............................................................................................. 41

1. Evolução do regime financeiro local ............................................................................. 42

1.1 - Enquadramento ................................................................................................... 42

1.2 - Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro ............................................................................... 43

1.3 - Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de março ............................................................... 45

1.4 - Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro ............................................................................... 46

1.5 - Lei n.º 42/98, de 6 de agosto.............................................................................. 47

1.6 - Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro ......................................................................... 48

1.7 - Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro ..................................................................... 50

1.8 - Breves considerações .......................................................................................... 52

2. Despesa pública municipal .......................................................................................... 54

3. Receita pública municipal ............................................................................................ 57

4. Controlo do exercício da atividade financeira local ........................................................ 62

5. Recapitulação: atual conjuntura financeira local ........................................................... 66

CAPÍTULO III .................................................................................................................... 75

ARTICULAÇÃO EM MATÉRIA FINANCEIRA ENTRE O ÓRGÃO DELIBERATIVO E O ÓRGÃO

EXECUTIVO ........................................................................................................................ 75

1.Competências das assembleias municipais em matéria financeira ................................ 75

1.1 - Enquadramento ................................................................................................... 75

1.2 - Tipologias de competências ................................................................................. 76

1.2.1 - Competências prescritivas e não prescritivas ................................................. 76

1.2.1.1 Competências vinculadas ......................................................................... 77

1.2.1.2 Competências discricionárias ................................................................... 88

1.2.2 Competências gerais e individuais ................................................................... 90

1.2.3 Competências impositivas e não impositivas ................................................... 92

2. Patologias e desafios ................................................................................................... 96

2.1 - Análise de Direito Comparado .............................................................................. 97

2.1.1 Espanha - modelo parlamentar ....................................................................... 97

2.1.2 França - modelo parlamentar imperfeito ....................................................... 99

2.1.3 Itália - modelo presidencial misto ............................................................... 101

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xiii

2.2 - Propostas de melhoria ....................................................................................... 103

2.2.1 - Instrumentos de melhoria dos trabalhos da assembleia ............................... 105

2.2.2 - Reforço de competências ............................................................................ 106

2.2.3 - Participação dos munícipes na tomada de decisão ...................................... 107

2.2.4 - Responsabilização dos entes locais ............................................................. 113

Conclusões .................................................................................................................... 117

Referências bibliográficas ........................................................................................... 120

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xv

Lista de abreviaturas e siglas

Ac. – Acórdão

Al. – Alínea

Art.º- Artigo

AAVV. – Autores Vários

CEAL – Carta Europeia de Autonomia Local

Cfr. - Confrontar

CIMI – Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

CIMT – Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis

CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

CIUC – Código do Imposto Único de Circulação

Coord. – Coordenador

CRP – Constituição da República Portuguesa

DGAL – Direção Geral das Autarquias Locais

D.R. – Diário da República

FAM – Fundo de Apoio Municipal

FCM – Fundo de Coesão Municipal

FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

FEF – Fundo de Equilíbrio Financeiro

FEOGA – Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola

FFF – Fundo de Financiamento das Freguesias

FGM – Fundo Geral Municipal

FSM – Fundo Social Municipal

GOP´s – Grandes Opções do Plano

IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis

IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

IUC – Imposto Único de Circulação

IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

LAL – Lei das Autarquias Locais

LEO – Lei de Enquadramento Orçamental

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xvi

LFL – Lei das Finanças Locais

LOE – Lei do Orçamento de Estado

LOPTC – Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas

N.º - Número

P. – Página.

POCAL – Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais

Proc. - Processo

RGTAL – Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais

Séc. – Século

SEL – Setor Empresarial Local

SS. – Seguintes

STA – Supremo Tribunal Administrativo

TC – Tribunal Constitucional

TCA-N – Tribunal Central Administrativo – Norte

TCA-S – Tribunal Central Administrativo – Sul

TdC – Tribunal de Contas

UE – União Europeia

V. – Ver

Vol. - Volume

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1

Introdução

O tema de estudo que nos propomos desenvolver versa sobre os poderes das

assembleias municipais em matéria financeira na ordem jurídica portuguesa.

Trata-se de um assunto de manifesta atualidade, pois no presente contexto de combate

ao défice público, as questões atinentes à gestão da vida financeira local assumem uma

importância considerável nas contas públicas. Para além disso, face às inúmeras alterações

impostas ao poder local, materializadas em limitações jurídicas e económicas, torna-se

imperativo refletir sobre determinados aspetos da organização e funcionamento dos órgãos

autárquicos.

A pertinência do tema justifica-se, de um modo geral, pela dinâmica em que as

assembleias municipais se inserem, uma vez que integram a estrutura dos municípios e, nessa

medida, têm de ter um papel ativo na prossecução do Interesse público (local) e na satisfação

das necessidades coletivas da população daquela área territorialmente delimitada.

Deste modo, sendo as autarquias locais fundamento da autonomia local e do Estado

democrático1 têm uma importância administrativa e indubitavelmente política, atento que

desempenham funções administrativas em nome e em representação das respetivas

populações, mas definem as suas políticas e objetivos a prosseguir. Ora, sendo a assembleia o

órgão deliberativo do município, pode desde já adivinhar-se uma grande responsabilidade na

tomada de decisão, neste caso, para a vida financeira das autarquias. Deve ainda dizer-se que a

sua importância e conveniência pelo bom funcionamento se traduz no facto de serem órgãos de

proximidade, eleitos pela população e para a população, que é nos termos do art.º 108.º da CRP

o titular do poder político.

Dada a relevância que assumem, as questões de direito local têm vindo cada vez mais a

ser objeto de debate. No que respeita em concreto às assembleias municipais, são apontados

problemas sobre a sua organização e funcionamento. Alguma doutrina salienta o papel

secundário que estas revelam na organização municipal, evidenciando uma dependência ou

subalternização da assembleia municipal em relação à câmara municipal, falando-se num

“presidencialismo municipal”2. Assim, António Cândido de Oliveira defende que uma reforma da

democracia local só terá êxito se previamente se fizer uma revisão constitucional, pois da forma

1 A Constituição da República Portuguesa bem o defende, desde logo no art.º 235.º. 2 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p.146.

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2

que esta densifica o poder local não permite ao legislador liberdade de conformação para

procurar alcançar outras soluções. Por conseguinte, se há quem sustente a indispensabilidade

das assembleias municipais, ainda que admitindo algumas patologias, há quem defenda,

inversamente, a sua extinção e a consequente criação de um novo órgão que concentre em si as

funções deliberativas e executivas.

Acresce que existe de facto na democracia local uma dimensão política, anterior ao

próprio Direito, a intervenção deste aqui baseia-se em dar um contributo legal3. Contudo, as

normas jurídicas revelam direito quotidianamente interpretado, concretizado e aplicado por isso

têm de acompanhar a realidade. E, como se sabe, a autonomia financeira dos entes locais que a

Constituição estabelece e protege encontra-se atualmente bastante limitada4. É neste

cruzamento entre o importante papel que compete às assembleias municipais desempenhar e a

autonomia financeira dos municípios, que se pretende aqui desenvolver uma cuidada análise

jurídica destas questões, ou seja, problematizar aquilo que está consagrado nos preceitos legais,

considerando a realidade prática.

Na verdade, pretendemos com este estudo, pôr em evidência os poderes que são

conferidos por lei a este órgão deliberativo, expor algumas patologias ou limitações e partindo

dessas premissas, tentaremos dar um contributo resvalando para uma dimensão prospetiva,

onde avançaremos possíveis soluções por forma a melhorar o funcionamento e organização das

assembleias municipais e, consequentemente, a própria democracia local.

Nestes termos, uma correta compreensão das questões aqui em causa passa por uma

prévia perceção das bases da atual democracia local, razão pela qual numa fase embrionária,

expor-se-á uma breve resenha atinente às suas raízes da democracia local e os regimes jurídicos

que lhe subjazem. Assim, e na sequência do que se disse, será ainda abordado o conceito de

democracia local de outros que não raras vezes são confundidos e utilizados como sinónimos do

primeiro, fá-lo-emos não por uma mera questão de linguagem, mas por permitir uma melhor

compreensão das questões que pretendemos estudar.

Por outro lado, uma breve exposição da organização territorial das autarquias locais não

poderá ser afastada deste estudo, uma vez que fornecerá importantes contributos indispensáveis

a futuras conclusões, com especial incidência sobre as assembleias municipais, explorando a

sua composição, funcionamento e competências.

3 Cfr. Idem, Ibidem, p. 5. 4 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, nº 09, Janeiro/Março de 2010, p.18.

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3

Por sua vez, o direito financeiro local merece acolhimento no segundo capítulo, pois para

que se percebam os poderes das assembleias municipais em matéria financeira torna-se

necessário compreender desde logo o regime financeiro local. Assim, far-se-á uma breve resenha

histórica sobre o mesmo. Ainda neste domínio, é essencial tecer algumas considerações sobre a

despesa e a receita pública municipal sobre o controlo do exercício da atividade financeira, bem

como faremos uma referência à atual conjuntura financeira autárquica.

Só tendo em vista estas coordenadas poderemos ter uma correta linha de pensamento,

essencial para que se possa dar um contributo aceitável sobre os poderes das assembleias

municipais.

Nestes termos, o último capítulo será dedicado à articulação em matéria financeira entre

o órgão deliberativo e o órgão executivo dos municípios. Começar-se-á por fazer uma análise

sobre a tipologia das competências financeiras das assembleias. Concomitantemente, julgamos

que uma abordagem sobre a dimensão financeira do órgão deliberativo não estará completa

sem um estudo comparativo com outras ordens jurídicas que apresentam um modelo de

organização territorial distinto do português. Assim, não só pela proximidade geográfica, mas

também por apresentarem regimes distintos, as ordens jurídicas de Espanha, França e Itália

serão alvo de investigação sobre a forma como na sua organização territorial e administrativa as

questões financeiras são articuladas entre o órgão deliberativo e executivo local. Aqui chegados,

estaremos em condições para apontar algumas patologias e, partindo desse pressuposto,

avançar com propostas de melhoria. Na verdade, a importância de um trabalho científico pauta-

se não só pela componente descritiva e problematização de determinadas questões, mas

também pela apresentação de sugestões ou propostas que o possam dotar de uma dimensão

prática e prospetiva. Este constitui o propósito central da nossa investigação.

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5

CAPÍTULO I

A DEMOCRACIA LOCAL EM PORTUGAL

1. Breve resenha histórica sobre as bases da democracia local

1.1 – Administração municipal durante o séc. XIV

Para levar a cabo um estudo sobre a democracia local no nosso ordenamento jurídico,

entendemos oportuno começar por abordar a organização político-administrativa portuguesa,

uma vez que é precisamente com o processo de transformação do Estado que a democracia

local nasceu e se desenvolveu. Assim, na senda desse processo evolutivo, far-se-á uma inevitável

referência às estruturas do poder local e a conceitos como centralização e descentralização,

autonomia, entre outros. Para o fazer socorremo-nos dos critérios temporal e sociopolítico como

parâmetros de orientação, dado que não se afigura possível compreender estes fenómenos sem

os contextualizar temporalmente, e entendemos fazê-lo desde o séc. XIV, período a partir do qual

se verificaram as transformações mais simbólicas e que estão na génese da autonomia local e

da hodierna democracia local, designadamente, a formação do Estado politicamente organizado

como hoje o conhecemos5.

De facto, em Portugal até meados do séc. XIV, os municípios tinham autonomia na

forma como dirigiam as suas comunidades, geriam o património comum dos habitantes,

escolhiam os líderes, administravam a justiça e no modo como auto-organizavam a gestão das

necessidades coletivas, essencialmente seguiam um direito público local de origem

consuetudinária. Todavia, não eram entidades jurídicas titulares de direitos e obrigações

próprias, dada a inexistência de um estatuto que definisse os objetivos a prosseguir6,

constituíam, antes, meras entidades sociológicas que formavam aglomerados habitacionais com

o intuito de fixar os moradores, promover o cultivo das terras, defender os direitos e liberdades

da população de médios recursos económicos contra a prepotência dos mais poderosos e, a

longo prazo, procuravam defender as fronteiras e colaborar no desenvolvimento económico e

social do país7.

A partir desta altura – séc. XIV – a autonomia que caracterizava os municípios medievais

foi afetada por um conjunto de medidas de cunho centralizador. Desde logo, com a nomeação

5 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 11 e 12. 6 Cfr. CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra Editora, 1994, p. 329. E ainda, BARROS, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, 2.ª Ed., Tomo IX, Livraria Sá da Costa, S/D, p. 453 e ss. 7 Cfr. REIS, António Matos, “Relações entre o poder central e os municípios à luz da documentação medieval portuguesa”, Revista de Administração Local, CEDREL, n.º 266, Abril-Junho, 2015, p. 159 e 162.

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6

de D. Dinis foi retirada aos municípios a tradicional tarefa de administrar a justiça, que passou a

ser função dos corregedores. A legislação naturalmente acompanhou este fenómeno tendo

instituído um conjunto de leis gerais e uniformes para todo o reino, sobrepondo-se, assim, ao

Direito de cada concelho. Porém, estas medidas não foram sinónimo de total perda de

autonomia municipal. Na verdade, os municípios conservavam ainda um elevado grau de

autonomia no que respeitava à gestão das matérias económicas e administrativas locais, uma

vez que ao Rei – ocupado com assuntos militares – interessava que os municípios conseguissem

gerir a vida local, apenas introduzindo um maior controlo através de corpos intermédios como as

corporações, ordens, grémios ou mesteres8.

Durante o reinado de D. Manuel I, o processo centralizador continuou e caracterizou-se,

no essencial, pelo desaparecimento do direito foraleiro distinto de cada concelho, afirmação do

direito da Coroa, bem como a criação de estruturas jurídicas e administrativas dependentes da

Corte9.

Esta tendência de reforço do poder político manteve-se nas décadas seguintes. Houve

uma extinção de corpos intermédios do poder, e a administração municipal fragilizada pelas

parcas atribuições e recursos financeiros passou a estar completamente dependente e sob a

égide do Rei, que concentrou em si todo o poder do Estado.

1.2 – Declínio do Antigo Regime e o nascimento do Estado Liberal

Com a Reforma protestante e o Renascimento nos sécs. XV e XVI, a burguesia – que até

à Idade Média detinha em alguns concelhos a responsabilidade pela administração municipal10 –

viu o seu campo de intervenção reforçado, isto porque de um modo geral, a conceção de que o

Homem tem a possibilidade de escolha centrada na razão e na liberdade individual afetou

profundamente o predomínio da Igreja Católica, a autoridade do Papa, bem como a legitimidade

do poder do Rei (que era oriunda do direito divino) e passa a subordiná-lo à lei11.

Acresce que em França, sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade, em 1789,

nascia a Revolução Liberal cujos princípios da legalidade, separação de poderes e

individualidade eram as principais exigências da população que reivindicava a limitação do poder

8 Cfr. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 23 e ss. 9 Assim, Idem, Ibidem, p. 26. 10 V. Idem, Ibidem, p. 26. 11 V. neste sentido, CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra Editora, 1994, p. 330.

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7

político e a pulverização das funções do Estado por diferentes órgãos12. Em Portugal, a grave

crise económica vivenciada e a influência dos princípios da Revolução Francesa motivaram a

Revolução de 1820, iniciando-se a formação do Estado moderno aprovado pelas Cortes da

Constituição de 1822. A administração pública que outrora provinha das forças do Rei tornava-se

num elemento da organização do Estado-Nação, e com o Liberalismo adquiriu o sentido que

atualmente a caracteriza – um sistema unificado de funcionários e serviços que, em nome da

população, assegura a satisfação permanente das necessidades coletivas13.

Ora, em face destas caraterísticas, é forçoso concluir que a organização da

administração local está profundamente ligada ao surgimento e consolidação do Estado Liberal

no séc. XIX. É a partir desta altura que são introduzidas importantes reformas na administração

local portuguesa e que constituem, na realidade, os seus alicerces14.

Desde logo, as freguesias assentes na organização da Igreja e sem qualquer relevo na

administração, passam a ter um papel de maior notoriedade, uma vez que foram integradas na

organização administrativa, em 1830, pelo legislador liberal sob a designação de paróquias

eclesiásticas que tinham tradição secular e congregavam fiéis da Igreja Católica em

comunidades ligadas pela vizinhança.

Ainda antes da publicação do Código Administrativo de 1836, existiu uma reorganização

da divisão concelhia na qual o legislador liberal entendeu que os 826 municípios então

existentes eram demasiados, para além de ter já eliminado os referidos corpos intermédios, fê-lo

também com os municípios mais pobres e secundários visto que essa condição não lhes

permitia uma verdadeira autonomia local. Assim, por decreto de 6 de novembro de 1836, o

número de distritos no território nacional manteve-se, mas foram extintos alguns municípios

permanecendo apenas 35115.

De facto, esta é a origem da divisão concelhia que atualmente dispomos, e não deve ser

perdido de vista o mérito de ter instituído municípios de dimensão mais equilibrada entre si, algo

que não acontece ainda hoje, por exemplo, em Espanha, França ou Itália que têm, em

proporção, maior número de municípios e de dimensão desigual. Na nossa ordem jurídica, e em

12 Cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p. 72 e ss. 13 V. neste sentido, MIRANDA, Jorge, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra Editora, 2002, p. 72. 14 De entre as quais um decreto de 1832 (decreto n.º 23, de 16 de maio) da responsabilidade de Mouzinho da Silveira, que não obstante a sua curta vigência é uma referência da moderna administração local portuguesa, pois consagrava a separação de poderes (de administrar e julgar) e estabeleceu uma organização administrativa territorial completamente distinta do modelo da época e próxima do atual - Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 17 e ss. 15 V., MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 31 e 32.

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concreto neste diploma, houve a preocupação de estruturar uma divisão municipal do território

que se norteasse por parâmetros de racionalização e eficiência administrativa, em detrimento de

critérios de laços de vizinhança entre as comunidades.

Por outro lado, consagrou-se a existência de três níveis de administração local, são eles

o distrito, o concelho e a freguesia, cada um com um representante do Governo, respetivamente,

o governador civil, o administrador do concelho e o regedor da paróquia. Os municípios foram os

únicos que mantiveram sempre o estatuto de autarquia local, o que não aconteceu com as

freguesias que por diversas vezes foram extintas consoante a oscilação entre uma maior ou

menor descentralização16.

Mas se até esta altura foram feitos alguns avanços na divisão concelhia concretizados

em decretos, foi com o Código Administrativo de 1836 que se estabeleceram as características

essenciais da administração local portuguesa que perduram até à atualidade. A reforma

encetada por este Código estabeleceu condições para a existência de um nível administrativo

inframunicipal, uma vez que ao criar municípios de grande dimensão permitiu que as freguesias

se pudessem afirmar tendo, por exemplo, os chefes de família e a junta de freguesia passado a

ser órgãos da freguesia17.

Contudo, apesar desta significativa evolução legislativa e de o Liberalismo ser favorável à

autonomia local (que protegeu ao introduzir as atribuições das câmaras municipais na

Constituição de 1822), na realidade, os entes locais não tiraram proveito deste novo regime

político mediante a natureza centralizada e unitária da organização administrativa que impediu o

crescimento da administração concelhia, tendo anulado os poderes autónomos do Antigo

Regime18. Compreende-se que assim seja se se considerar que nesta nova ordem política o

Estado deveria ter uma intervenção mínima, devendo regular e harmonizar as relações entre os

cidadãos através das suas funções judicial e legislativa, excluindo-se da atividade administrativa

do Estado Liberal a prestação de serviços e produção de bens, sendo esta delegada à livre

16 V. neste sentido, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 22 e ss. 17 OLIVEIRA, António Cândido de; NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa Portuguesa,

AEDRL, 2013, p. 9. 18 Cfr. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de

Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR,

2007, p. 280. E ainda, CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra

Editora, 1994, p. 330 e ss.

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iniciativa dos empresários particulares. Com efeito, esta conceção unificada da administração

pública dificultava a existência de uma administração municipal autónoma19.

Assim sendo, pode se dizer que durante o período Liberal a história do municipalismo

revela uma falta de estratégia do Estado na sua relação com os municípios e uma incoerência

política ao alternar os Códigos Administrativos de carácter marcadamente descentralizador (os

de 1836 e 1878 que conferiam às autarquias um estatuto de primeiro plano na organização

administrativa) e os que limitavam a autonomia e, em consequência, retiravam importância aos

entes locais (designadamente o de 1842, 1886, 1895-96)20.

No que respeita, em particular, às freguesias, importa referir que o período

compreendido entre 1830 a 1878, foi portador de grandes indecisões, atento que se impunha

uma decisão sobre a inclusão das freguesias no sistema de administração local21. Destarte, por

mérito do Código Administrativo de 1878, esta figura consolidou-se definitivamente na estrutura

político-administrativa, embora sem funções relevantes até 197422.

Por sua vez, e em conformidade com as ideias descentralizadoras da República, foram

estabelecidas as bases da organização e atribuições dos corpos administrativos23. Para além

disso verificou-se uma afirmação da autonomia local com a consagração da eleição dos corpos

administrativos por sufrágio direto, a possibilidade aos eleitores do concelho o referendo sobre

certas deliberações tomadas pelas câmaras e, entre outras medidas, ao ter estatuído a sua

autonomia financeira, ainda que sujeita a grande discricionariedade governativa. Porém, este

diploma continha alguma imprecisão no que respeitava a matérias de representação estatal,

financiamento local, e relativamente a matérias eleitorais, razão pela qual o Estado republicano

preteriu por três anos a livre eleição das vereações camarárias, sendo que durante esse período

os elementos constitutivos das câmaras que não fossem constituídas por cidadãos republicanos

eram nomeados por governadores civis24.

19 V. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 29. 20 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa Portuguesa, AEDRL, 2013, p. 9. 21 V. neste sentido, AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p. 509. 22 Aquando da instauração da República estava em vigor o Código Administrativo de 1895-96, que como se disse, era de índole centralizadora, o que não se harmonizava com a ideologia da 1.ª República razão pela qual foi promulgado um decreto com força de lei em 13 de outubro de 1910, que adotava o Código de 1878 até que fosse produzido o seu próprio Código. - Cfr. CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra Editora, 1994, p. 412 e ss. 23 Cfr. art.º 66.º, da Constituição de 1911, e posteriormente densificadas na Lei n.º 88, de 7 de agosto de 1913. 24 Cfr. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 34.

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No que concerne ao financiamento local, os municípios viam a sua capacidade de ação

seriamente comprometida, uma vez que além da crise financeira em que o país vivia, a situação

agravou-se com a participação na 1.ª Guerra Mundial.

Destarte, de um modo geral, o que se verificou neste período é que não obstante a

consagração formal da autonomia local, as medidas de carácter centralizador do Estado

contrariaram essa prescrição, apesar de à data existirem já trabalhos baseados na tradição da

autonomia municipal elaborados por portugueses que poderiam ter ajudado a construir uma

reforma administrativa que espelhasse os pensamentos de democratização e liberalização da

época, contudo, tal não se verificou e no momento de decidir optou-se por não contrariar a

tendência e importar a estrutura administrativa francesa25.

1.3 – Influência do Estado Novo na estrutura administrativa local

O Estado Novo e a sua natureza antidemocrática, autoritária e centralista moldaram a

organização e funcionamento dos entes locais, o que vale por dizer que o poder local se inseriu

num contexto de grande centralização político-administrativa.

Durante este período de cerca de cinquenta anos a autonomia local foi quase esquecida.

Se durante o séc. XIX as autarquias eram consideradas como administração autónoma face à

administração do Estado, transformaram-se nesta altura numa forma da administração indireta

do Governo e um vetor de influência ideológica.

Em termos jurídicos, no que se refere ao regime das autarquias locais, verificou-se um

completo distanciamento da prática liberal. Os diplomas principais restringiam-se à Constituição

de 1933 e ao Código Administrativo de 1936-40 (da responsabilidade de Marcello Caetano), este

último tinha uma conceção autoritária e estatocêntrica do poder local, na realidade, tratava-se de

uma legislação ordinária própria de um regime ditatorial que não encontrava correspondência no

texto da Constituição26.

De facto, em pleno regime ditatorial conceitos como poder local, autonomia ou

democracia local não tinham qualquer significado, na medida em que as autarquias não

representavam uma administração autónoma do Estado27. As características da administração

25 A respeito do tema, OLIVEIRA, Luís Valente de, “Descentralização, pedra angular da reforma do Estado”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 10, Abril/ Junho, 2016, p. 7. 26 Cfr. NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 10 e 11. 27 Aliás, o conceito de autarquia local foi copiado da doutrina italiana, mas apenas a sua dimensão de autarquia territorial, tendo-se excluído a vertente corporativa e institucional do termo, o que evidencia a ausência de uma estrutura político-administrativa local sólida e efetiva. V. neste sentido, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na

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local baseavam-se num corporativismo, as autarquias eram constituídas por grupos e

organismos sociais. O cidadão individualmente considerado estava excluído porque as freguesias

eram uma agregação de famílias28; os municípios um aglomerado de organismos corporativos e

freguesias; e os distritos eram constituídos por um conjunto de municípios. Mas as alterações

face ao anterior regime não ficaram por aqui. Concomitantemente, o Código Administrativo de

1936, foi revisto em 1940, e aí foram reguladas várias matérias atinentes ao financiamento e

organização dos corpos administrativos, passando estes a ser constituídos com base no sufrágio

orgânico de tipo corporativo. Por outro lado, no domínio financeiro local, as reduzidas receitas

fiscais dos municípios – constituídas nos art.ºs 703.º e seguintes do Código Administrativo,

através de diversos impostos diretos, indiretos e por taxas – encontravam-se fortemente

dependentes dos subsídios e comparticipações do Estado. Do mesmo modo, as deliberações

camarárias estavam sujeitas a aprovação do Governo e, nessa medida, este conjunto de

mutações configura uma ausência de autonomia local em todas as suas vertentes29.

Os órgãos de governo municipal eram o presidente da câmara municipal, o conselho

municipal – cuja composição abrangia os representantes das freguesias, organismos

corporativos, etc. – e a câmara municipal. Quanto à composição destes órgãos é igualmente

visível um distanciamento da democracia local, uma vez que os vereadores eram nomeados pelo

conselho municipal e o Governo designava os presidentes da câmara – que desempenhavam

uma dupla função: configuravam representantes do Governo, bem como ocupavam a função de

chefia da administração municipal. Deste modo, as autarquias não tinham qualquer autonomia,

estavam sob o pleno controlo do Estado central. E mais do que isso: o Governo podia dissolver

os órgãos autárquicos e afastá-los do município caso as câmaras se distanciassem das regras

governamentais30.

Resumidamente, a falta de poderes autárquicos, a dependência dos entes locais face ao

Estado central conjugado com a ausência de um regime democrático não permitiram a

autonomia nem a distinção das autarquias locais face às restantes pessoas coletivas da

administração indireta do Estado, razões que explicam que durante este período, em vez de uma

Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 281 e ss. 28 Apenas era possível falar-se em eleições no caso das freguesias, situação em que só os chefes de família detinham poderes de participação. Exceto esta pequena aproximação, não existia nenhum órgão eleito pelos cidadãos. 29 V. NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p.12. 30 V. a respeito do tema, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 284 e 285.

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verdadeira descentralização administrativa, as autarquias tenham representado uma estrutura de

desconcentração (personalizada) da administração do Estado31 32.

1.4 – O Estado Providência e a Constituição de 1976

Os fundamentos do Estado Liberal já expostos revelaram algumas fragilidades. Sob o

ponto de vista económico, as ideias e práticas defendidas no Liberalismo não conseguiram

suster o período de crise então vivido, pelo contrário, a gestão da economia baseada em

rigorosos critérios de concorrência e lucro geraram graves distorções a nível económico e social,

não sendo possível materializar os valores da igualdade e fraternidade que motivaram os

revolucionários liberais. Porém, havia a consciência da necessidade de assegurar a paz social e

a segurança individual, avolumando a questão da posição estatal face ao mercado mas também

ao bem-estar. O monopólio da iniciativa económica que os particulares detinham resultou numa

incapacidade de reunir esforços e contribuir para a produção de bens capazes de suprir as

necessidades coletivas e individuais, bem como dificuldades em reconstruir nações evoluídas em

conflito.

Como o Liberalismo não conseguiu dar resposta à crise económica e social que

grassava no país, os cidadãos reclamavam uma atitude mais ativa por parte do Estado. Por outro

lado, verificou-se o desenvolvimento da Revolução Industrial e o aumento da influência dos

sindicatos e trabalhadores no processo político. Ora, a conjugação de todos estes fatores levou a

que Portugal evoluísse do Estado Liberal para o Estado Providência, fundado com o regime

democrático instaurado em 25 de abril de 1974.

Este aspeto, de resto, assume uma importância indesmentível, dado que se até finais do

séc. XIX o Estado não tinha uma intervenção social ativa, sob a influência das teses keynesianas

31 V. a respeito do tema, NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p.

12. 32 Um sistema centralizado caracteriza-se por ser o Estado a orientar e decidir em todos os planos da vida

administrativa e política, é ele que projeta e concretiza todas as políticas públicas tendentes à satisfação das

necessidades coletivas e ao desenvolvimento da sociedade. Porém, com vista a combater os problemas que

naturalmente vão surgindo e suprir as necessidades das comunidades locais, o Estado pode desconcentrar a sua

administração, e fá-lo através da criação de determinado número de circunscrições territoriais e da consequente

colocação de funcionários sujeitos ao poder hierárquico e orientações dos dirigentes centrais, todavia com algum

poder de decisão delegado por estes. Assim, pode dizer-se que a desconcentração da administração do Estado

proporciona uma maior racionalidade do processo de decisão, podendo mesmo aumentar a economia e a eficácia

da atividade administrativa. Contudo, a administração continua centralizada porque o Estado detém o poder

decisório. Ora, um sistema assim concebido é incompatível com o princípio democrático e com o princípio da

autonomia local. V. neste sentido, MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da

Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 71.

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generalizou a assistência social intervindo nos acidentes de trabalho decorrentes da

industrialização, instituiu subsídios de doença, invalidez, subsídios de desemprego, etc.. Este foi

um período de expansão da administração pública, da nacionalização de setores importantes da

economia e da universalização dos direitos políticos e civis33.

Em termos jurídicos, marco fundador do Estado Providência, a Constituição de 1976

consagrou a generalidade dos direitos sociais, fruto da conceção do indivíduo como cidadão, do

reconhecimento da liberdade individual e da justiça social. O conceito de uma cidadania ativa

encontra aqui a sua génese, materializada no reconhecimento aos cidadãos do direito em

participar na vida pública, nos procedimentos administrativos e na gestão das instituições

administrativas. Porém, esta afirmação da cidadania não versa apenas sobre os cidadãos

individualmente considerados, ela projeta-se inevitavelmente na vida dos entes locais e, nessa

medida, verificaram-se profundas alterações na vida municipal e na relação autarquia-sociedade,

tornando-se clara a ideia de que o Estado democrático também incluía a democracia local34.

Acresce que a Revolução dos Cravos não só instituiu o Estado Providência como

salientou a participação popular, razão pela qual este é apontado como o momento do

nascimento do poder local porque o Estado o consagrou e reconheceu a sua autonomia no plano

jurídico, garantiu e potenciou a sua intervenção no plano financeiro, e assim, pela primeira vez

na nossa história política, o Estado retirou as autarquias locais do universo das formas de

administração indireta em que até então se integravam e reconheceu-lhes constitucionalmente o

estatuto de administração autónoma35. Contudo, esta conceção de administração local não foi

uma matéria que tivesse reunido consenso durante os debates da assembleia constituinte. Uma

corrente política defendia que a legitimidade do exercício do poder político resultava não apenas

das eleições, mas também da ação proveniente do ato revolucionário que desvalorizava a

autonomia local e o poder eleitoral, dando relevo às organizações populares no plano das

aldeias, concelhos, cidades, regiões, etc., que deveriam ter uma intervenção ativa na tomada de

decisão e defendiam que a sua atuação fosse coordenada com a das autarquias locais.

Por outro lado, uma segunda corrente sustentava que a vontade popular fosse expressa

em eleições e, consequentemente, para a administração local significava que o pilar da

33 V. neste sentido, Idem, Ibidem, p. 39 e ss. 34 Cfr. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 280. 35 V. neste sentido MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 55.

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autonomia local era a existência de pessoas jurídicas territoriais (freguesias e concelhos) com

autonomia administrativa e financeira, dotadas de órgãos eleitos pela comunidade local

respetiva, relegando para um papel secundário as organizações populares de base36. É esta

segunda corrente que está consagrada na CRP de 1976, e que prevalece até aos dias de hoje,

porquanto as revisões constitucionais que se sucederam não alteraram o seu núcleo

fundamental.

Com efeito, se atentarmos no resultado dos trabalhos da assembleia constituinte

plasmados na CRP é forçoso concluir que os principais marcos para o poder local foram a

consagração do princípio da autonomia local e o princípio da descentralização territorial, e a

prova dessa nova perspetiva da dimensão política das autarquias locais é, desde logo, a sua

inclusão no apartado referente ao poder local. Por outro lado, com a CRP de 1976, desapareceu

a conceção organicista das autarquias que existia no Estado Novo, passando a considerar-se que

as freguesias não são parte dos municípios, antes possuem, individualmente, autonomia e

identidade próprias. A par disto, verificaram-se alterações na delimitação da tutela do Estado, na

autonomia financeira autárquica, bem como no domínio do poder regulamentar37. Destarte, com

estes avanços estavam já criadas as condições para fazer funcionar a democracia local,

enquanto exercício de governar que considera a livre vontade dos cidadãos, e que em termos

concretos se consolidou em Portugal com as primeiras eleições locais, no dia 12 de dezembro

de 1976.

Assim, de um modo geral, verifica-se que a consagração da democracia local e o

reconhecimento de uma diversidade política e social tiveram de ser conjugadas com o tipo de

intervenção do Estado na atividade das autarquias locais, obrigando à harmonização da tutela

administrativa com a participação direta das populações, o que reflete a necessária unidade do

Estado e da administração, bem como o respeito pela autonomia dos entes locais. Ora, tendo

em consideração estes princípios e por forma a tornar efetiva a democracia local, interessa

analisar em que moldes o poder local foi edificado.

36 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 71 e 72. 37 Para maiores desenvolvimentos, v. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 288.

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2. O poder local na ordem jurídica portuguesa

2.1 - Enquadramento constitucional

A utilização do termo poder local, no título VIII da CRP, revela o reconhecimento da

administração local como parte integrante da organização democrática do Estado, bem como a

possibilidade de representação dos interesses próprios dos munícipes. Ora, a expressão da

vontade das populações, aglomeradas em autarquias, só se torna efetiva se existirem órgãos

próprios, dotados de legitimidade democrática que as representem38. Porém, antes ainda de

entrar na análise dos órgãos das autarquias locais existentes de facto na ordem jurídica

portuguesa e o seu modo de funcionamento, interessa fazer uma breve referência à arquitetura

constitucional do poder local que a CRP de 1976 acolheu.

Na sua versão inicial, a Lei Fundamental contemplava a obrigatoriedade de um órgão de

natureza consultiva - o conselho municipal, composto por representantes das organizações

sociais, culturais, económicas e profissionais do concelho, contudo, este órgão nunca assumiu

elevada notoriedade. Assim sendo, com a primeira revisão constitucional (1982) o conselho

municipal passou a ser facultativo, tendo sido eliminado do ordenamento jurídico aquando da

segunda revisão (1989)39.

Deste modo, no que particularmente concerne aos órgãos do poder local, prescreve o

art.º 235.º, da CRP, que a organização democrática do Estado compreende a existência de

autarquias locais (que a par das regiões autónomas, integram a categoria de pessoas coletivas

públicas de base territorial). No artigo seguinte, a Lei Fundamental refere que no continente, as

autarquias locais são as freguesias, municípios e as regiões administrativas, em coordenação

com os órgãos do Estado segundo uma lógica de separação vertical de poderes.

Porém, apesar de a CRP consagrar três níveis de autarquias, na realidade existem

apenas dois, dado que as regiões administrativas estão constitucionalmente previstas40, mas não

têm uma existência fática no nosso ordenamento. Neste domínio, será importante enfatizar que

a forma estabelecida na Lei Fundamental para a criação das regiões administrativas – resultante

38 V. CORREIA, J. M. Sérvulo, “O Direito Constitucional das autarquias locais em Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 11, Julho/ Setembro, 2016, p. 8. 39 Para além desta alteração outras se verificaram, mas regra geral, reforçaram o poder das autarquias locais, a título meramente exemplificativo, a revisão de 1982, acolheu o referendo local e a limitação da tutela administrativa sobre os entes locais. Posteriormente, a revisão constitucional de 1997 introduziu a atribuições próprias para entidades intermunicipais e admissão de associações de freguesias, bem como o princípio da subsidiariedade (art.º 6.º, da CRP) que obriga à distribuição de tarefas entre as autarquias, e entre o Estado e as autarquias. Para maiores desenvolvimentos, v. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 290 e 291. 40 Cfr.º art.º 255.º a 262.º, da CRP.

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da revisão constitucional de 1997 – dificulta a sua instituição, uma vez que determina a

existência de uma lei que defina o seu funcionamento, organização, atribuições e competências,

mas que só poderá existir após a maioria dos eleitores nacionais votarem favoravelmente quanto

à sua criação e, nesse caso, os eleitores dessa região ter-se-ão de pronunciar de forma positiva.

Dito de outro modo, exige-se a aprovação de uma lei-quadro que regule o regime geral das

regiões administrativas e, num segundo momento, serão aprovadas leis com vista a instituir

cada região em concreto, são estas que necessitam de um referendo prévio direcionando aos

eleitores duas questões, uma versa sobre o mapa das regiões a nível nacional, e outra

especificamente sobre a região do cidadão eleitor41.

Ora, assim sendo, este modo de instituição das regiões administrativas pode levar a

diversas possibilidades, por um lado, se a consulta a nível nacional for positiva e a nível regional

negativa, em algumas regiões teremos apenas parte do continente regionalizado; por outro lado,

pode dar-se o caso de todas as regiões terem um voto favorável e, em consequência, o

continente terá regiões; ou em sentido diverso, não existir voto favorável a nível regional e não

existirem regiões, como atualmente sucede42. Com efeito, ao abrigo desta regulamentação não

se adivinha para breve a instituição de regiões administrativas43. Em face da sua difícil

implementação pode ser defensável a eliminação das regiões administrativas do texto da CRP

quando ocorrer uma revisão constitucional, contudo, tendemos a acompanhar Sérvulo Correia

quando sustenta a conservação desta figura na Lei Fundamental, em virtude das constantes

mudanças das políticas internas e externas e eventuais incentivos da União Europeia ao

41 Cfr. CORREIA, J. M. Sérvulo, “O Direito Constitucional das autarquias locais em Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 11, Julho/ Setembro, 2016, p. 11. Para maiores desenvolvimentos sobre o referendo local, v. Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, que regula o regime jurídico do referendo local, que foi introduzido no ordenamento jurídico português com a revisão constitucional de 1982. Admite-se apenas a consulta direta à população caso exista um especial interesse para as comunidades. Em termos procedimentais, a decisão de realização de referendo cabe à assembleia (de freguesia ou municipal), por sua vez, o presidente desse órgão irá remeter o requerimento ao TC, para que este, no prazo de 25 dias, aprecie a constitucionalidade e legalidade do referendo local, parâmetros cujo incumprimento obsta à realização do mesmo. Cfr. art.ºs 25.º e ss, da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto. 42 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03, Julho/ Setembro, 2014, p. 55. Neste caso o motivo não foi a existência de votos desfavoráveis das regiões em concreto, na verdade, não foram questionadas devido à realização de um referendo, em 1998, cujo resultado foi a rejeição da regionalização. Ainda que o TC tenha dito que o que se vetou foi aquele mapa regional, não tendo sido vedada qualquer outra proposta, entendeu-se que foi um não à regionalização, v. ac. do TC n.º 709/97, de 20 de janeiro de 1998, e ac. n.º 532/98, de 30 de junho de 1998, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 43 Para maiores desenvolvimentos, v. OLIVEIRA, António Cândido de “A Regionalização Administrativa na Constituição da República Portuguesa”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 300 e ss.

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desenvolvimento regional que podem vir a justificar a implementação prática das regiões

administrativas, pelo que se defende a sua continuidade no texto da CRP.

Atendendo ao exposto, pode se constatar que a criação das regiões administrativas

exprime uma tentativa em suprir a ausência de um patamar intermédio entre os municípios e o

Estado central, todavia, dada a sua inexistência e o processo de instituição das mesmas se

afigurar de difícil concretização, houve a necessidade de criar entidades que pudessem

compensar a falta destas figuras. Assim, a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, prevê as

associações de freguesias e de municípios de fins específicos, bem como as entidades

intermunicipais que têm fins gerais e desdobram-se em áreas metropolitanas ou comunidades

intermunicipais. Quanto a estas últimas, foram criadas pela Lei n.º 11/2003, de 13 de maio, e

importa referir que não são autarquias locais, mas integram a administração local autónoma,

uma vez que os seus órgãos emanam da vontade dos municípios. É a lei que define o território

das comunidades intermunicipais e devem ser constituídas por contrato. Os municípios têm a

liberdade de integrar a composição destas comunidades, se o fizerem não ficam vinculadas ad

aeternum, existe a possibilidade de sair podendo sofrer penalizações44.

Ainda no que respeita às formas de organização territorial autárquica acolhidas no texto

da Constituição, foi instituída uma organização de moradores, cuja determinação dos moldes de

funcionamento e tarefas a desenvolver está dependente de lei que não foi ainda publicada, o que

segundo parte da doutrina é de lamentar, dada a sua utilidade para a vida local45.

Em face do exposto e em modo conclusivo, exceto o conselho municipal (extinto com a

segunda revisão constitucional) as regiões administrativas e as organizações de moradores

(ambas sem existência efetiva), a CRP consagra como estruturas do poder local, a freguesia e o

município.

2.2 - Órgãos representativos da freguesia

Categoria de autarquia quase desconhecida na Europa e em Portugal com alguns

opositores, as freguesias que surgiram das tradições de agregados populacionais unidos por

44 V. a respeito do tema, o ac. do TC n.º 296/2013, de 28 de maio de 2013, disponível em www.dgsi.pt. 45 Cfr. art.º 263.º, n.º 1, art.ºs 165.º, n.º 1 al. r), 264.º, n.º 1 e 265.º, n.º 2, todos da CRP. No período revolucionário eram organizações de moradores que existiam em áreas de dimensão inferior à das freguesias, e embora não tivessem o direito de voto eram dotadas de certos poderes próprios e tinham um papel ativo na solução de problemas locais. Com a CRP de 1976 e até à revisão de 1989 foram denominadas de organizações populares de base. V., MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 289. E ainda, SOARES, Fernando Luso, A constituição e as organizações populares de base, Diabril, 1977.

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laços de vizinhança, conjugando comunidade, território e necessidades comuns, são hoje parte

integrante da organização administrativa territorial. E não é despicienda esta consideração, na

medida em que a partir dela se permite distinguir as freguesias das aldeias, sítios ou lugares,

uma vez que ao contrário das freguesias, nenhum destes constitui um agregado territorial

administrativo46.

Com efeito, as freguesias estão adstritas à salvaguarda dos interesses das populações

respetivas, o que deve ser levado a efeito de modo articulado com os municípios. Porém,

distinguem-se destes no território, população e atribuições47. Mas se por um lado, dada a

proximidade das freguesias com a população, estas se permitem concretizar quase de forma

direta a democracia participativa básica, recebendo sugestões, acolhendo pedidos e

reclamações dos cidadãos, por outro lado, desempenham tarefas mais simples e de baixo custo,

que lhes permitem de modo adequado prosseguir as suas atribuições48.

Em face destas caraterísticas, a extensão das freguesias deve ser um fator a considerar,

não devem assumir uma pequena dimensão nem um reduzido número de eleitores, porquanto

motiva problemas na organização e funcionamento tornando impossível uma estrutura capaz de

cumprir as suas funções. Do mesmo modo, sob pena de se romper a proximidade e laços de

vizinhança – caraterísticas típicas das freguesias – e de se tornarem excessivamente

burocráticas, não devem estas abranger um extenso território e população. Com efeito, António

Cândido Oliveira considera que uma freguesia com menos de 500 eleitores não é desejável

pelos motivos expostos – sem prejuízo de possíveis ajustamentos em virtude de especificidades

relativas à densidade populacional ou a situações geográficas49. Quanto aos limites máximos, é

de aceitar que a população das freguesias que integram os grandes municípios urbanos possa

46 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O direito financeiro público ao nível das suas células-base territoriais (as finanças das freguesias)” in António Cândido de Oliveira, Fernanda Paula Oliveira, Isabel Celeste M. Fonseca, Joaquim Freitas da Rocha (coords.), A Reforma do Estado e a Freguesia, NEDAL, 2013, p. 204. 47 Não obstante a CRP não fazer distinção entre as freguesias rurais e urbanas, existe uma parte da doutrina portuguesa que considera que as freguesias urbanas, materialmente, não prosseguem interesses locais específicos distintos dos interesses dos municípios, servem apenas como estruturas de desconcentração personalizada dos municípios urbanos de grande dimensão. Assim, defendem que as freguesias rurais deveriam ver reforçadas as suas atribuições e competências – até porque a sua génese remonta às zonas rurais – enquanto que as freguesias urbanas, em face da sua secundarização prática, deveriam ser extintas. V. neste sentido, NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 21 a 23. Em sentido diverso, em defesa da necessidade das freguesias urbanas, v. OLIVEIRA, António Cândido de, “Poder local 2011-2013: de uma reforma local ambiciosa à extinção desastrada de freguesias”, in António Cândido de Oliveira, Fernanda Paula Oliveira (coord.s), Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, 2013, p. 122. 48 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 332 e ss. 49 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de; NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa Portuguesa, AEDRL, 2013, p. 11.

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ultrapassar os 20 000 habitantes, porém devem estas organizar-se de modo a evitar estruturas

burocráticas excessivas50.

Daqui resulta que com uma dimensão adequada e dado o caráter de proximidade com

os cidadãos, as freguesias estão aptas a desempenhar as tarefas que lhes são legalmente

consignadas de acordo com o princípio da subsidiariedade. Contudo, interessa notar que o

carácter inframunicipal das freguesias não confere aos municípios qualquer prerrogativa de

tutela, direção ou superintendência sobre as primeiras, atento que a autonomia das freguesias

vale quer para o Estado quer para aos municípios. No entanto, tal não confere às freguesias uma

prerrogativa de plena autonomia - decorrente do seu nível territorial inferior – na medida em que

os regulamentos dimanados pelos órgãos municipais prevalecem sobre os regulamentos

provenientes dos órgãos das freguesias, o mesmo sucede com os regulamentos administrativos

dimanados pelo órgão administrativo central51.

2.2.1 - Assembleia de freguesia

Normativamente, a CRP reconhece como órgãos desta categoria de autarquia local, a

junta de freguesia e a assembleia de freguesia. No que respeita a esta última, em termos de

composição, compreende uma mesa de assembleia de freguesia constituída por um presidente

e dois secretários, e um número de membros variável em função do número de eleitores52.

Os eleitores decidem através de sufrágio universal, direto e secreto, e uma vez apurados

os votos válidos de cada lista, serão posteriormente contados segundo o método de Hondt, o

que significa que é aplicado um sistema de representação proporcional53. Na verdade, a eleição

dos órgãos locais pelos respetivos residentes é um processo que garante a autonomia local das

autarquias. Este princípio da eleição foi acolhido pela CEAL, mas também pela CRP, onde se

estabelece que todos os cidadãos maiores de 18 anos e recenseados têm o direito e dever de

votar e de serem eleitos54.

50 V. Idem, Ibidem, p. 21. 51 Cfr.º art.º 241.º, da CRP. E ainda, CORREIA, J. M. Sérvulo, “O Direito Constitucional das autarquias locais em Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 11, Julho/ Setembro, 2016, p. 19. 52 Cfr. art.º 244.º, da CRP, art.º 5.º e art.º 10.º n.º 1, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. Sobre a destituição da mesa da assembleia de freguesia, v. ac. do TCA-N (1.ª Secção do Contencioso Administrativo), proc.º n.º 00133/11.8BEAVR, de 4 de dezembro de 2015, disponível em www.dgsi.pt. 53 Cfr. art.º 11.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, referente à eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e art.º 4.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. 54 Cfr. art.º 3.º, n.º 2, da CEAL e art.ºs 48.º a 50.º, da CRP.

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Uma vez eleitos realizada a eleição dos membros e supridas as adversidades que podem

resultar do ato eleitoral, a assembleia de freguesia está em condições de funcionar. Deste modo,

reúne em quatro sessões ordinárias anuais, convocadas com uma antecedência mínima de oito

dias. Pode reunir em sessões extraordinárias por iniciativa da mesa ou através de requerimento

de uma das entidades referidas no n.º 1, do art.º 12.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.

As assembleias de freguesia têm competências de apreciação, fiscalização e de

funcionamento, um pouco à semelhança das funções das assembleias municipais como um

órgão deliberativo que igualmente é. A este propósito, e como se sabe, no período compreendido

entre o dia da realização de eleições e a tomada de posse dos órgãos eleitos, existe uma

contenção dos poderes de deliberar ou decidir sobre matérias de grande importância para a vida

da autarquia, motivo pelo qual a Lei n.º 47/2005, de 29 de agosto, determina que os prazos

legais atinentes a tais matérias ficam suspensos durante esse período de gestão limitada55.

No caso de se registarem conflitos relacionados com as eleições democráticas, existe

um sistema judicial de resolução dos conflitos que se direciona para o TC e para os tribunais de

primeira instância. Sempre que forem levantadas questões sobre irregularidades no decorrer da

votação ou no apuramento dos resultados, estas podem ser impugnadas perante o TC, desde

que as irregularidades tenham sido reclamadas na altura do seu acontecimento56. Diferente

desta situação é a existência de comportamentos que pela sua gravidade merecem a tutela do

Direito contraordenacional ou ainda do Direito penal. As contraordenações eleitorais57 são

apreciadas, em regra, pela Comissão Nacional de Eleições, sendo possível recorrer da decisão

para a secção criminal do STJ. No que concerne ao ilícito eleitoral penal, é julgado nos tribunais

comuns e pode ser relativo, a título meramente exemplificativo, à propaganda eleitoral ou

organização do processo eleitoral58.

2.2.2 - Junta de freguesia

No que respeita à junta de freguesia, é constituída por um presidente e vogais. Existe

apenas um boletim de voto referente à eleição dos órgãos da freguesia e, regra geral, é eleito

presidente da junta a pessoa que encabeça a lista mais votada da eleição para a assembleia de

55 Cfr. art.º 8.º, sendo densificadas ao longo dos art.ºs 9.º e 10.º, todos da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. V. a respeito do tema, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 163. 56 Cfr. art.º 156.º e ss da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. 57 Reguladas do art.º 204.º a 219.º, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto. 58 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 160 e ss.

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freguesia, deixando de fazer parte desta. Por sua vez, os vogais são eleitos através de proposta

do presidente da junta, cujo número é variável consoante o número de eleitores59. Contudo, e

apesar de a lei nada referir sobre este aspeto, entende-se que se a proposta feita pelo presidente

da junta na escolha dos vogais não conseguir uma maioria que a aprove, ter-se-ão de realizar

novas eleições60.

Uma vez eleitos os membros da junta de freguesia, podem estes optar por exercer

funções em regime de permanência, a meio tempo ou de não permanência, consoante o

número de eleitores da freguesia. As remunerações pelo exercício destas funções têm por

referência o vencimento base do Presidente da República e o facto de serem exercidas em

regime de permanência ou a meio tempo. Os presidentes das juntas de freguesia a exercerem o

mandato em regime de não permanência (voluntariado) não recebem remuneração, porém

beneficiam de uma compensação mensal para encargos61.

Quanto às reuniões da junta de freguesia, realizam-se ordinariamente pelo menos uma

vez por mês, e em sessões extraordinárias sempre que necessário62.

Devido ao caráter de órgão executivo, as competências por si desempenhadas

assemelham-se às da câmara municipal, com as devidas adaptações. Ora, em face das

responsabilidades, poderes próprios que lhe são legalmente atribuídos e, por personificar e

representar o governo da freguesia, grande parte da doutrina considera que o presidente da

junta deveria ser designado individualmente órgão da freguesia63.

Em termos muito gerais, é este o funcionamento dos órgãos que representam esta

categoria de autarquia local, contudo numa abordagem sobre este tema não poderá deixar de

ser feita uma breve referência às recentes transformações ocorridas, em virtude de reformas

territoriais há muito reclamadas. Na verdade, já na época do liberalismo, o número de freguesias

existentes em Portugal era de aproximadamente 4 000, situação que se manteve até à

atualidade, tendo-se registado algumas alterações pontuais e pouco significativas. Acresce que

com a Constituição de 1976, e especialmente depois da revisão de 1982, matérias respeitantes

59 Cfr. art.º 24.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. 60 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03, Julho/ Setembro, 2014, p. 49. E ainda neste sentido, o ac. do TCA-S (Contencioso Administrativo), proc.º n.º 11139/14, de 14 de maio de 2015, disponível em www.dgsi.pt. 61 Cfr. art.ºs 26.º e 27.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro e art.ºs 5.º e 7.º, da Lei n.º 11/96, de 18 de abril. 62 Cfr. o disposto no art.º 20.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. 63 V. OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03, Julho/ Setembro, 2014, p. 50.

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à criação, modificação e extinção das freguesias passaram a ser da responsabilidade da

Assembleia da República, configurando uma matéria de reserva absoluta64.

Ainda quanto a esta matéria, a Lei n.º 8/93, de 5 de março, regulou o regime jurídico de

criação das freguesias, porém em 2011, a situação que esta lei consagrava mudou. Com a crise

económica e financeira vivida em Portugal tornou-se premente a necessidade de uma boa

administração pública. Posteriormente, no Memorando de Entendimento constituído entre a

Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e o Governo

português, ficou estabelecido um compromisso de reorganização da administração local até

junho de 2012, pretendia-se, assim, um municipalismo mais sustentado, forte e eficaz65.

Um dos pontos do Memorando referia a necessidade de reduzir e reorganizar as 4 259

freguesias e os 308 municípios existentes no nosso território, todavia, o Governo apenas agiu

quanto às primeiras, tendo em setembro de 2011, criado o Documento Verde da Reforma da

Administração Local, que continha uma profunda reforma nas freguesias e assumia como

principal prioridade a redução do seu número no prazo de um ano. Este documento não reuniu

consenso entre os partidos políticos, por isso o Governo avançou com uma proposta de lei da

qual resultou a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, que abandonou algumas das imposições que

constavam do Documento Verde e estabeleceu critérios para a redução das freguesias,

combinando essencialmente a população concreta dos municípios com a densidade

populacional, tratou-se, assim, de um critério alicerçado em cortes percentuais do número de

freguesias por município66.

Posteriormente, as Leis n.ºs 11-A/2013, de 28 de janeiro e n.º 56/2013, de 8 de

novembro, extinguiram e criaram novas freguesias, a primeira foi alvo de duras críticas devido à

técnica legislativa utilizada, os resultados práticos, violação de princípios básicos de direito

eleitoral – uma vez que ao ter ignorado a instalação de novas freguesias impossibilitou os

eleitores de votar com conhecimento real da situação da nova freguesia67 – e até de

64 Cfr. art.º 164.º, al. n), da CRP. Para maiores desenvolvimentos sobre esta alínea e a possível necessidade de aplicação de uma lei-quadro, v. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 133 e ss. Deve ser referido que nas regiões autónomas este poder é desempenhado pela respetiva assembleia legislativa. - V. art.º 164.º, al. n) in fine e art.º 227.º, n.º 1 al. l), ambos da CRP, o Estatuto político-administrativo das regiões autónomas, e ainda ac. do TC n.º 496/97, de 8 de agosto, e ac. n.º 86/2013, de 5 de fevereiro, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 65 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “Poder local 2011-2013: de uma reforma local ambiciosa à extinção desastrada de freguesias”, in António Cândido de Oliveira, Fernanda Paula Oliveira (coord.s), Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, 2013, p. 119. 66 V. neste sentido, OLIVEIRA, António Cândido de; NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa Portuguesa, AEDRL, 2013, p. 14 e 15. 67 V. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 322.

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inconstitucionalidade. De facto, nos moldes que seguiu a reforma territorial das freguesias,

considera-se não ter sido respeitado o art.º 164.º, al. n), da CRP, em virtude da revogação das

leis de enquadramento do regime de criação, modificação e extinção das freguesias68. Do mesmo

modo, o princípio da autonomia local das freguesias foi desrespeitado devido à falta da sua

audição obrigatória sempre que sejam alvo de modificação ou extinção, como prescreve a CEAL

e CRP69. Por outro lado, considera-se ter existido uma manifesta discriminação entre as

freguesias de Lisboa e das regiões autónomas, que seguiram regimes distintos entre si e face às

restantes do território nacional. Assim, a pretexto de vários motivos, as regiões autónomas

rejeitaram a aplicação no seu território da reforma encetada, a Assembleia da República não se

opôs a esta recusa, razão pela qual aí não se verificou qualquer alteração. Por sua vez, as

freguesias de Lisboa beneficiaram de uma lei especial70, em desrespeito pela Lei n.º 22/2012,

de 22 de maio, que abrangia todo o território nacional71.

De um modo geral, uma das lacunas basilares apontada nesta reforma foi a ausência,

na legislação, de um conceito seguro de freguesias, que deveria ter sido considerada pelo

legislador como uma “entidade político-administrativa local”, capaz de realizar as suas

atribuições de acordo com o princípio da subsidiariedade72. Deste modo, assegurar-se-ia um

maior cuidado com a dimensão das autarquias e, conjugando esse fator com a densidade

populacional e localização geográfica das mesmas, atenuava a preocupação com o número de

freguesias por município e, por último, a consideração deste conceito impediria a concentração

das freguesias urbanas73.

Note-se que desde que as paróquias religiosas começaram, por força da lei, a

desempenhar funções administrativas (em 1830), esta reforma operada em 2012-13 foi a

primeira alteração significativa a nível territorial das freguesias e, sem prejuízo de alguns méritos,

designadamente na introdução de maior operatividade do princípio da subsidiariedade, o

robustecimento do perfil das freguesias enquanto estrutura local autárquica, e do reforço do

68 Cfr. ALEXANDRINO, José Melo, “Dez questões em torno do lugar das freguesias na organização do Estado”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 08, Outubro/Dezembro, 2015, p. 15. 69 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 321. 70 Especificamente, a Lei n.º 56/2012, de 8 de novembro. 71 Assim, ALEXANDRINO, José Melo, “Dez questões em torno do lugar das freguesias na organização do Estado”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 08, Outubro/Dezembro, 2015, p. 15. 72 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “Poder local 2011-2013: de uma reforma local ambiciosa à extinção desastrada de freguesias”, in António Cândido de Oliveira, Fernanda Paula Oliveira (coord.s), Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, 2013, p. 121. 73 V. neste sentido, Idem, Ibidem, p. 121 e ss.

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regime financeiro das freguesias na LFL, certo é que se tratou de uma reforma alvo de muita

contestação, não pela sua razão de ser mas pela forma como foi operada74.

2.3 - Órgãos representativos do município

Ao longo da história da organização político-administrativa portuguesa, autores como

Henriques Nogueira ou Alexandre Herculano salientam o valor do município75. No mesmo

sentido, Freitas do Amaral refere a sua importância histórica, económica, financeira,

administrativa e política76. Apesar de ter passado por diversas dificuldades durante o séc. XIX e

XX, a existência dos municípios nunca foi posta em causa, tendo ocupado um lugar de destaque

na administração local. Ainda hoje assim é. De facto, em Portugal a autarquia local com maior

relevo é o município, tem um conjunto de competências e atribuições mais alargado que o das

freguesias, e desempenha importantes tarefas nas áreas dos transportes urbanos, educação,

polícia municipal, saneamento básico, cultura, entre outros.77. Para cumprir tais tarefas dispõem

de meios técnicos, financeiros e humanos que não são equiparáveis aos das freguesias78.

As atribuições e competências dos municípios e das freguesias devem funcionar de

modo articulado, mas não se misturam devido à aplicação do princípio da descentralização e

subsidiariedade – importa recordar que este último determina que as freguesias, pela maior

proximidade que têm com os cidadãos, devem preferencialmente desempenhar determinadas

tarefas, desde que o possam fazer de forma eficaz, deixando as restantes competências para as

entidades territorialmente superiores79.

Tendo este aspeto em consideração, é defensável que os municípios devam abranger

um vasto território e população alargada. Atualmente, fala-se em reduzir o seu número, o que é

de aceitar no caso de se tratar de municípios de pequena dimensão, uma vez que é difícil

74 Cfr. ALEXANDRINO, José Melo, “Dez questões em torno do lugar das freguesias na organização do Estado”, Questões Atuais de Direito Local, n.º 08, AEDRL, Outubro/Dezembro, 2015, p. 16. 75 V. neste sentido, HERCULANO, Alexandre, História de Portugal, II Livro, Ulmeiro, 1980, e ainda, NOGUEIRA, J. F. Henriques, Estudos sobre a Reforma em Portugal, Imprensa da Universidade, 1923. 76 Cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p. 527. 77 Sobre as técnicas jurídicas que podem ser usadas para definir as atribuições dos municípios, v. Idem, Ibidem, p. 559 e 560. 78 Acerca da relação entre os municípios e freguesias existe uma querela doutrinal sobre a sua dignidade constitucional. Parte da doutrina defende ser uma relação de igual dignidade na Lei Fundamental, contudo existe alguma resistência a esta ideia, em face da inexistência de igualdade geométrica entre ambas, do princípio da diferenciação, entre outros argumentos. V. neste sentido, ALEXANDRINO, José Melo, “Dez questões em torno do lugar das freguesias na organização do Estado”, Questões Atuais de Direito Local, n.º 08, AEDRL, Outubro/Dezembro, 2015, p. 14. 79 Cfr. art.º 7.º n.º 1 e 23.º n.º 1, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. V. ainda, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 293.

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disporem de meios técnicos de qualidade e meios financeiros que lhes permitam desempenhar

as suas tarefas de modo adequado. Neste domínio, embora seja subjetivo determinar o que

serão municípios de reduzida dimensão, entende-se que o serão os que tiverem menos de 10

000 habitantes80.

Em termos procedimentais, a Lei n.º 142/85, de 18 de novembro, regula a criação dos

municípios, e estabelece um conjunto de requisitos para prevenir a inexistência de receitas e

população diminutas81. Trata-se, assim, de um diploma que reúne um notório esforço na criação

de municípios viáveis, que sejam capazes de realizar eficazmente as atribuições e competências

que lhes são consignadas.

2.3.1 - Assembleia municipal

Após elencar as categorias de autarquias, a CRP enuncia que constituem órgãos

representativos do município: a câmara municipal e a assembleia municipal, sendo o primeiro o

órgão executivo, e o segundo o deliberativo82.

Quanto às assembleias, cumpre dizer que são uma criação da CRP de 1976, por isso

sem tradição na nossa organização administrativa local, pese embora como se disse, tenham

existido figuras semelhantes, nomeadamente, na 1.ª República o senado municipal que

resultava de uma alargada composição da câmara municipal e, posteriormente o conselho

municipal83.

Ora, como já resulta do exposto, a figura das assembleias municipais surgiu em 1976,

sendo que a sua estrutura inicialmente delineada não sofreu modificações significativas. Assim,

constituem órgãos colegiais cuja composição junta membros diretamente eleitos84 e presidentes

das juntas de freguesia do município85. Por conseguinte, a composição de uma assembleia

80 V. neste sentido, OLIVEIRA, António Cândido de; NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa Portuguesa, AEDRL, 2013, p. 11. E ainda o art.º 4.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 142/85, de 18 de novembro. 81 Designadamente, requisitos geodemográficos no art.º 4.º, da Lei-quadro, (como a exigência de uma área mínima de 24 km², mínimo de 10 000 eleitores, equipamentos de utilidade coletiva, etc.), requisitos financeiros (art.º 3.º), entre outros elementos indicados no diploma em apreço. 82 Cfr. art.º 250.º, da CRP. E ainda, v. neste sentido, OLIVEIRA, António Cândido de, As Assembleias Municipais Precisam de Reforma: diário da Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão – 2002 a 2005, CEJUR, 2006, p. 6. 83Cfr. Idem, Ibidem, p. 5 e 6. 84 Cujo número deve ser de, pelo menos, o triplo dos vereadores da respetiva câmara municipal, por forma a evitar assembleias constituídas com uma quantidade de membros inferior comparativamente aos membros da câmara. – Cfr. art.º 42.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. 85 V. neste sentido, NEVES, Maria José L. Castanheira, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 66.

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municipal obtém-se através de um cálculo de multiplicação por três do número de vereadores da

câmara e ainda os presidentes de junta existentes no município, sendo que na eventualidade de

existir um número superior de presidentes da junta em relação aos elementos diretamente

eleitos, elegem-se mais membros por forma a ser superior em mais um em relação ao número

de presidentes da junta, para se fazer cumprir a CRP86.

Tendo em consideração estas exigências na composição, é de notar que a quantidade

de membros das assembleias municipais não está ligada aos eleitores, mas ao número de

freguesias, o que pode ter como resultado a existência de municípios cujo número de membros

do órgão deliberativo seja muito discrepante entre si, basta que um dos municípios tenha mais

freguesias, o que não é raro suceder87.

Quanto às reuniões, está previsto que a assembleia municipal reúna em cinco sessões

ordinárias anuais, convocadas com uma antecedência mínima de oito dias. Podem ter lugar

sessões extraordinárias através de iniciativa do presidente, da mesa ou após requerimento

elaborado nos termos do n.º 1, do art.º 28.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.

As assembleias municipais são uma espécie de “parlamento local”, razão pela qual

detêm poderes deliberativos e de fiscalização do órgão executivo88. Todavia, as amplas

competências constantes da LAL não incluem a prerrogativa de eleger a câmara municipal ou o

presidente da câmara89.

Neste particular, embora objeto de posteriores desenvolvimentos, cumpre por agora

referir que o funcionamento do órgão em apreço não é isento de críticas. António Cândido de

Oliveira defende que não obstante as suas vantagens e a vontade constitucional em que

desempenhassem um papel de relevo na organização municipal, a verdade é que as

assembleias municipais têm tido um papel muito apagado ao longo da sua existência. Segundo

86 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03 Julho/ Setembro, 2014, p. 40. 87 V. neste sentido, OLIVEIRA, António Cândido de; NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa Portuguesa, AEDRL, 2013, p. 11. 88 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 264, e AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p. 579. 89 Por sua vez, a doutrina não é unânime no que concerne ao poder do órgão deliberativo de destituição dos membros do executivo. Sob o argumento dos vastos poderes que as assembleias têm sobre as câmaras e porque como estas são responsáveis perante aquelas há doutrina que entende que podem ser por elas destituído. Dito de outro modo, defendem que a responsabilidade do órgão executivo perante o deliberativo abrange a possibilidade de demitir o órgão executivo e a destituição dos respetivos membros. Deste entendimento partilham J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira na anotação ao art.º 241.º, da CRP, embora de seguida admitam as dificuldades de tal consideração. Interpretação distinta tem António Cândido de Oliveira ao considerar que a responsabilidade do órgão executivo perante o deliberativo pode assumir outras formas que não o poder de demissão. – Para maiores desenvolvimentos, v. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 264 e ss.

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o autor, o poder efetivo do município está na câmara municipal e na pessoa do seu presidente,

verificando-se um “presidencialismo municipal”90.

2.3.2 - Câmara municipal

Quanto ao órgão executivo do município, em termos de elegibilidade, depois de contados

os votos é usado o sistema proporcional (através do método de Hondt), sendo que os eleitores

escolhem diretamente todos os membros da câmara municipal ao elegerem o presidente que é

o primeiro candidato da lista mais votada, mesmo sem maioria absoluta91. Deste modo, a

câmara é composta pelo presidente e por vereadores cuja quantidade varia em função do

número de eleitores, sendo que nem todos os vereadores exercem essa função em regime de

permanência92. Assim, nas eleições que se realizam de 4 em 4 anos para as autarquias locais, o

cidadão eleitor preenche um boletim de voto para a eleição da assembleia de freguesia, outro

para escolher a composição de parte da assembleia municipal e, um terceiro para a eleição da

câmara municipal93. Merecedor de saliência é o facto de os eleitos municipais estarem

vinculados às normas do estatuto dos eleitos locais e ao estatuto dos eleitos municipais que

estabelecem determinados deveres e regalias. Por outro lado, devido aos cargos que ocupam, o

presidente e vereadores a tempo inteiro estão sujeitos ao regime jurídico de incompatibilidades e

impedimentos, cujo cumprimento é fiscalizado pelo Tribunal Constitucional, sendo que a

desobediência por parte dos titulares de cargos políticos pode importar a perda do mandato.

Acresce que no prazo de 60 dias após o início do exercício de funções, os presidentes da

câmara e vereadores estão obrigados a apresentar ao Tribunal Constitucional a declaração dos

90 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, As Assembleias Municipais Precisam de Reforma: diário da Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão – 2002 a 2005, CEJUR, 2006, p. 8. V. ainda neste sentido, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 296. 91 Cfr. art. 57.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. Uma eventual mudança na composição e eleição da câmara municipal carece, nos termos do art.º 168.º, n.º 6, al. d), da CRP, de uma lei aprovada por maioria de 2/3 o que ainda não ocorreu, não obstante ter existido antes das eleições locais de 2013 uma tentativa neste sentido, em que os partidos de coligação que formaram Governo negociaram a apresentação de um projeto de lei eleitoral, que não obteve consenso porque o CDS defendia que na composição do órgão executivo do município se deveria optar por executivos maioritários e os restantes lugares seriam ocupados por vereadores da oposição. Por sua vez, o PDS perfilhava a existência de executivos homogéneos. – V. a respeito do tema, OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03 Julho/ Setembro, 2014, p. 43. 92 Cfr. art. 58.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. Para maiores desenvolvimentos sobre a forma de elegibilidade dos vereadores e as tarefas que ocupam, v. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 268 e 269. 93 V. Idem, Ibidem, p. 155.

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seus rendimentos, património e cargos sociais, sendo o incumprimento desta imposição

sancionado com a perda do mandato e, consoante os casos, crime de falsas declarações94.

São muitas as competências que a câmara municipal, enquanto órgão colegial, pode

exercer. Porém, estas competências podem ser delegadas na pessoa do presidente da câmara

que, por sua vez, tem a possibilidade de as subdelegar em qualquer dos vereadores. Assim, é

notória a importância que o presidente tem dentro do órgão executivo, para além de ser

diretamente eleito e das competências que a lei lhe atribui95, pode escolher os vereadores com

quem vai trabalhar e ainda subdelegar-lhes poderes. Por conseguinte, à semelhança do que se

disse sobre o presidente da junta e, em face do protagonismo que a sua figura assume na

tradição administrativa portuguesa, existem autores como Freitas do Amaral, António Cândido de

Oliveira e Sérvulo Correia que defendem que o presidente da câmara deveria ser contemplado

na lei como um órgão do município96.

Em resumo do supra referido, o que resulta da Lei Fundamental é a existência de uma

assembleia representativa dotada de poderes deliberativos (a assembleia de freguesia,

assembleia municipal e assembleia regional), e de um órgão executivo que é responsável

perante o órgão representativo (a junta de freguesia, câmara municipal e junta regional)97.

Sobre a relação entre os órgãos do poder local referiu-se que a situação de integração

entre as autarquias existente no Estado Novo foi extinta pela CRP, todavia em face do exposto,

verifica-se que a Lei Fundamental garantiu a representação das autarquias territorialmente

menores no órgão representativo das autarquias de grau superior, uma vez que os presidentes

da junta de freguesia integram a assembleia municipal respetiva. Na mesma medida, essa

representação também está prevista num nível administrativo superior, designadamente, nas

assembleias regionais que quando vierem a existir, haverá representação das assembleias

municipais integrantes em cada região administrativa98.

Destarte, embora se reconheçam atualmente alguns pontos problemáticos no poder

local, certo é que a sua consagração constitucional em 1976, que foi amadurecendo nos últimos

94 Cfr. art.ºs 10.º e 12.º e 13.º, da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto. 95 Cfr. art.ºs 34.º e 35.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. 96 Para maiores desenvolvimentos, v. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 3.ª Ed. Vol. I, 2006, p. 478 e ss. Ainda, OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03, Julho/ Setembro, 2014, p. 44. E, por último, CORREIA, J. M. Sérvulo, “O Direito Constitucional das autarquias locais em Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 11 - Julho/ Setembro, 2016, p. 29. 97Cfr. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 285 e ss. 98 V. neste sentido, Idem, Ibidem, p. 288.

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40 anos, é um ponto de viragem que não deve ser perdido de vista. De facto, os entes públicos

territoriais foram dotados de personalidade jurídica própria e de autogoverno, ficando legitimados

a representar os interesses locais o que implicou um reconhecimento da autonomia na aplicação

dos recursos, bem como na definição das suas políticas, tendo sido disponibilizado um conjunto

de instrumentos que lhes permite dar exequibilidade às suas decisões99. Por outro lado, por

serem órgãos de maior proximidade também a população se habituou a confiar-lhes a resolução

de determinadas questões.

3. Conceito de democracia local e conceitos afins

3.1 – Democracia local

Ao longo desta exposição fomos enunciando alguns conceitos e, dada a contextualização

que sobre eles foi feita, é possível chegar a uma aproximação ao seu significado. Porém, agora

munidos das bases necessárias à sua compreensão, afigura-se conveniente individualizá-los, no

sentido de delimitar a abordagem efetuada e garantir que os avanços que faremos se façam em

bases minimamente seguras, porque apesar da aparente similitude estes termos não são

sinónimos, são antes “ângulos diversos de observação da mesma realidade”100.

Por conseguinte, no que respeita à democracia local, apesar desta expressão não

constar expressamente nem na CRP nem na CEAL, encontra-se subjacente nesses diplomas,

uma vez que ao afirmar que os residentes das autarquias locais têm o poder – que pode ser

exercido diretamente ou através da eleição de representantes – existe uma proteção da

democracia local, sendo esta uma forma de governar que tem em conta a livre vontade da

população101. Tal resulta, da própria etimologia do termo democracia, que se refere a um sistema

de governo cujo poder é proveniente do povo. Embora organizadas democraticamente de forma

plena apenas a partir do séc. XIX, as comunidades sempre estiveram ligadas à democracia local

99 V. MOREIRA, Vital, “Empréstimos municipais, autonomia local e tutela governamental”, Direito Regional e Local, n.º 03, Julho/ Setembro, 2008, p. 37. 100 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p. 17. 101 A este respeito importa referir que o conceito jurídico-constitucional de cidadão é restrito na medida em que faz depender tal estatuto de determinados critérios (art.º 4.º da CRP). Porém, a CRP estabelece um princípio de equiparação dos estrangeiros e apátridas com os cidadãos portugueses, com incidência em todos os direitos, embora prescreva exceções a esta regra que devem ser fundamentadas segundo critérios de proporcionalidade, adequação e necessidade. Deste modo, nos termos do n.º 2, do art.º 15.º, da CRP, os direitos políticos configuram uma exceção ao princípio da equiparação, embora no n.º 4 se admita aos estrangeiros residentes em Portugal capacidade eleitoral a exercer nas eleições dos titulares dos órgãos das autarquias. V. neste sentido, CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 354 e ss.

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e, devido à maior proximidade da população com os órgãos do poder, considerava-se que era a

nível local que a democracia poderia ser aprofundada102.

Procurando concretizar este imperativo, pode se afirmar que a democracia local está

diretamente relacionada com o direito de os cidadãos das autarquias locais exercerem o poder

de deliberar de modo direto ou por intermédio de órgãos por si eleitos, e bem assim, participar

nas decisões sobre os assuntos respeitantes aos interesses da coletividade103.

Desta forma, a democracia local põe em evidência a população das comunidades locais

e os procedimentos de tomada de decisão, o que implica a existência de instrumentos que

possibilitem a intervenção dos cidadãos nas deliberações, bem como no debate de assuntos de

relevo que não tenham ainda sido discutidos devidamente, envolvendo a participação informada

de grande número de elementos da comunidade104.

Daqui resulta que os cidadãos são titulares do poder político a nível nacional, mas

também local, delegam o exercício desse poder a órgãos que elegem, porém tal não significa

que perdem o controlo desse poder. Na verdade, entende-se que os órgãos devem justificar as

suas atuações perante os cidadãos dever esse que não tem necessariamente de ser cumprido

apenas depois de exercido o mandato, na medida em que após as eleições, os órgãos eleitos

devem manter os cidadãos informados sobre os atos que praticam105.

Atento o exposto, damos conta de duas figuras fundamentais na democracia local, por

um lado, o papel decisivo dos cidadãos na tomada de decisão de âmbito local e, por outro, a

responsabilidade dos órgãos eleitos perante os eleitores106.

3.2 – Poder local

Por sua vez, sendo o termo democracia local próximo do conceito de poder local,

cumpre dizer que se distinguem porque este se reporta aos órgãos das autarquias locais, bem

como à distribuição do poder administrativo a cargo dos titulares dos órgãos das autarquias,

dado que não são apenas os órgãos do Estado ou das regiões autónomas a exercer o poder

102 V. OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p. 27 e ss. 103 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “A Difícil Democracia Local e o Contributo do Direito” in AAVV, Estudos em Comemoração do Décimo Aniversário Da Licenciatura Em Direito Da Universidade Do Minho, Almedina, 2004, p. 98 e 99. 104 Cfr. Idem, Ibidem, p. 95 e ss. 105 V. neste sentido, OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p. 31 e 32. 106 V. Idem, Ibidem, p. 15 e 16.

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administrativo, mas também os titulares dos órgãos das autarquias locais107. A este respeito,

verifica-se uma limitação do poder central, desde logo, porque parte da administração pública é

atribuída às autarquias locais que exercem poderes que de outro modo seriam desempenhados

pelo Estado ou pelas regiões autónomas e, em segundo lugar, porque existe a obrigação de

respeitar a autonomia destas. Tendo presentes estas coordenadas, é possível constatar que esta

configuração do poder local representa uma manifestação do princípio da separação de poderes

em sentido vertical108.

3.3 – Autarquia local

A expressão autarquia local advém do direito italiano, tendo sido introduzida em Itália

por Santi Romano e, posteriormente substituída na Constituição democrática, de 1947, pelo

conceito de autonomia109. Apesar de abandonado pelo direito italiano, o termo foi incorporado no

ordenamento jurídico português por intermédio da Constituição de 1933, e sofreu modificações

com a CRP de 1976110. O conceito foi trabalhado pela doutrina, sendo que Freitas do Amaral

define as autarquias como “pessoas colectivas públicas de população e território,

correspondentes ao agregado de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e

que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança, mediante

órgãos próprios representativos dos respectivos habitantes”111. Dito de outro modo, os elementos

que dão consistência a uma autarquia local são os residentes de um determinado território que

se incumbem da satisfação de necessidades e interesses específicos resultantes da vida em

comunidade e que são representados por órgãos por si eleitos através de eleições livres112.

Sob a perspetiva da sua organização, as autarquias locais integram a administração

indireta de base territorial. Indireta, na medida em que os interesses que prosseguem são

efetuados por pessoas coletivas separadas da estrutura do Estado, e territorial, uma vez que aí

se encontram territorialmente demarcadas dentro do âmbito do Estado. A par disto, são

funcionalmente formas de administração autónoma que têm como finalidade a prossecução de

interesses específicos da coletividade local, que se distinguem dos interesses públicos gerais do

107 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, “A Difícil Democracia Local e o Contributo do Direito” in AAVV, Estudos em Comemoração do Décimo Aniversário Da Licenciatura Em Direito Da Universidade Do Minho, Almedina, 2004, p. 97 e 98. 108 V. CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª Ed., Almedina, 7.ª, 2003, p. 557. 109 Cfr. MOREIRA, Vital, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 67 e 68. 110 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 126 e ss. 111 Cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p. 480. 112 V. Idem, Ibidem, p. 485.

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Estado113. Tendo estes aspetos em consideração, pode se dizer que as autarquias exercem a

atividade administrativa não como qualquer serviço público da administração direta do Estado,

mas em nome da população que representa e, dentro do âmbito das suas atribuições são elas

quem define a política administrativa a seguir114. Com efeito, as autarquias locais são pessoas

distintas do Estado e constituem entidades independentes embora possam por ele ser

fiscalizadas, controladas ou subsidiadas.

A partir do exposto é possível distinguir o conceito de autarquias locais do significado de

comunidades locais, pois estas assumem um âmbito sociológico, enquanto que as autarquias

têm natureza jurídica, por essa razão abrangem as comunidades e dão-lhe um revestimento

normativo115.

As autarquias locais são anteriores à Lei Fundamental, mas com a sua inserção na CRP

passaram da categoria de instância administrativa para a de poder político, o que as torna mais

sólidas e ricas, mais do que foram em qualquer momento do passado116.

Estamos na presença de uma garantia institucional que apresenta de forma precisa e

direta uma organização do Estado repartida por entes territoriais centrais e locais, tendo âmbitos

de atuação concretos e distintos117. Assim, como razão justificativa da institucionalização118 das

autarquias surge, desde logo, a tradição do municipalismo, uma vez que o município apareceu

como uma unidade organizada pelos povos, ligados pelas relações de trabalho e tradições

comuns da localidade, cooperando entre si com objetivos económicos, administrativos e

culturais. Em segundo lugar, e corolário da primeira, encontra-se o facto de os municípios

integrarem o âmago da estrutura do Estado de acordo com a ideia de autorregulação da

população. Por último, devido à consciência de que para melhor satisfazer as necessidades

113 Cfr. art.º 235.º, n.º 2, da CRP. E ainda, neste sentido, v. ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 13. 114 V. OLIVEIRA, António Cândido de “Democracia Local: a organização, os poderes e o funcionamento dos “Plenos do Concello na Galiza e das Assembleias Municipais no Norte de Portugal”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 05, Janeiro/ Março, 2009, p. 7 e 8. 115 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 19 e 20. 116 Cfr. MIRANDA, Jorge, “Comentário ao artigo 235.º da CRP”, in Jorge Miranda; Rui Medeiros (coord.), Constituição Portuguesa Anotada, Vol. III, Coimbra Editora, 2007, p. 444. 117 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 12. 118 A institucionalização das autarquias locais demonstra que a CRP as incorporou no seu texto e traçou um esboço, garantindo a sua preservação, contudo, cabe ao legislador ordinário fixar o seu conteúdo concreto de acordo com as circunstâncias de tempo e lugar, mas sempre em obediência à estrutura da Lei Fundamental. Para maiores desenvolvimentos sobre o conceito de garantia institucional, V. MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Vol. IV., 6.ª Ed., 2015, p. 106 e ss.

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coletivas locais é necessária uma maior proximidade que é conseguida através da

descentralização das decisões119.

3.4 – Descentralização administrativa

Tendo em consideração a moldura acima traçada pode se dizer que o reconhecimento

constitucional das autarquias locais e da sua autonomia face ao poder central faz parte daquela

que é a essência da democracia e relaciona-se, em larga medida, com o conceito jurídico-político

de descentralização. No seguimento desta constatação, interessa atentar no conceito de

descentralização administrativa que surgiu com o objetivo de afastar a centralização, e prende-se

com a organização do Estado a fim de repartir funções do plano central e local120.

As tarefas de administração pública são desempenhadas por várias pessoas coletivas

distintas do Estado, deste modo, a descentralização administrativa caracteriza-se,

essencialmente, pela transferência de competências e atribuições das regiões autónomas e do

Estado para as autarquias locais, para que estas as exerçam sob responsabilidade própria121.

Convém, desde logo, afastar deste conceito a desconcentração administrativa vertical,

pois apesar de esta representar também uma transferência de atribuições e competências de

um centro para a periferia, esse movimento de transferências não é feito para as autarquias

locais para que estas as exerçam sob responsabilidade própria (como acontece com a

descentralização administrativa). A desconcentração administrativa tem como objetivo dividir as

tarefas de um centro que está sobrecarregado e, nesse sentido, a divisão pode ser feita de forma

horizontal (confiando-se as tarefas a departamentos do mesmo nível) ou vertical (divisão

efetuada pelos serviços periféricos). No caso da desconcentração, os entes públicos ou serviços

envolvidos exercem poderes em nome desse centro, (em regra, Estado ou regiões autónomas)

estão na sua dependência e devem obedecer às suas instruções, o que não acontece, como se

referiu, com a descentralização administrativa em que a transferência de competências e

atribuições é feita para as autarquias locais para que as exerçam sob sua própria

responsabilidade122.

119 V. neste sentido, CATARINO, João Ricardo, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 2.ª Ed., Almedina, 2014, p. 173. 120 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p. 17. 121 V. MOREIRA, Vital, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 142 e ss. 122 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, “A Difícil Democracia Local e o Contributo do Direito” in AAVV, Estudos em Comemoração do Décimo Aniversário Da Licenciatura Em Direito Da Universidade Do Minho, Almedina, 2004, p. 97.

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Em síntese, poder-se-á dizer que todos os conceitos aqui elencados revelam o fenómeno

de atribuição de poderes administrativos às autarquias locais. Porém, sendo a democracia local

uma forma de exercício do poder administrativo, dota-a de uma abrangência muito maior

comparativamente aos demais conceitos. Na verdade, para tornar efetiva a democracia local e o

exercício do poder, é necessário adquirir legitimidade, o que implica que lhes sejam

reconhecidas atribuições e competências de acordo com o princípio da descentralização

administrativa, requer património e finanças próprios, poder regulamentar próprio e quadros de

pessoal próprio123. Porém, a democracia local exige mais do que isto, não se esgota em preceitos

jurídicos, implica que as comunidades locais sejam dirigidas por órgãos eleitos pelos seus

membros, que os cidadãos do município estejam bem informados sobre a situação local,

reclama a sua participação nos assuntos de relevo da vida da coletividade e, por fim, a

democracia local exige que após executada uma decisão sejam avaliados os resultados. A sua

abrangência é tal que pode existir descentralização administrativa, poder local ou autonomia

local e não existir democracia local124.

3.5 - Autonomia local

3.5.1 - Conceito de autonomia local

A autonomia local enquanto liberdade e enquanto direito de decisão independente de

outrem é inseparável do Estado de Direito democrático e, dada a sua importância para a

democracia e poder local, será neste estudo alvo de maiores desenvolvimentos.

Como já tivemos oportunidade de referir, à semelhança do que se passa com as

Constituições dos países democráticos, a CRP de 1976 acolheu o princípio da autonomia local.

Contudo, o significado deste princípio tem variado consoante os regimes políticos, épocas

históricas e ainda nos dias de hoje as opiniões divergem acerca do seu sentido e alcance.

Do mesmo modo, explicou-se que o Estado Liberal é um marco importante para o

surgimento da autonomia local, uma vez que esta resultou da forma como se estabeleceram as

relações entre os entes locais e o Estado afirmado pela soberania popular. Assim, durante o

Liberalismo, a autonomia significava uma liberdade dos entes locais frente ao Estado central, o

que se relacionava com interesse local cabia às autarquias, e as matérias de interesse nacional

competiam ao Estado. Porém, atualmente essa separação não se afigura possível, uma vez que

num Estado Social de Direito marcado pela crescente intervenção estadual nos diversos setores

123 Cfr. art.ºs 237.º, 238.º, 241.º e 243.º n.º 1, todos da CRP. 124 Assim, Idem, Ibidem, p. 98 a 106.

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35

de atividade, as políticas nacionais devem respeitar as especificidades das diversas autarquias e,

por outro lado, os assuntos locais têm de ser enquadrados numa política pública determinada a

nível nacional125.

Neste contexto, partindo da ideia de que “o poder político pertence ao povo”126 e que as

autarquias têm autonomia local, é necessário, antes de mais, assegurar aos entes locais a

possibilidade de se ocuparem dos assuntos que são da sua competência, permitindo-lhes tomar

decisões sob responsabilidade própria127. Esta ideia é uma aproximação ao conceito de

autonomia local, atento que as autarquias configuram pessoas coletivas de direito público

diferentes do Estado e, por isso, são funcionalmente formas de administração autónoma que

fazem parte da administração central latu sensu (que abrange a administração direta e indireta),

mas não são uma continuidade da administração central. Têm finalidades de prossecução de

interesses específicos das populações da sua área geográfica e, para assegurar o cumprimento

de tal pretensão, há a necessidade de produção de bens públicos e semipúblicos para a

coletividade territorialmente delimitada128. Na verdade, só assim se poderá falar numa

administração local autónoma, presente sempre que se exerça, sob responsabilidade própria um

alargado conjunto de tarefas administrativas que lhes são confiadas129.

Em suma, dizer-se que uma autarquia local goza de autonomia e que esta lhe é legal e

constitucionalmente reconhecida significa que ela detém um conjunto de atribuições e

competências diferentes das estaduais, e para as realizar é necessário património, pessoal e

finanças próprias. Estas características tornam a autonomia num conceito qualitativo, mas

também quantitativo, na medida em que pode um ente local ter maior ou menor autonomia face

ao Estado130.

Porém, do exposto não se deve presumir uma autonomia política dos municípios até

porque quem delimita as competências é o Parlamento ou o Governo mediante decreto

autorizado, respeitando sempre a caracterização constitucional das autarquias locais131. Neste

125 Cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p. 489 e ss. 126 Cfr. art.º 108.º, da CRP. 127 V. neste sentido, MOREIRA, Vital, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 69 e ss. 128 Cfr. NEVES, Maria José L. Castanheira, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 21. Para maiores desenvolvimentos sobre a génese e compreensão do poder local e a sua relação com o poder central, v. RUIVO, Fernando, O Estado Labiríntico – O Poder Relacional entre Poderes Local e Central em Portugal, Edições Afrontamento, Centro de Estudos Sociais, Porto, 2000. 129 V. art.º 235.º n.º 2, 237.º n.º 1 e o art.º 238.º todos da CRP. 130 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 32 e ss. 131 V. Idem, Ibidem, p. 35 e 36.

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particular, interessa referir que em função dos vários fatores que diferenciam as freguesias dos

municípios, considera-se que o grau de autonomia local entre ambos é distinto, porém,

precisamente para a preservar, o controlo que o Governo exerce sobre os entes locais é um

mero controlo de legalidade, que se esgota na verificação da conformidade com a lei, abstendo-

se da tutela de mérito que se refere à oportunidade e conveniência das opções das autarquias e,

consequentemente implicaria que o Governo pudesse sobrepor as suas opções políticas às dos

entes locais132. Para além do controlo de mérito também se afasta o poder de superintendência

governamental, na medida em que sujeitaria as autarquias a diretivas ou recomendações do

Governo133.

3.5.2 - Na Carta Europeia de Autonomia Local

Adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 27 de junho de 1985, a

Carta Europeia de Autonomia Local foi uma convenção aberta à assinatura dos Estados

membros do Conselho da Europa a partir de outubro de 1985 e constitui o único tratado

internacional que define e garante os princípios da autonomia local.

Na exposição dos motivos elencados na Carta é mencionada a necessidade de

salvaguardar a autonomia local de inúmeros perigos característicos das sociedades modernas,

tendentes a uma intervenção crescente dos Estados excessivamente preocupados com o

princípio da igualdade e uniformidade da prestação de serviços, consumindo a margem de

liberdade deixada aos entes locais. No preâmbulo da Carta consta que “(…) a defesa e o reforço

da autonomia local nos diferentes países da Europa representam uma contribuição importante

para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da descentralização

do poder”.

Assim, o que se pretende com tal diploma é salvaguardar a autonomia local, uma vez

que possibilita resolver os problemas de gestão pública moderna de forma coerente e eficaz e,

em cumprimento de tais metas, devem os Estados trabalhar em conjunto para combater uma

administração burocrática e centralizada.

132 Cfr. ALEXANDRINO, José Melo, “Dez questões em torno do lugar das freguesias na organização do Estado”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 08 Outubro/ Dezembro, 2015, p. 10 e 11. A respeito do tema, v. PORTOCARRERO, Marta, “A tutela administrativa sobre as autarquias locais na Constituição de 1976: velhas dúvidas e novos desafios”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03 Julho/Setembro, 2014, p. 74. 133 Assim, MOREIRA, Vital, “Empréstimos municipais, autonomia local e tutela governamental”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 03, Julho/ Setembro, 2008, p. 38.

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A referência que faremos aos artigos mais importantes da Carta inclui, desde logo, o

art.º 3.º n.º 1 onde é definido o conceito de autonomia local, como sendo “(…) o direito e a

capacidade efetiva das autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua

responsabilidade e no interesse das respetivas populações uma parte importante dos assuntos

públicos” e nos seguintes preceitos normativos existe uma densificação de tal termo que, a título

meramente exemplificativo, passa por atribuir às autarquias locais a tarefa de definir a sua

estrutura administrativa interna e garantir aos eleitos locais o livre exercício do mandato.

O art.º 4.º, da CEAL refere-se ao modo de distribuição das atribuições que devem ser

desempenhadas pelos entes locais e trata-se de um artigo fulcral, pois estabelece que o exercício

de responsabilidades públicas que digam respeito à comunidade local devem ser realizadas

preferencialmente por entidades mais próximas dos cidadãos, a menos que a natureza ou

dimensão das tarefas a desenvolver justifique a atribuição a uma entidade superior (princípio da

subsidiariedade)134, o que bem se compreende dado que as autarquias locais são estruturas mais

próximas das necessidades da população, apresentam-se como estruturas menos complexas,

razão pela qual têm a capacidade de apreender mais rapidamente as necessidades das

respetivas populações, tal como possuem uma capacidade de resposta mais rápida.

Por sua vez, no art.º 8 é regulado o controlo administrativo, estipulando-se uma tutela

administrativa de acordo com a legalidade e os princípios constitucionais, contudo, a título

excecional é permitido o controlo de oportunidade que geralmente é usado nos casos de

delegação de poderes.

Quanto ao controlo da aplicação da carta, pese embora os Estados ratificantes se

encontrem vinculados a prestar as informações relativas às autarquias, a verdade é que a Carta

não consagrou formalmente qualquer sistema de controlo da sua aplicação, razão pela qual o

Congresso dos Poderes Locais e Regionais da Europa instituiu um controlo oficioso e um

controlo por queixa. O controlo oficioso pode ser feito através de relatórios feitos por peritos e

podem ser relativos a um Estado membro ou de abrangência universal. No que respeita ao

controlo por queixa, este é desencadeado pelas autarquias locais e regionais que apresentam no

Congresso dos Poderes Locais e Regionais da Europa uma reclamação contra o Estado onde

134 Cfr. art.º 4.º, n.º 3, da CEAL.

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indicam qual a norma da Carta alegadamente desrespeitada e qual a norma do Estado que está

em desconformidade, fazendo prova de já ter esgotado todos os meios internos de recurso135.

3.5.3 - Na Constituição da República Portuguesa

Como oportunamente se referiu, a redação da Constituição de 1976, no que concerne à

autonomia local foi fortemente influenciada por uma conceção muito própria da administração

local e, não obstante as revisões constitucionais posteriores, não foi efetuada nenhuma alteração

de relevo ou suscetível de desenvolvimentos nestas matérias. Porém, antes ainda de entrarmos

na análise do desenho constitucional da autonomia local, convém fixar uma consideração prévia

que se prende com a sua garantia institucional.

Nestes termos e como se assinalou, através desta garantia institucional impõe-se que o

legislador respeite o reduto essencial da autonomia e que perante indeterminação legislativa se

estabeleça uma interpretação conforme com a CRP. Contudo, pode dar-se o caso de,

considerando o núcleo essencial de ambos, existir um conflito entre esta garantia institucional e

direitos fundamentais (em específico, o regime dos Direitos, Liberdades e Garantias). Ora, nesta

circunstância deve atender-se à natureza quer dos entes locais quer dos direitos fundamentais.

Os primeiros estão inseridos na organização democrática do Estado, motivo pelo qual em face

dos poderes públicos que exercem devem obediência à CRP e à lei. Do mesmo modo, as

garantias institucionais servem para dar efetividade aos direitos fundamentais, o que vale por

dizer que são em primeiro lugar, um meio para fixação dos direitos fundamentais e só depois se

direciona para a efetivação dos entes institucionais136. Por conseguinte, as autarquias, face à

qualidade de entidades locais de pessoas coletivas públicas, estão ao serviço da população e,

nessa medida, não deve a autonomia local constitucionalmente protegida ser invocada para

justificar a restrição de Direitos, Liberdades e Garantias137.

Por outro lado, do exposto resulta uma outra ilação: do mesmo modo que a CRP acolhe

a autonomia local e a protege também a limita, na medida em que essa garantia institucional

não se sobrepõe aos direitos fundamentais, daqui resulta que a autonomia não pode ser

entendida como sinónimo de soberania ou independência138.

135 V. a respeito do tema, MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 60 e 61. 136 Assim, CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª Ed., Almedina, 2003, p. 1097. 137 Cfr. art.º 18.º, n.º 2, da CRP. E ainda, v. neste sentido, SÁNCHEZ MORÓN, Miguel, La autonomia local: antecedentes historicos y significado constitucional, Civitas, 1990, p. 210. 138 Cfr. CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª Ed., Almedina, 2003, p. 1096.

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Para que se possa fazer uma análise completa da autonomia local na CRP, deve, desde

logo considerar-se o disposto no art.º 6.º n.º 1, onde se diz que o Estado português é um Estado

unitário, o que significa que se afasta uma divisão vertical da soberania porque ela reside no

povo, e é exercida em exclusivo pelos órgãos de soberania em termos horizontais. Por sua vez,

este centro estadual único, deve na sua organização e funcionamento respeitar a autonomia das

autarquias locais e o princípio da descentralização administrativa (territorial)139.

Com efeito, a autonomia autárquica é um princípio constitucional que tem subjacente a

constatação da existência de um conjunto de interesses próprios da coletividade local140. Ora, a

Lei fundamental não se basta em reconhecer que as autarquias são entidades autónomas,

também lhes atribui a titularidade de um conjunto de poderes próprios, como sendo a

autonomia financeira, autonomia regulamentar e autonomia administrativa, com vista à eficaz

prossecução das tarefas que lhes são destinadas141.

Por conseguinte, o tipo de Estado que temos, dependendo das suas características,

possibilita uma maior ou menor autonomia. Na nossa estrutura de organização do poder

administrativo e político é fundamental o aspeto da autonomia das autarquias, na medida em

que é uma forma de preservar a identidade própria dos entes locais, e que ao implicarem uma

liberdade de fazer e capacidade de fazer (respetivamente, competências atribuídas aos órgãos

representativos e recursos disponibilizados) transformam as autarquias numa forma qualificada

de administração autónoma no contexto do nosso Estado unitário142. A partir desta precisão, é

possível afirmar que a par das exigências com vista à descentralização territorial, o

reconhecimento da autonomia, materializado num regime normativo próprio e separado,

permitem constatar a presença de um verdadeiro Direito local na ordem jurídica portuguesa143.

139 Cfr. art.º 3.º, n.º 1, da CRP. V. ainda, GONÇALVES, José Renato, “As finanças das autarquias locais e os incentivos fiscais ao interior”, in AA.VV., Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, Vol. III, Coimbra Editora, 2011, p. 330 a 331. 140 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 22. 141 Cfr. art.ºs 238.º, 241.º, 242.º, da CRP. Dada a sua importância a CRP reservou a disciplina de certas matérias à Assembleia da República, v. art.º 164.º al. n) – referente à reserva absoluta, e ainda o art.º 288.º al. n), ambos da CRP, constituindo, assim, um limite material de revisão constitucional. 142 V. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal,

Almedina, 2003, p. 72. E ainda, CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa

Anotada, Vol. II, 4.ª Ed., Coimbra Editora, 2010, p. 1018 e 1019. 143 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 18.

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CAPÍTULO II

DIREITO FINANCEIRO LOCAL

De acordo com o que profusamente se referiu no pretérito, devem as autarquias locais,

no exercício das atribuições e competências que lhes são consignadas, satisfazer um conjunto

de necessidades específicas das populações da sua área territorialmente delimitada. Com efeito,

a comunidade local habituou-se a esperar das autarquias o apoio em vários domínios, sob a

forma de fornecimento de bens e serviços, construção de infraestruturas, mas também por via

de lançamento de impostos e outras contribuições. Contudo, porque nem sempre existe uma

clara perceção das demandas da ação autárquica na gestão do município e, para que

posteriormente seja possível melhor compreender as competências das assembleias municipais

em matéria financeira, far-se-á neste capítulo uma referência a determinadas matérias atinentes

à atividade financeira local. Porém, e face à abrangência destas questões, não se pretende

realizar uma análise aprofundada que, como sempre sucede, para se mostrar rigorosa e sólida

conduzir-nos-ia para o tal domínio do pormenor que não é aqui adequado. Deste modo,

cuidaremos de expor os traços essenciais do correspondente regime jurídico e referir alguns

princípios e regras orientadoras desta atividade.

Em termos de metódica expositiva, cumpre dizer que essencialmente com o intuito de

alinhar o discurso para as questões que aqui nos interessam, esta abordagem incidirá em

especial sobre as finanças dos municípios, sem prejuízo de eventuais referências à situação das

freguesias.

Com efeito, interessa começar por dizer que a atividade financeira autárquica se traduz

num conjunto de atos levados a cabo pelas autarquias, destinados a produzir determinados

bens144 com vista à prossecução das necessidades coletivas das populações145. Trata-se, assim,

de uma atividade que assume contornos de natureza económica, uma vez que estamos perante

a produção de determinado tipo de bens específicos (públicos e semipúblicos) com vista à

satisfação de determinado tipo de necessidades. Em termos concretos, esta afetação de bens a

144 Tais bens obedecem a características particulares, a saber: são bens não exclusivos, na medida em que ninguém se pode arrogar à sua titularidade exclusiva e, do mesmo modo, não funciona em relação a eles nenhum mecanismo de exclusão; são bens que prestam utilidades indivisíveis, uma vez que devem ser financiados através de impostos e não de taxas (devido à inexistência de sinalagmaticidade na utilização dos bens); e, são bens não concorrenciais, pois ninguém pode ser excluído do seu uso por existir um excesso de acesso. - Cfr. RIBEIRO, José Joaquim Teixeira, Lições de Finanças Públicas, 4.ª Ed., Coimbra Editora, 1991, p. 19 e ss. 145 V. FRANCO, António L. Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.ª Ed., Almedina, 2012, p. 13.

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necessidades económicas implica a realização de despesas, tarefa que só é realizável se

previamente se proceder à captação de receitas146.

Contudo, tendo em consideração que os ingressos e gastos estão integrados no conceito

da atividade financeira, existem também outros critérios essenciais na tarefa de delimitar a

verdadeira natureza jurídica do conceito. Nestes termos, não deve ser perdido de vista, em

primeiro lugar, que se trata de uma atividade substancialmente política, devido aos fins que visa

satisfazer e, em segundo lugar, porque existem critérios políticos na gestão da atividade

financeira, uma vez que esta é ditada não só pela rentabilidade económica, mas também pela

decisão política147. Na realidade, são os órgãos do Estado que exercem o poder político quem

decide sobre a existência e a conveniência da satisfação das necessidades coletivas. Ora,

considerando que esses mesmos órgãos refletem partidos e correntes políticas dominantes,

significa que a escolha das necessidades coletivas a satisfazer é uma decisão que obedece a

critérios variáveis consoante as diferentes épocas e força dos grupos ou classes sociais e, por

isso, trata-se de uma decisão de “caráter eminentemente político”148.

Como se pode constatar, estamos na presença de uma atividade que apresenta objetos

diferenciados e como tal pode ser objeto de conhecimento por parte de muitas ciências. Neste

aspeto, Gunther Teubner descreve o Direito como um sistema autopoiético, referindo que na

sociedade em geral é possível identificar vários subsistemas (jurídico, político, moral, religioso,

etc.) e cada um deles integra um código comunicativo próprio149, assim, tendo a consciência da

amplitude da atividade financeira dos subsetores territoriais, para o que aqui nos interessa

iremos colocar de parte as restantes dimensões e faremos uma análise sob o ponto de vista

estritamente jurídico-normativo, que muitas vezes é negligenciado e tem como consequência a

prática de atos inconstitucionais e ilegais, com graves implicações para os envolvidos.

1. Evolução do regime financeiro local

1.1 - Enquadramento

Com vista a disciplinar as decisões das autarquias e inserir um fator de confiança e

estabilidade na atuação administrativa, a atividade financeira autárquica é orientada por um

146 V. MARTINS, Maria d`Oliveira, Lições de Finanças Públicas e Direito Financeiro, 3.ª Ed., Almedina, 2015, p. 37. 147 Assim, Idem, Ibidem, p. 17. 148 V. neste sentido, RIBEIRO, José Joaquim Teixeira, Lições de Finanças Públicas, 4.ª Ed., Coimbra Editora, 1991, p. 26. 149 Cfr. TEUBNER, Gunther, Recht als autopoietisches system, 1989, tradução portuguesa de José Engrácia Antunes, O Direito como sistema autopoiético, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 31 e ss.

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43

vasto conjunto de normas jurídicas de valor normativo diferente – a CRP, LAL, POCAL, CEAL,

CIMI, LEO, LFL, entre outros. Ora, a LFL por ser um conjunto de normas legais com valor

reforçado e que regula a atividade financeira das autarquias locais, justifica uma referência

histórico-evolutiva que possa traduzir o desenvolvimento do sistema financeiro local português150.

A este respeito, à medida que o Estado assumia um papel mais acentuado nos diversos

setores da sociedade e procurava um mercado mais eficiente e justo, a importância da atividade

financeira foi crescendo e acompanhando essa mesma evolução, o que bem se compreende se

tivermos em conta que tal atividade depende, em larga medida, dos fins que a entidade pretende

atingir, o que significa que de acordo com os objetivos traçados deverão os entes locais

conformar um quantitativo de receita para os cobrir e determinar qual o tipo de receita com que

o podem fazer151. Nestes termos, e como já tivemos oportunidade de assinalar, a estrutura das

despesas sofre alterações consoante as opções políticas, mas é sobretudo pela evolução das

receitas, em coerência com a forma do Estado, que muda e se caracteriza o sistema

financeiro152.

Deste modo, afigura-se de interesse principiar esta secção com uma referência, ainda

que perfunctória, ao sistema de financiamento local português cuja exposição se fará com início

no período democrático de 1976, pois é desde essa altura, devido à legitimação dos membros

dos órgãos das autarquias democraticamente eleitos, que faz sentido falar-se em

descentralização e em democracia local.

1.2 - Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro

Não obstante o processo democrático ter ocorrido em 1976, no que respeita ao aspeto

financeiro, a grande alteração de regime aconteceu três anos depois com a primeira lei das

finanças locais – Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro. Este diploma concedia aos municípios a

150 Cfr. art.º 112.º, n.º 3, da CRP. V. ainda acórdão do TC n.º 467/2014 de 17/06/2014, proc.º n.º 1102/13, disponível em www.dgsi.pt. Para maiores desenvolvimentos sobre as leis de valor reforçado, v. MORAIS, Carlos Blanco de, As leis reforçadas: as leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos, Coimbra Editora, 1998, p. 434 e 435. 151 Assim, MARTIN QUERALT, Juan; LOZANO SERRANO, Carmelo; TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel; CASADO OLLERO,

Gabriel, Curso de Derecho Financiero y Tributario, Tecnos, 20.ª Ed., 2009, p. 33. 152 FRANCO, António L. de Sousa, Finanças públicas e Direito Financeiro, Almedina, 4.ª Ed., 2012, p. 45. E também,

MARTINS, Maria d´Oliveira, A Despesa Pública Justa - uma análise jurídico-constitucional do tema da justiça na

despesa pública, Almedina, 2016, p. 233 e ss.

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totalidade da receita do imposto do turismo, do imposto para o serviço de incêndios, da

contribuição predial rústica e urbana e, ainda, do imposto sobre veículos153.

Com o intuito de compensar as desigualdades existentes, os municípios beneficiavam de

transferências fiscais através da concessão de uma participação no produto da cobrança de

impostos do Estado, a título de exemplo, o imposto complementar e o imposto profissional154.

Ainda no que respeita às receitas, nos termos do disposto nos artigos 12.º, 13.º e 16.º

do diploma em apreço, as autarquias tinham a possibilidade de lançar derramas155, cobrar

taxas156, contrair empréstimos a curto prazo para fazer face a problemas de tesouraria, bem

como empréstimos a médio e longo prazo para proceder ao saneamento financeiro, e para

investimentos de ordem social e cultural.

Acresce que as autarquias locais beneficiavam de uma participação mínima de 18% na

receita de inúmeros impostos estaduais sobre o rendimento. Estas transferências eram feitas

através de um fundo – Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) – visavam compensar desigualdades

entre as autarquias e reforçar a componente redistributiva das finanças locais.

Assim, em termos amplos, estas constituíam as principais receitas das autarquias e,

tendo estes aspetos em consideração, pode se dizer que com esta lei o legislador estabeleceu

um sistema rígido onde os critérios das transferências do orçamento do Estado resultavam

exclusivamente da própria lei157. Por outro lado, constitui um diploma notável por ter definido as

bases de um regime financeiro totalmente inovador, tendo quase duplicado os recursos

153 Cfr. LEANDRO, J. M. Marques; MATIAS, Vasco Valdez, Manual de Gestão Financeira Autárquica, Sedes, 1990, p. 24 e 25. 154 V. FRANCO, António L. Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.ª Ed., Almedina, 2012, p. 289. 155 As derramas constituem os adicionais que os municípios podem lançar sobre a coleta do IRC correspondente aos

sujeitos passivos da sua área geográfica que, a título principal, exercem uma atividade de natureza industrial,

agrícola ou comercial. Posteriormente, foi discutida a possibilidade de as derramas reverterem a favor dos

municípios onde as empresas tivessem a sua sede e não onde exercessem a sua atividade produtiva (caso o

fizessem em municípios distintos), discussão que terminou com a Lei n.º 1/87 ao prever no art.º 5.º que a derrama

incidiria sobre a coleta de IRC sobre os rendimentos gerados na sua área geográfica. Por outro lado, também se

discutiu a concentração geográfica deste imposto, na medida em que, em termos de receitas, os municípios mais

industrializados tinham maiores benefícios, embora suportassem um gasto maior no investimento em

infraestruturas - Cfr. NEVES, Maria José L. Castanheira, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p.

222. V. ainda, FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: Introdução aos subsectores institucionais, AAFDL,

1991, p. 355. 156 Sem querer antecipar o que sobre esta matéria se dirá, adiantaremos por ora que as taxas estão sujeitas, entre outros princípios, ao princípio da legalidade e tipicidade, o que implica que para poderem ser cobradas as taxas têm de estar tipificadas e previstas na lei, (pese embora a assembleia municipal possa livremente fixar o seu montante em consonância com a bilateralidade que estas implicam para o ente público, quantitativo esse que não deverá ser excessivo sob pena de extravasar a caraterística da sinalagmaticidade das taxas. Cfr. NEVES, Maria José L. Castanheira, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 224. 157 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 46.

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disponíveis para os municípios e, assim, permitiu consolidar melhorias locais que se começaram

a fortalecer desde o 25 de Abril158.

1.3 - Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de março

Cinco anos volvidos desde a primeira lei das finanças locais foi aprovado o Decreto-Lei

n.º 98/84, de 29 de março, cujas alterações estruturais foram poucas, mas ainda assim de

assinalar.

Desde logo, a partir desta lei as freguesias deixaram de poder lançar derramas para que

se evitassem problemas de dupla tributação (por parte dos municípios e, concomitantemente,

das freguesias). Em consequência, estabeleceu-se um novo sistema de distribuição das receitas

dos municípios para as freguesias159.

Por outro lado, foram acrescentados dois impostos cujos municípios passavam a figurar

como sujeito ativo: a taxa municipal de transportes (que por ausência de regulamentação nunca

foi cobrada) e o imposto de mais-valias160.

Neste diploma, para além das taxas terem um âmbito mais alargado comparativamente

ao regime anterior, as suas modalidades foram diversificadas com o propósito de adquirirem

uma importância crescente161.

Por último, o regime do FEF foi significativamente alterado, tendo sido definidos critérios

mais precisos e rigorosos cujo montante a transferir anualmente passava a constar do

Orçamento do Estado162. Tais restrições justificam-se se enquadrarmos este Decreto-Lei num

período de crise económica que o país atravessava, bem como a política de austeridade que se

tentava implementar e que gerou uma maior dependência das autarquias face ao Orçamento do

Governo163.

158 V. FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: Introdução aos subsectores institucionais, AAFDL, 1991, p. 285 e 349. 159 Cfr. ZBYSZEWSKI, João Paulo, O Financiamento das Autarquias Locais Portuguesas, Almedina, 2006, p. 73 e 74. 160 V. neste sentido, LEANDRO, J. M. Marques; MATIAS, Vasco Valdez, Manual de Gestão Financeira Autárquica, Sedes, 1990, p. 29. 161 V. ROCHA, Joaquim Freitas da; PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 47. 162 V. FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: Introdução aos subsectores institucionais, AAFDL, 1991, p. 285. 163 Assim, MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 128 e 129.

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1.4 - Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro

A melhoria da situação económica nacional aliada à adesão do país à Comunidade

Económica Europeia reclamavam a aprovação de uma nova lei das finanças locais. Assim, foi

aprovada a Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, que fixou definitivamente a derrama como uma receita

municipal, introduziu a SISA no elenco dos impostos municipais, (imposto relativo à transmissão

onerosa de bens imóveis), tendo o produto da sua cobrança deixado de ser uma receita estadual

para passar a ser municipal164.

Concomitantemente, o imposto do turismo foi extinto e, como o IVA que obedecia a uma

lógica comunitária tinha entrado recentemente em vigor no ordenamento, os municípios

passaram a ter uma percentagem de 37,5% do produto da cobrança do IVA turístico como forma

de contrabalançar a extinção do imposto do turismo165.

Além disso, os municípios eram ainda beneficiários do produto da cobrança de coimas e

multas, sendo que o montante das coimas não podia exceder o valor das que tivessem sido

impostas por autarquias de grau superior ou pelo Estado para o mesmo tipo de

contraordenação166.

Merecedor de saliência é o facto de no referido diploma terem sido inscritas formas

concretas de cooperação técnica e financeira, verificando-se, assim, uma maior consistência

destes institutos. Acresce que se introduziu uma maior variedade de comparticipações

específicas, previstas com maior ou menor grau de discricionariedade.

Verificaram-se alterações no FEF que na redação deste diploma passou a ser calculado

sobre a receita do IVA e não sobre a percentagem de despesa do Estado. No que respeita à sua

fórmula de calculo, baseava-se numa previsão de cobrança do imposto (ao invés da sua efetiva

cobrança)167.

Em face do exposto, e em modo conclusivo, pode se dizer que apesar das alterações

apuradas, os princípios essenciais da primeira lei das finanças locais foram mantidos nos

diplomas subsequentes, tendo sido reforçado o elemento fiscal no conjunto das receitas dos

municípios. Além disso, este diploma procedeu a uma nova repartição dos recursos públicos e

164 Cfr. art.º 5.º, da LFL em apreço. V. ROCHA, Joaquim Freitas da; PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 48. 165 Cfr. MARTÍNEZ, Soares, Direito Fiscal, 10.ª Ed., Almedina, 2000, p. 216. 166 Cfr. art.º 21.º, da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro. 167 Cfr. art.º 14.º, da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro. V. ainda, FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: Introdução aos subsectores institucionais, AAFDL, 1991, p. 292.

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tentou dotar as autarquias locais de uma maior capacidade financeira, potenciadas pelo impacto

das finanças comunitárias168.

1.5 - Lei n.º 42/98, de 6 de agosto

A quarta lei das finanças locais – Lei n.º 42/98, de 6 de agosto – representou uma

rutura com o sistema de repartição de verbas que era seguido desde 1979, bem como procedeu

à extinção de impostos e criação de outros169.

Com efeito, em substituição da contribuição predial rústica e urbana existente desde a

primeira lei das finanças locais, foi instituída a contribuição autárquica. Por sua vez, o imposto

de mais-valias, a taxa municipal de transportes e o imposto para o serviço de incêndios foram

excluídos do elenco dos impostos locais.

No que se refere à repartição de verbas, o FEF voltou a ser alvo de alterações, tendo-se

estabelecido que corresponderia a 30,5 % da média aritmética da receita proveniente do IRS,

IRC e IVA, e desdobravam-se em 2 fundos, a saber: o Fundo Geral Municipal (FGM), com o

intuito de suprir as necessidades de funcionamento correntes, e o Fundo de Coesão Municipal

(FCM), cujo objetivo era dar resposta às disparidades entre os municípios, ajudando os menos

desenvolvidos. Porém, o art.º 2.º, da Lei n.º 94/2001, de 20 de agosto, incluiu no FEF o Fundo

de Base Municipal (FBM), tornando-o um sistema tripartido e, em consequência, aumentando

consideravelmente as transferências para as autarquias170.

Por último, no que concerne ao endividamento, é de sublinhar a existência de uma

ampliação dos meios de recurso ao crédito municipal, através das modalidades de contratos de

locação financeira e uma permissão de gestão mais flexível do crédito, tendo-se fixado um

regime que concedia às autarquias a possibilidade de contrair empréstimos em qualquer

modalidade e sem necessidade de autorização estadual prévia171.

Esta permissibilidade estendeu-se às freguesias, que com esta lei passavam a beneficiar

da hipótese de recurso ao crédito nas modalidades de empréstimo de curto prazo ou de abertura

de crédito172.

168 Cfr. NEVES, Maria José L. Castanheira, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 217. 169 V. ZBYSZEWSKI, João Paulo, O Financiamento das Autarquias Locais Portuguesas, Almedina, 2006, p. 78 e 79. 170 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, PINTO; Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 50. 171 Cfr. FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: Introdução aos subsectores institucionais, AAFDL, 1991, p. 549. 172 Cfr. NEVES, Maria José L. Castanheira, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 240 e ss.

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Tendo presentes as alterações acima elencadas, e a par da lei que definia as atribuições

e competências das autarquias locais, é possível afirmar que esta lei das finanças locais

representou enormes avanços para a descentralização administrativa que se pretendia levar a

cabo.

1.6 - Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro

Ora, em face do exposto e como se pode constatar, é notório que desde o primeiro

regime jurídico das finanças locais, o sistema de financiamento municipal manteve-se sem

alterações de relevo a nível estrutural e, por esse motivo, não incorporou alguns princípios que

foram ganhando interesse ao nível das finanças públicas. De facto, as imposições de contenção

e a necessidade de atingir metas orçamentais obrigou a uma nova reforma das finanças locais,

razão pela qual a Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, introduziu uma série de inovações

comparativamente com as anteriores e iniciou um novo paradigma da governação municipal – o

município prestador. Neste aspeto, partilhamos do entendimento de Marta Rebelo quando refere

que coube ao poder local primeiramente a tarefa de infra-estruturar o território com os meios

necessários ao funcionamento dos serviços e instituições, o que foi essencial para a

consolidação do poder local e para a modernização do país, consubstanciando este um

“município infraestruturador”173. Seguiu-se o município prestador, que segundo a autora

corresponde a uma “(…) segunda geração de políticas municipais e acompanha a evolução da

própria administração central, mas, sobretudo, do país: hoje, em termos comparativos, o défice

de infraestruturas é significativamente menor”174.

Em termos concretos, este diploma legal trouxe para o elenco dos impostos municipais o

Imposto Municipal sobre Imóveis e o Imposto sobre as Transmissões Onerosas de bens, em

substituição da contribuição autárquica e da SISA, respetivamente. Em 2007, houve uma

reforma na tributação automóvel que aboliu o imposto municipal sobre veículos e deu lugar à

criação do IUC – imposto único de circulação. Este conjunto de reformas resultou na fixação do

IMI, IMT e IUC como impostos autárquicos, em substituição da contribuição autárquica, da SISA

e do imposto municipal sobre veículos175.

173 V. REBELO, Marta, “A Reforma do Sistema de Financiamento Local”, in António Cândido de Oliveira (coord.) 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 16. 174 Cfr. Idem, Ibidem, p. 34. 175 Para maiores desenvolvimentos sobre o funcionamento destes impostos, v. LUIS LÓPEZ, Monchón, “Las haciendas territoriales en Portugal. Especial referencia a la hacienda local”, in M.ª Del Mar De LA Peña Amarós (coord.), La Financiación de las Entidades Locales en Tiempos de Crisis, Edit.um, 2014, p. 94 e ss.

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Existente desde a primeira LFL e sob constante crítica quer sobre o modo do seu

cálculo, quer sobre a sua distribuição, o FEF sofreu uma nova alteração, passando a representar

25,3% da média aritmética simples da receita proveniente do IRS, IRC e IVA do penúltimo ano

sobre o qual o Orçamento do Estado se refere.

Paralelamente, constituiu uma novidade a atribuição aos municípios de uma

participação no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal no município, participação essa

que é variável até 5 % e, caso a taxa fosse inferior ao limite máximo, (5%) o produto da diferença

da coleta líquida seria considerado como dedução à coleta do IRS a favor do sujeito passivo176.

Outra matéria que mereceu especial atenção nesta quinta LFL foi o endividamento

municipal. Contrariamente à tendência verificada nas anteriores redações de ampliação dos

meios creditícios, este diploma evidencia uma propensão no sentido inverso, tendo previsto um

limite ao endividamento líquido municipal, introduziu um limite geral de empréstimos, bem como

determinou que o valor da dívida relativa a empréstimos de médio e longo prazo não poderia

exceder a soma das receitas provenientes de determinados impostos locais177.

Com efeito, e como se pode constatar, esta lei estabeleceu um sistema mais complexo

no que respeita à repartição de recursos públicos entre o Estado e as autarquias, mas também

ofereceu mais garantias à autonomia local. Alias, a este propósito verifica-se que neste diploma

legal houve uma maior pormenorização no que respeita às situações de saneamento financeiro e

de reequilíbrio financeiro dos municípios. Do mesmo modo, previu com maior detalhe os

princípios e regras orçamentais, fazendo referência ao princípio da estabilidade orçamental, ao

princípio da equidade intergeracional, bem como ao princípio da coordenação entre as finanças

locais e finanças estaduais, refletindo desta forma o objetivo de cumprimento de metas

176 Importa referir que esta inovação não esteve isenta de dúvidas, sendo inclusive remetida a questão ao TC pelo Presidente da República, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade por eventual violação do princípio da igualdade (plasmado no art.º 13.º, da CRP), dada a diferenciação de sujeitos com a mesma capacidade contributiva, mas residentes em municípios distintos que adotassem diferentes percentagens distintas. Para além disso, foi colocada em causa uma eventual violação do princípio da legalidade tributária por se atribuir aos órgãos autárquicos a prerrogativa de decisão sobre elementos essenciais dos impostos. Apreciada a questão, o TC declarou no acórdão n.º 711/2006 (publicado no D.R., II, de 22 de janeiro de 2007) que a medida era conforme com a CRP, uma vez que o princípio da igualdade não é absoluto e no caso deve ser conjugado com o princípio da autonomia administrativa e financeira que é atribuído às autarquias locais. Do mesmo modo, pronunciou-se no sentido da constitucionalidade do princípio da legalidade porque o caso de modelação do imposto de âmbito nacional é compatível com o exercício de poderes próprios da autonomia administrativa e financeira municipal. Importa, contudo, lembrar que esta decisão teve votos de vencido. – V. a respeito do tema, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 182 e ss. 177 Cfr. art.ºs 37.º a 39.º, do diploma em apreço. Para maiores desenvolvimentos sobre o endividamento previsto neste diploma, v. CARVALHO, João; TEIXEIRA, Ana, “O Recurso ao Crédito por parte das Autarquias Locais”, in António Cândido de Oliveira (coord.) 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 117 e ss.

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orçamentais, derivadas tanto do período de maior debilidade para a consolidação de contas

públicas, como das demais obrigações do país decorrentes do Pacto de Estabilidade e

Crescimento178.

1.7 - Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro

A quinta LFL esteve em vigor até ao dia 31 de dezembro de 2013, altura em que foi

revogada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, o atual diploma que regula o regime

financeiro das autarquias locais.

No que respeita às receitas tributárias, este novo regime estabelece a eliminação do IMT

a partir de 2018, devido à progressiva perda de importância deste imposto local ao longo dos

últimos anos179. As restantes receitas supra referidas mantêm-se: o IMI, o IUC, a derrama e os

encargos de mais-valias.

Quanto à repartição de recursos entre o Estado e os municípios, o novo regime

financeiro dos entes infraestaduais de base territorial conserva as duas transferências vigentes: o

FEF e o FSM, bem como a participação variável no IRS180.

Por outro lado, foram introduzidas importantes medidas no que respeita ao recurso ao

crédito sob a forma de empréstimos. Esta matéria será posteriormente alvo de maiores

desenvolvimentos, nessa medida e sem antecipar muito, por ora importa dizer que se fixou que

os empréstimos a curto prazo (de duração inferior a um ano) só podem ser obtidos com a

finalidade de fazer face a défices de tesouraria, enquanto que os empréstimos a médio e longo

prazo (de duração superior a um ano, mas inferior a vinte anos) devem ser canalizados para

aplicação em investimentos sempre que o município pretenda, por exemplo, adquirir um bem

imóvel ou acorrer a necessidades de reabilitação financeira do município (mediante saneamento

financeiro ou recuperação financeira)181. Naturalmente que esses investimentos estão sujeitos a

178 Cfr. REBELO, Marta, “A Reforma do Sistema de Financiamento Local”, in António Cândido de Oliveira (coord.) 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 36. V. ainda, CABRAL, Nazaré da Costa, “Relações financeiras entre o Estado e as autarquias locais (Breves notas a propósito da experiência portuguesa recente)”, in AA.VV., Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. I, Coimbra Editora, 2011, p. 541. 179Cfr. art.º 81.º, da LFL. V. OLIVEIRA, António Cândido de; ROCHA, Joaquim Freitas da, “La crisis financiera en Portugal y sus repercusiones en la administración local autónoma” in José Manuel Díaz Lema (coord.), Sostenibilidad Financiera y Administración Local: un estudio comparado, Tirant to blanch, 2014, p. 344. 180 Cfr. art.º 25.º e ss, da LFL. 181 Cfr. art.ºs 49.º a 51.º, da LFL. Assim, Idem, Ibidem, p. 344 e ss.

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51

uma série de requisitos sob pena de, em caso de incumprimento, ser fundamento de recusa do

visto por parte do Tribunal de Contas182.

Mas detenhamo-nos um pouco mais sobre os mecanismos de reabilitação financeira

autárquica. O saneamento financeiro individualiza-se por se tratar de um procedimento que

pressupõe uma situação de desequilíbrio financeiro conjuntural183. Nas situações contempladas

no art.º 58.º, da LFL, devem os municípios recorrer a este mecanismo, apresentando para o

efeito um estudo acerca da sua situação financeira, bem como um plano de saneamento

financeiro onde devem constar as medidas a cumprir para alcançar uma situação financeira

equilibrada184. Na eventualidade de o plano de saneamento não ser cumprido, haverá lugar à

retenção de verbas, situação em que atua o Fundo de Regularização Municipal (FRM) que

canaliza os valores das transferências orçamentais deduzidas aos municípios para pagar as

dívidas deste para com terceiros credores185.

Por sua vez, no que concerne à recuperação financeira, tratam-se de situações muito

graves em que o município se encontra em desequilíbrio financeiro estrutural ou rutura

financeira, apresentando recorrentemente défice e, nessa medida, tratam-se de circunstâncias

que exigem um regime ainda mais apertado. Nestes casos, o município terá de recorrer à

recuperação financeira e obrigatoriamente ao Fundo de Apoio Municipal (FAM)186. No que

particularmente respeita a este fundo, merece ser salientado que se trata de uma pessoa

coletiva de Direito público que goza de autonomia financeira e administrativa, e é constituída por

uma comissão executiva, uma comissão de acompanhamento e ainda um revisor oficial de

contas para os casos em que os limites da dívida tenham sido ultrapassados, onde se prevê um

conjunto de regras de ajustamento cuja exigência vai sendo maior ou menor consoante a

gravidade da situação do município187.

É importante notar que nestas circunstâncias não podem os municípios moldar o valor

dos impostos, taxas e derramas como querem, têm de ser fixados nos limites máximos. Ora, a

este propósito, não será errado afirmar-se que a autonomia tributária está altamente limitada,

182 Cfr. art.º 51.º, da LFL. V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 226 e 227. 183 V. Idem, Ibidem, p.233 e ss. 184 Assim, ALMEIDA, Miguel, “A dívida das administrações locais e o Fundo de Apoio Municipal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 12, Outubro/Dezembro, 2016, p. 14 e ss. 185 Cfr. art.ºs 60.º, 65.º e 67.º, da LFL. 186Cfr. art.º 57.º, da LFL e Lei n.º 53/2014, de 25 de agosto. 187 Cfr. art.ºs 62.º a 64.º, da LFL. E ainda, v. OLIVEIRA, António Cândido de, ROCHA, Joaquim Freitas da, “La crisis financiera en Portugal y sus repercusiones en la administración local autónoma” in José Manuel Díaz Lema (coord.), Sostenibilidad Financiera y Administración Local: un estudio comparado, Tirant to blanch, 2014, p. 345.

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52

sendo que a autonomia creditícia é quase inexistente em face do disposto no art.º 59.º, n.º 5 al.

b), da LFL.

Por outro lado, e precisamente com o objetivo de prevenir o desequilíbrio financeiro e de

potenciar a recuperação financeira, foi criado um sistema de alerta precoce para localizar

situações de desvio na gestão do orçamento municipal188.

Outra importante inovação no novo regime financeiro local prende-se com o alargamento

das entidades que são consideradas para efeitos de limites legais de endividamento. Assim,

passam a estar abrangidas na consolidação de contas do município as entidades

intermunicipais, associativas e de qualquer “(…) outra natureza relativamente às quais se

verifique o controlo ou presunção de controlo por parte do município, pelo montante total”189, o

que permite ter uma visão global das entidades que constituem o grupo autárquico e que

assumem um papel de relevo para avaliar a situação financeira autárquica.

1.8 - Breves considerações

Feita esta exígua referência, pode se dizer, de um modo geral, que durante este período

de cerca de 40 anos foram publicadas seis leis das finanças locais que se centraram no

financiamento local por via de crescentes receitas tributárias e creditícias.

Os primeiros quatro diplomas regulamentaram a capacidade de endividamento a curto e

médio prazo e, verificou-se um certo incentivo ao investimento através da obtenção de receitas

com recurso ao crédito. Porém, atendendo à evolução do conceito de endividamento, nos dois

recentes diplomas (de 2007 e 2013) foi alvo de maior preocupação a inserção de regras

impeditivas do aumento da dívida municipal, por via da redução dos limites ao endividamento, e

entre outras medidas, a introdução dos diversos mecanismos de recuperação financeira

municipal a que fizemos referência.

Acresce que não pode deixar de se referir que deste conjunto de sucessivas leis

resultaram importantes contributos para a consolidação do poder local, tendo possibilitado o

desenvolvimento social e económico das autarquias, essencial para a satisfação de necessidades

coletivas locais, por exemplo ao nível do saneamento básico, abastecimento de água, educação,

desporto, etc.. A par disto, registaram-se notáveis melhorias na participação dos interessados

nos procedimentos atinentes à tomada de decisões financeiras, bem como foram feitos

188 Cfr. art.º 56.º, da LFL. V. a respeito, CORREIA, Francisco José Alveirinho, “Municípios financeiramente desequilibrados: alguns contributos justificativos”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 09, Janeiro/Março, 2016, p. 23. 189 Cfr. art.º 54.º, n.º 1, al. f), da LFL.

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destacados esforços para alcançar uma maior transparência e publicidade da atuação financeira

local, através da disponibilização dos atos e resultados essenciais da gestão local190. Em suma,

representou um compromisso descentralizador visível tanto pela multiplicidade de poderes que

foram concedidos aos órgãos de gestão das autarquias locais, como pelos montantes que lhes

foram atribuídos a título de receitas191.

Contudo, também sobressaem algumas fragilidades cuja menção não se pode excluir

atento o préstimo para uma melhor compreensão do sistema de financiamento local na sua

globalidade.

Desde logo, como ponto negativo pode se apontar uma incerteza nas linhas orientadoras

do sistema financeiro local devido a ruturas e descontinuidade com os anteriores sistemas

vigentes, essencialmente, ao nível do acesso ao crédito e de repartição de recursos. Ora,

tratando-se de matérias que exigem elevadas dimensões de certeza e probabilidade, e porque se

relacionam com outros diplomas, como as leis anuais do orçamento, o desejável seria que estas

leis tivessem uma continuidade e que não fossem influenciadas por maiorias político-

institucionais temporárias192.

Além disso, importa notar a carga burocrática excessiva que impende sobre os entes

locais, sobretudo em sede de obrigações informativas perante diversas entidades, sendo que

muita dessa informação é despicienda e duplicada, o que significa que ocupam grande parte do

tempo a cumprir obrigações declarativas de natureza administrativa193.

Acresce que não foram amplos os recursos originários estabelecidos pelas diversas LFL

no que respeita às receitas creditícias, patrimoniais e tributárias locais. Na verdade, é

compreensível que assim seja em respeito à imposição legiferante de autonomia tributária local,

todavia, por diversas razões verifica-se que a grande maioria dos municípios depende

excessivamente de transferências do Estado central194. A análise do sistema de financiamento

local reflete precisamente um aumento dos mecanismos de perequação financeira. Ora, esta

situação motiva duas importantes consequências: se por um lado, do ponto de vista legal e

normativo esta previsão de inúmeras e distintas formas de financiamento da atividade autárquica

190 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da; PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 62 e 63. 191 Cfr. FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: Introdução aos subsectores institucionais, AAFDL, 1991, p. 544 e ss. 192 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 58. 193 V. CORREIA, Francisco José Alveirinho, “Municípios financeiramente desequilibrados: alguns contributos justificativos”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 09, Janeiro/Março, 2016, p. 21. 194 Cfr. NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 79.

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permitiu garantir uma maior autonomia local, por outro, pode funcionar como forma de

implementar finanças parasitárias, na medida em que, por vezes, as receitas abstratamente

previstas não geram os rendimentos esperados e as despesas são desajustadas da realidade, o

que obriga à dependência das ajudas do Estado central195.

2. Despesa pública municipal Após a referência à evolução legislativa do sistema de financiamento local, é chegado o

momento de direcionarmos a nossa atenção para algumas matérias respeitantes à despesa

pública autárquica, aferindo quem pode ou deve gastar e o quantum de despesa.

Com efeito, o correto enquadramento da ideia de gasto público não pode deixar de ser

efetuado sem referir que o conceito clássico de despesa pública está relacionado com a

perceção de diminuição de riqueza, ainda que uma redução necessária. Todavia, e como já se

destacou, a perspetiva contemporânea deste termo está fortemente ligada à conceção que

temos de Estado. Ao contrário do que sucede com a alocação de recursos decidida pelas

entidades privadas, a despesa pública é encarada, atualmente, como conforme ao interesse

geral, e por isso, para além da função de estabilizador económico, possibilita garantir, de certo

modo, a solidariedade social196.

Como é bom de ver, este aspeto assume uma importância indesmentível para a

compreensão da despesa municipal, contudo, em matéria de finanças públicas as produções

escritas, estudos e reflexões feitas no ordenamento jurídico português, ao longo dos anos,

cingiram-se, essencialmente, às questões da receita197. De facto, não existia uma consciência

sobre a adequação ou conveniência das questões do gasto, no máximo eram feitos estudos

legalmente exigidos acerca da sua viabilidade económica. As decisões de criar uma empresa

municipal, atribuir subsídios a entidades associativas privadas, entre outras, não eram

questionadas pelos benefícios que traziam para os seus destinatários, no entanto, cada vez mais

se começa a constatar a posição de centralidade da despesa em matéria de finanças públicas.

Tal importância é incontestável, desde logo, ao nível jurídico, a realização de despesa é um

indicador do cumprimento da constitucionalidade e legalidade de parte da atividade autárquica,

195 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/ Março, 2010, p. 18. 196 V. MARTINS, Maria d`Oliveira, Lições de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Almedina, 3.ª Ed., 2015, p. 58 e ss. 197 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 147 e 148.

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permitindo aferir se o órgão autárquico está a agir de acordo com a lei na prossecução dos seus

fins198. E, neste aspeto, a questão do despesismo é de tal forma grave que, no limite, poder-se-ão

colocar dúvidas sobre a constitucionalidade de determinadas normas que visam a redução da

despesa e a solvabilidade do sistema financeiro.

Ao nível político, a qualidade, quantidade e adequação da despesa efetuada permite

aferir se as autarquias locais estão a cumprir a sua função de prossecução do interesse público

e, em particular, dos interesses da coletividade local. Esta dimensão ganha particular destaque

atento o papel eleitoral importante e a relevância política das despesas, dado que compensa os

cumpridores das promessas feitas e castiga os que não cumprem, influenciando, assim, a

escolha da população199.

Por fim, e em terceiro lugar, a realização da despesa tem uma importância económica

porque motiva a captação de recursos, na medida em que as receitas são pensadas para efetuar

despesas e encargos, sendo na verdade, a obtenção de receitas um meio para concretizar um

fim: realizar despesas públicas inerentes à satisfação das necessidades coletivas200.

Foi já referido que o modelo económico e as caraterísticas do Estado que se tem em

vista têm uma grande interferência na quantidade e qualidade despesista local, bem como as

estruturas institucionais e modelo organizativo (descentralizado/centralizado e mais ou menos

burocratizado) fará diferença na amplitude das competências atribuídas às autarquias locais, e

deste modo se justifica a relevância da seleção do modelo de organização social para a escolha

da despesa pública. Ora, neste contexto, e de acordo com os tópicos acima expostos, interessa

que as operações de gasto público autárquico sejam balizadas por alguns preceitos norteadores

que possam motivar uma boa despesa pública para que se torne possível efetuar um controlo

político, administrativo e jurisdicional por parte dos respetivos órgãos201.

A este respeito, um ponto específico a considerar é a determinação das despesas que

podem ser realizadas pelas autarquias, uma vez que existem matérias legal e

constitucionalmente atribuídas a outras entidades sobre as quais as autarquias não detêm um

198 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O direito financeiro público ao nível das suas células-base territoriais (as finanças das freguesias)”, março, 2013, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [26/02/2017], p. 210 e 211. 199 Assim, Idem, Ibidem, [26/02/2017], p. 211. 200 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 148. 201 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O direito financeiro público ao nível das suas células-base territoriais (as finanças das freguesias)”, março, 2013, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [27/01/2017], p. 212.

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poder decisório. Porém, nas situações que são da sua competência, devem os municípios ter em

consideração que a produção de bens implica potenciar um benefício local, pois a proximidade

com os destinatários do benefício possibilita melhor apreender as necessidades a satisfazer e

um melhor controlo. Com esta ideia estamos perante o princípio da conexão202.

Para além disso, não pode ser descurado o princípio da diversidade, significativo da ideia

de que os bens públicos e semi-públicos produzidos pelas autarquias locais devem ser

diferenciados entre si, de modo a oferecer uma escolha alargada aos seus destinatários,

evitando em simultâneo não produzir os mesmos bens nas mesmas áreas, sob pena de não ter

o retorno pretendido se existir demasiada oferta em determinadas áreas203.

Acresce que não é aconselhável e por vezes não é possível que as autarquias produzam

todos os tipos de bens. Na verdade, uma política autárquica pautada por uma despesa de

natureza redistributiva (por exemplo, atribuição de bolsas ou abonos) tenderia a um efeito de

deslocação, na medida em que os possíveis beneficiários de tais instrumentos mudariam o seu

domicílio para essas autarquias e, por sua vez, quem não usufruísse desses bens tenderia a

optar por se fixar em outra autarquia que não gastasse com essas despesas204.

No que concerne ao regime propriamente dito das despesas autárquicas, a prerrogativa

de autonomia financeira de que beneficiam as autarquias locais permite-lhes decidir e realizar as

despesas legalmente autorizadas, mediante um procedimento que tem como fases a previsão

orçamental, dotação orçamental e regime de duodécimos, autorização para a realização da

despesa, autorização para o pagamento, realização da despesa propriamente dita e o

pagamento205.

Porém, estes atos em que se materializa a autonomia financeira, obedecem a um

conjunto de regras essenciais que devem ser observadas. Desde logo, a regra da boa gestão

impõe que os gastos sejam racional e criteriosamente selecionados e que a assunção dos custos

e das despesas devam ser sempre justificadas quanto à sua economia (no sentido de atingir os

objetivos optando pelos meios menos onerosos), eficiência (obrigação de racionalidade na

escolha e aproveitar os meios humanos e materiais disponíveis por forma a minimizar os custos

e, assim, permitir aumentar a escala de necessidades que se propõe satisfazer) e eficácia

202 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p. 12 203 Cfr. Idem, Ibidem, p. 12. 204 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, “Da perequação financeira em referência aos Entes locais – Contornos de um enquadramento jurídico-normativo”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa (Ciclo de Conferências), CEJUR, 2007, p. 52 e 53. 205 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 153 e ss.

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(relacionada com o grau de concretização das metas fixadas)206. Da junção destas considerações

resulta evidente que na realização de determinada despesa o custo social e económico deve ser

ponderado com a utilidade social que daí advém, e caso esta não exceda aquela, é preferível não

realizar o gasto que se pretende207.

Por outro lado, na concretização das despesas existe a regra da tipicidade qualitativa,

segundo a qual só podem ser realizadas as despesas previstas e não quaisquer outras, e ainda a

exigência de tipicidade quantitativa, atento que mesmo as despesas que estão previstas não

podem implicar o gasto de um montante superior ao previsto208.

Acresce que, regra geral, não existem verbas destinadas à cobertura de gastos

determinados, na medida em que em princípio, todas as receitas se destinam a cobrir todas as

despesas. Todavia, as que constam no art.º 30.º, da LFL, financiadas através do Fundo Social

Municipal, configuram uma exceção a esta regra geral da não consignação.

Uma outra regra que deve ser realçada é a de que os municípios em situação de

desequilíbrio estrutural ou rutura financeira têm de adotar um plano de reequilíbrio financeiro,

devendo delinear um projeto estratégico para retomar o quadro de equilíbrio209.

Por fim, no contexto das regras de boa gestão da despesa autárquica, importa salientar

a necessidade de os Entes locais disponibilizarem, em formato papel e nos respetivos sítios da

Internet, as principais informações atinentes à despesa da autarquia, dando, assim,

cumprimento ao princípio da publicidade210.

3. Receita pública municipal Uma vez feita a referência ao gasto levado a cabo pelos entes locais, iremos debruçar a

nossa atenção sobre as espécies de ingressos financeiros dos municípios, embora se trate de

uma exposição perfunctória dos mesmos, com o mero objetivo de possibilitar uma visão global

206 V. a respeito, CALVO ORTEGA, Rafael, Curso de Derecho Financiero. Parte General, 13.ª Ed., Thomson Reuters, 2009, p. 607 e 608. E ainda MONCADA, Luís S. Cabral de, Direito Económico, 6.ª Ed., Coimbra Editora, 2012, p. 161 e 162. 207 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O direito financeiro público ao nível das suas células-base territoriais (as finanças das freguesias)”, 2013, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [27/01/2017], p. 212. 208 Cfr. art.º 4.º, n.º 2, da LFL e art.º 12.º, n.º 7, da CRP. E ainda, neste sentido, Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, nº 09, Janeiro/Março de 2010, p. 12. 209 Cfr. art.º 56.º e ss, da LFL. E ainda, v. ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 155 e ss. 210 Cfr. art.º 79.º, da LFL. V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p. 12.

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da atividade financeira e que nos permita compreender o enquadramento de determinadas

receitas que serão abordadas em pormenor no capítulo seguinte.

A este propósito, importa começar por dizer que um critério orientador na tarefa de

categorizar as receitas é o da sua proveniência. Ora, neste aspeto, as receitas podem ser

originárias sempre que lhes são destinadas desde o início, caso em que poderão ser de natureza

financeira (englobando as receitas patrimoniais, tributárias e creditícias) ou podem ser de

natureza não financeira, como por exemplo, produtos de heranças, de multas, coimas, etc.211.

Ainda quanto à proveniência, para além das receitas originárias, existem as receitas

derivadas. Estas têm como característica individualizadora o facto de resultarem de um ato de

cedência de verbas por parte do Estado a outras entidades, neste caso aos municípios, o que

vale por dizer, de um modo muito geral, que se trata de um fenómeno de perequação

financeira212.

Apresenta-se, assim, este como o principal esquema das espécies de receitas,

procuremos, porém, expor com maior detalhe as receitas derivadas, uma vez que as originárias

serão, posteriormente, alvo de maior atenção.

Nestes termos, interessa referir que as receitas derivadas têm finalidades de

perequação, na medida em que visam proceder a uma retificação do inicial sistema de divisão

dos recursos entre entes públicos, por via da redistribuição dos meios disponíveis, que se

justifica devido ao facto de as fontes de financiamento dos municípios, por variados motivos, não

serem as mesmas. Deste modo, os ajustes financeiros aqui em causa são uma expressão do

princípio da solidariedade entre os entes públicos territoriais, por forma a permitir nivelá-los,

contribuir para uma distribuição proporcional e equitativa, e bem assim reduzir as assimetrias

entre eles213. Por outro lado, ao nível da perequação vertical, esta transferência de verbas tem

subjacente a justa repartição de recursos entre o Estado e os seus subsetores institucionais, dito

de outro modo, tem finalidades corretivas e redistributivas214.

211Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 173 e ss. 212 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O direito financeiro público ao nível das suas células-base territoriais (as finanças das freguesias)”, março, 2013, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [2/03/2017], p. 219. 213 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “Da perequação financeira em referência aos Entes locais – Contornos de um enquadramento jurídico-normativo”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa (Ciclo de Conferências), CEJUR, 2007, p. 62 e 63. 214 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O direito financeiro público ao nível das suas células-base territoriais (as finanças das freguesias)”, março, 2013, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [2/03/2017], p. 219.

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Procurando concretizar este imperativo, deve se referir que a perequação tem quatro

motivações, são elas a igualdade em sentido objetivo (pois visa corrigir assimetrias entre os

próprios entes locais resultantes das externalidades ligadas à demografia, clima, tributação,

interesses financeiros diferentes, etc.), igualdade em sentido subjetivo (no sentido da correção

de desequilíbrios entre os cidadão de todo o país), eficiência da máquina administrativa

(contribuindo para a produção de serviços públicos locais de âmbito equivalente), e em quarto

lugar, visa a apreciação, por parte da administração central, de determinados bens locais como

preferenciais, com vista a que certos grupos minoritários tirem utilidade de determinado tipo de

bens, contrariando o modelo que naturalmente surgiria nas comunidades locais215. O fenómeno

perequitativo opera mediante um progressivo procedimento de divisão de rendimentos por via

dos instrumentos perequitativos obrigatórios e discricionários e, nesta medida, só podem ser

consumados através de um regime jurídico preciso e limitado, não existindo, em princípio,

espaço para transferências discricionárias ou menos vinculadas. Atento o acima exposto, não

pode deixar de se sublinhar a conveniência em evitar o excesso de perequação, dado o risco de

um descontrolo da atividade autárquica, e o consequente perigo do incentivo ao despesismo216.

No que concerne em termos concretos aos tipos de receitas derivadas, comecemos por

referir os fundos provenientes da União Europeia.

Antes de mais, importa notar que estas receitas não são consideradas provenientes do

Estado, pois ainda que seja através dele que as autarquias se candidatam aos fundos

comunitários e dele recebam essas verbas, cabe de facto à União Europeia determinar os

pressupostos de financiamento, bem como os critérios da sua distribuição217.

Assim sendo, as receitas provenientes dos fundos europeus convocam um tema que se

reporta à importância da política regional. Na verdade, estas medidas pretendem corrigir

desigualdades existentes no território da UE, tentando fortalecer a unidade económica e social,

bem como incrementar um desenvolvimento concordante entre as regiões218.

Nestes termos e em cumprimento de tais propósitos, existe a possibilidade de as

autarquias se candidatarem a determinados fundos, de entre os quais o Fundo Social Europeu

(FSE), o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo Europeu de Orientação

215 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, “Da perequação financeira em referência aos Entes locais – Contornos de um enquadramento jurídico-normativo”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa (Ciclo de Conferências), CEJUR, 2007, p. 64. 216 V. Idem, Ibidem, p. 64 e 65. 217 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 275 e 276. 218 Cfr. art.º 158.º e 159.º, do TCE.

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e de Garantia Agrícola (FEOGA), sendo que todos têm em comum o objetivo de redistribuição da

riqueza219.

Ainda no que concerne às receitas derivadas, para além dos fundos provenientes da UE,

existem os instrumentos perequitativos obrigatórios condicionados que integram o Fundo Social

Municipal (FSM) e o Fundo de Coesão Municipal (FCM).

O primeiro, traduz-se numa transferência financeira proveniente do Orçamento do

Estado com o propósito de financiar determinadas despesas relacionadas com funções sociais,

designadamente, com a educação, ação social e saúde e, neste aspeto, pode assumir uma

natureza genérica ou não, caso se encontre consignada à realização de uma concreta despesa

(a título de exemplo, a aquisição de um autocarro de transporte escolar ou melhoramento de um

estabelecimento de ensino)220. Será importante enfatizar que este fundo é distribuído de acordo

com determinados indicadores de forma proporcional a cada município anualmente. Caso o

município não realize a despesa de montante pelo menos igual a essa verba, no ano seguinte a

diferença entre a receita de FSM e a despesa correspondente é deduzida à verba que teria

direito ao abrigo do FSM221.

Por sua vez, o Fundo de Coesão Municipal (FCM) constitui uma transferência financeira

disponibilizada por parte do Estado para os municípios menos desenvolvidos – isto é, aqueles

onde se verifica uma desigualdade comparativamente a determinadas médias nacionais, o que

significa que não abrange todos os municípios – é composta por valores relativos à soma da

compensação fiscal e da compensação da desigualdade de oportunidades e visa ressarcir os

municípios da diferença de oportunidades resultante do desequilíbrio na aquisição de

determinados bens atinentes a áreas como a saúde, conforto, etc.222.

Distintos destes, são os instrumentos perequitativos obrigatórios incondicionados, atento

o facto de a sua atribuição não estar sujeita a nenhuma condição determinada e, assim, poder

ser concedida a qualquer ente local, desde que utilizada em determinadas aplicações. De acordo

com esta classificação, os municípios podem ser beneficiários do Fundo Geral Municipal, cuja

transferência (estatal) visa dotar os entes locais de condições financeiras que lhes permitam

219 V. Idem, Ibidem, p. 276. 220 Cfr. art.º 30.º, da LFL. V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p. 16. 221 Cfr. art.º 34, n.º 1 e n.º 2, da LFL. E ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 262 e ss. 222 Cfr. art.º 29.º, da LFL. Assim, NEVES, Maria José L. Castanheira, Governo e Administração Local, Coimbra Editora, 2004, p. 219 e ss.

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desempenhar as suas atribuições223. A distribuição do mencionado fundo é feita de acordo com

os critérios rigidamente fixados no art.º 32.º, da LFL, e como anteriormente se referiu, constitui

uma parte do FEF.

Além deste, a participação no IRS constitui um outro instrumento perequitativo

incondicionado, mas que permite a possibilidade de conformação por parte do destinatário

(autarquias locais) e traduz-se numa transferência do Estado para os municípios de um valor que

pode variar entre os 0% até aos 5% da coleta do IRS dos sujeitos passivos que tenham o seu

domicílio fiscal no município. Trata-se de uma transferência relativa aos rendimentos do ano

anterior que é calculada sobre a coleta líquida das deduções previstas no art.º 78.º, n.º 1 do

CIRS, deduzido do montante afeto ao Índice Sintético de Desenvolvimento Regional nos termos

do n.º 2, do art.º 69.º224. Neste caso, trata-se de uma participação variável, uma vez que cabe ao

município deliberar sobre a percentagem que irá receber a título de transferência, devendo

comunicar tal decisão à Autoridade Tributária até 31 de dezembro do ano anterior àquele a que

respeitam os rendimentos225. Com efeito, caso o município opte por uma percentagem de IRS

abaixo dos 5 %, o restante desse valor (até completar os 5 %) constitui diretamente um benefício

fiscal para os contribuintes que detenham o seu domicílio fiscal nessa circunscrição territorial.

Ora, um mecanismo de redistribuição de rendimentos assim concebido poderá levantar

alguns problemas de conformidade com a CRP por violação do princípio da igualdade em

sentido horizontal, pois consoante as autarquias optem por percentagens diferentes, ainda que

os sujeitos passivos tenham uma capacidade contributiva igual, se residirem em municípios

distintos serão tributados de forma diferente entre si. Quanto a esta questão, chamado a

pronunciar-se, o TC referiu inexistir qualquer desconformidade com o princípio da igualdade,

argumentando que não se trata de um princípio não é absoluto e deve ser conjugado com o

princípio da autonomia financeira das autarquias locais226.

Acresce que com este mecanismo poder-se-á, em abstrato, colocar em causa o princípio

da legalidade tributária na sua vertente de reserva de lei, todavia, também neste aspeto o TC

223 Cfr. art.º 28.º, da LFL. V. ainda, ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p. 16. 224 Cfr. art.º 26.º, n.º 1, da LFL. V. ainda, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 266 e ss. 225 Cfr. art.º 26.º, n.º 2, da LFL. E ainda v. ROCHA, Joaquim Freitas da, “Da perequação financeira em referência aos Entes locais – Contornos de um enquadramento jurídico-normativo”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa (Ciclo de Conferências), CEJUR, 2007, p. 75. 226 Cfr. acórdão do TC, n.º 711/2006.

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deliberou no sentido da constitucionalidade, uma vez que a autonomia financeira e

administrativa se incluía na modelação de impostos nacionais.

Em terceiro e último lugar, sobre uma possível violação do princípio da unidade do

Estado, é dito pelo TC que a diferente tributação não tem influência neste princípio227.

Ainda antes de concluir, interessa acrescentar que a atribuição de dinheiros por parte do

Estado às autarquias locais de forma arbitrária é, em regra, proibida, impedindo assim,

instrumentos perequitativos discricionários228. Tal restrição justifica-se atento o perigo de

manipulação da atividade autárquica, dependência da generosidade do Estado central, e por

originar um tratamento desigual injustificado entre as autarquias locais229. Todavia, existem

determinadas situações excecionais em que esta proibição não se aplica e que constam dos n.ºs

2 e n.º 3, do art.º 22.º, da LFL.

4. Controlo do exercício da atividade financeira local Em face do que temos vindo a expor, a atividade financeira autárquica é revestida por

um amplo conjunto de normas jurídicas cujo cumprimento ou observância está natural e

justificadamente sujeito a controlo, o que sucede em qualquer Estado Democrático. Na

realidade, porque se trata de assegurar o interesse público e a gestão adequada dos dinheiros

públicos, é indispensável que o ordenamento jurídico disponha de meios de sindicância e

controlo da conformidade das atuações com as normas jurídicas vigentes230.

A este propósito, a fiscalização efetuada no ordenamento jurídico português pode ser

interna (quando efetuada por órgãos da autarquia) ou externa (sempre que é exercida por órgãos

externos – administrativos ou jurisdicionais)231.

No âmbito do controlo administrativo, é possível a intervenção do Governo quer quanto

aos fins quer quanto aos meios de atuação local, tratando-se, respetivamente, dos poderes de

superintendência e tutela. Porém, é importante sublinhar que este poder de tutela administrativa

do Governo sobre as autarquias resume-se à tutela de legalidade que se traduz na verificação da

227 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 268 e 269. 228 Cfr. art.º 22.º, n.º 1, da LFL. 229 V. Idem, Ibidem, p. 273 e 274. 230 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p. 17. 231 V. a respeito, Idem, Ibidem, p. 17.

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conformidade ou desconformidade com a lei, estando impedido de apreciar o mérito dos atos

(oportunidade e conveniência)232.

Dentro dos modos de cumprir a legalidade (formal e substantiva) os ordenamentos têm

disponibilizado cada vez mais instruções de atuação quanto às formas do cumprimento das

normas jurídicas, pelo que o espaço valorativo ou discricionário disponibilizado aos gestores de

bens públicos é cada vez mais restrito233.

Ainda no que respeita ao controlo exercido pelo Governo, os municípios devem prestar

informações sobre as despesas com o pessoal à Direção Geral das Autarquias Locais, bem

como enviar os Orçamentos e contas ao Ministério das Finanças e à Direção Geral do

Orçamento. Contudo, outras pessoas coletivas de direito público que não apenas as integrantes

do Governo podem fiscalizar a atividade exercida pelas autarquias locais. Contam-se, assim,

entidades como o Instituto Nacional de Estatística, as Comissões de Coordenação e

Desenvolvimento Regional, entre outras234.

Por sua vez, no que respeita ao controlo jurisdicional, existe no ordenamento jurídico

português a possibilidade de o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre a constitucionalidade

de normas regulamentares autárquicas235. Do mesmo modo, podem os Tribunais Administrativos

e Fiscais controlar os atos administrativos provenientes dos entes locais e, ainda um terceiro

organismo de fiscalização – o Tribunal de Contas236 – que devido à relevância que assume no

âmbito do Direito financeiro local será alvo de maior atenção.

Ainda neste segmento de análise, importa sublinhar que todos os atos jurídicos de

ordem financeira (atos gerais e abstratos ou individuais e concretos) praticados pelas autarquias,

se tiverem sido praticados em desconformidade com as normas que os regulam e

fundamentam, o órgão fiscalizador, consoante os casos, poderá suspender, revogar, anular ou

declarar nulos ou inexistentes esses mesmos atos237. Para além destas consequências, podem

232 Cfr. art.º 243.º n.º 1, da CRP, art.ºs 2.º e 3.º, da Lei da Tutela Administrativa das Autarquias Locais – Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, e ainda o art.º 13.º, da LFL. A respeito do tema, NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 71 a 74. 233 Assim, CORREIA, Lia Olema F. V. J., “O dever de boa gestão e a responsabilidade financeira”, in AA.VV., Estudos

Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, Vol. II, Coimbra Editora, 2006,

p. 795. 234 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p. 17. 235 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 138 e 139. 236 Assim, Idem, Ibidem, p. 139. 237 Assim, Idem, Ibidem, p. 139 e ss.

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ainda ser aplicadas sanções criminais ou contra-ordenacionais gerais – coimas, multas, penas

de prisão – ou sanções financeiras, que englobam a restituição de dinheiros ou fundos238.

No que particularmente respeita ao Tribunal de Contas, exerce uma fiscalização de

natureza independente e externa que é levada a efeito por meio de um controlo ex-ante ou

prévio, quando é anterior à realização da operação que se tem em vista, ou pode praticar um

controlo ex-post, mediante auditorias e verificação de contas239.

A atividade deste Tribunal resume-se à fiscalização da legalidade e regularidade da

atividade financeira autárquica, à apreciação da boa gestão das finanças públicas, bem como à

efetivação de responsabilidades por infrações financeiras, sendo que as suas decisões são

dotadas de uma força obrigatória geral240. De facto, assiste-se a uma alteração da tradicional

função de controlo, uma vez que atualmente não só se encontra orientada para os meios, mas

também e essencialmente para os fins, relevando se os objetivos previamente estipulados se

efetivaram241.

Interessa reter que todas estas alterações ao regime do Tribunal de Contas pretendem

dar resposta aos recentes desafios colocados pela crise financeira, garantindo transparência e

responsabilidade na gestão do dinheiro público, ao nível da contratação assegurar o bom

funcionamento do mercado concorrencial, promover o princípio da equidade intergeracional e o

desenvolvimento económico correspondendo às expectativas dos contribuintes, mas respeitando

sempre a autonomia da Instituição242.

Ora, do exposto resulta claro o relevo do Tribunal de Contas no rumo da atividade

financeira das autarquias locais, um papel que assenta sobretudo na responsabilidade financeira

e, nessa medida, dota de um sentido prático a competência fiscalizadora do Tribunal243.

De um modo geral, a obrigação de prestação de contas e de responder pelos resultados

obtidos contribui para a conservação da democracia e para o reforço do rigor e transparência na

238 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p. 17. V. neste sentido, ac. do TdC n.º 3/2014, de 2/02/2015 (3.ª Secção), proc. n.º 8-JRF/2014, disponível em www.tcontas.pt. 239 Cfr. art.º 53.º a 55.º, da LOPTC. E ainda, FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro. Vol. l e ll, 4.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2012, p. 459. 240 Cfr. art.º 8.º, n.º 2 e art.º 2.º n.º 1 al. c), da LOPTC. E ainda, CORREIA, Lia Olema F. V. J., “O dever de boa gestão e a responsabilidade financeira”, in AA.VV., Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, Vol. II, Coimbra Editora, 2006, p. 797. 241 Assim, CABRAL, Nazaré da Costa; MARTINS, Guilherme Waldemar D´Oliveira, Finanças Públicas e Direito Financeiro: Noções Fundamentais, AAFDL, 2014, p. 413. 242 Cfr. COSTA, Paulo Nogueira da, O Tribunal de Contas e a Boa Governança. Contributo para uma Reforma do Controlo Financeiro Externo em Portugal, Coimbra Editora, 2014, p. 216 e ss. 243 Para maiores desenvolvimentos sobre o controlo interno e externo das Autarquias locais v. ZBYSZEWSKI, João Paulo, O Financiamento das Autarquias Locais – Um Estudo Sobre A Provisão Pública Municipal, Almedina, 2006.

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aplicação das verbas disponíveis244. E, neste sentido, importa notar que todo este controlo se

efetiva sem que exista uma intromissão no domínio da decisão política, é assim porque à esfera

política cabe a fixação dos objetivos que se pretendem alcançar, bem como definir os

procedimentos e normas que devem nortear a atividade financeira, enquanto que ao controlador

financeiro compete avaliar em que medida e com que qualidade de gestão os objetivos

determinados pelo poder político foram alcançados e, se na prossecução dos mesmos foram

observadas as normas que a autoridade política estipulou245.

A este propósito, torna-se essencial deslocar o discurso para a matéria relativa ao

controlo do exercício do poder discricionário, o que implica averiguar a possibilidade de os

tribunais interferirem sobre a decisão tomada pelas autarquias dentro da margem valorativa que

lhes foi legalmente conferida.

Procurando concretizar este imperativo, deve se referir que a discricionariedade tem

subjacente um poder que o legislador deixa aos agentes administrativos de fixar o grau das

modificações pretendidas, permitindo-lhes uma liberdade conformadora246. Nestes termos,

estamos na presença de um conceito limite da realização do princípio da legalidade. De todo o

modo, resulta de uma imposição legiferante e os beneficiários dessa prerrogativa estão sempre e

impreterivelmente vinculados às finalidades que visam prosseguir247. O fundamento do poder

discricionário está na lei e é concedido aos agentes administrativos para que encontrem e

apliquem de entre os diversos conteúdos abstratamente possíveis, o que lhes pareça mais

adequado, in casu, à concretização das necessidades coletivas248.

Como facilmente se intui, o uso deste poder discricionário está direcionado e em

simultâneo limitado à prossecução das necessidades de Interesse público. É entendível que

assim seja, porque como supra se explicou essa é a finalidade das autarquias locais e o último

reduto da atividade financeira – a produção de determinados bens para a satisfação de

determinados interesses.

Em termos concretos, a doutrina e a jurisprudência são hoje pacíficas no sentido de

considerar que o exercício dos poderes discricionários é delimitado pela lei. Com efeito, a prática

244 V. a respeito, TABORDA, Daniel, “Algumas notas sobre a revisão legal das contas dos municípios”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 15, Julho/ Setembro, 2011, p. 19. 245 Assim, FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: Introdução aos subsectores institucionais, AAFDL, 1991, p. 303 e ss. 246 Cfr. CORREIA, J. M. Sérvulo, Noções de Direito Administrativo, Vol. I, Editora Danúbio, 1982, p. 175. 247 Cfr. art.º 266.º, n.º 1, da CRP. V. neste sentido, CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª Ed., Almedina, 1990, p. 486. 248 CAUPERS, J., Introdução ao Direito Administrativo, 9.ª Ed., Editora Âncora, Lisboa, 2007, p. 74.

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de tais poderes implica o respeito pela forma, fases do procedimento, conteúdo do ato

(material), tempestividade e competência, trata-se, assim, de um controlo de legalidade sempre

sujeito ao escrutínio dos tribunais249. Dito de outro modo, deve o juiz agir e anular os atos

praticados ao abrigo de um poder discricionário sempre que esteja na presença de uma violação

intolerável ou ostensiva dos princípios jurídicos delimitadores da ação administrativa, quando a

prática desses atos discricionários seja fundada em factos falseados ou inexistentes, ou ainda

quando se trate de uma má qualificação ou avaliação da realidade250. Para além destas

situações, os Tribunais verificam a proporcionalidade e necessidade das medidas adotadas. De

resto, não devem estes ter prerrogativas de apreciação do mérito da atuação administrativa, não

se podem sobrepor ao exercício da margem valorativa que é dada aos órgãos autárquicos.

5. Recapitulação: atual conjuntura financeira local Como resulta da exposição acima apresentada, o sistema financeiro local prevê, do

ponto de vista normativo e legal, diversas e numerosas formas de financiamento da atividade

municipal através da determinação abstrata de receitas tributárias, patrimoniais e creditícias ou

ainda através de receitas resultantes de transferências do Estado central ou da União Europeia.

Porém, e não obstante a consagração na CRP dos princípios da descentralização administrativa

e da autonomia local, a verdade é que do ponto de vista prático, a grande maioria dos

municípios vive em constantes dificuldades e na dependência das transferências do Estado, quer

porque não conseguem subsistir com as receitas originárias, (atento o facto de, por vezes, as

receitas previstas não gerarem o rendimento calculado) ou porque as despesas realizadas são

desajustadas da concretização legal e financeira251.

De facto, uma série de condutas perpetradas ao longo dos anos como o imoderado

acesso ao crédito, o leviano e precipitado despesismo, (muitas vezes associado a ciclos eleitorais

ou com a garantia de grupos de interesse, envolvendo a atribuição de subsídios para as

respetivas entidades associativas, garantindo, desta forma, o seu funcionamento252), bem como

exíguas exigências de prestação de contas e de controlo, têm condicionado uma gestão

249 AMARAL, Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 75. 250 CAUPERS, J., Introdução ao Direito Administrativo, 9.ª Ed., Editora Âncora, Lisboa, 2007. p. 75. 251Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março de 2010, p.18. 252 Cfr. ALMEIDA, Miguel, “A dívida das administrações locais e o Fundo de Apoio Municipal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 12, Outubro/Dezembro, 2016, p. 7 e 8.

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municipal eficiente, tendo levado o sistema financeiro público português a uma situação de

défice acentuado e baixa probabilidade de superação a curto e médio prazo253.

Ao nível contabilístico foram omitidas relevantes informações, a falta de realismo e rigor

na elaboração dos documentos previsionais, a utilização das contas de compromissos de anos

futuros, entre outros fatores, desvirtuaram a realidade e credibilidade da informação financeira,

bem como contribuíram para um sistemático empolamento das receitas orçamentais254.

Na verdade, a forma como os municípios alocaram os seus recursos disponíveis

empurrou-os para crescentes situações de endividamento que tentaram colmatar com o recurso

a créditos bancários, sob a forma de empréstimos com taxas de juro muito atraentes. Porém, o

impulsivo acesso ao crédito originou uma espiral de débito prejudicial não só para o município

em causa, mas também para o próprio Estado lato sensu255.

Acresce que esta conjuntura não foi detetada de imediato, aparentemente os municípios

tinham uma boa capacidade legal de endividamento, mas na realidade, como os limites ao

endividamento líquido não englobavam a totalidade das entidades integrantes do grupo

municipal, as autarquias estavam já em situação de desequilíbrio financeiro256.

Com efeito, face a este circunstancialismo, o ordenamento jurídico tentou levar à prática

formas de suster condutas imprudentes e despesistas e, assim, afastar as autarquias de

situações insustentáveis que haviam atingido.

Desde logo, na década de 90, foi encetada uma reforma no sistema contabilístico que,

no respeitante aos entes locais, teve como marco principal a aprovação do Plano Oficial de

Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL257) de aplicação obrigatória a partir de 2002. Com

vista a aumentar a racionalidade económica e financeira das autarquias, o POCAL implementou

três subsistemas contabilísticos, estabeleceu a obrigatoriedade de aprovação de um sistema de

controlo interno, a necessidade de inventariar todos os bens móveis, imóveis e veículos

independentemente da sua natureza pública ou privada, bem como implementou a

obrigatoriedade de apresentação de documentos previsionais (orçamentos e opções do plano) e

de prestação de contas, estes últimos que compreendem a apresentação do balanço, mapas de

253 Cfr. Idem, Ibidem, p. 7 e 8. 254 V. CORREIA, Francisco José Alveirinho, “Municípios financeiramente desequilibrados: alguns contributos justificativos”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 09, Janeiro/Março, 2016, p. 28. 255 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 60. 256 Assim, CORREIA, Francisco José Alveirinho, “Municípios financeiramente desequilibrados: alguns contributos justificativos”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 09, Janeiro/Março, 2016, p. 29. 257 Através do Decreto – Lei n.º 54-A/99, de 22 de fevereiro.

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controlo orçamental de despesa e receita, demonstração de resultados, fluxos de caixa e

relatórios de gestão258.

É importante notar que com este conjunto de regras previsionais que integram o POCAL

pretendeu-se constituir uma uniformização dos critérios de previsão, essencialmente da receita,

que deve ser calculada de modo prudente, realista e rigoroso, devendo ser compatível com o

quantitativo de despesa calculada, de modo a conseguir um equilíbrio orçamental. Em termos

práticos, e a título meramente exemplificativo, as regras previsionais estabelecem que as

transferências financeiras só podem ser inscritas mediante a sua atribuição pela entidade

competente, esta regra não se aplica aos produtos de empréstimos nem a receitas comunitárias,

uma vez que nestas situações não se permite que sejam consideradas após a sua contratação259.

Para além disto, no que se refere às taxas, tarifas e impostos a previsão das receitas

correspondentes não pode ser superior a metade das cobranças realizadas nos últimos 24

meses260. Porém, no que respeita à previsão da venda de bens de investimento inexistem regras

previsionais reguladoras, e em consequência, muitos municípios viabilizaram a realização da

quase totalidade da dotação das despesas. Ora, como é bom de ver, esta sobrevalorização

orçamental das receitas despoletou situações de rutura de tesouraria nos municípios, atento o

baixo nível da arrecadação de receitas. De todo o modo, e tendo estes aspetos em consideração,

pode se dizer que a introdução destas medidas privilegia a dimensão financeira, orçamental,

patrimonial e legal261.

Do mesmo modo, o domínio das entidades integrantes do grupo municipal revelou

algumas patologias, razão pela qual foi aprovado, em 2012, um novo regime legal no Setor

Empresarial Local que introduziu um maior controlo sobre as empresas municipais por via da

inclusão o importantíssimo critério de “influência dominante” e, em consequência, procedeu a

258 Cfr. art.º 4.º, do POCAL. E ainda neste sentido, v. CARVALHO, João Baptista da Costa, “Os Municípios Portugueses: análise financeira e cumprimento da Lei das Finanças Locais”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º

06, Abril/Junho, 2009, p. 20 e ss. 259 Cfr. ponto 3.3, al. d), do POCAL. E ainda, v. Assim, CORREIA, Francisco José Alveirinho, “Municípios financeiramente desequilibrados: alguns contributos justificativos”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 09, Janeiro/Março, 2016, p. 19. 260 Cfr. ponto 3.3, al. a), do POCAL. 261 Assim, TABORDA, Daniel, “Algumas notas sobre a revisão legal das contas dos municípios”, Direito Regional e

Local, CEJUR, n.º 15, Julho/ Setembro, 2011, p. 20.

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um alargamento das entidades consideradas empresas locais (onde se verificava também um

forte endividamento), e obrigou as empresas deficitárias a dissolverem-se262.

Do mesmo modo, e na senda da recuperação da situação financeira municipal, foi

aprovada a Lei dos Compromissos e Pagamentos em atraso das Entidades Públicas263. Trata-se

de um diploma limitador que abrange um alargado conjunto de obrigações e de destinatários.

Desde logo, é imposto aos entes locais não aumentar os pagamentos em atraso, bem como a

proibição da assunção de compromissos cujo quantitativo seja superior aos fundos disponíveis;

averiguar a conformidade da despesa e pagamentos com a lei; desenvolver planos de liquidação

dos pagamentos em atraso, e ainda, a obrigatoriedade de apresentar informação qualificada264.

O não cumprimento destes imperativos produz um conjunto de consequências jurídicas

objetivas, como sendo a nulidade dos atos desconformes com as obrigações impostas. Acresce

que as consequências recaem também sobre as entidades públicas envolvidas, por meio da

redução de fundos disponíveis e a sujeição a auditorias periódicas por parte da Inspeção Geral

de Finanças ou pela respetiva inspeção setorial e pode haver lugar à aplicação de multas265.

Ainda ao nível das sanções, podem estas ser projetadas nos sujeitos envolvidos individualmente

considerados, mediante a responsabilidade civil, disciplinar, criminal e financeira (reintegratória

ou sancionatória)266.

Por outro lado, a LFL evidencia um notório empenho no sentido de conseguir a

sustentabilidade das finanças públicas e a consolidação orçamental, tendo para tal estabelecido

de forma direta os princípios orientadores da atividade financeira local, fixou limites ao

endividamento, bem como implementou mecanismos de recuperação financeira municipal.

Do mesmo modo, as reformas que o Tribunal de Contas sofreu, no sentido do

alargamento das suas competências, são uma tentativa de suster o sucessivo despesismo

imponderado, razão pela qual a sua força estanque e posição de inflexibilidade são, por vezes,

alvo de críticas.

Todavia, não obstante as medidas encetadas pelo ordenamento no sentido da

estabilização financeira autárquica, existe ainda um longo caminho a percorrer para solucionar

262 Cfr. art.º 19.º, da lei n.º 50/2012, de 31 de agosto - SEL. V., ROCHA, Joaquim Freitas da; PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 60. 263 Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro. 264 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da; GOMES, Noel; SILVA, Hugo Flores da, Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, Coimbra Editora, 2012, p. 42. V. ainda, acórdão do Tribunal de Contas n.º 3/2015, de 27/01/2015 (1.ª Secção Plenário), proc. n.º 13/2014-R, disponível em www.tcontas.pt. 265 Assim, Idem, Ibidem, p. 76 e ss. 266 Cfr. art.º 11.º, n.º 1, da LCPA.

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as patologias verificadas a este nível. De facto, muitos dos municípios portugueses encontram-se

atualmente numa situação de desequilíbrio financeiro, verificando-se o empolamento dos

orçamentos municipais, os limites legais de endividamento municipal a serem ultrapassados e

uma ineficácia dos contratos de saneamento e reequilíbrio financeiro municipais267.

Ora, tendo em consideração o supra exposto, uma vez elencadas as principais

disposições do ordenamento jurídico em matéria de Direito financeiro local e expostas

determinadas práticas lesivas, estamos em condições de estabelecer algumas ideais úteis a ter

em consideração quando estão em causa atos ou exercícios relacionados com a atividade

financeira municipal.

Assim, porque se entende que o problema não reside na falta de dinheiro, mas na má

utilização do mesmo, as premissas passarão por buscar outras alternativas que não impliquem o

aumento das receitas268.

Com feito, no que respeita à despesa pública autárquica, deve se ter sempre presente

que se trata de uma atividade norteada por um imperativo de Interesse público, dito de outro

modo, as receitas públicas arrecadadas (aos contribuintes) têm a finalidade de realização de

despesa pública com vista à satisfação das necessidades da coletividade territorialmente

delimitada. Ora, esta ideia de Interesse público implica que esteja vedado o propósito essencial

das atuações com base no lucro, mas sim procurar satisfazer direitos de natureza económica,

cultural e social que estão constitucionalmente consagrados. Assim sendo, e considerando que

as necessidades coletivas assumem um indubitável relevo constitucional e legal, devem os

atores jurídico-financeiros conformar todas as suas atuações com a finalidade da prossecução do

Interesse público269.

Em segundo lugar, deve ser sublinhado que todas as decisões de Direito financeiro que

se possam chamar responsáveis exigem uma perspetiva de longevidade temporal, ou seja,

tratam-se de decisões que tenham em consideração não só o momento de decisão, mas

também a possibilidade da projeção desses efeitos para o futuro, para as gerações vindouras

267 V. a respeito, CORREIA, Francisco José Alveirinho, “Municípios financeiramente desequilibrados: alguns contributos justificativos”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 09, Janeiro/Março, 2016, p. 11. 268 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de 1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 63. 269 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, “Sustentabilidade e finanças públicas responsáveis: urgência de um

direito financeiro equigeracional”, dezembro, 2012, disponível em

https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [5/03/2017], p. 8.

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que não participaram na decisão, o mesmo vale por dizer que um Direito financeiro responsável

exige uma “intertemporalidade e equigeracionalidade”270.

De facto, não parece acertado que uma geração possa ver frustradas as suas legítimas

expectativas por via dos erros financeiros públicos da geração anterior, por isso, e no

pressuposto de criar uma verdadeira ética da responsabilidade solidária, se encontra justificação

para a responsabilidade individual e coletiva271.

Ora, em face do exposto resulta que a atividade financeira autárquica e a concreta

gestão de dinheiros públicos deve estar grandemente juridificada e deve ser sempre realista,

vinculada e responsabilizante272.

Realista, na medida em que as pensões da receita e despesa devem ser plausíveis,

realistas e mais ainda: devem ser necessárias e fundamentais de executar e efetivar273.

Vinculada, uma vez que concebe uma distribuição heterónoma de competências, a

competência financeira é determinada por uma entidade distinta, o que faz mediante normas

jurídicas que concedem competências e regulam procedimentos. Este princípio encontra-se

relacionado com o princípio da segregação funcional, segundo o qual as tarefas atinentes ao

poder relacionado com a gestão financeira pública devem ser atribuídas a diferentes órgãos. Ora,

se as competências seguem uma distribuição heterónoma e não existem nesta matéria poderes

discricionários, verifica-se uma extrema vinculação à Constituição e à Lei (latu sensu)274.

Responsabilização, atento que a má gestão deve implicar sempre a exigência de

ressarcir os danos causados, bem como a correspondente penalização pela prática dos

mesmos. Dito de um modo mais concreto, quem exerce uma função pública deve prestar contas

do seu trabalho para que se possa aferir se este foi ou não adequado, isto porque estando em

causa o Interesse público, as ideias de controlo, fiscalização, sindicância e prestação de contas

são, de uma perspetiva jurídico-constitucional, uma imposição do princípio democrático275. O que

pode constatar-se atualmente é uma exigência de que todas as atuações que envolvam dinheiro

270 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, “Breves reflexões sobre responsabilidade colectiva e finanças públicas”, dezembro, 2012, disponível em

https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [6/03/2017], p. 134. 271 Cfr. Idem, Ibidem, [6/03/2017], p. 143. 272 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, “Sustentabilidade e finanças públicas responsáveis: urgência de um direito

financeiro equigeracional”, dezembro, 2012, disponível em

https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [6/03/2017], p. 14. 273 V. Idem, Ibidem, [6/03/2017], p. 14 e 15. 274 Assim, Idem, Ibidem, [6/03/2017], p. 15. 275 Assim, Idem, Ibidem, [6/03/2017], p. 18.

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público têm de ter subjacente a ideia de Interesse público e, nessa medida, encontram-se

blindadas por um definido e preciso regime normativo, embora não totalmente rígido, suscetível

de adaptações. Todavia, em caso de infração de regras e princípios financeiros, poderá o agente

ser responsabilizado por tais condutas276.

Trata-se de averiguar se com os recursos utilizados, relacionando a eficiência e

qualidade, as tarefas desempenhadas pelo ator em causa são ou não positivas. Portanto, ao

nível da despesa, impõe-se a necessidade de adotar condutas concordantes com o princípio da

equidade intergeracioanl e ponderar de modo adequado os Interesses públicos e quais as

necessidades a satisfazer de acordo com a ideia de seletividade das despesas, bem como uma

maior eficiência na utilização dos recursos por forma a evitar repetições e excesso de oferta277.

Ao nível previsional das despesas, poder-se-á preconizar uma maior vinculatividade nos

orçamentos, que devem obedecer aos instrumentos políticos e normativos antecedentes em

respeito aos compromissos anteriormente assumidos sem desconsiderar os orçamentos futuros

e, em simultâneo, introduzir um maior realismo nas previsões, evitando-se, assim, a indisciplina

orçamental278.

Em suma, pelo que se explorou, pode se dizer que é de evitar uma atitude despesista

por parte dos gestores dos dinheiros públicos, concretamente aqui em causa, dos Entes locais,

na medida em que, como se referiu, os atos de gestão financeira têm de ser encarados com

responsabilidade – moral mas sobretudo jurídica –, a dimensão política, económica e jurídica

têm de ser hábil e seriamente sopesadas279. Na realidade, através de maior transparência,

prestação de contas e responsabilização é possível aumentar as receitas próprias, diminuir a

dependência das transferências do Estado central e, deste modo, alcançar uma verdadeira

autonomia financeira, que como se explorou, encontra-se atualmente bastante limitada. Para

além disto e de um modo geral, permitiria uma ampla prossecução das atribuições e

276 V. a propósito, ROCHA, Joaquim Freitas da, “Práticas corruptivas e a despesa pública – o exemplo da ferrovia nos ordenamentos brasileiro e português”, 2015, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [6/03/2017], p. 7. E ainda, para maiores desenvolvimentos, v. OLIVEIRA, António Cândido de; DIAS, Marta Machado, Crimes de Responsabilidade dos Eleitos Locais, CEJUR, 2008. 277 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, PINTO, Ana Moura, “As finanças locais portuguesas após o 25 de Abril de

1974”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 02, Abril/Junho, 2014, p. 65. 278 Cfr. Idem, Ibidem, p. 64 e 65. 279 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “Sustentabilidade e finanças públicas responsáveis: urgência de um direito

financeiro equigeracional”, dezembro, 2012, disponível em

https://repositorium.sdum.uminho.pt/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&authority=2696, [6/03/2017], p. 17.

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competências que lhes são consignadas, através de uma política de proximidade e de satisfação

das necessidades das populações locais, numa visão de desenvolvimento progressivo280.

280 A respeito, v. CORREIA, Francisco José Alveirinho, “Municípios financeiramente desequilibrados: alguns contributos justificativos”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 09, Janeiro/Março, 2016, p. 29.

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CAPÍTULO III

ARTICULAÇÃO EM MATÉRIA FINANCEIRA ENTRE O ÓRGÃO DELIBERATIVO E O ÓRGÃO EXECUTIVO

1.Competências das assembleias municipais em matéria financeira

1.1 - Enquadramento

Uma vez localizadas as assembleias municipais na estrutura da administração pública

portuguesa, mediante uma contextualização histórica e jurídica das mesmas, e feita uma

abordagem sobre a atividade financeira dos municípios, por meio da referência à evolução do

sistema de financiamento autárquico, da alusão a algumas regras a ter em consideração no

gasto público e das receitas de que beneficiam, estamos agora em condições de estreitar o

discurso e procurar averiguar quais os poderes das assembleias municipais, concretamente, no

que respeita à dimensão jurídico-financeira para que no final possamos avançar com

determinadas propostas de melhoria.

Em cumprimento de tal desiderato e, como se referiu no pretérito, os municípios têm

como atribuição elementar a prossecução das necessidades das populações da sua

circunscrição territorial e, para que possam cumprir tal desiderato, gozam de um conjunto de

competências que têm de estar devidamente tipificadas na lei. Na verdade, de acordo com os

princípios da subsidiariedade, descentralização administrativa e autonomia financeira, assume

inquestionável importância ao nível do sistema de organização administrativa a existência de um

preciso e claro quadro de distribuição de competências, onde se encontrem predefinidas e

delineadas as tarefas que cabem a cada um dos órgãos, procurando-se uma segregação de

funções281. A delimitação de competências permite uma maior transparência e rigor na atuação

dos entes locais e, em consequência, facilita o controlo e o apuramento de eventuais

responsabilidades282.

Em termos teóricos, existem vários modelos de distribuição de competências, contudo,

sob pena de desviar o discurso para questões laterais ao tema em estudo, diremos apenas que

281 Deve ser referida a distinção existente entre os conceitos de transferência e delegação de competências, atento que a transferência é efetuada pelo legislador, em princípio, de forma definitiva (podendo voltar ao órgão originário apenas por via de lei), enquanto que no caso da delegação estamos perante um ato administrativo ou um contrato entre entidades públicas cuja titularidade da competência delegada mantém-se no órgão delegante que conserva, assim, a possibilidade de emitir diretivas ou instruções, bem como de avocar essa competência. Cfr. PORTOCARRERO, Marta, “A tutela administrativa sobre as autarquias locais na Constituição de 1976: velhas

dúvidas e novos desafios”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 3, Julho/ Setembro, 2014, p. 71. 282 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 132 e ss.

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o nosso sistema constitucional-financeiro permite que tanto o Estado como os entes infra-

estaduais possam praticar atos financeiros, combinando níveis descentralizados e

centralizados283.

Assim sendo, na tarefa de averiguar sobre quais matérias financeiras podem as

assembleias municipais exercer influência e, por forma a tornar a abordagem mais

esclarecedora, a mesma será efetuada de acordo com a seguinte tipologia de competências:

prescritivas e não prescritivas, gerais e individuais, impositivas e não impositivas. Importa,

contudo, ter presente que algumas delas se podem interligar, originando competências com

diversas características.

1.2 - Tipologias de competências

1.2.1 - Competências prescritivas e não prescritivas

A primeira divisão classificatória refere-se à dimensão substancial, na medida em que as

competências não prescritivas integram pareceres ou moções com um propósito meramente

informativo do qual não resulta uma imposição. Como exemplos desta classificação pode

apontar-se a competência resultante da alínea e) do n.º 1, do art.º 25.º da LAL, ao estabelecer

que compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara, pronunciar-se, no prazo legal,

sobre o reconhecimento pelo Governo de benefícios fiscais no âmbito de impostos cuja receita

reverte para os municípios.

Neste aspeto, importa começar por averiguar a incidência objetiva desta norma. Como

se sabe, existem impostos que apesar de a sua liquidação e cobrança ser feita por serviços do

Estado, as receitas daí provenientes revertem a favor das autarquias e, por essa razão, são

denominados de impostos locais, são estes o IMI, IMT, IUC e a derrama local284. Em todas estas

situações, pode o Governo, por variados motivos, reconhecer benefícios fiscais mediante a

observância de determinados requisitos.

Todavia, na medida em que os municípios são os beneficiários das receitas, têm o

direito de se pronunciar quanto à sua concessão. Tal sucede, por exemplo, sempre que estão

em causa benefícios fiscais relativos a impostos municipais que representam uma contrapartida

contratual na fixação de grandes projetos de investimento de interesse para a economia

283 V. ROCHA, Joaquim Freitas da, “Da perequação financeira em referência aos Entes locais – Contornos de um enquadramento jurídico-normativo”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição de República Portuguesa (Ciclo de Conferências), CEJUR, 2007, p. 42 e ss. 284 Cfr. art.º 113.º, n.º 1 e art.º 119, n.º 1, do CIMI; art.º 21.º e 37.º, do CIMT; art.º 20.º, do CIUC e art.º 18.º, n.º 11, da LFL.

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nacional. Perante este circunstancialismo, a assembleia municipal tem o prazo máximo de 45

dias para se pronunciar, sendo que se a deliberação for de discordância com o reconhecimento

do benefício, há lugar a compensação (mediante uma verba a inscrever na LEO) para o

município pela perda de receita resultante da concessão de tal benefício fiscal285.

O mesmo sucede sempre que se verifique a concessão de isenções fiscais subjetivas

atinentes a impostos locais, existindo uma compensação em caso de desacordo do município286.

Uma outra competência do órgão deliberativo municipal que cabe na tipologia não

prescritiva é apreciação crítica que deve fazer sobre determinadas matérias.

Na verdade, como constatámos, devido ao facto de ter subjacente a prossecução do

Interesse público, a atividade financeira encontra-se adstrita ao cumprimento de diversas normas

jurídicas e, nesse sentido, os entes locais estão obrigados a prestar contas dos atos que

praticam.

Com efeito, a assembleia enquanto órgão fiscalizador da câmara, assume importantes

competências neste domínio. Desde logo, aprecia as informações escritas do presidente da

câmara referente à atividade financeira exercida, bem como a situação financeira do município.

Esta informação é remetida ao presidente da assembleia até 5 dias antes da data de cada

sessão ordinária, onde o órgão deliberativo apreciará o documento em apreço287.

Por outro lado, mas ainda na senda das competências não prescritivas, cumpre à

assembleia apreciar o inventário dos bens, direitos e obrigações patrimoniais e a respetiva

avaliação, bem como apreciar e votar os documentos de prestação de contas288.

Por sua vez, as competências prescritivas implicam a fixação de determinado conteúdo

jurídico-normativo, no âmbito das quais é possível discorrer de uma outra tipologia classificatória,

a saber: competências vinculadas e competências discricionárias.

1.2.1.1 Competências vinculadas

As competências vinculadas abrangem situações em que a lei fixa de modo completo e

exaustivo determinadas matérias, restando apenas à assembleia municipal exercer tal imperativo

sem a mínima hipótese de conformação conteudística.

285 Cfr. art.º 16.º, n.º 4, da LFL. V. ainda, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 285 e 286. 286 Cfr. art.º 16.º, n.º 6, da LFL. E ainda OLIVEIRA, António Cândido de, ROCHA, Joaquim Freitas da, “La crisis financiera en Portugal y sus repercusiones en la administración local autónoma” in José Manuel Díaz Lema (coord.), Sostenibilidad Financiera y Administración Local: un estudio comparado, Tirant to blanch, 2014, p. 344. 287 Cfr. art.º 25.º, n.º 2, al. c), da LAL. 288 Cfr. art.º 25.º, n.º 2, al. l), da LAL.

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Ilustrativo desta prerrogativa é a possibilidade de a assembleia deliberar sobre a

afetação ou desafetação de bens do domínio público municipal289.

A este respeito, interessa referir que a atribuição do carácter público dominial a um bem

depende da verificação de um dos seguintes requisitos: existência de norma legal que o inclua

numa classe de coisas na categoria do domínio público, em segundo lugar, de ato que declare

que determinada coisa pertence a esta classe ou, em terceiro lugar, da afetação dessa coisa à

utilidade pública, sendo que a afetação tanto pode advir de um ato administrativo formal

(decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração), como de um mero

facto (a inauguração) ou de uma prática consentida pela Administração manifestando a intenção

de a incluir no uso público290. É precisamente nesta terceira categoria que se localiza a

competência do órgão deliberativo municipal.

Para além disso, importa notar que determinados bens do domínio público municipal

podem ser transferidos para o domínio do Estado ou para o domínio de outra autarquia. Nestes

casos, a mudança pode derivar de determinados fatores, a saber: da existência de um fator

jurídico distinto do objeto, de transferências cujo bem é independente de outras alterações e que

resultam de modificações introduzidas na lei, de transferência forçada dos bens ou de acordos

feitos entre as entidades interessadas.

Já no que concerne à cessação do carácter dominial dos bens, pode suceder por via do

desaparecimento da coisa, por se entender que o interesse geral será melhor conseguido

mediante um regime distinto ou devido à extinção da utilidade pública que a coisa prestava.

Neste último caso, os bens do domínio municipal deixam de ter utilidade pública ou perdem o

caráter dominial por deliberação da assembleia municipal, que desafeta o bem do domínio

público291.

A desafetação expressa pode ser caracterizada como genérica, sempre que a lei subtraia

o caráter dominial a uma categoria de bens e, em sentido oposto, considera-se desafetação

289 Cfr. art.º 25.º, n.º 1, al. q), da LAL. 290 V. neste sentido, CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 10.ª Ed., Almedina, 1994, p. 929 e ss. 291 Assim, v. acórdão do STA, proc.º n.º 01174/12, de 26/06/2014, disponível em www.dgsi.pt.: “ (…) Embora a Constituição preveja que seja definido por lei o regime, condições de utilização e limites do domínio público municipal (art. 84.º, n.º 2, da CRP), essa lei não foi ainda publicada. (…) No entanto, tem-se entendido que os bens do domínio público podem ser objeto de operações de «comércio público», como é o caso de mutações dominiais, bem como que lhes pode ser retirado caráter dominial por lei ou por ato administrativo. Designadamente, este Supremo Tribunal Administrativo tem entendido ser possível a desafetação de bens do domínio público autárquico, através de deliberações dos seus órgãos (…)”.

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singular quando mediante lei ou ato administrativo se declare que certa e determinada coisa

perdeu a utilidade pública ou não dominial.

Por sua vez, verifica-se a desafetação tácita quando uma coisa deixa de cumprir a sua

finalidade pública e passa a estar nas mesmas condições dos bens do domínio privado, por essa

razão passa a pertencer ao domínio privado do município, o que significa que podem ser objeto

de atos de comércio292. Neste aspeto, cumpre enfatizar que a desafetação tácita não poderá

resultar da atuação levada a cabo por um particular, uma vez que tal implicaria a perda dos

caracteres das coisas públicas, como sendo a inalienabilidade, imprescritibilidade e

insusceptibilidade de posse293.

Para além desta, também no que tange aos documentos previsionais do município, a

intervenção do órgão deliberativo baseia-se em aprovar ou não aprovar, inexistindo espaço para

introduzir alterações ou selecionar um conteúdo de entre uma multiplicidade de hipóteses.

Assim sendo, importa clarificar que parte dos atos praticados pelas autarquias no

exercício da sua função são concretizados antes do início do ano financeiro, e porque a sua

realização se destina a prever a globalidade dos ingressos e gastos do município, são

denominados de atos previsionais, que permitem introduzir uma maior segurança e rigor na

atividade financeira294.

No que se refere a estes atos, o quadro normativo atual prevê como documentos

previsionais autárquicos as grandes opções do plano, o quadro plurianual de programação

orçamental e Orçamento295.

Desde logo, as grandes opções do plano representam instrumentos de incidência técnica

administrativa e financeira. São constituídas pelo plano das atividades mais importantes da

gestão municipal, onde se definem projetos que correspondem a interesses próprios e

específicos da população (integrando-se aqui os atos que não constituem investimentos) e pelo

plano plurianual de investimentos296. Neste documento devem constar não só o gasto a realizar

pela autarquia, mas também os que se encontram a ser executados, trata-se, assim, de prever

292 Cfr. CAETANO, Marcello, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 10.ª Ed., Almedina, 1994, p. 956 e ss. 293 V. a propósito do tema, parecer do Instituto dos Registos e do Notariado sobre o domínio público municipal e nulidade do ato administrativo camarário, disponível em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2012/c-p-52-2012-sjc-ct/downloadFile/file/CP52-2012.pdf?nocache=1363357311.33 294 V. neste sentido, FRANCO, A. L. Sousa, Finanças do Sector Público: introdução aos subsectores institucionais, AAFDL, 1991, p. 502. 295 Cfr. art.ºs 44.º e 46.º, da LFL e ponto 2.3 do POCAL. 296 Assim, LEANDRO, J. M. Marques, MATIAS, Vasco Valdez, Manual de Gestão Financeira Autárquica, Sedes, 1990, p. 160.

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os projetos estabelecidos pelo município e a despesa correspondente num horizonte móvel de

quatro anos297.

Em termos procedimentais, resulta do art.º 25.º n.º 1, al. a), da LAL, que “compete à

assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, aprovar as opções do plano e a

proposta de orçamento, bem como as respetivas revisões”. Significa isto que a iniciativa

procedimental cabe ao órgão executivo através de uma proposta a apresentar à assembleia

municipal, que detém o poder decisório298.

O mesmo sucede com o quadro plurianual de programação orçamental que deve ser

apresentado pela câmara ao órgão deliberativo, após a tomada de posse, aquando da primeira

proposta de Orçamento299.

Este documento especifica o quadro de médio prazo para as finanças da autarquia,

exige que os limites para a despesa municipal sejam definidos, tal como as projeções da receita

numa base móvel que abranja os quatro exercícios seguintes e deve ser articulado com as

GOP´s300.

No que se refere à sua eficácia jurídica, os limites são vinculativos para o ano seguinte

ao do exercício económico do Orçamento e indicativos para os restantes. Sendo que tal

documento é atualizado anualmente, para os quatro anos seguintes, no Orçamento municipal301.

Em terceiro lugar, enquanto documento previsional, importa referir o Orçamento da

autarquia, onde consta a previsão dos ingressos e gastos para o ano financeiro seguinte,

acompanhado dos mapas anexos e relatórios com a apresentação e fundamentação da política

orçamental proposta302.

Tal documento prossegue objetivos de natureza jurídica, dado que para além de

constituir a base de atuação financeira dos órgãos municipais (impedindo-os da prática de atos

297 Cfr. ponto 2.3.1, do POCAL. V. ainda, MAGALHÃES, Rui Fernando Moreira, Manual dos Membros das Assembleias Municipais, Almedina, 2011, p. 167. 298 Cfr. art.º 33.º, n.º 1, al. c) e art.º 25.º, n.º 1 al. a), da LAL. V., por exemplo a proposta de Orçamento para 2015 e Opções do Plano para 2015/2018, da câmara municipal de Leiria, disponível em http://www.cm-leiria.pt/uploads/document/file/9204/Ponto_1.6._Documentos_Previsionais_Municipio_de_Leiria.pdf. Ainda neste sentido, v. proposta de revisão do Orçamento e Opções do Plano para 2016, da câmara municipal de Estarreja, disponível em http://www.cm-estarreja.pt/media/Documentos/Documentos%20previsionais/2016/1%C2%AA%20Revisao%20Or%C3%A7amental%202016.pdf. 299 Cfr. art.º 44.º, n.º 1, da LFL. 300 Cfr. art.º 41.º, n.º 3 e art.º 44.º, n.º 1 e n.º 2, da LFL. 301 Cfr. art.º 44.º, da LFL. 302 Cfr. art.º 46.º, da LFL, ponto 2.3.2, do POCAL. E ainda, v. LEANDRO, J. M. Marques, MATIAS, Vasco Valdez, Manual de Gestão Financeira Autárquica, Sedes, 1990, p. 193 e ss.

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que não constem no Orçamento), permite também uma proteção adequada dos direitos

fundamentais dos munícipes através do direito de resistência caso se verifiquem alterações

respeitantes aos tributos inicialmente estabelecidos. Em segundo lugar, segue propósitos

económicos, na medida em que impõe uma gestão de forma racional, faseada e equilibrada das

receitas e despesas, evitando que os dinheiros públicos sejam geridos de modo desregrado. E,

por fim, no Orçamento sobressaem objetivos de natureza política, atento o facto de tal

instrumento previsional auxiliar a restringir e equilibrar reciprocamente os poderes, uma vez que

o órgão executivo só pode executar o Orçamento nos termos em que este é aprovado pelo órgão

deliberativo303.

A elaboração do documento em apreço obedece a um conjunto de fases onde são

ordenadas determinadas atuações designadas por procedimento orçamental304.

Em termos muito gerais, o impulso da tramitação decorre na fase da iniciativa que se

traduz numa proposta de Orçamento elaborada pela câmara municipal, apresentada até 31 de

outubro de cada ano305.

Esta proposta elaborada pelo órgão executivo deverá obedecer a um conjunto de regras

como a anualidade (significativo da ideia de que o Orçamento autárquico e os montantes aí

previstos obedecem a uma previsão anual introduzindo, deste modo, um maior controlo das

contas públicas), plenitude (que se traduz na exigência de unidade do Orçamento, onde se

concentram os valores provenientes das diversas operações e na universalidade, atento que

nele devem constar os ingressos e gastos de todos os serviços e órgãos), descriminação (onde

se exige que sejam individualizadas todas as receitas e despesas e comporta duas vertestes, a

saber: a não compensação, que implica que os ingressos e gastos sejam inscritos na totalidade

sem quaisquer deduções e, a não consignação, que se traduz na não afetação do produto de

quaisquer receitas à cobertura de quaisquer despesas, embora existam exceções legalmente

previstas), exclusividade (apenas se pode referir às despesas e receitas do município

correspondentes a um período financeiro) e, por último, a regra do equilíbrio orçamental (que

exige equilíbrio entre determinadas despesas e determinadas receitas no momento da

elaboração do Orçamento)306.

303 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 95 e ss. 304V. Idem, Ibidem, p. 97. 305 Cfr.º art.º 46.º, da LFL. 306 Cfr. art.º 40.º, art.º 41.º e art.º 42.º, da LFL e ponto 3.1, do POCAL. V. ainda neste sentido, Idem, Ibidem, p. 100 e ss.

Page 100: repositorium.sdum.uminho.ptrepositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/50295/1...1 A Constituição da República Portuguesa bem o defende, desde logo no art.º 235.º. 2 Cfr. OLIVEIRA,

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A proposta de Orçamento – que deve obedecer a todas estas regras – é submetida à

assembleia municipal para ser sujeita a discussão, votação e aprovação. Com efeito, as

despesas não podem ser efetivadas nem as receitas arrecadadas sem um regulamento que

aprove o Orçamento. Nesta fase é importante que o requisito do quórum presencial e

deliberativo e as regras de votação sejam observadas307.

Importa referir que a assembleia está impossibilitada de alterar a proposta de

Orçamento, apenas pode aprovar ou não aprovar (sendo obrigada a fundamentar a rejeição),

embora possa declarar que a aprovação fique dependente de determinadas modificações que o

órgão executivo estabeleça, ao contrário do que sucede na aprovação da proposta de Orçamento

do Estado pela Assembleia da República308.

Caso a proposta não seja aprovada, a autarquia trabalha com o Orçamento do ano

anterior e com o plano plurianual de investimentos em vigor com as alterações que lhes tenham

sido introduzidas até 31 de dezembro, o que naturalmente comporta inúmeras limitações para o

exercício da atividade financeira municipal. Assim, perante esta circunstância, no exercício dos

poderes de tutela pode o Governo determinar um inquérito às causas da não aprovação do

documento e, se assim entender, dissolver os órgãos autárquicos e convocar eleições

intercalares com vista a solucionar os bloqueios que se encontrem a lesar seriamente o

município309.

Por último, e uma vez aprovada pelo órgão deliberativo a proposta do Orçamento que se

presume válida, segue-se a fase integrativa de eficácia para que a decisão seja apta a gerar os

seus efeitos. É nesta etapa que o ato jurídico produzirá o seu efeito útil mediante a ata da sessão

da assembleia municipal e a publicidade do ato, in casu, a publicação do Orçamento aprovado

no boletim do município e no correspondente sítio da Internet310.

Constituindo o Orçamento um instrumento previsional, pode acontecer que durante o

período da sua execução surja a necessidade de introduzir correções ou ajustes aos cálculos

inicialmente efetuados. Posto isto, sempre que a câmara pretender aumentar o valor da previsão

legal do gasto, terá de submeter tal alteração a aprovação da assembleia, órgão que fixará as

despesas referentes não apenas às modificações introduzidas, mas à previsão global. Nesta

307 Cfr art.º 112.º, n.º 7, da CRP, art.º 4.º, n.º 2, da LFL e art.º 54.º, da LAL. 308 Cfr. LEANDRO, J. M. Marques, MATIAS, Vasco Valdez, Manual de Gestão Financeira Autárquica, Sedes, 1990, p. 206 e 207. E ainda, MAGALHÃES, Rui Fernando Moreira, Manual dos Membros das Assembleias Municipais, Almedina, 2011, p. 166. 309 Assim, LEANDRO, J. M. Marques, MATIAS, Vasco Valdez, Manual de Gestão Financeira Autárquica, Sedes, 1990, p. 206. 310 Cfr. art.º 57.º, da LFL.

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circunstância trata-se de um poder de revisão311. Pese embora consubstanciem um aumento

global da despesa, existem determinadas situações em que o legislador considera não ser

necessária a intervenção do órgão deliberativo, são elas: casos de receitas legalmente

consignadas (o que se compreende dado que as deliberações da assembleia municipal não

podem contrariar uma lei imperativa), os empréstimos contratados (que, como se disse, para

serem contraídos com as instituições de crédito dependem de prévia aprovação do órgão

deliberativo municipal, pelo que não será necessária uma segunda intervenção quanto à mesma

matéria decidia anteriormente), e novas tabelas de vencimentos publicadas após a aprovação do

orçamento inicial312.

Com efeito, a prerrogativa de discutir e autorizar a proposta orçamental, corrobora não

só o preponderante papel das assembleias, como permite constatar que os municípios são entes

autónomos no que respeita ao domínio financeiro313.

À semelhança do que se expôs acerca dos documentos previsionais autárquicos,

também a decisão de contratar determinados créditos junto de instituições financeiras necessita

de prévio aval do órgão deliberativo, que deve aprovar ou não aprovar tal proposta elaborada

pelo órgão executivo, justificando-se, assim, que também esta prerrogativa se integre na

categoria competencial vinculativa.

Procuremos melhor compreender como se desenvolve o aludido procedimento. Desde

logo, como decorrência da autonomia creditícia, um município que pretenda recorrer a um

empréstimo como forma de obter financiamento, beneficia de determinada quantia em dinheiro

que se compromete a pagar no futuro, bem como uma remuneração através de juros ou rendas.

Ora, esta operação investe o ente local num conjunto de deveres jurídicos e financeiros futuros,

tais como a obrigação principal de reembolsar e pagar os juros ou rendas e determinadas

obrigações acessórias constantes das diversas cláusulas e termos dos contratos de

empréstimo314.

Sob o ponto de vista da sua duração, os contratos podem ser classificados, em primeiro

lugar, como sendo de curto prazo os que não ultrapassam um ano de maturidade. À luz da atual

lei das finanças locais, este tipo de empréstimos só pode ser contraído para fazer face a

311 V. neste sentido, MAGALHÃES, Rui Fernando Moreira, Manual dos Membros das Assembleias Municipais, Almedina, 2011, p. 171. 312 Cfr. ponto 8.3.1.3, do POCAL. 313 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março, 2010, p. 10. 314 V. a respeito, FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.ª Ed., Almedina, 2012, p. 91. E ainda, acórdão do TC n.º 12/2016 de 8/09/2016, disponível www.dgsi.pt.

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situações de défice de tesouraria, o que equivale por dizer que tem em vista solucionar uma

divergência temporária entre os ingressos financeiros obtidos e o gasto efetuado, tratam-se de

situações momentâneas que se afiguram de rápida resolução315.

Em termos procedimentais, a câmara municipal elabora uma proposta para a

contratação deste tipo de empréstimo, onde apresenta informações sobre as condições

praticadas em, pelo menos, três instituições de crédito, um mapa com a indicação da

capacidade de endividamento do município e faz um pedido de autorização do crédito à

assembleia. Porém, prevê-se a possibilidade de este órgão deliberar a aprovação de

empréstimos a curto prazo na sessão anual de aprovação do Orçamento, aplicável para todos os

contratos deste tipo que o município possa contrair durante a vigência do Orçamento,

estabelecendo-se, deste modo, um regime mais ágil e simplificado316.

Em segundo lugar, podem os contratos de empréstimo ser classificados como contratos

de médio ou longo prazo quando têm uma duração superior a um ano, mas sem nunca exceder

os 20 anos de maturidade317.

Importa notar que este tipo de empréstimos apenas pode ser contraído mediante

autorização da assembleia municipal, com o propósito de aplicação em investimentos ou para

proceder à reabilitação financeira municipal318.

Estas duas finalidades implicam distintos procedimentos, restrições e consequências em

caso de incumprimento. No primeiro caso, para além de o investimento ter de estar especificado

no contrato e no plano plurianual de atividades, deve haver um nexo causal entre a aplicação

que se pretende fazer e o empréstimo a contrair e, dessa forma, não pode ter como fundamento

investimentos já realizados, uma vez que nesta circunstancia só é possível contrair empréstimos

para proceder ao reequilíbrio ou saneamento financeiro. Cabe à assembleia municipal autorizar

previamente os empréstimos para despesas de investimento sempre que o valor das mesmas

exceda 10% desse tipo de despesas previstas no orçamento do exercício319.

Quanto à segunda finalidade do recurso aos empréstimos de médio e longo prazo,

encontra justificação nas necessidades de reabilitação financeira do município, que pode ser

315 Cfr. art.º 50.º, n.º 1, da LFL. A respeito, Idem, Ibidem, p. 91. 316 Cfr. art.ºs 49.º, 5.º e 50.º, n.º 2, da LFL. V. ainda OLIVEIRA, António Cândido de, ROCHA, Joaquim Freitas da, “La crisis financiera en Portugal y sus repercusiones en la administración local autónoma” in José Manuel Díaz Lema (coord.), Sostenibilidad Financiera y Administración Local: un estudio comparado, Tirant to blanch, 2014, p. 344. 317 Cfr. art.º 49.º, n.º 2 e art.º 51.º, n.º 3, ambos da LFL. 318 Cfr. art.º 51.º, n.º 1, da LFL. 319 Cfr. art.º 51.º, n.º 2, da LFL.

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efetuada mediante saneamento financeiro ou por via da recuperação financeira. Na verdade, em

ambos os casos a dívida total do município320 é superior à média da receita corrente líquida321 e,

por conseguinte, estas configuram consequências desfavoráveis, num plano progressivo,

consoante o grau de desconformidade.

Desde logo, o procedimento de saneamento financeiro implica que o município se

encontre numa situação de desequilíbrio conjuntural e pressupõe, não só a contratação de um

empréstimo de médio e longo prazo, mas também a adesão a um exigente plano de

saneamento, com vista à reestruturação da dívida. O saneamento financeiro é sempre acionado

pelo município, imperativa ou voluntariamente, de acordo com o grau de debilidade financeira

em causa. De todo o modo, a adesão a este procedimento implica a contratação de um

empréstimo para esse fim, bem como a elaboração e aprovação de um plano de saneamento

financeiro322. O pedido de contratação do empréstimo ser deve apresentado pela câmara à

assembleia, acompanhado de um plano de saneamento financeiro, informações sobre as

condições praticadas pelo menos em três instituições de crédito, um mapa onde conste a

capacidade de endividamento do município, bem como um estudo sobre a sua situação

financeira323.

O plano de saneamento financeiro, deverá ser elaborado pela câmara municipal e

apresentado à assembleia municipal para aprovação. Para além disso, o órgão deliberativo

acompanha as contas anuais durante o período de vigência do contrato, onde deve constar o

balanço e a demonstração do cumprimento do plano de saneamento324.

Além do extenso controlo efetuado pela assembleia municipal e pelo Governo no

procedimento de saneamento financeiro pode acontecer que tal mecanismo não seja cumprido,

em consequência, é colocado em prática o Fundo de Regularização Municipal.

Nos casos em que o município aderiu ao saneamento financeiro de forma voluntária, o

conhecimento do incumprimento é efetuado pela assembleia que deve enviar uma cópia da

deliberação à DGAL, no prazo máximo de 15 dias após a primeira sessão anual, e determina a

retenção de verbas que ficarão afetas ao FRM. Nas situações de adesão obrigatória do

320 Como sendo todo o conjunto de obrigações de pagamento a que se está obrigado, sendo que esse passivo engloba as dívidas e os débitos e abrange todas as entidades que de forma direta ou indireta utilizam dinheiros do município. Cfr. art.º 52.º, n.º 2 e 54.º, n.º 1, da LFL. 321 Ingressos que possibilitam que o município tenha alguma autonomia financeira, dos quais é deduzido o valor dos encargos para que possa ser recebida ou arrecada. Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 230. 322 Cfr. art.ºs 58.º e 59.º, da LFL. 323 Cfr. art.º 49.º, n.º 5, da LFL. 324 Cfr. art.º 58.º, n.º 7, e art.º 59.º, n.º 3 e n.º 6, da LFL.

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município, a situação de incumprimento do plano é comunicada pela DGAL aos membros do

Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, bem como os

presidentes dos órgãos executivo e deliberativo do município que comunicam aos respetivos

membros na primeira reunião ou sessão seguinte325.

Para além deste, o ordenamento jurídico prevê um outro procedimento com vista à

reabilitação municipal, mediante a recuperação financeira. Este mecanismo é adotado quando a

autarquia apresenta recorrentemente défice e sérias dificuldades em ver alterado tal

circunstancialismo num futuro próximo. Assim, dada a gravidade da situação financeira, sempre

que um município se encontre em rutura financeira é obrigado a recorrer ao FAM e ao

procedimento de recuperação financeira326.

Face às suas características, este procedimento configura uma preferência à insolvência

municipal, uma solução drástica e, por essa razão, desconsiderada na ordem jurídica

portuguesa327.

Como resulta da referência à evolução do sistema de financiamento local descrita

precedentemente, em todas as redações da lei das finanças locais existia a possibilidade de os

municípios recorrerem a ingressos financeiros decorrentes de créditos, ainda que tenhamos

verificado que nas últimas versões do diploma o recurso a tais formas de financiamento tenha

sido limitado, constrangendo as atuações e introduzindo maiores exigências nas autorizações e

na prestação de contas, sobretudo devido ao acesso imoderado ao crédito e a consequente

situação de desequilíbrio financeiro de grande parte das autarquias. Por esse motivo, e como se

disse, o recurso ao crédito, em especial ao contrato de empréstimo, encontra restrições que se

prendem com o princípio da estabilidade orçamental, solidariedade recíproca e o princípio da

equidade intergeracional, este significativo da ideia de distribuição dos encargos e benefícios

entre as várias gerações328.

Ora, assim sendo, os empréstimos contraídos atualmente devem direcionar-se sobretudo

para despesas de capital como as que se materializam na construção de bens duradouros, bem

como empréstimos com vista a amortizar o passivo mediante o reembolso de empréstimos

antigos. Pretende-se, desta forma, diminuir os custos diretos e indiretos a longo prazo, assegurar

325 Cfr. art.º 60.º, da LFL. 326 Constitui uma situação de rutura financeira sempre que a dívida total do município, em 31 de dezembro de cada ano, exceda três vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos três últimos exercícios. Cfr. art.º 61.º, da LFL. 327 Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), 2.ª Ed., CEJUR, 2014, p. 243. 328 Cfr. art.º 48.º, da LFL. V. neste sentido, FALCÓN Y TELLA, Ramón, Derecho Financiero y Tributario, 6.ª Ed., Universidade Complutense, 2016, p. 439.

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uma equilibrada repartição dos custos pelos vários orçamentos anuais, prevenir uma excessiva

concentração temporal de amortização e evitar riscos excessivos329.

Porém, também no que respeita à gestão do património das autarquias, o órgão

deliberativo exerce uma influência vinculativa. Vejamos em que termos. Os municípios

beneficiam de receitas patrimoniais que correspondem a ingressos provenientes da

administração ou disposição do património da autarquia. Considerando a forma como são

conseguidas (por via de um acordo de vontades ou dos correntes mecanismos de mercado) e

por estarem em causa finalidades públicas, são receitas de Direito privado, porém, seguem o

regime de regras de Direito público330

Para que melhor se compreenda o papel do órgão deliberativo neste domínio,

detenhamo-nos sobre o património gerador de receitas. O património ativo que tem como titular

a autarquia é suscetível de produzir ingressos, quer através de atos de disposição, quer através

de atos de normal administração patrimonial. Integrando qualquer um destes atos, as receitas

podem ser provenientes da exploração do ativo dominial público (sempre que não estejam afetos

a uma utilização comum) ou privado331. Para além disso, podem ser receitas provenientes da

exploração do ativo obrigacional, resultantes, por exemplo, de participações sociais (através de

rendimentos de capital ou de mais-valias resultantes da alienação das participações) ou de

relações contratuais que as autarquias tenham com os munícipes, sob a forma de prestações de

serviços realizados diretamente pelo município ou prestados indiretamente através de empresas

municipais por si criadas ou geridas332.

Ora, considerando a autonomia patrimonial autárquica que lhe permite administrar ou

dispor do património de que é titular e, por essa via, obter ingressos financeiros, cumpre verificar

qual a tarefa do órgão deliberativo municipal neste domínio. A este respeito, resulta do disposto

no art.º 25.º, n.º 1, al. i), da LAL, que compete à assembleia municipal, autorizar a câmara

municipal a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor superior a 1000 vezes a

Retribuição Mínima Mensal Garantida, e fixar as respetivas condições gerais, podendo

determinar o recurso à hasta pública. Estas limitações encontram justificação no facto de se

329 Cfr. art.º 48.º, da LFL. V. ainda, FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.ª Ed., Almedina, 2012, p. 86 e ss. 330 Cfr. art.º 238.º, n.º 1 e n.º 3, da CRP. V. ainda, QUERALT, Juan Martin, SERRANO, Carmelo Lozano, LÓPEZ, José Manuel Tejerizo, OLLERO, Gabriel Casado, Curso de Derecho Financiero y Tributario, Tecnos, 20.ª Ed., 2009, p. 33.

331 Assim, FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.ª Ed., Almedina, 2012, p. 46. V. acórdão STA de 26/06/2014, proc.º, n.º 01174/12, Secção do Contencioso Administrativo, disponível em www.dgsi.pt. 332 Cfr. art.º 14.º, al. i), da LFL. Ainda, Idem, Ibidem, p. 52.

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tratarem de bens cujo valor é elevado, e desta forma pretende-se acautelar uma melhor gestão

do património da autarquia.

O mesmo sucede com os bens ou valores artísticos do município, situações em que,

independentemente do valor dos bens, a sua oneração ou alienação está dependente de prévio

aval do órgão deliberativo. Porém, importa enfatizar a ideia de que em todas estas prerrogativas,

a intervenção da assembleia resume-se em aprovar ou não uma decisão atinente a determinada

matéria que está densificada na lei, inexistindo uma hipótese de conformação por parte do órgão

deliberativo.

1.2.1.2 Competências discricionárias

Por oposição às competências vinculadas, nas competências discricionárias o órgão

deliberativo goza de uma margem decisória que lhe permite selecionar uma opção de entre um

conjunto de possibilidades que a norma jurídica estabelece. Assim sendo, é possível integrar

nesta tipologia a prerrogativa disposta na LAL que atribui às assembleias o poder de fixar

anualmente o valor d a taxa do IMI333.

De modo a concretizar este imperativo, interessa assinalar que tal como o IMT e o IUC,

o IMI integra o conjunto de impostos não estaduais, dado que tem como beneficiários os

municípios, não obstante a liquidação e cobrança ser efetuada pelos serviços centrais da

administração tributária334.

Estamos na presença de um imposto real e periódico, que incide sobre o valor

patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos localizados no território português que é

devido, regra geral, aos proprietários dos imóveis e constitui receita do município do lugar da

situação do prédio335. Assim sendo, a caracterização e qualificação do conceito de prédio

plasmada nos art.ºs 2.º e 6.º, do CIMI, releva na tarefa de saber quais os serviços de finanças

que procedem à liquidação e cobrança e quais os municípios beneficiários do ingresso daí

proveniente.

Consoante os casos, as taxas do IMI têm uma percentagem prevista legalmente que é

variável, apresentando limites máximos e mínimos. Tal como se referiu, compete às assembleias

333 Cfr. art.º 25.º, n.º 1, al. d). 334 Cfr. art.º 113.º e 119.º, do CIMI. 335 Cfr. art.ºs 1º e 8.º, do CIMI e art.º 14.º al. a), da LFL.

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municipais da localização do prédio determinar, em específico, o valor da taxa a aplicar

anualmente336.

Importa realçar que se trata de uma fixação concreta do montante da taxa, atento que a

determinação abstrata resulta da lei e, nessa medida, os princípios da igualdade e da reserva da

lei fiscal encontram-se salvaguardados.

Para além disso, o legislador concede às assembleias municipais a possibilidade de

deliberar sobre a percentagem da taxa a aplicar anualmente aos prédios urbanos que varia entre

0,3 e 0,5%. Do mesmo modo, podem definir áreas territoriais que correspondam a freguesias ou

zonas delimitadas de freguesias em que se pretendam realizar operações de reabilitação urbana

ou combate à desertificação e majorar ou reduzir até 30% a taxa em vigor para o ano a que o

imposto se refere. Para além disto, e também sob a deliberação da assembleia municipal, é

possível definir áreas territoriais correspondentes a freguesias ou zonas delimitadas de freguesia

e estabelecer uma redução até 20% da taxa que vigorar no ano a que se refere o imposto

aplicável aos prédios arrendados. Acresce que, mediante a concordância da assembleia, podem

os municípios majorar até 30% a taxa a aplicar aos prédios urbanos degradados. Também por

deliberação do mesmo órgão municipal é possível majorar até ao dobro a taxa aplicável aos

prédios rústicos com áreas florestais abandonadas. Por sua vez, no que respeita aos prédios

classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, pode a

assembleia determinar uma redução até 50% da taxa que vigorar no ano a que respeita o

imposto. Ainda a este respeito, podem fixar uma redução da taxa consoante o número de

dependentes, nos casos de imóveis destinados a habitação própria e permanente, que

coincidam com o domicílio fiscal do proprietário337.

Em modo conclusivo, deve ainda ser assinalado que todas estas deliberações da

assembleia municipal devem ser comunicadas mediante transmissão eletrónica à Direção Geral

dos Impostos para serem aplicáveis no ano seguinte, o que devem fazer até 30 de novembro338.

Para além da fixação da taxa do IMI, também no lançamento de derramas as

assembleias municipais gozam da prerrogativa de decidir qual a percentagem a fixar. Assim, e

antes de qualquer desenvolvimento, convém fazer uma prévia contextualização desta figura e,

nessa medida, interessa dizer que se trata de um modo particular de tributar os lucros de alguns

336 Cfr. art 25.º, n.º 1, al. d), da LAL e art.º 112.º, n.º 5, do CIMI. 337 V. por todos, art.º 112.º n.º 1.º, al.s a) e b), n.ºs 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º e 13.º, do CIMI. 338 Cfr. art.º 12.º, n.º 14, do CIMI.

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sujeitos passivos de IRC e, por isso, as derramas configuram impostos acessórios, dado que a

sua disciplina jurídica depende da existência de um outro imposto, o IRC339.

No que se refere em concreto à aplicação da derrama, trata-se de um imposto devido

aos sujeitos passivos de IRC que residam no território nacional e exerçam, a título principal, uma

atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como é exigido a não residentes que

detenham um estabelecimento estável no município. Tem incidência sobre o lucro tributável

(sujeito e não isento de IRC) dos sujeitos passivos, de acordo com os rendimentos obtidos na

área geográfica do município340.

Em termos procedimentais, compete à assembleia municipal o lançamento de

derramas, sendo que o valor da taxa pode variar entre 0,1 a 1,5%. Contudo, sob proposta da

câmara municipal, a assembleia pode deliberar lançar uma taxa reduzida nos casos em que os

sujeitos passivos não ultrapassem um volume de negócios superior a 150 000 € no ano

anterior341.

Daqui resulta que se trata de um imposto de utilização facultativa, por conseguinte, o

órgão deliberativo pode decidir o seu não lançamento, para, a título meramente exemplificativo,

atrair os sujeitos passivos de IRC a fixarem-se no município, dado que aqueles estão, regra geral,

adstritos ao pagamento anual do IRC, à derrama estadual e à derrama local.

Assim, a deliberação sobre o lançamento deste tributo cabe à assembleia, mas a

comunicação da decisão é efetuada pela câmara municipal à administração tributária, por via

eletrónica até ao dia 31 de dezembro do ano anterior ao da cobrança. Caso a comunicação seja

feita depois dessa data não há lugar a liquidação e cobrança da derrama342.

1.2.2 Competências gerais e individuais

Outra importante classificação relaciona-se com o âmbito subjetivo de abrangência da

decisão tomada pela assembleia e permite diferenciar as competências que têm um destinatário

individualizado (que visam produzir efeitos numa situação jurídica determinada ou numa

concreta esfera jurídica e por isso emanados sob a forma de ato administrativo) dos atos cujo

destinatário não é particularizado, tendo uma abrangência geral e abstrata, razão pela qual o

exercício do poder administrativo é exteriorizado através de um regulamento.

339 V. neste sentido, XAVIER, Alberto, Manual de Direito Fiscal, S. N., 1981, p. 94. 340 Cfr. art.º 14.º, al. b) e art.º 18.º, n.º 1.º, da LFL. 341 Cfr. art.º 18.º, n.º 4, da LFL. 342 Cfr.º art.º 18.º, n.ºs 15, 16 e 17, da LFL.

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Assim sendo, como exemplos de competências do órgão deliberativo municipal que tem

como destinatários uma generalidade de indivíduos, é possível apontar, desde logo, a aprovação

das taxas do município e a fixação do respetivo valor343.

Tal procedimento é efetuado através de um regulamento onde, além da exigência do

estrito cumprimento da lei, deve constar, sob pena de nulidade, a incidência pessoal e objetiva

(isto é, o sujeito passivo e o respetivo bem ou serviço objeto de pagamento), eventuais isenções,

a fundamentação económica e financeira sobre o quantitativo das taxas (nomeadamente, custos

diretos e indiretos, amortizações, e demais contas que sustentem o valor fixado, conseguindo-se

desta forma um maior respeito pelo princípio da proporcionalidade)344. Para além disso, deve

ainda ser estabelecida a fórmula de cálculo do valor das taxas (que pode ser atualizada no

orçamento anual, consoante a taxa de inflação), o modo de pagamento e outras formas de

extinção da prestação tributária, bem como a definição das regras quanto à liquidação e

cobrança desses tributos. Por fim, devem os regulamentos em causa ser adequadamente

publicitados em respeito ao princípio da publicidade dos atos345.

Deste modo, e em face do exposto se vê que a disciplina jurídica das taxas é

estabelecida quase na totalidade pelos municípios, o que encontra justificação no facto de o

princípio da legalidade não ser tão exigente para as taxas como para os impostos346.

Por sua vez, uma evidência das competências individuais reporta-se à possibilidade de

ser a própria assembleia (mediante proposta da câmara) a conceder isenções totais ou parciais

relativamente a impostos ou outros tributos próprios. Como facilmente se intui, tal prerrogativa

integra este tipo competência, na medida em que se destina a um determinado grupo de

pessoas ou entidades que obedecem aos requisitos ou pressupostos das mencionadas isenções.

Os benefícios aqui em causa não podem ser concedidos por mais de cinco anos, mas a sua

renovação pode ser feita uma vez com igual limite temporal. Todavia, e ao contrário daquele que

era o entendimento anterior, a concessão de tais benefícios volta a não necessitar de uma lei

que concretizadora dos requisitos e condições da sua atribuição347.

343 Cfr. art.º 241.º, da CRP e art.º 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. Em termos jurídicos, as taxas municipais estão estabelecidas nos art.ºs 14.º, al. d) e 20.º, da LFL e densificadas na Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro - RGTAL. 344 Cfr. art.º 8.º, n.º 2, al.s a) e d), do RGTAL. E MONIZ, Ana Raquel Gonçalves, Estudos sobre os Regulamentos Administrativos, 2.ª Ed., Almedina, 2016, p. 100 e ss. 345 Cfr. art.º 8.º, n.º 2, art.º 9.º, art.º 11.º e art.º 13.º, todos do RGTAL. 346 NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 53 e 54. 347 Cfr. art.º 16.º, da LFL e SILVA, Hugo Flores da, “O Imposto Municipal sobre Imóveis: considerações sobre um imposto local”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 13, Janeiro/Março, 2017, p. 56 e ss. De ser referido que Casalta Nabais considera que se está na presença de um poder tributário excessivamente amplo e só não se

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1.2.3 Competências impositivas e não impositivas

Por último, nesta tipologia o critério distintivo prende-se com os efeitos jurídicos dos atos

a produzir, na medida em que as competências impositivas comportam efeitos jurídicos

desfavoráveis para os destinatários.

Representativo de tal prerrogativa é a possibilidade de deliberação por parte da

assembleia em matéria do exercício dos poderes tributários do município, que decorre do

disposto no art.º 25.º n.º 1, al. c) da LAL.

Em termos concretos, significa que o órgão deliberativo municipal tem interferência na

criação de taxas, bem como na liquidação e cobrança de determinados impostos locais, mas

procuremos densificar um pouco mais este imperativo. Os municípios são beneficiários de

receitas tributárias, uma vez que os ingressos daí provenientes têm na origem a arrecadação de

um tributo, isto é, uma quantia de natureza coativa quer quanto à origem (pois deve ser sempre

criada por ato normativo) quer quanto ao conteúdo (que tem de ser delineado por esse ato

normativo), e encontra justificação no financiamento de encargos públicos348.

Na verdade, tal como sucede com as regiões autónomas, é a própria estrutura política e

administrativa que legitima a atribuição de poderes tributários aos municípios pelo facto de

representarem de forma direta os cidadãos eleitores. Por esta via, compreende-se o poder

legislativo e o espaço decisório que lhes é concedido em matéria financeira349.

Já tivemos oportunidade de assinalar que a autonomia financeira das autarquias engloba

a autonomia tributária350. Contudo, não se trata de uma prerrogativa ilimitada ou plena uma vez

que existem algumas especificidades no que concerne à criação de tributos, bem como à sua

liquidação e cobrança. Deste modo, é vedado aos municípios o poder de criação ou modelação

das bases de incidência referentes aos impostos, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes,

tudo isto por via da reserva de lei que destina esse poder à Assembleia da República ou ao

Governo mediante decreto-lei autorizado. O mesmo não sucede com as taxas, dado que os

municípios as podem criar, sendo que nesse procedimento devem obedecer ao princípio de

colocará a questão da inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e igualdade fiscal devido ao limite temporal que comportam, todavia, segundo o autor, não deixa de ser um poder tributário demasiado extenso. V. neste sentido, NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 40 e 41. 348 V. neste sentido, FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.ª Ed., Almedina, 2012, p. 59 e 60. 349 Assim, SANCHES, J. L. Saldanha, Manual de Direito Fiscal, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2002, p. 40. 350 Cfr. art.º 238.º, n.º 4, da CRP e art.º 6.º, n.º 2, al. c), art.º 14.º al.s a) a d) e art.º 15.º, da LFL.

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precedência de lei, indicando, assim, a lei que visam regulamentar sob pena de

inconstitucionalidade351.

Por outro lado, a autonomia tributária não é plena quanto aos poderes de liquidação e

cobrança dos tributos, uma vez que existem impostos em que tal operação é realizada pelas

autarquias, e outros impostos cuja competência cabe ao Estado e a receita só posteriormente é

transferida para o município. Deste modo, independentemente da entidade que efetua a

liquidação e cobrança dos impostos, estes serão considerados locais sempre que a sua receita

reverta a favor da autarquia352.

Um outro exemplo de competências impositivas desempenhadas pelo órgão deliberativo

sucede com a aprovação das taxas municipais a que acima fizemos referência quanto aos

instrumentos de exercício do poder administrativo e que agora faremos menção sob o ponto de

vista substancial das taxas para que se possa compreender a sua natureza impositiva.

Deste modo, cumpre clarificar o conceito de taxa municipal como sendo um preço cujo

município é beneficiário enquanto contraprestação proveniente de uma relação concreta entre o

contribuinte e o bem ou serviço público prestado353. De acordo com esta definição é possível

identificar três situações distintas que fundamentam, na realidade, três tipos de taxas. Em

primeiro lugar, as que são devidas pelo uso privativo de um bem que pertence ao domínio local,

isto é, que seja titulado pela autarquia e que está afeto à prossecução de necessidades coletivas.

Em segundo lugar, as taxas municipais representam uma retribuição pela realização de

forma individualizada de um serviço público local, nomeadamente pelo apoio em infraestruturas

urbanísticas, prática de atos administrativos de caráter particular, prestação de serviços

atinentes à prevenção de riscos e proteção civil, entre outros354.

Por último, e em terceiro lugar, podem existir taxas devidas pela exclusão de um

obstáculo jurídico à atividade dos particulares355. Neste caso, tratam-se de atividades que estão,

em princípio, vedadas aos particulares, mas que mediante uma licença esse impedimento é

351 Cfr. art.º 5.º, do RGTAL e art.ºs 15.º, al. d), 16.º e 20.º, da LFL. 352 Cfr. art.º 17.º, n.º 2 e n.º 5, da LFL. Assim, ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”, Direito Regional e Local, CEJUR, n.º 09, Janeiro/Março, 2010, p. 12. 353 Pelas consequências práticas que comporta, interessa referir que as taxas são diferentes dos preços e, em termos procedimentais, de acordo com o disposto no art.º 16.º da LFL e no art.º 33.º, n.º 1, al. e), da LAL, a fixação dos preços é da competência da câmara municipal. Para maiores desenvolvimentos, v. MAGALHÃES, António Malheiro de, O Regime Jurídico dos Preços Municipais, Almedina, 2012, p. 51 e ss. 354 Cfr. art.º 6.º, n.º 1 e n.º 2, do RGTAL. O estabelecido neste preceito legal não é taxativo, razão pela qual podem as assembleias municipais criar outras taxas que não as previstas na norma em apreço. V. ainda, VASQUES, Sérgio, Regime das Taxas Locais, Almedina, 2009, p. 55 e ss. 355 Cfr. art.º 3.º, do RGTAL.

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suprido. Os tributos contemplados nesta situação aplicam-se, a título de exemplo, para a

atribuição de uma licença de caça.

Importa notar que as taxas apenas podem ser criadas para desincentivar a realização de

determinadas práticas ou operações, (sendo que o valor da taxa pode aumentar consoante o

valor do bem jurídico que se tenta proteger) ou com vista a dividir os custos de produção de

certo bem, como por exemplo, passar certidões ou efetuar inspeções356. Neste caso, o valor do

tributo cobrado deve ser proporcional ao custo da atividade praticada e ao benefício auferido

pelo particular.

De facto, como já resulta do exposto, uma das características individualizadoras das

taxas reside na sua natureza bilateral ou sinalagmática, uma vez que pressupõe uma

contraprestação específica entre o serviço público prestado e o sujeito passivo que daí retira

necessariamente alguma utilidade. Deste modo, embora a assembleia municipal possa

livremente fixar o seu quantitativo é obrigada a respeitar a equivalência jurídica ou

proporcionalidade entre a prestação e a contraprestação, sob pena de o tributo cobrado

constituir, na sua essência, um imposto357.

Pelo contrário, as competências não impositivas estabelecem efeitos jurídicos favoráveis,

sendo exemplo disso, a possibilidade de o órgão deliberativo municipal conceder isenções totais

ou parciais relativamente a impostos ou outros tributos próprios, como acima fizemos referência.

Em face do exposto, e em modo conclusivo, pode se dizer que são diversas as

competências, no domínio financeiro, atribuídas pelo legislador às assembleias. Na verdade, este

órgão tem uma influência direta em todas as receitas originárias do município, isto é, nas

receitas de natureza tributária, creditícia e patrimonial. Como se pode constatar, não se trata de

uma qualquer interferência, em todos os casos está em causa aprovar ou não uma proposta da

câmara em matérias tão importantes como as taxas e fixação do seu valor, deliberar sobre o

exercício dos poderes tributários do município, autorizar o lançamento de derramas, fixar o valor

da taxa do IMI, pronunciar-se sobre o reconhecimento pelo Governo de benefícios fiscais

atinentes a impostos locais, bem como conceder isenções totais ou parciais relativamente

determinados a impostos ou outros tributos próprios mediante o preenchimento dos

356 V. a respeito ac. STA de 25/03/2015, proc. n.º 0179/15, disponível em www.dgsi.pt. 357V. MARTÍN QUERALT, Juan, LOZANO SERRANO, Carmelo, TEJERIZO LÓPEZ, José Manuel, CASADO OLLERO, Gabriel, Curso de Derecho Financiero y Tributario, Tecnos, 20.ª Ed., 2009, p. 82 e ss. V. a respeito acórdão do TC n.º 316/2014, de 1/04/2014, proc.º n.º 204/13, disponível em www.dgsi.pt.

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correspondentes requisitos. Para além disso, a assembleia tem de dar a sua concordância para

a contratação de empréstimos, para a câmara alienar, onerar ou adquirir determinados bens

imóveis ou valores artísticos da titularidade do município, bem como deliberar a afetação e

desafetação dos bens do domínio público.

Acresce que a influência das assembleias não só se verifica no domínio das receitas,

mas também no das despesas por via da interferência nos atos previsionais e de prestação de

contas. Nestes setores tratam-se de tarefas que advêm da sua competência fiscalizadora da

atividade da câmara e que são da máxima importância, a título meramente exemplificativo, se a

assembleia não aprovar o Orçamento, parte da atuação do executivo fica bloqueada.

Assim, resulta claro o papel preponderante que o órgão deliberativo desempenha na

atividade financeira do município. De facto, e como acima se referiu, as assembleias municipais

gozam de um completo leque de atribuições e competências de entre as quais se pode apontar,

de forma perfunctória, a emissão de pareceres sobre determinados aspetos da gestão financeira

autárquica ou a enunciação de decisões prescritivas; a deliberação de forma vinculada tendo de

aprovar ou não aprovar determinada proposta ou, de modo oposto, a possibilidade de fixar em

determinadas matérias uma percentagem de entre um conjunto de possibilidades; a participação

nas decisões que se destinam quer aos munícipes de forma geral e abstrata, quer a

determinado grupo individualizado; bem como, a possibilidade de deliberar sobre aspetos que

fixam efeitos jurídicos positivos e negativos para os respetivos destinatários.

A estas observações, uma outra de grande importância se pode acrescentar: as

assembleias são dotadas de diversos poderes que partem da sua iniciativa. Desde logo, para

além das reuniões ordinárias periodicamente realizadas, o órgão deliberativo deve convocar

sessões extraordinárias sempre que entender necessário e mediante o cumprimento dos

requisitos do art.º 28.º, da LAL.

Para além disso, tem a possibilidade de requerer à câmara toda a informação e

documentação que considere útil e essencial ao desempenho da atividade da assembleia358.

Acresce que o órgão deliberativo pode exercer o direito de emenda sobre determinadas matérias

que foram propostas. Como se assinalou, existem domínios em que estão impedidos, por

exemplo, em matérias atinentes ao Orçamento ou nas contas de gestão municipal, todavia,

358 Cfr. art.º 28.º e art.º 29.º n.º 1, al. i), da LAL.

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existem muitos outros onde existe a possibilidade de apresentar uma emenda que deverá ser

posteriormente votada, o que constitui, como se pode constatar, uma importante prerrogativa359.

2. Patologias e desafios Recordemos os pontos essenciais até aqui traçados: verificámos que as autarquias têm

como atribuição primordial a prossecução do Interesse público, no qual o órgão deliberativo

desempenha uma função crucial, seja por via das suas funções de acompanhamento e

fiscalização da atividade exercida pela câmara, seja pela aprovação das suas propostas.

Ora, não obstante o importante papel que lhe é atribuído por via constitucional e legal,

dissemos que António Cândido de Oliveira e Vital Moreira apontam, em termos práticos, um

menosprezo da assembleia na vida político-administrativa municipal, nos termos da qual “(…)

chega a ser encarada como um mal necessário: necessário porque está prevista na Constituição

e na lei e, portanto, tem que se cumprir o que se diz nos preceitos desses diplomas. Ela, nessa

conceção, pouco passa de um órgão tolerado ao qual se pede que cumpra o que é estritamente

obrigatório e que atrapalhe pouco”360. Tal sucede porque há uma tendência de se atribuir a

responsabilidade da gestão do município ao presidente, assim, no plano fáctico, este ocupa um

lugar central e detém o efetivo poder do município, razão pela qual se verifica “(…) um claro

presidencialismo municipal”361.

Acresce que, tal como constatámos ao longo do segundo capítulo, a grande maioria dos

municípios atravessa uma situação financeira difícil, devido à conjugação de vários fatores a que

acima fizemos referência.

Assim, e atento o extenso leque de competências atribuídas às assembleias municipais,

cremos que muitos destes problemas poderiam ser resolvidos. Desde logo, as questões

atinentes à sua própria afirmação enquanto órgão deliberativo. De facto, a constatação pela

doutrina de que se trata de um órgão meramente acessório na organização administrativa local

359 Assim, COSTA, José Manuel Cardoso da, “Assembleias municipais: um órgão dispensável?”, in António Cândido de Oliveira (coord.), As Assembleias Municipais e a Reforma do Poder Local – Actas do Seminário do dia 26 de Maio de 2012, Mirandela, NEDAL, 2013, p. 87 e 88. 360 V. OLIVEIRA, António Cândido de, “Sobre a indispensabilidade das assembleias municipais”, in António Cândido de Oliveira (coord.), As Assembleias Municipais e a Reforma do Poder Local – Actas do Seminário do dia 26 de Maio de 2012, Mirandela, NEDAL, 2013, p. 68 e 69. 361 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, As Assembleias Municipais Precisam de Reforma: diário da Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão – 2002 a 2005, CEJUR, 2006, p. 7 e 8. V. ainda, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 296.

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evidencia algumas patologias no seu funcionamento, o que afeta, de modo inevitável, o

proveitoso e conveniente exercício da atividade financeira.

Verificados os problemas e as suas graves implicâncias cumpre agora avançar com uma

dimensão prospetiva, no sentido de apontarmos algumas soluções ou pontos de melhoria.

Neste sentido, torna-se essencial recorrer aos contributos do Direito comparado, cuja

análise incidirá especificamente no modo de articulação entre os órgãos do poder local em

outras ordens jurídicas, com vista a aferir eventuais pontos de contacto, de divergência, e daí

retirar conclusões, avaliando a possibilidade de transpor algumas ideias para o nosso

ordenamento.

Deste modo, devido à proximidade geográfica e a diferença de regimes entre si,

selecionámos os ordenamentos espanhol, francês e italiano.

2.1 - Análise de Direito Comparado

2.1.1 Espanha - modelo parlamentar

Do ponto de vista da organização territorial, a ordem jurídica espanhola é constituída por

municípios, províncias e comunidades autónomas362. Para o que aqui nos interessa e por

questões de facilidade expositiva, far-se-á apenas referência à organização e funcionamento dos

municípios.

Nestes termos, o órgão deliberativo municipal é o pleno del ayuntamiento. A sua

composição resulta da eleição através de sufrágio universal, sendo o número de membros

proporcional ao número de habitantes do município e, uma vez contados os votos segundo o

método de Hondt, as listas que obtenham menos de 5 % da preferência dos eleitores não

ocupam lugar no pleno363.

Este órgão integra grupos políticos e grupos mistos. Consoante as possibilidades de

cada município, os grupos municipais beneficiam de infraestruturas equipadas com meios

humanos e materiais que lhes proporciona um melhor desempenho das suas funções. A este

respeito, é importante referir a existência de comissões permanentes nos municípios com mais

de 5 000 habitantes. Estas comissões são constituídas de forma proporcional ao número de

membros dos grupos municipais e têm como função consultar e estudar os assuntos que serão

362 Cfr. art. 3.º da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local, disponível em www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1985-5392. 363 Cfr. art. 22.º da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. V. ainda, BERMEJO VERA, José, Derecho Administrativo Básico – Parte General, 9.ª Ed., Thomson Reuters, 2009, p. 164 e ss.

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submetidos a debate perante o órgão deliberativo, bem como acompanhar e auxiliar a gestão do

município364.

Por sua vez, o alcalde (que encabeça uma das listas que concorreu às eleições para a

assembleia representativa) forma o órgão executivo individual, é auxiliado pela junta de gobierno

local e eleito pelo pleno. Pelas funções que exerce assemelha-se à figura do presidente da

câmara na ordem jurídica portuguesa, contudo, este integra e preside ao órgão deliberativo, bem

como à junta de gobierno e às comissões permanentes. O alcalde é responsável perante o órgão

deliberativo e pode ser destituído por este, mediante uma moção de censura subscrita pela

maioria absoluta do número de membros do pleno. Do mesmo modo, pode ter de cessar

funções caso não seja aprovada uma moção de confiança que este apresente. Neste caso, a

eleição de um novo alcalde cabe à assembleia representativa365.

Quanto a este aspeto, deve ser referido que tanto na votação da moção de censura

como na moção de confiança, o alcalde vota a decisão, o que torna pouco nítida a separação

entre os órgãos executivo e deliberativo.

No se que refere à junta de gobierno local esta só é constituída nos municípios com

mais de 5 000 habitantes ou de número inferior, mas que o regulamento interno dos municípios

assim o prescreva366. Este órgão tem como funções auxiliar o alcalde (este por sua vez, tem o

poder de o eleger e destituir, justificando posteriormente tais atos perante a assembleia). Assim,

a junta de gobierno não tem competências próprias, mas pode exercer as que lhes sejam

eventualmente delegadas, e ainda substituir o alcalde caso este se encontre temporariamente

impossibilitado, por exemplo, por doença367.

Uma vez exposto o modo de funcionamento e articulação entre os órgãos do município,

importa referir quais as competências financeiras atribuídas ao órgão deliberativo municipal,

tema nuclear do presente estudo. No que a este particular respeita, são competências do pleno

del ayuntamiento a aprovação e alteração dos regulamentos municipais, a determinação dos

recursos próprios de caráter tributário, aprovação dos Orçamentos municipais, a autorização de

gastos nas matérias da sua competência, a determinação das formas de gestão dos serviços,

364 V. GAMERO CASADO, Eduardo; FERNÁNDEZ RAMOS, Severino, Manual Básico de Derecho Administrativo, 5.ª Ed., Tecnos, 2008, p. 215 e ss. 365Cfr. art. 19.º, 21.º e 123.º, n.º 1, al. b), da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. Ainda neste sentido, MOREY RUAN, Andrés, Lecciones de Derecho Administrativo, Fundación Universitaria San Pablo C.E.U., 1998, p. 130. 366 Cfr. art. 20.º, n.º 1, al. b), da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. 367 Assim, GAMERO CASADO, Eduardo; FERNÁNDEZ RAMOS, Severino, Manual Básico de Derecho Administrativo, 5.ª Ed., Tecnos, 2008, p. 226 e 227.

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bem como o acordo de criação de organismos autónomos, de entidades públicas empresariais e

sociedades mercantis para a gestão dos serviços de competência municipal e a aprovação dos

expedientes de municipalização368.

Porém, a gestão económica e financeira obedece a determinados critérios constantes no

artigo 133.º, da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local, que

são prosseguidos por órgãos especialmente determinados para o efeito, como o órgão de gestão

económico-financeira e orçamental que se ocupa das funções orçamentais, de contabilidade e

tesouraria369, ou o órgão de gestão tributária, criado pelo pleno nos municípios de grande

população, para exercer como próprias as competências que a legislação tributária atribui à

administração tributária local370. Acresce que, a função de controlo e fiscalização interna da

gestão económico-financeira e orçamental é exercida por um órgão administrativo denominada

de Intervención general municipal. Este órgão é dotado de plena autonomia em relação aos

órgãos e entidades municipais e cargos diretivos cuja gestão fiscaliza, e tem acesso completo à

contabilidade e a todos os documentos necessário ao exercício das suas funções371. Para além

deste, existe ainda um outro órgão especializado que se encarrega da resolução das

reclamações económico-administrativas e cujos membros são designados pelo pleno372.

2.1.2 França - modelo parlamentar imperfeito

A estrutura político-administrativa da ordem jurídica francesa compreende os

departamentos, regiões e municípios.

No que se refere à organização do poder nos municípios, os eleitores através de sufrágio

universal elegem como órgão deliberativo o conseil municipal, composto por um número de

membros proporcional ao número de habitantes373.

Porém, nos municípios com mais de 3 500 habitantes, a eleição dos membros é feita

por escrutínio de lista que em combinação com o modelo proporcional assegura que fique

sempre garantida a representação das minorias. Por sua vez, nos municípios com menos de 3

500, os membros do órgão deliberativo são eleitos na primeira volta aqueles que obtiverem

368 Cfr. art.º 123.º, n.º 1, al.s d), g), h), k), da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. 369 Cfr. art.º 134.º, n.º 1, da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. 370 Cfr. art.º 135.º, n.º 1, da da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. 371 Cfr. art.º 136.º, da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. 372 Cfr. art.º 137.º, n.º 1 e n.º 4, da Ley n.º 7/1985, de 2 de abril, reguladora de las Bases del Régimen Local. 373 Cfr. art.º 2121-2, Code Général des collectivités territoriales, disponível em www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?idSectionTA=LEGISCTA000006180962&cidTexte=LEGITEXT000006070633&dateTexte=20170612. V. ainda, CHAPUS, Réne, Droit Administratif Général, Tome 1, 15.ª Ed., Montchrestien, 2001, p. 282.

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maioria absoluta (tendo necessariamente de ter participado na votação pelo menos ¼ dos

eleitores inscritos). Se se verificar a necessidade de realizar uma segunda volta, serão eleitos os

candidatos que alcançaram maior número de votos374.

A este respeito importa referir que os municípios de Lyon, Marselha e Paris gozam de

um estatuto especial e, por essa razão, o número de membros da assembleia é maior375.

Ainda no que respeita à constituição do órgão deliberativo, podem nele ser integrados

grupos municipais. Para além disso, nas assembleias representativas podem existir commissions

municipales (permanentes ou temporárias) que assumem funções de auxiliar e dar pareceres ao

maire376.

O conseil municipal ocupa-se de inúmeras funções de diversa natureza. No que

particularmente respeita às competências em matéria financeira, goza da possibilidade de emitir

pareceres sempre que seja exigido pela lei ou solicitado pelo representante do Estado no

departamento. Para além disso, decide sobre a criação e implementação de escolas primárias e

jardins de infância de educação pública e, após consulta do representante do Estado no

departamento, aprova a conta administrativa que é anualmente apresentada pelo maire377. Estas

constituem competências comuns a todos os órgãos deliberativos municipais, para além destas,

existem diferentes atribuições consoante o município em questão e as suas características.

Quanto ao órgão executivo do município, as funções concentram-se apenas na pessoa

do maire. Este é eleito pela assembleia representativa e não pode ser destituído, o que diminui a

sua responsabilidade política. Tal como os membros do órgão deliberativo, o maire é eleito por 6

anos e pode ser reeleito378.

As funções por si exercidas resumem-se em executar as deliberações das assembleias,

para além disso, é responsável pela organização dos serviços municipais. A realização de tais

atribuições conta com a colaboração dos adjoints (vereadores) que são eleitos pela assembleia

374 V. neste sentido, GAUDEMET, Yves, Droit Administratif, 18.ª Ed., L.G.D.J., 2005, p. 223 e ss. 375 Cfr. Loi n.º 82-1169 du 31 décembre, 1982, disponível em www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000880033. 376 Assim, LOMBARD, Martine; DUMONT, Gilles, Droit Administratif, 6.ª Ed., Dalloz, 2005, p. 149 e ss. E ainda, SAUTEL, Gérard, Histoire des institutions publiques depuis la Révolution Français, Sixie édition, Dalloz, 1985, p. 517. 377 Cfr. art.º L2121-29 a L2121-32, Code Général des collectivités territoriales. 378 V. BOURDON, J., PONTIER, J. M., RICCI, J. C., Droit des collectivités territoriales, Presses U. F, Thémis Droit, 1987, p. 389 e ss.

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de forma idêntica à do maire, formando, assim, o municipalité. Os vereadores não têm poderes

deliberativos, colaboram com o maire (embora este lhes possa delegar determinadas funções)379.

Para fazer face à incapacidade de os pequenos municípios cumprirem determinadas

tarefas de interesse para as comunidades locais, foi criada a intercomunalité que assumiu

variadas formas de associativismo municipal.

2.1.3 Itália - modelo presidencial misto

Baseada nas ideias da Revolução francesa, a estrutura político-administrativa da ordem

jurídica italiana divide-se em províncias e municípios, e ambas têm como função a prossecução

do interesse da população local e administração periférica do Estado380.

Em termos de funcionamento, até 1993 operava um sistema onde não havia uma clara

distinção entre o órgão deliberativo e executivo, o que não raras vezes desencadeou crises de

governação local. Para fazer face a esta situação, principiaram-se importantes alterações381. Com

efeito, tanto o órgão deliberativo (consigli comunali) como o executivo individual (sindaco)

passaram a ser diretamente eleitos através de sufrágio universal.

Quanto ao consigli comunali, é constituído por um número de membros variável entre

12 e 60 (consoante o número de habitantes), e pelo sindaco382.

Nos municípios até de 15 000 habitantes, a eleição dos membros do órgão deliberativo

é realizada através do sistema maioritário, sendo que o candidato a cargo de sindaco está

vinculado a uma lista de candidatos à assembleia. A lista mais votada ocupa 2/3 dos lugares da

assembleia, os restantes são preenchidos de forma proporcional entre as demais listas383.

Por sua vez, nos municípios com mais de 15 000 habitantes, a eleição dos membros do

órgão deliberativo é feita através do sistema proporcional. Nestes casos, existe um presidente

próprio da assembleia que se encarrega de dirigir os trabalhos aí desenvolvidos384.

No que respeita às competências desempenhadas pelo órgão deliberativo municipal,

cumpre referir que, de um modo geral, os seus membros têm o direito de obter dos serviços,

todas as notícias e informações úteis para o desenvolvimento das suas funções, bem como

379 Cfr. art.º L2121-1 e L2121-14, Code Général des collectivités territoriales. V. ainda, MOREY RUAN, Andrés, Lecciones de Derecho Administrativo, Fundación Universitaria San Pablo C.E.U., 1998, p. 133 e ss. 380 V. VANDELLI, Luciano, Il sistema delle autonomie locali, Il Mulino, 2004, p. 12. 381 Designadamente com a Lei n.º 142/90. 382 Cfr. art.º 1, Legge 25 marzo, 1993, n.º 81, disponível em www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?urn:nir:stato:legge:1993-3-25;81 e ainda art.º 1, Legge 15 ottobre, 1993, n.º 415, disponível em www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?urn:nir:stato:legge:1993-10-15;415. 383 Assim, STADERINI, Francesco., Diritto degli enti locali, 12.ª Ed., Variatta e Aggionarta, 2009, p. 312 e ss. 384 V. Idem, Ibidem, p. 313.

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gozam do direito de apresentar questões e moções385. Especificamente em matéria financeira, o

consigli comunali delibera nos assuntos respeitantes aos planos para o futuro e relatórios

programáticos, planos e programas de obras públicas, Orçamentos anuais e plurianuais e

variações relacionadas, contas finais, territorial e planeamento urbano, execução financeira dos

programas anuais e multi-anuais pela sua execução financeira, obtenção direta de serviços

públicos, o estabelecimento de instituições e agências especiais, a concessão de serviços

públicos, a participação das autoridades locais na sociedade de capitais, a instituição e a

ordenação dos tributos, a disciplina geral das tarifas de uso de bens e serviços, a contração de

empréstimos e emissão de obrigações, despesas que comprometem os Orçamentos para os

anos seguintes, excluindo as relativas à locação de imóveis e administração e fornecimento de

bens e serviços em uma base contínua, bem como a compra e venda de imóveis386.

No que concerne ao órgão executivo individual, como se referiu, este cargo é ocupado

pelo sindaco que, regra geral, só pode ser eleito por dois mandatos. A ele cabe representar o

município, averiguar o funcionamento, direção e controlo dos serviços. Para além disso, o

sindaco pode escolher um secretário, sendo que nos municípios de maior dimensão existe um

diretor geral que se ocupa das funções de gestão, e um secretário-geral que se encarrega das

questões jurídicas e administrativas387.

Este órgão individual pode ser destituído através de uma moção de censura que deve ser

proposta por pelo menos 2/5 dos membros da assembleia, e aprovada pela maioria absoluta.

Caso seja aprovada não só o sindaco é destituído como a assembleia é dissolvida, circunstância

em que é nomeado um comissário para gerir provisoriamente o município até à realização de

novas eleições388.

Por sua vez, o órgão executivo colegial (giunta comunale), que pelas suas características

se assemelha à câmara municipal na ordem jurídica portuguesa, é um órgão de colaboração do

sindaco na tarefa de administrar o município. Em termos de composição, é constituída pelo

sindaco que a ela preside, e tem o poder de nomear e destituir os vereadores, que também

385 Cfr. art.º 31, n.º 5 e 6, Legge 8 giungo, 1990, n.º 142, disponível em http://www.comune.jesi.an.it/MV/leggi/l142-90.htm. 386 Cfr. art.º 32.º, n.º 2, Legge 8 giungo, 1990, n.º 142. 387 Cfr. VANDELLI, Luciano, Il sistema delle autonomie locali, Il Mulino, 2004, p. 15. 388 Assim, VIRGA, Pietro, L`amministrazione locale, 2.ª Ed., Guiffrè, 2003, p. 115.

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integram o executivo. Uma vez mais, o número de vereadores é proporcional ao número de

membros da assembleia389.

Do cotejo entre estas ordens jurídicas, pode se dizer, de um modo muito geral, que a

estrutura político-administrativa portuguesa apresenta maior semelhança com o modelo italiano,

dado que em ambos existe a eleição direta dos órgãos deliberativo e executivo, embora a moção

de censura existente no nosso ordenamento não permita destituir o executivo. O mesmo sucede

ao nível das competências em matéria financeira, atento que o consigli comunali desempenha

tarefas semelhantes às que são atribuídas às assembleias municipais, o que não sucede de

forma tão clara na ordem jurídica de Espanha onde existe uma divisão das matérias a tratar por

diversos órgãos.

A este propósito, importa notar que na ordem jurídica portuguesa o órgão deliberativo

municipal é eleito por sufrágio universal que corresponde a uma particularidade dos sistemas

parlamentares, porém, o presidente da câmara é eleito também diretamente pelos eleitores, o

que constitui um dos principais elementos do sistema presidencial390. De todo o modo, em

termos jurídicos, é de salientar no nosso ordenamento uma separação de poderes e uma clara

delimitação de competências, não obstante ser ainda necessária a concretização legal de

determinados aspetos, interessa reter alguns tópicos essenciais a que voltaremos de futuro: os

efeitos da moção de censura, o modo de elegibilidade dos órgãos municipais e a existência de

grupos de apoio ao executivo.

2.2 - Propostas de melhoria

Após a referência à articulação entre o órgão deliberativo e o executivo em outras ordens

jurídicas, retomemos a análise no nosso ordenamento. Para o que aqui nos interessa, é de fixar

a ideia de que a assembleia constitui o órgão máximo do município, e deve representar o povo

que a elegeu, mediante a deliberação sobre os assuntos essenciais à autarquia e o

acompanhamento da execução dos mesmos. É certo que a câmara assume grande importância,

389 Cfr. SOUSA, António Francisco de, Direito Administrativo das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Luso Livro, 1992, p. 96 e 97. 390V. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal,

Almedina, 2003, p. 204

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uma vez que elabora as propostas, todavia, só pode concretizar aquelas que vir aprovadas pelo

órgão deliberativo391.

Assim sendo, exige-se que tanto a câmara como a assembleia sejam rigorosas e

exigentes na elaboração e na aprovação das propostas, respetivamente. O desentendimento

entre os dois órgãos não é conveniente para o município, contudo, a concordância não deve ser

conseguida de qualquer forma, a assembleia não pode aprovar todas as propostas para não

entrar em desacordo, deve sim analisar e aprovar as que são, no seu entendimento, úteis e boas

propostas e deve garantir que sejam devidamente executadas392. Neste aspeto, e a título

meramente exemplificativo, se o recurso às receitas creditícias tem de ser efetuado com as

devidas precauções devido aos compromissos futuros que envolve, as assembleias têm de

sopesar todos os condicionalismos a eles inerentes, bem como a situação financeira envolvente

e só depois decidir aprovar ou não a proposta apresentada pela câmara.

Contudo, verifica-se um distanciamento entre a estrutura jurídico-constitucional e a

realidade prática393. De facto, as normas jurídicas que constituem a Lei fundamental revelam

direito quotidianamente interpretado e representam a fonte de direito superior de todo o

ordenamento. Porém, tal só é possível se a comunidade se identificar nos preceitos

fundamentais que ela consagra, deste modo, é essencial a correspondência entre a realidade, as

necessidades sentidas pela sociedade e a resposta que as normas jurídicas constitucionais

encerram. Este fator, constitui o ponto legitimador da CRP, sem o qual a mesma não tem

efetividade394.

Porque assim é, e face à reduzida importância que as assembleias assumem na gestão

autárquica no plano fáctico, parte da doutrina discute hodiernamente a necessidade deste órgão,

defendendo a doutrina maioritária a sua extinção e a agregação das funções por si desempenhas

num só. Em nossa opinião, uma solução que passe por concentrar os poderes é um expediente

perigoso para a democracia local. Em qualquer modelo de organização político-administrativa é

necessário um órgão que proponha e execute as medidas que pretende ver tomadas no âmbito

da prossecução das suas tarefas, mas também um outro órgão interno que possa orientar e

391 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, As assembleias municipais em Portugal: a Constituição, a democracia e a realidade”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 07 Julho/ Setembro, 2015, p. 34. 392 Assim, Idem, Ibidem, p. 23. 393 V. Idem, Ibidem, p. 17. 394 Cfr. AMARAL, Maria Lúcia, A Forma da República: Uma Introdução ao Estudo do Direito Constitucional, Coimbra Editora, 2012, p. 93 e 101.

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supervisionar as atuações do primeiro. Desta forma, garante-se uma maior participação e

fiscalização nos assuntos de maior interesse para as comunidades locais.

Assim, cremos que se trata de um órgão essencial na estrutura político-administrativa de

qualquer Estado democrático, contudo, é importante que funcione de modo adequado, por

forma a coartar determinados erros de gestão que têm sido prática corrente ao longo dos anos e

que conduziram os municípios a uma situação financeira desequilibrada.

O debate em torno dos problemas de funcionamento dos órgãos das autarquias tem

vindo a ser largamente discutido. Sobre este assunto a doutrina tem apontado algumas

imperfeições, desde logo, quanto à composição das assembleias municipais. Se por um lado se

defende que esta deverá ser mais homogénea, de modo a impedir que os membros da oposição

possam formar maioria dentro do órgão395, por outro lado, existe quem reconheça vantagens

desta heterogeneidade, na medida em que ela resulta da representação proporcional que está

estabelecida e é benéfica, uma vez que permite despartidarizar a gestão autárquica396. Para além

disto, a presença dos presidentes da junta na composição das assembleias municipais, bem

como o excessivo número de membros são outras das preocupações que têm sido tema de

debate entre a doutrina.

Estas questões assumem uma importância inegável, na medida em que representam

contributos para um melhor funcionamento das assembleias e, necessariamente, também o

tratamento das matérias de natureza financeira sairá beneficiado, todavia, trataremos apenas os

pontos que podem convergir de forma direta no domínio financeiro da atividade municipal.

2.2.1 - Instrumentos de melhoria dos trabalhos da assembleia

Em primeiro lugar, no que concerne aos trabalhos desenvolvidos pelo órgão deliberativo

municipal, acompanhamos António Cândido de Oliveira quando defende que o exercício de

funções autárquicas implica o conhecimento em determinadas matérias como contratação

pública, finanças, urbanismo, entre outras, motivo pelo qual dever-se-ia apostar numa formação

dos eleitos locais que melhor os capacite no tratamento de alguns assuntos com que se

deparam397.

395 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p. 150. 396 V. Neste sentido, COSTA, José Manuel Cardoso da, “Assembleias municipais: um órgão dispensável?”, in António Cândido de Oliveira (coord.), As Assembleias Municipais e a Reforma do Poder Local – Actas do Seminário do dia 26 de Maio de 2012, Mirandela, NEDAL, 2013, p. 86. 397 V. OLIVEIRA, António Cândido de, “O funcionamento das assembleias municipais em Portugal”, Direito Regional e Local, n.º 07, Julho/ Setembro, 2009 p. 35.

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Por outro lado, e ainda numa lógica de apoio ao melhor desempenho da atividade

financeira dos entes locais, embora o art.º 31.º da LAL preveja a existência de grupos de apoio

às assembleias, António Cândido de Oliveira defende a criação de comissões permanentes, cuja

inovação se traduz no facto de estarem organizadas por áreas de governação, sendo assim,

especializadas, por exemplo, em matéria financeira precisamente por se tratar de um domínio

que implica alguma complexidade no tratamento, facilitando a tarefa dos membros das

assembleias, à semelhança do que sucede nas ordens jurídicas francesa e espanhola398.

2.2.2 - Reforço de competências

Não obstante a constatação supra das inúmeras competências desempenhadas pelas

assembleias, com vista a aumentar a importância fáctica deste órgão na estrutura político-

administrativa, é nosso entendimento que se deveriam incluir duas importantes prerrogativas no

leque competencial. Em primeiro lugar, a possibilidade de introduzir alterações nos documentos

previsionais. Trata-se, em suma, de exercer o direito de emenda que, como se referiu, se

encontra vedado a determinadas matérias. Deste modo, o órgão deliberativo não ficava

pressionado a aprovar, por exemplo, o Orçamento qualquer que seja o seu conteúdo, para não

paralisar a atividade do executivo.

Atentemos agora numa segunda questão de grande importância. Como se referiu

anteriormente, a assembleia pode votar moções de censura ao órgão executivo, mas tal

prerrogativa não comporta a sua destituição, tem um mero efeito de censura política. Tal sucede

porque o presidente da câmara é eleito diretamente pelo povo, o que lhe confere uma igual

legitimidade face às assembleias municipais, não obstante aquele ter de responder perante

estas399.

Este regime é distinto do que a CRP prevê para a eleição do órgão executivo da freguesia

e da região administrativa, casos em que é a respetiva assembleia a nomear a composição da

câmara.

Na verdade, esta diferenciação injustificada tem sido entendida pela doutrina como um

fator que desestabiliza o funcionamento da atividade municipal e que propicia a sua

presidencialização, devido à inexistência de responsabilidade política do executivo perante o

398 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Revista das Assembleias Municipais, AEDRL, n.º 01, Janeiro/Março, 2017, p. 13. 399 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, As Assembleias Municipais Precisam de Reforma: diário da Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão – 2002 a 2005, CEJUR, 2006, p. 10.

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órgão deliberativo e, em consequência, a desconsideração deste400. Em termos concretos, a

ausência do poder de destituição pode funcionar como uma limitação para a assembleia caso,

por exemplo, a câmara municipal desrespeite o órgão deliberativo este não tem forma de impor

a sua autoridade. Assim sendo, partilhamos do entendimento de António Cândido de Oliveira e

Vital Moreira que sustentam que os efeitos da moção de censura devem ser alterados por forma

a poder destituir o executivo (mesmo que este continue a ser eleito diretamente), permitindo

uma responsabilidade política da câmara municipal perante a assembleia, e não apenas um

controlo baseado na prestação de contas401. Ora, para que tal seja possível a CRP exige uma lei

aprovada por maioria qualificada na Assembleia da República, o que ainda não sucedeu, não

obstante uma tentativa nesse sentido, em 2013. A este propósito, o art.º 252.º, da CRP, na

redação que lhe foi dada com a revisão constitucional de 1997, termina com a imposição da

eleição direta do órgão executivo, contudo, não impede que assim seja, o que tem sucedido em

termos práticos402.

De todo o modo, e pelos motivos acima expostos, torna-se fulcral a implementação de

um efetivo controlo político da câmara perante a assembleia municipal.

2.2.3 - Participação dos munícipes na tomada de decisão

Tal como é entendimento pacífico entre a doutrina, o bom funcionamento dos órgãos

municipais passa pela participação dos munícipes na tomada de decisão. De facto, para além do

reforço democrático e da cidadania, com a comunicação entre administrados e administração

ganha a autarquia, uma vez que nela se reflete o sucesso ou insucesso da atividade financeira

local.

Neste sentido, e como resulta da CRP, é importante assinalar que a presença de um

sistema democrático representativo não implica um afastamento da participação das

comunidades locais nas decisões que lhes dizem respeito403. Aliás, a população constitui uma

fonte de informação dos problemas do município e, em simultâneo, com a sua cooperação é

400 V. neste sentido, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 289. 401 Cfr V. neste sentido, Idem, Ibidem, p. 289 e ss. V. ainda, OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p. 128. 402 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, As assembleias municipais em Portugal: a Constituição, a democracia e a realidade”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 07 Julho/ Setembro, 2015, p. 19. 403 Cfr. art.ºs 2.º, 48.º, 109.º, e 267.º n.º 1, da CRP.

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alargado o conjunto de soluções, proporcionando uma maior transparência, reforço das relações

de confiança e maior responsabilidade governativa404.

Deste modo, um dos instrumentos criados em matéria financeira no nosso ordenamento

jurídico no sentido da aproximação aos munícipes, e que nos parece muito positivo, são os

orçamentos participativos, onde as comunidades discutem a afetação dos recursos disponíveis e

as prioridades de investimento dos mesmos405.

Para além deste, parte da doutrina entende que a população tem ao seu dispor um

outro instrumento de participação democrática: a ação popular financeira, nos termos do art.º

20.º, n.º 1 e art.º 52.º, n.º 3, da CRP, atento o facto de estarem em causa interesses difusos,

presentes na defesa da legalidade financeira406.

Contudo, contrariamente ao que parece ser o intento constitucional, o art.º 89.º, da

LOPTC determina de forma taxativa quais as entidades com legitimidade para propor uma ação

com vista à efetivação de responsabilidades financeiras (órgãos da administração ou o Ministério

Público), sendo que na redação do mencionado preceito legal não constam os grupos de

comunidades locais ou os cidadãos individualmente considerados, coartando, assim, a

possibilidade de utilização de tal instrumento.

Ora, a este propósito entendemos que à semelhança do que sucede em Espanha com a

acción pública contable407 que o povo, enquanto titular de soberania e principal interessado na

boa administração dos recursos públicos, deveria ter à sua disposição um mecanismo de tutela

de legalidade financeira local.

Ainda no que respeita à participação popular na reivindicação da boa gestão exercida ao

nível municipal, cumpre indagar sobre a possibilidade de um particular lançar mão dos

instrumentos de processo administrativo para paralisar e responsabilizar a atuação

administrativa, averiguando, por exemplo, se é possível obter a responsabilização de uma

assembleia municipal ou de um município por ter utilizado um Orçamento ilegal, no sentido em

que este documento evidenciava um claro desrespeito pelos critérios jurídicos de economia,

eficiência e eficácia e, por isso, desastroso para a gestão financeira do município.

404 V. OLIVEIRA, António Cândido de, A Democracia Local (Aspectos Jurídicos), Coimbra Editora, 2005, p. 27 e ss. 405 Cfr. COSTA, Paulo Nogueira da, O Tribunal de Contas e a Boa Governança. Contributo para uma Reforma do Controlo Financeiro Externo em Portugal, Coimbra Editora, 2014, p. 247 e ss. 406 Assim, SOUSA, Miguel Teixeira de, A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos, Lex, 2003, p. 29. 407 Cfr. art.º 56.º da Ley de Funcionamiento del Tribunal de Cuentas.

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Como estamos na presença de uma pretensão que tem por referência normas

regulamentares, são excluídos desta análise determinados meios processuais, designadamente

aqueles cujas pretensões têm subjacente um ato administrativo.

Deste modo, sempre que uma norma regulamentar lesa de forma direta os

destinatários, pode ser pedida a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral por quem

seja prejudicado pela aplicação da norma, pelas pessoas e entidades referidas no art.º 9.º, n.º 2,

pelo Ministério Público, ou pelos presidentes dos órgãos colegiais, desde que a sua aplicação

tenha sido recusada por qualquer tribunal, em três casos concretos, com fundamento na sua

ilegalidade408.

Quanto à tempestividade de tal pretensão, resulta do disposto no art.º 74.º, n.º 1 do

CPTA que “(…) a declaração de ilegalidade de normas pode ser pedida a todo o tempo”.

Uma vez declarada a ilegalidade da norma pelo Tribunal Constitucional, é determinada a

eliminação da respetiva norma da ordem jurídica, com os efeitos repristinatórios e retroativos

constantes no art.º 76.º, do CPTA.

Tendo em consideração estas caraterísticas, este instrumento não se afigura adequado a

satisfazer a pretensão enunciada. Em primeiro lugar, porque obriga à existência de três decisões

de desaplicação das normas regulamentares junto dos tribunais administrativos com

fundamento em ilegalidade, o que evidencia um desajuste entre aquilo que se pretende que

possa ser uma ação utilizada pela coletividade. O segundo motivo prende-se com os efeitos

jurídicos que advêm de tal ação, como sejam a repristinação das normas, o que não se concebe

na circunstância de se questionar determinado Orçamento anos depois da sua utilização.

Uma vez excluída esta possibilidade, atentemos agora na hipótese de utilizar a intimação

para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista nos art.ºs 109.º a 111.º, do CPTA.

Antes de mais, importa referir que estamos na presença de um mecanismo que se

integra nos processos de natureza urgente e pode ser requerido sempre que se imponha a

adoção de uma conduta indispensável para garantir o exercício de um direito, liberdade ou

garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar409.

Este processo de intimação abrange a proteção de todo e qualquer direito, liberdade ou

garantia e não apenas dos DLG´s pessoais constantes do art.º 20.º, n.º 5, da CRP410.

408Cfr. art.º 73.º, n.º 1, do CPTA. 409 Cfr. art.º 109, n.º 1, do CPTA. 410 V. neste sentido, ac. TCA-N, proc. n.º 1157/05 de 26 de janeiro de 2017, disponível em www.dgsi.pt.

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Assim sendo, esta ação poderá ter por fundamento direitos de natureza análoga aos

direitos, liberdades e garantias411, justificando-se a sua utilização para defender a captação e a

segurança das poupanças com base no art.º 101.º, da Lei fundamental. Quanto aos seus efeitos

jurídicos, esgotam-se na determinação, pelo juiz, à adoção de um comportamento num prazo

por si estipulado, sob pena do pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, sem prejuízo

do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar412.

Ora, como se pode verificar, esta ação é adotada em situações excecionais,

determinadas pela urgência de assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade ou

garantia. Assim sendo, o momento para paralisar os efeitos de um documento previsional

autárquico depende da aprovação da assembleia municipal, altura em que se torna definitivo, o

que vale por dizer que só poderá ser questionado jurisdicionalmente quando estiver em

execução (o que poderá desorientar a gestão durante o horizonte temporal ao qual o documento

se refere, mas que não deve ser para já excluída) ou após esse momento (sendo que nesta

circunstância, tal instrumento perde o efeito útil, dada a sua natureza urgente, o mesmo se

justificando para a não utilização dos processos de natureza cautelar previstos nos art.ºs 112.º a

134.º, do CPTA).

Uma terceira possibilidade, no âmbito da jurisdição administrativa poderá ser a que

resulta da al. h), do n.º 1, do art.º 4.º, do ETAF, atinente ao Regime da Responsabilidade Civil

Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas413, que, em traços gerais, responsabiliza o

Estado e as demais pessoas coletivas de direito público pelos danos que os titulares dos órgãos,

funcionários ou agentes possam causar no exercício da função administrativa e por causa desse

exercício, da qual resulta a obrigação de indemnizar, sem prejuízo do direito de regresso414.

Porém, de acordo com as características deste instrumento torna-se forçoso concluir que

não é apropriado, atenta a impossibilidade de concretizar a sanção estabelecida, que seria, in

casu, indemnizar todos os munícipes, enquanto principais lesados pela aprovação e utilização de

um Orçamento ilegal.

Assim sendo, e face aos constrangimentos acima expostos, verifica-se inexistir, no

âmbito da jurisdição administrativa, um tipo de ação adequada à pretensão em causa.

411 Cfr. art.º 17.º, da CRP. 412 Cfr. art.º 111.º, n.ºs 2 e 4, do CPTA. 413 A que se aplica subsidiariamente o disposto na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. 414 Cfr. art.º 37.º, n.º 1, al. k), do CPTA e art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

Page 129: repositorium.sdum.uminho.ptrepositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/50295/1...1 A Constituição da República Portuguesa bem o defende, desde logo no art.º 235.º. 2 Cfr. OLIVEIRA,

111

Todavia, importa notar que não existe atualmente no ordenamento jurídico português um

regime de tipicidade quanto às pretensões que podem ser apresentados perante os tribunais

administrativos, desde que respeitem o seu âmbito de jurisdição, sendo que os tipos de

pretensão que podem ser objeto de processo administrativo constantes do art.º 2.º, n.º 2, e do

art.º 37.º, n.º 1, do CPTA são meramente exemplificativos, vigorando uma atipicidade dos

pedidos admitidos em juízo415.

A este propósito consagra a CRP no art.º 20.º e no art.º 268.º, n.º 4, o direito a uma

tutela jurisdicional efetiva, que se traduz num direito fundamental de natureza análoga aos

direitos, liberdades e garantias, que assiste aos cidadãos de recorrerem à justiça para

defenderem os seus direitos e interesses legalmente protegidos.

No que particularmente respeita ao processo administrativo, em regra, é desencadeado

por pessoas singulares ou coletivas que, junto dos tribunais administrativos, alegam a ofensa de

um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido por parte de uma entidade pública

ou particular a quem foi confiado o exercício de poderes públicos.

Como se sabe, os tribunais administrativos e fiscais têm como função a apreciação da

legalidade das decisões administrativas, por sua vez, o Tribunal de Contas procede à fiscalização

da legalidade administrativa, porém, para efeitos diferentes da jurisdição administrativa. Na

verdade, tanto a CRP como a LOPTC atribuem ao Tribunal de Contas o controlo jurisdicional da

legalidade financeira pública, com incidência na atividade de gestão dos dinheiros públicos, cujo

incumprimento deve prevenir e sancionar416.

Ora, daqui resulta que a reivindicação, junto de um tribunal administrativo, de qualquer

direito ou interesse legalmente protegido com base na legalidade financeira pública

(independentemente de lhe corresponder uma pretensão típica ou atípica) não será acolhida por

pertencer à competência do Tribunal de Contas. Assim sendo, verifica-se que não obstante o

controlo que é exercido pelo Tribunal de Contas e a possibilidade de sindicar jurisdicionalmente

a legalidade da atuação administrativa, o ordenamento jurídico coarta a possibilidade de um

particular ou grupos de comunidades locais poderem, através de uma ação judicial, questionar a

legalidade da gestão financeira e assim obter a sua responsabilização, seja porque não é

possível utilizar a ação popular financeira junto do Tribunal de Contas por falta de legitimidade

ativa, seja porque os tribunais administrativos não se ocupam da legalidade financeira

administrativa.

415 Assim, ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2.ª Ed., Almedina, 2016, p. 68 e 69. 416 V. Idem, Ibidem, p. 177 e ss.

Page 130: repositorium.sdum.uminho.ptrepositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/50295/1...1 A Constituição da República Portuguesa bem o defende, desde logo no art.º 235.º. 2 Cfr. OLIVEIRA,

112

Deste modo, julgamos necessária uma alteração na lei, no sentido de destinar

especificamente aos particulares a possibilidade de propor uma ação contra os agentes públicos

sempre que as suas condutas sejam suscetíveis de lesar os interesses da coletividade e a boa

gestão dos dinheiros públicos, um pouco à semelhança do que sucede na ordem jurídica

brasileira, por via da Lei n.º 8.429/1992, que permite à coletividade socorrer-se da ação da

improbidade administrativa sempre que os agentes públicos desrespeitem as normas legais e

implica sanções como a perda do cargo, a suspensão de direitos públicos ou reposição de

dinheiros públicos417.

Importa lembrar que esta ação se distingue dos crimes de responsabilidade, atento que

aquela configura um ilícito de natureza civil, pese embora se verifiquem consequências no

domínio administrativo, enquanto que estes são considerados infrações político-administrativas e

só são possíveis enquanto o agente ocupar o cargo. Tratando-se de ações distintas, significa que

podem ocorrer em simultâneo418.

Assim sendo, e tendo presente a já mencionada acción pública contable em vigor na

ordem jurídica espanhola ou da lei da improbidade administrativa do sistema legal brasileiro,

falta no ordenamento jurídico português um meio jurisdicional ao dispor dos cidadãos que

pretendam questionar as atuações dos gestores públicos no âmbito do exercício da atividade

financeira, que tenha uma maior importância face aos únicos meios que atualmente lhes são

disponibilizados: o direito a remeter denúncias, queixas ou petições junto do Tribunal de

Contas419.

Ora, considerando que a jurisdição administrativa não se ocupa da legalidade financeira,

será oportuno que tal ação que se propugna possa ser interposta pelos particulares junto do

Tribunal de Contas, desde que seja alterada a redação do art.º 89.º, da LOPTC e passe conceder

legitimidade ativa aos particulares. Com vista a suprir ou desencorajar possíveis casos de

litigância de má fé, poder-se-ia prever uma sanção especialmente gravosa a aplicar nessa

eventualidade.

417 Cfr. Assim, MIRANDA, Gustavo Senna; ZENKNER, Marcelo, “Da Incidência da Lei de Improbidade Administrativa sobre as Condutas dos Perfeitos Municipais” in , Horácio Augusto Mendes de Sousa; Henrique Rocha Fraga, (coord.), Direito Municipal Contemporâneo: Novas Tendências, Editora Fórum, 2010, p. 198. 418 V., COSTA, Nelson Nery, Direito Municipal Brasileiro, 7.ª Ed., Editora Forense, 2015, p. 332 e ss. 419 Assim, CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 693.

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113

2.2.4 - Responsabilização dos entes locais

Por outro lado, mas na senda do que vimos dizendo, cremos que o controlo e a

responsabilização pelos atos de gestão assumem um papel essencial na atuação dos órgãos

autárquicos. É importante notar que o poder de atuação municipal está subordinado à

Constituição e à lei, e nessa medida, implica um contrapoder que se traduz numa racionalização

de escolhas e na necessidade de prestar contas no âmbito dos recursos financeiros que gerem

ou utilizam.

A este propósito, foi acima referido o modo de funcionamento do modelo de controlo

externo na ordem jurídica portuguesa, onde se mencionou a importância do Tribunal de Contas

na fiscalização da atividade financeira e na efetivação de responsabilidades. Trata-se de uma

verificação da conformidade das atuações com a lei que abrange um sentido amplo de

legalidade financeira, onde se incluem os fatores de eficiência, eficácia e economia de meios

como requisitos de boa gestão420.

Como se sabe, a atuação dos órgãos municipais tem como finalidade última a

prossecução das necessidades coletivas, assim sendo, elas têm não só o dever de administrar

os bens públicos, mas também o dever de bem administrar421. Com efeito, o ordenamento

português dispõe de um conjunto de normas legais que vinculam os municípios (e a

administração pública, em geral) ao cumprimento de critérios objetivos de boa gestão. Trata-se,

assim, de um dever jurídico pelo que o seu desrespeito constitui uma ilegalidade422.

Daqui resulta que quem gere ou utiliza dinheiros públicos tem o dever de provar que

bem os geriu ou utilizou, sob pena de incorrer em responsabilidade financeira (reintegratória ou

sancionatória), efetivadas pelo Tribunal de Contas e que vinculam os respetivos destinatários.

Pese embora as reformas adotadas quanto à organização e processo do Tribunal de

Contas terem contribuído para uma melhoria notória na realização das suas funções, ao nível da

efetivação das responsabilidades financeiras, existem algumas insuficiências que precisam de

ser colmatadas.

No que a este particular concerne, é importante que o ordenamento esclareça qual a

jurisdição competente na hipótese de um titular de um cargo público praticar um facto

constitutivo de responsabilidade civil, e em simultâneo, de responsabilidade financeira. A este

420 Assim, TAVARES, José, F. F., Estudos de Administração e Finanças Públicas, Almedina, 2004, p. 189 e ss. 421 V. CORREIA, Lia Olema F. V. J., “O dever de boa gestão e a responsabilidade financeira”, in AA.VV., Estudos

Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco, Vol. II, Coimbra Editora, 2006,

p. 795. 422 Assim, Idem, Ibidem, p. 811.

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114

respeito, a doutrina divide-se propugnando a possibilidade de existir um dever de reposição dos

dinheiros públicos na sequência da efetivação da responsabilidade financeira, com a obrigação

de indemnizar por danos causados ao Estado, nos termos da responsabilidade civil423. E, em

sentido diverso, e com base no disposto no art.º 214.º, n.º 1, da CRP, defendendo que a

jurisdição comum é subsidiária em relação ao Tribunal de Contas424, posição com a qual

concordamos devido à inequívoca imposição legiferante.

Para além disso, ainda sobre a responsabilização pela gestão financeira autárquica, é

nosso entendimento que uma forma de introduzir um maior rigor e cuidado, quer na aprovação

das propostas da câmara, quer na fiscalização exercida, passaria por introduzir, no âmbito da

responsabilidade sancionatória, uma especial sanção para o órgão deliberativo municipal sempre

que este aprovasse uma proposta do executivo que viole normas legais ou regulamentares sobre

a elaboração ou execução do orçamento, autorização ou pagamento de despesas públicas

relativas à gestão de tesouraria ou de património, etc. Em suma, normas que são contrárias à

boa gestão financeira autárquica.

Na verdade, tais sanções encontram fundamento no facto de se tratar do órgão máximo

do município, com uma responsabilidade acrescida por fiscalizar ele próprio a atividade do

executivo e apreciar as principais medidas financeiras realizadas. Ora, pelas funções que exerce,

este órgão está adstrito a um especial dever de salvaguarda do Interesse público enquanto

representante do povo, razão pela qual essa maior autonomia implica uma responsabilidade

adicional face ao executivo.

Trata-se, assim, de introduzir um maior controlo jurídico das decisões financeiras

tomadas pelas assembleias municipais, deixando intocada a margem valorativa e a autonomia

que é dada aos órgãos autárquicos, uma vez que o objetivo é averiguar se nas decisões tomadas

o órgão deliberativo respeitou os princípios económico-financeiros positivados na lei,

introduzindo-se também uma maior eficácia na função fiscalizadora e responsabilizante do

Tribunal de Contas.

Tal mecanismo afigura-se útil na tarefa de chamar as assembleias municipais às suas

responsabilidades no exercício da atividade financeira local, uma vez que possuem um

importante papel e a lei atribui-lhes inúmeras competências e possibilidades de cumprirem

423 Cfr. ANTUNES, Carlos Alberto Lourença Morais, “o Julgamento da responsabilidade financeira no Tribunal de Contas”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 4, n.º 2, 2011, p. 154. 424 Assim, CLUNY, António, “Responsabilidade Financeira Reitegratória e Responsabilidade Civil Delitual de Titulares de Cargos Políticos, Funcionários e Agentes do Estado”, Revista do Tribunal de Contas, n.º 32, 1999, p. 99.

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115

eficazmente as suas funções. Deste modo, garante-se que não desistem do poder que lhes foi

conferido e que não aceitem o lugar secundário que atualmente ocupam na estrutura

administrativa local, contrariando a excessiva concentração da figura do presidente.

Por outro lado, parte dos problemas sobre a constituição das assembleias diminuíam, na

medida em que obrigaria os membros a deliberar de acordo os princípios da boa gestão do

município e colocar em segundo plano, por exemplo, os interesses da freguesia que

representam ou motivações partidárias.

Em face do exposto se pode constatar a necessidade de corrigir algumas patologias no

que se refere à organização e funcionamento das assembleias municipais e, essencialmente,

desenvolver mecanismos de controlo e responsabilização mais eficazes, capazes de garantir um

efetivo respeito pelas normas jurídicas. De facto, entendemos que a imposição de sanções

efetivas impulsiona um melhor funcionamento dos órgãos municipais, bem como uma gestão

financeira sustentável, permitindo retirar os municípios do desequilíbrio e autonomia financeira

limitada em que se encontram e, de um modo geral, cria condições para um correto exercício da

democracia local.

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117

Conclusões

Após as reflexões acima expostas, e procurando sintetizar alguns traços essenciais da

análise cujo objeto se foi limitando, é possível retirar os seguintes tópicos conclusivos:

I) Na gestão dos recursos autárquicos, devem os entes locais conformar todas as suas

atuações com a finalidade de prossecução do Interesse público e numa perspetiva de

longevidade.

II) Nessa medida, e tendo em consideração as funções que a CRP e a lei atribuem às

assembleias municipais, o bom funcionamento deste órgão é fulcral para o exercício da atividade

financeira.

III) De facto, da análise das soluções legais pode se verificar que o órgão deliberativo

municipal detém um alargado conjunto competencial no âmbito do exercício das funções que

exerce.

IV) No que particularmente respeita às matérias de natureza financeira, as assembleias

gozam de competências que se relacionam com a emissão de pareceres sobre determinados

aspetos da gestão financeira autárquica ou a enunciação de decisões prescritivas; a deliberação

de forma vinculada tendo de aprovar ou não aprovar determinada proposta ou, pelo contrário, a

possibilidade de fixar em determinadas matérias uma percentagem de entre um conjunto de

possibilidades; a participação nas decisões que se destinam quer aos munícipes de forma geral

e abstrata, quer a determinado grupo individualizado; bem como, a possibilidade de deliberar

sobre aspetos que fixam efeitos jurídicos positivos e negativos para os respetivos destinatários.

V) Porém, não obstante as inúmeras competências atribuídas às assembleias, é possível

afirmar que existe um claro distanciamento entre a estrutura jurídico-constitucional e a realidade

prática, atento que no panorama fáctico verifica-se uma centralidade da figura do presidente da

câmara na vida municipal, relegando para segundo plano o órgão deliberativo.

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VI) Ora, resulta evidente que tal condicionalismo afeta de forma incontestável o

conveniente exercício da atividade financeira, razão pela qual urge implementar algumas

alterações no sentido de dotar o órgão deliberativo municipal de maior funcionalidade.

VII) Neste sentido, acolhemos a proposta na formação dos eleitos locais que melhor os

capacite para o tratamento de determinadas matérias que não raras vezes convocam

conhecimentos de áreas específicas como o domínio financeiro.

VIII) Em segundo lugar, concordamos com a criação de comissões permanentes

especializadas, pelo menos em matéria financeira, por forma a facilitar o trabalho das

assembleias municipais.

IX) Para além disso, é nosso entendimento que as assembleias municipais deveriam

poder exercer o direito de emenda nos documentos previsionais, por forma a inexistir qualquer

pressão em aprovar ou não um documento, quando este poderia ser melhorado.

X) Ao nível da responsabilização existem várias alterações que se propugnam. Desde

logo, acolhemos a ideia de que os efeitos da moção de censura deveriam ter como

consequência a destituição do executivo e não apenas uma mera censura política, como

atualmente sucede.

XI) Ainda neste particular, consideramos importante que o ordenamento termine com a

incerteza existente em determinados assuntos de relevo, designadamente, a clarificação da

jurisdição competente na hipótese de um titular de um cargo público praticar um facto

constitutivo de responsabilidade civil, e em simultâneo, de responsabilidade financeira.

XII) Por outro lado, reconhecemos a importância de uma participação ativa dos

munícipes na tomada de decisão, reforçando, assim, a cidadania e a democracia local.

XIII) Deste modo, para além do direito a remeter queixas, ou petições junto do Tribunal

de Contas, verifica-se que tanto a jurisdição administrativa como o Tribunal de Contas vedam

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aos particulares a possibilidade de questionar a legalidade financeira das atuações dos entes

locais por via de uma ação judicial, o que se propugna.

XIV) Por outro lado, é nosso entendimento que o Tribunal de Contas, no âmbito da

responsabilidade sancionatória, deveria aplicar uma especial sanção às assembleias municipais

sempre que estas aprovassem uma proposta da câmara que desrespeite o dever jurídico da boa

gestão.

XV) Tal responsabilização resulta do estatuto das assembleias municipais enquanto

órgão máximo da autarquia, e permitiria introduzir um maior controlo jurídico das decisões

financeiras tomadas pelo órgão deliberativo, dotar de uma maior eficácia na função fiscalizadora

e responsabilizante do Tribunal de Contas, bem como garantir que as assembleias não aceitam

a subalternização existente em relação ao seu papel no âmbito da organização político-

administrativa. De um modo geral, cremos que só assim se conseguem finanças sustentáveis,

autónomas e, de um modo geral, uma plena democracia local.

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