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  • ARAKEN DE ASSIS Professor Emrito da PUC/RS. Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre e

    Especialista em Direito pela PUC-RS. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto de Direito Privado, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS) e do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual. Diretor da Revista Forense (Rio de Janeiro). Integra o Conselho Editorial da Revista de Processo (So Paulo), da Revista da Ajuris (Porto Alegre), Revista Jurdica e de outras publicaes especializadas. Foi Conselheiro, Corregedor e Secretrio da OAB-RS, antes de ingressar no extinto TA-RS. Ex-Diretor da Escola Superior da Advocacia da OAB-RS. Desembargador (aposentado) do TJRS e Professor Titular (aposentado) da PUC-RS, instituio na qual lecionou nos cursos de Graduao e de Ps-Graduao em Direito (Mestrado e Doutorado). Comendador Jurista Eminente pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Advogado em Porto Alegre, So Paulo e Braslia.

  • NOTA PRVIA 8. EDIO A nova edio do Manual dos Recursos encontra-se adaptada ao CPC de

    2015; na realidade, o autor reescreveu totalmente a obra, acrescentando os subsdios que entendeu pertinentes da doutrina que veio a lume nesses poucos de vigncia do terceiro estatuto unitrio brasileiro, bem como colecionou a deciso do STF que, na motivao, anteviu escassa razoabilidade ao art. 932, pargrafo nico, do CPC de 2015. Esse dispositivo consagra, todavia, diretriz essencial do estatuto, porque impede o formalismo, institudo para proteger as partes contra as arbitrariedades do rgo judicial, de realizar o oposto sua finalidade intrnseca, transformando os meios de impugnao em autnticas armadilhas. Em muitos pontos, e no s no mencionado, aguarda-se a aplicao do diploma e seus frutos vindouros.

    O AUTOR

  • NOTA PRVIA 7. EDIO Esta nova edio incorporou os subsdios doutrinrios que o autor estimou

    indispensveis. No se esqueceu a devida atualizao jurisprudencial. Em alguns casos, como no cabimento dos embargos infringentes, houve mudanas significativas no entendimento prevalecente. As complicaes suscitadas por semelhante recurso na impugnao subsequente para o STJ no recomendam, absolutamente, a subsistncia do remdio. Importantes acrscimos ocorreram no ndice onomstico, corrigindo alguns defeitos e omisses, atualizando as indicaes feitas no ltimo lustro. Aguarda-se, ainda, o trmino do processo legislativo do futuro Cdigo Fux.

    O AUTOR

  • NOTA PRVIA 6. EDIO Aqui se reproduzem, por brevidade, as consideraes anteriores. Fez-se a

    atualizao jurisprudencial e doutrinria que, do ponto de vista do autor, pareceu indispensvel, na expectativa que se ultime o processo legislativo do projeto do NCPC o Cdigo Fux.

    O AUTOR

  • NOTA PRVIA 5. EDIO A presente edio segue a mesma linha da imediatamente anterior. O

    projeto do novo CPC no tramitou e, entrementes, no se pode prescindir das ferramentas indispensveis ao bom exerccio profissional. Incorporei observao, no tocante ao procedimento do recurso especial e do recurso extraordinrio, que ouvi do emrito processualista e Ministro Sidnei Beneti: a interposio direta desses recursos nos tribunais superiores seria inovao de largo alcance, diminuindo a atividade processual em proveito das partes. Fica, pois, a sugesto, atribuda autoria a quem, por seus ttulos e funo, tem autoridade para faz-la.

    O AUTOR

  • NOTA PRVIA 4. EDIO Essa nova edio incorpora as inovaes trazidas pela jurisprudncia dos

    tribunais superiores e outros subsdios doutrinrios. Tambm faz breve meno, em alguns pontos especficos, s inovaes do projeto do novo CPC, ora em tramitao no Congresso Nacional. Todavia, no h qualquer carter definitivo nessas observaes, embora seja provvel que muitas se mantenham quando vier a lume o novo estatuto, pois o texto do novo CPC encontra-se aberto a toda sorte de alvitres mais ou menos inspirados. preciso aguardar, pois, o trmino dos trabalhos legislativos e a sano presidencial. Entrementes, no possvel prescindir das ferramentas que orientam a correta aplicao do direito em vigor.

    O AUTOR

  • NOTA PRVIA 3. EDIO A presente edio deste Manual dos Recursos incorpora as inovaes

    trazidas pela jurisprudncia dos Tribunais superiores, especialmente os casos de repercusso geral, no STF, e os que se inseriram como repetitivos, no STJ, bem como pelas Leis 12.016/2009 e 12.322/2010. Este diploma simplificou o procedimento do agravo contra a deciso que no admite os recursos extraordinrio e especial, promovendo notvel diminuio na atividade processual. Do ponto de vista das partes, eliminou o tormento dos traslados imperfeitos e o costume de produzir todas as peas dos autos; e para a jurisdio propriamente dita, tornada mais confivel, objetivamente proscreveu as decises de inadmissibilidade do agravo de instrumento, fundadas em deficincia formal, e o recurso contra essas decises. Realmente, uma lei muito boa. Ela inspirou, ademais, esperana esperana de que as leis processuais, enfim, tomem o rumo desejado da economia.

    O AUTOR

  • NOTA PRVIA 2. EDIO A generosa acolhida deste Manual dos Recursos, graas Editora Revista

    dos Tribunais, estimulou o lanamento da nova edio, na qual a obra recebeu algumas correes e foi posta em dia. Em especial, a Lei 11.672, de 08.05.2008, bem como a Resoluo 8, de 07.08.2008, do STJ, receberam seus primeiros comentrios, aguardando-se que o STJ utilize com discernimento e xito o novel mecanismo, aprimorando a Justia brasileira.

    O AUTOR

  • APRESENTAO 1. EDIO comum atribuir ao nmero excessivo de recursos a demora na tramitao

    dos processos. Frmulas mais genricas, como a que reclama contra a legislao processual obsoleta embora, paradoxalmente, nos ltimos quinze anos diversas reformas buscaram aperfeioar e atualizar as leis processuais brasileiras , tm o mesmo endereo. E, de fato, o sistema recursal do processo civil exibe algumas particularidades desconhecidas nos congneres da famlia da civil law. Talvez o dado mais contrastante resida na recorribilidade em separado das decises interlocutrias. Diversos outros fatores contribuem para a criao do ambiente desfavorvel. Todos, sem dvida, merecem ateno.

    No entanto, a crtica a certos aspectos da disciplina legal jamais substituir o estudo minucioso da parte geral e dos recursos em espcie. O uso dos instrumentos criados em lei para a defesa dos litigantes reclama tratamento amplo e abrangente. Somente aps conhecer precisamente os respectivos cursos e meandros parece possvel firmar o panorama completo e avaliar o quadro geral.

    O objetivo bsico deste livro consiste em fornecer aos estudantes e ao profissional do direito obra atualizada e rica em informaes acerca dos recursos civis. Valeu-se o autor, para realiz-lo, de quase vinte anos de atividade profissional, primeiro no extinto Tribunal de Alada e, aps, no Tribunal de Justia do seu Estado, somada precedente atuao como advogado. Essa experincia se acha incorporada em cada captulo da obra. Merece especial destaque o captulo dedicado tramitao dos recursos no segundo grau. Localizar o leitor, nesta rea pouco versada, revelaes de certo modo surpreendentes quanto influncia da informtica na formao do julgamento colegiado. Por outro lado, apresenta o acesso aos tribunais superiores sem mistrios, desmistificando a aura de que assunto exclusivo para os iniciados num crculo estreito.

    semelhana da obra que dedicou a outros institutos processuais, no conjunto sobressai a utilidade para os que desejam compreender e usar recursos e sucedneos recursais.

    Porto Alegre, agosto de 2007.

    O AUTOR

  • PARTE I - TEORIA GERAL DOS

    RECURSOS

    1. NOES GERAIS

    SUMRIO: 1. Conceito de recurso no processo civil 2. Natureza jurdica do recurso: 2.1 Recurso como prolongamento da ao originria; 2.2 Recurso como pretenso autnoma no mesmo processo; 2.3 Condio jurdica do provimento sujeito a recurso 3. Classificao dos recursos no processo civil: 3.1 Recursos ordinrios e extraordinrios; 3.2 Recursos de motivao livre (ou simples) e vinculada; 3.3 Recursos independentes e subordinados: 3.3.1 Designao do recurso subordinado; 3.3.2 Natureza jurdica do recurso subordinado; 3.3.3 Condies de admissibilidade do recurso subordinado; 3.3.4 Procedimento do recurso subordinado; 3.3.5 Julgamento do recurso subordinado.

    1. Conceito de recurso no processo civil

    O inconformismo arrebata homens e mulheres nas situaes incmodas e desfavorveis. Poucos aquiescem passivamente adversidade. Envolvendo a rotina da condio humana conflitos intersubjetivos, resolvidos por intermdio da interveno do Estado, a vida em sociedade se transforma em grandiosa fonte de incmodos. E a prpria pendncia do mecanismo institudo para equacionar os conflitos provoca dissabores de outra natureza. A causa mais expressiva do descontentamento, cumulada sensao asfixiante de desperdcio de tempo valioso, avulta nos pronunciamentos contrrios ao interesse das partes e de terceiros emitidos neste mbito. O homem e a mulher na sociedade ps-moderna se acostumaram s relaes instantneas dos modernos meios de comunicao e reagem muito mal a qualquer demora e a solues que no lhes atendam plena e integralmente os interesses.

    O escoadouro do inconformismo insopitvel e, ao mesmo tempo, meio para reparar, tanto quanto possvel, os erros inerentes falibilidade, porque a base desses pronunciamentos, originrios do marco civilizatrio chamado processo, assenta num juzo singular ou coletivo de homens e mulheres, s pode ser a impugnao do ato estatal. A generalidade dos ordenamentos hierarquiza os rgos judicirios para tal fim e, oportunamente, examinar-se- a origem da apelao no seio da incipiente burocracia romana (infra, 36). A permisso ao vencido para impugnar a deciso assegura o aprimoramento do ato e, se no assegura, ao menos aumenta a possibilidade de real pacificao dos litigantes.1

    A prpria origem j revela que os meios de impugnao s resolues judiciais tutelam relevante interesse pblico. Os atos do rgo judicirio nem sempre se revelam isentos de defeitos, ou vcios, quanto ao fundo e forma. No poderia o Estado desinteressar-se da correta aplicao do direito material e processual. O indispensvel servio de resolver lides abrange a faculdade de promover o reexame dos elementos do processo, no todo ou em parte, incutindo confiana no pblico. O recurso mostra a todos que os seus juzes e tribunais so destinados a regrar com justia as demandas e aplicar com

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  • exatido o direito objetivo.2 Em alguns meios de impugnao, o objetivo fundamental o nico que importa: o remdio promove, concretamente, a supremacia da Constituio ou controla a exata aplicao das leis. A maioria das impugnaes sobreleva o interesse em reavaliar a justia do provimento, sem prejuzo, no entanto, da finalidade pblica h pouco reconhecida ao instituto.

    Os mecanismos para impugnar as resolues judiciais desenvolveram-se atravs de duas linhas mestras, ora constituindo aes que formam outro processo, ora recursos. Hoje, h aes que j foram recursos, e recursos que j foram aes. E, mesclando influncias romanas, germnicas e cannicas, o direito comum fixou outro dado relevante. Determinados meios de impugnao impedem a formao da eficcia de coisa julgada, cuja finalidade consiste em tornar indiscutvel, no presente e no futuro, o provimento atacado. Existem, paralelamente, remdios que autorizam o reexame dos pronunciamentos judiciais a despeito da aquisio dessa singular caracterstica.3 parte os dados histricos,4 e as diferenas marginais no interior de cada classe, a distino vigora nos pases europeus,5 independentemente da sua filiao nominal ao sistema jurdico continental (civil law).

    Entre ns, a aludida diferena, j agora tratada como espcies de recursos, recebera ligeira meno no art. 467, in fine, do CPC de 1973.6Ora, a disposio em si revelava que, no direito ptrio, um dos meios de impugnao, precisamente o recurso, inibe a constituio da eficcia da coisa julgada. Por conseguinte, no integram a categoria recurso os remdios porventura utilizveis contra provimentos transitados em julgado. Exemplo de ao impugnativa dessa natureza a rescisria (art. 966). Da no parece lcito concluir que todos os remdios empregados para impugnar resolues judiciais antes do trnsito em julgado tm natureza recursal.7 O passo largo demais. Resta firme a ideia de que o recurso obsta a aquisio da coisa julgada formal, porque a material depender do contedo do provimento. Ademais, qualquer que seja sua compreenso definitiva e, no direito brasileiro anterior, mostrava-se imperioso identific-la, atendendo ao preceituado no dispositivo citado (infra, 3.3) , classe dos recursos extraordinrios faltaria a essencial nota que a distingue em outros ordenamentos:8 o fato de impugnar pronunciamentos transitados em julgado.

    Esses dados adiantam duas concluses. Nem todo meio para impugnao das resolues judiciais constitui recurso. Existem aes (autnomas) que se prestam a impugnar atos decisrios do juiz, a exemplo do habeas corpus (infra, 104), e outros mecanismos informais, como o requerimento para o rgo judicirio corrigir inexatides materiais (art. 494, I).9 Se inexatides materiais correspondem, ou no, ao erro material, passvel de correo por meio de embargos de declarao (art. 1.022, III), outro problema; entretanto, parece evidente que o requerimento do art. 494, I, no um recurso. Em tais casos, portanto, no se cuidam de recursos no sentido prprio da palavra no direito processual. E o recurso, como visto, obsta formao da coisa julgada.

    O recurso depende de expressa contemplao legislativa. A prpria CF/1988 cogita, por vezes, da recorribilidade (por exemplo, das decises denegatrias de mandado de segurana, a teor do art. 105, II, b, da CF/1988), e, neste caso, a lei no o pode pr-excluir, cabendo-lhe, ao contrrio, instituir e disciplinar o meio prprio. Fora da, a existncia do recurso e as respectivas

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  • condies para seu emprego subordinam-se prvia disposio legislativa. Chama-se a esse princpio de taxatividade (infra, 6), e, no processo civil, o art. 994 arrola os recursos admissveis.

    No compete s partes ou ao rgo judicirio criar mecanismos para impugnar as resolues judiciais. Do contrrio, sujeitando-se elas inevitvel inconformidade do vencido, reflexo do inconformismo latente da pessoa humana, os atos decisrios ficariam eternamente suscetveis de reviso. Somente haver recurso quando e se a lei federal, considerando a competncia legislativa da Unio (art. 22, I, da CF/1988) na matria, estabelecer via impugnativa, quer a dote ou no de epteto prprio, e, paralelamente, definir seu campo de aplicao e procedimento. Por isso, os embargos de divergncia, aludidos no art. 89, 5., a, e no art. 101, 3., a, da Lei Complementar 35, de 14.03.1979 (Lei Orgnica da Magistratura), no se transformaram em recurso.10 Faltou disciplinar os casos de admissibilidade desse recurso.

    No entanto, o catlogo do art. 994 permanece incompleto. H recursos previstos em diplomas extravagantes, a exemplo dos embargos infringentes do art. 34, caput, da Lei 6.830/1980 e o recurso inominado do art. 41 da Lei 9.099/1995. Exige-se sempre, porm, a existncia de lei,11 instituindo o mecanismo para impugnar os provimentos do juiz.

    O critrio eminentemente formal, ou seja, o de considerar recurso simplesmente o meio de impugnao apontado no art. 994, revela-se insatisfatrio, a despeito da larga aceitao em outros sistemas jurdicos. Por exemplo, a processualstica alem distingue os recursos (Rechtsmittel) dos demais meios de impugnao, chamados de remdios (Rechtsbehelfe) por essa via, acrescentando os efeitos suspensivo e devolutivo.12 Impedindo o recurso, a teor do art. 502, a formao da coisa julgada, permitindo o reexame do provimento e dependendo de expressa previso legal, h aes impugnativas, como o habeas corpus, cuja pendncia preenche todas as exigncias, sem que seja recurso.

    Tampouco a finalidade do mecanismo impugnativo conduz, por identidade de motivos, a resultados seguros. Os meios do art. 994 visam reforma, invalidao, ao esclarecimento e integrao do pronunciamento impugnado. O ato decisrio ou completado, ou escoimado do vcio que lhe compromete a compreenso, ou desfeito, ou substitudo por outro, de idntico ou oposto teor. Ora, o mandado de segurana e o habeas corpus produzem, na prtica, tais efeitos. E no constituem recursos. preciso, ento, buscar o denominador comum que conduziu o legislador a agrupar e admitir os remdios do art. 994 na classe dos recursos. Segundo lio que fez escola, e calha ao CPC de 2015, no h nenhum cu de puras essncias, onde se logre descobrir um conceito de recurso anterior ao que revela o sistema da lei.13

    Em geral, porque o CPC de 2015 omitiu-se de enunciar conceito explcito de recurso, semelhana do CPC de 1939 e do CPC de 1973, retiram-se do art. 994 duas caractersticas comuns: (a) os remdios a catalogados no instauram novo processo, mas prolongam, simplesmente, o processo pendente, nos mesmos autos (v.g., a apelao) ou em autos distintos (v.g., o agravo de instrumento); (b) os remdios do art. 994 nascem da iniciativa de algum interessado em impugnar a deciso. Formulou-se, nessa conjuntura, a

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  • clssica definio haurida dos dados do direito positivo,14 estimando recurso o remdio voluntrio idneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidao, o esclarecimento ou a integrao da deciso judicial que se impugna.15

    Da restrita categoria recurso tal noo pr-exclui, portanto, a ao rescisria (art. 966). Esse remdio pressupe o trnsito em julgado e instaura novo processo caractersticas inconciliveis com a definio proposta. Do mesmo modo, no constituem recursos os writsconstitucionais em especial, o mandado de segurana e o habeas corpus , nada obstante prescindirem desse trnsito e, de regra, ficarem vedados aps semelhante condio (Smula do STF, n. 268). No se acomoda categoria, ainda, a remessa oficial (art. 496). Falta, neste ltimo caso, a iniciativa da parte, ao menos como regra, pois o ius positum conhece a figura da remessa voluntria (infra, 106.3).

    Talvez a definio comporte alguns reparos e demonstre intrnseca fragilidade perante remdios concretos. Em particular, o relevo emprestado voluntariedade no recurso soa excessivo. O problema transparece na remessa oficial ou apelao ex officio (infra, 106). No h dvida, porm, que apreendeu os elementos comuns aos meios de impugnao previstos no art. 994. Fundamentalmente, oferece uma noo operacional: a pessoa que impugnar o provimento judicial sentir-se- segura e habilitada a empreg-los eficazmente.

    A impugnao s decises judiciais, no direito brasileiro, ultrapassa o quadro dos recursos e das aes autnomas. margem desses mecanismos, as partes utilizam com inaudita desenvoltura expedientes variados e de natureza heterognea para eliminar o gravame imposto pelas resolues do rgo judicirio. O conjunto desses meios extravagantes recebe o nome de sucedneos recursais. objeto do penltimo captulo (infra, 104).

    2. Natureza jurdica do recurso

    Conforme se assinalou no item precedente, enunciando conceito eminentemente operacional de recurso no direito brasileiro, tal espcie singular insere-se no gnero mais amplo dos meios ou remdios voltados finalidade especfica de impugnar as resolues judiciais. preciso dar um passo adiante e, cotejando a espcie com elementos do gnero, estabelecer a natureza jurdica do recurso. Em sntese, h duas correntes: (a) a tese prevalecente identifica o poder de recorrer como simples aspecto, elemento, modalidade ou extenso do prprio direito de ao exercido no processo;16 (b) a vertente minoritria considera o recurso uma ao autnoma, ou seja, diferente da j exercitada no processo. Nenhuma dessas formulaes, a nosso ver, responde satisfatoriamente questo.

    O problema que se examinar em seguida tem interesse especulativo. E a respectiva soluo, de resto, jamais contentar a todos, apaziguando os entendimentos. Entretanto, ensaiar resposta antiga questo, sem dvida desafio da grande magnitude, formar uma ideia exata do fenmeno na perspectiva jurdica, emitir uma opinio convergente ou divergente da maioria, talvez auxiliem, no futuro, a anlise dos aspectos concretos de cada recurso.

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  • indispensvel recordar, desde o incio, a quase irrelevncia operacional da questo relativa natureza jurdica do recurso. A utilizao do conjunto dos meios tendentes a impugnar as resolues judiciais prescinde da fixao da sua natureza jurdica. E o uso de certo recurso pelo interessado, nas condies predeterminadas na lei, nenhuma influncia palpvel sofrer da natureza que porventura se lhe reconhea neste trabalho ou alhures. Em outras palavras, quer seja um desdobramento da primitiva pretenso tutela jurdica, quer represente o exerccio de nova pretenso, in simultaneo processu, e diversa daquela em razo de seus elementos, o emprego dos recursos arrolados no art. 994 permanecer alheio controvrsia.

    No constitui propsito das ponderaes que se seguiro desafiar mestres de maior quilate e adeptos de teses diferentes. No provocao a bravias foras intelectuais, mas reflexo despretensiosa, sem prejuzo da sua consistncia.

    2.1. Recurso como prolongamento da ao

    originria

    predominante, no direito ptrio,17 como no alemo e no italiano, a noo de recurso como prolongamento da ao originria. O entendimento dominante to unssono que as referncias bibliogrficas se mostram despiciendas neste particular. O que recurso? Recurso, responder um dos melhores textos recentes na matria, um direito de ordem subjetiva, extrado dos desdobramentos do direito de ao, caso em que o recurso suscitado pelo autor da demanda, ou, ento, do prprio direito de defesa, caso a provocao para o reexame resulte da parte contrria.18 As variaes so muitas, mas desprovidas de repercusses maiores no plano conceitual; por exemplo, duvidoso que, fundado o recurso do ru no direito de defesa, a premissa recurso como desdobramento da ao permanea subsistente. Revelar-se-ia mais consentneo ao quod plerumque fit reconhecer a bilateralidade da pretenso tutela jurdica do Estado quer na ao (do autor), quer na reao (do ru) ao chamamento a juzo.

    A marcante obra que lanou as bases cientficas para a organizao do sistema recursal resume essa insistente concepo. Para tal efeito, comparou-se a interposio do recurso e o ajuizamento da ao, assinalando-se trs diferenas, hoje ainda invocveis na vigncia do CPC de 2015: (a) a deduo do pedido recursal no se reveste das mesmas formalidades do pedido originrio, exceto por imposio de norma expressa v.g., na apelao, o art. 1.010, IV , cuja superfluidade ressaltaria se se houve de satisfazer, in genere, os mesmos requisitos; (c) no se promove a citao do recorrido; (c) prescinde-se da juntada de novo instrumento de mandato, porque o preexistente j habilita o procurador a praticar todos os atos do processo (art. 105, caput). O trao especfico e comum aos remdios arrolados no art. 496 consistiria no efeito no de fazer surgir processos distintos, mas simplesmente de provar a extenso do mesmo processo em que se proferiu a deciso recorrida.19

    Nenhuma das diferenas apontadas decisiva. Em primeiro lugar, o CPC de 2015 expressou, mais do que os diplomas revogados, a necessidade de o recorrente expor as razes do recurso e formular o pedido de nova deciso,

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  • direta ou indiretamente. Nos casos em que silenciou por exemplo, nos embargos de declarao e nos embargos de divergncia , tais requisitos ficam subentendidos, permanecendo indispensveis admissibilidade do recurso. E, de toda sorte, a desnecessidade de expor a (nova) causa de pedir e de formular o (novo) pedido que comprovaria, salvo engano, a tese do desdobramento. Em relao simetria da forma, s encarniada m vontade deixaria de reconhec-la no essencial: recurso desprovido de pedido certo (art. 322 caput) e determinado (art. 324, caput), entendidas as exigncias com a largueza e a flexibilidade que a prtica lhe atribui na inicial poucas iniciais sobreviveriam a crivo mais rigoroso nesse particular , mostrar-se- to inepto quanto a petio inicial...

    Em todo recurso, existindo a possibilidade de reforma ou de invalidao e, por isso, o respeito a esse direito fundamental tornou-se obrigatrio nos embargos de declarao modificativos, a teor do art. 1.023, 2. (infra, 65.3) , a formao do contraditrio representar imperativo do processo legtimo. nulo o provimento do recurso sem a audincia do recorrido. E se desprovido? Ento, inexistir prejuzo, e desnecessrio invalidar, quer o julgamento do recurso, quer o processo julgado favoravelmente ao ru sem a sua participao (v.g., o art. 331, 3.) nesse ltimo caso, havendo apelao do autor, a possibilidade de reforma obriga o rgo judicirio a mandar citar o ru (art. 331, 1.). Se o chamamento do recorrido far-se- por citao pessoal ou por intimao na pessoa do advogado, ou por outro meio tcnico, seja real ou ficta a intimao, uma questo formal que no compromete a presena da bilateralidade de audincia. H processos incidentes, provocados por ao, em que a citao ocorre na pessoa do advogado por exemplo, os embargos opostos execuo. A designao do ato (intimaoversus citao) marginal.

    E, por fim, a desnecessidade de o recorrente juntar nova procurao tem explicao no fato de o recurso se processar nos autos em que j figura a habilitao. Formando-se novos autos, j aparece o nus de juntar a procurao, nova ou antiga, como o caso do agravo de instrumento (art. 1.017, I, in fine).

    O problema crucial da tese reside na correlao implcita entre ao e criao de processo autnomo. O recurso no seria (nova) ao, porque no geraria (outro) processo. E, de fato, os remdios do art. 994 tramitam no processo pendente, impedindo a formao da coisa julgada (formal ou material, conforme o contedo da deciso). Recurso no se confunde com ao impugnativa, tout court, porque o recurso no forma outro processo, enquanto nesta h novo processo. No importa a presena de coisa julgada material. H aes de impugnao que pressupem coisa julgada material (rescisria) e h as que se mostram cabveis na hiptese de inexistncia de coisa julgada (mandado de segurana).

    Ora, a tese do recurso como desdobramento da ao originria no pode assentar em terreno mais imprprio e instvel. que, na relao processual j formada, e nica, o objeto do processo pode se transformar e multiplicar por intermdio de nova ao. o caso da reconveno: a partir do seu ajuizamento, no se multiplicam os processos, no h duas relaes processuais, mas simultaneo processucom duas aes.20 Se se pretender distinguir entre processo, que seria nico e englobaria ao e reconveno, e relao processual, que seriam duas, desenvolvendo-se paralelamente, nada

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  • se altera em substncia as caractersticas se acomodariam figura recursal: processo nico, duas relaes processuais, a originria e a superveniente, geradas pelo recurso.

    Em realidade, o nico fundamento plausvel para a tese, no estgio atual do desenvolvimento da cincia processual, e, principalmente, para rejeitar a ideia oposta de que o recurso nova ao, e aumenta o objeto do processo, tornando-o complexo e mltiplo, repousaria na equivalncia absoluta entre os elementos objetivos da ao originria (causa de pedir e pedido) e os do recurso. Ora, a falta de coincidncia desses elementos, examinados primeira vista, revela-se esplendente.

    2.2. Recurso como pretenso autnoma no

    mesmo processo

    O recurso constitui pretenso autnoma deduzida in simultaneo processu.21 autnoma, porque os respectivos elementos objetivos, a causa e o pedido, distinguem-se, tecnicamente, dos j alegados pelas partes. A pretenso recursal por sinal, mencionada no art. 1.019, III, como possvel objeto de antecipao tem identidade prpria. No basta afirm-lo, mas coligir os dados que chancelam o alvitre e, para tal arte, impe-se resgatar algumas noes da teoria geral do processo que j explicamos em outras ocasies.22

    Vrios e heterogneos liames relacionam as aes em juzo. A deliberada escolha da palavra ao, em lugar de causa, de processo ou de lide, para designar o contedo do processo, ou mrito, no apresenta qualquer perigo a quem rejeita o vocbulo e prefere tutela, por exemplo. Disparidades terminolgicas, no seu uso corrente e contemporneo, traduzem divergncias mais formais do que de substncia. Tais vnculos envolvem pormenores relativos ao mrito ou ao, por sua vez definidos a partir dos clebres trs elementos: partes (personae), objeto (res) e fundamento (causa petendi). A tradicionalssima e longeva teoria, convincentemente exposta por Pescatore,23 por sua vez aceita por ordenamentos contemporneos (v.g., no art. 581, n. 1, do NCPC portugus de 2013),24 e utilizada no direito brasileiro (art. 337, 2.) passou inclume na elaborao do CPC de 2015, sobrevive porque corresponde a uma necessidade e, pois, possivelmente a uma verdade cientfica.25

    Existindo identidade total dos trs elementos do processo, relativamente a outro, decidido por sentena de mrito, da qual no caiba recurso, ou ainda pendente, ou seja, reproduzindo o autor ao anteriormente ajuizada (art. 337, 1.), verificar-se-, respectivamente, coisa julgada (art. 337, 4.) ou litispendncia (art. 337, 3.). a hiptese mais radical. Ela implicar a extino do segundo processo (art. 485, V).

    No entanto, h vnculos parciais e tnues, que permitem a convivncia de processos autnomos, apesar do seu inegvel parentesco, a respectiva reunio e, no que interessa ao tema da natureza jurdica do recurso, a cumulao de vrias aes in simultaneo processu. necessrio recapitular, em traos gerais, a essncia desses elementos, sem olvidar que entre o juzo de admissibilidade da demanda e o do recurso j se traou sugestivo paralelo

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  • (infra, 15). A tnica do exame subsequente, visando demonstrao da autonomia da pretenso recursal, recair nos elementos objetivos, todavia.

    Todos tm pretenso tutela jurdica do Estado. O exerccio dessa pretenso origina relao jurdica entre o autor, o Estado e em seguida sua citao o ru, que o processo. A parte final do art. 238 expressa quanto integrao ru, executado ou interessado relao processual pendente por meio da citao. Esta relao distingue-se da alegao porventura realizada pelo autor perante o ru, formadora do mrito (Streitgegenstand), tornando o processo simples veculo neutro, inspido e inodoro das afirmativas daquele,26 numa relao de continente e contedo. Assim, os trs elementos (partes, causa e pedido) so colhidos em hipottica avaliao do mrito,27 permitindo diferenciar uma ao (e processo) de outra.

    O autor provoca o Estado a prestar determinada atividade, formulando algum pedido perante o ru, baseado em um ou vrios motivos, cujo teor delimita o mrito e, a fortiori, erige os limites dentro dos quais incumbir ao juiz decidir, satisfazer ou assegurar (princpio da congruncia). Por conseguinte, dois elementos objetivos integram o mrito: a causa de pedir e o pedido.28

    E dois elementos compem a causa de pedir: os fatos e os fundamentos jurdicos alegados pelo autor (art. 319, III). Nenhum relevo exibe o fundamento legal, quer dizer, o(s) texto(s) normativo(s) indicado(s) pelo autor, porque o rgo judicirio aplicar o direito espcie (iura novit curia), embora o art. 357, IV, no direito atual, antecipe a seleo da norma porventura aplicvel deciso de saneamento e organizao do processo, exigindo a delimitao das questes de direito idneas a influenciar o julgamento do mrito, a fim de obstar a emisso de deciso surpresa. Em relao aos fatos, diferenciam-se a causa ativa e a causa passiva:29 aquela o fato ou conjunto de fatos a que certa regra jurdica atribui aptido a produzir efeitos no mundo jurdico; esta, o fato constitutivo do interesse processual do autor, habilitando-o a agir em juzo. Enquanto os fatos formam a causa remota, os fundamentos jurdicos, designados de causa prxima, unem aqueles ao pedido, ou seja, explicam sua aptido para surtir o efeito pretendido neste ltimo.30

    E atravs do pedido o autor veicula sua ao perante o ru. Ele corresponde s foras da ao e, consoante a classificao quinria,31 declarao, constituio, condenao, execuo ou ao mandamento solicitados ao juiz. O pedido, ou objeto, reparte-se em dois aspectos, mediato e imediato: de um lado, o bem da vida pretendido (respectivamente, e em termos genricos, os efeitos daquelas foras: certeza, estado jurdico novo, ttulo, intercmbio patrimonial e ordem); de outro, a fora da ao, que a providncia reclamada do rgo judicirio (declarar, constituir, condenar, executar ou mandar).32

    Por sua vez, reagindo demanda e alm de impugnar diretamente os fatos narrados pelo autor (art. 341, caput, 1. parte), o ru poder impugnar indiretamente os fatos narrados, apresentando nova verso (v.g., o encontro clandestino com outra mulher, denunciado na inicial da separao, representava reunio de negcios),33 e impugnao de direito (v.g., o encontro no infringiu os deveres conjugais), suscitando, respectivamente, questes de fato e questes de direito. Eventualmente, deduzir questes prvias,34 quer as preliminares (art. 337), quer as prejudiciais (v.g., no h casamento, mas unio estvel). E poder propor excees substanciais e objees

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  • substanciais,35 qualificadas no art. 373, II, como fatos extintivos (v.g., prescrio), impeditivos (v.g., exceo do contrato no cumprido) e modificativos (v.g., novao remissria). Logo se percebe que a defesa do ru envolve duas linhas autnomas, mas convergentes, atinentes ao juzo de admissibilidade (defesa processual) e o juzo de mrito (defesa de mrito), todavia passiva. Se, porm, formular pedido perante o autor (reconveno), apresenta contra-ataque, formulando defesa ativa.36

    Se o ru alegar fatos novos, apresentando excees e objees substanciais, controverte-se se h ampliao do mrito. Prepondera a ideia de que o objeto litigioso difere das questes lgicas submetidas cognio do juiz.37 Elas integrariam conceito mais extenso o de objeto do processo.38 Segundo tal raciocnio, o objeto do processo resulta da soma do objeto litigioso, ou mrito, e as alegaes do ru.39 Fixa-se o mrito, assim, a partir da soberana iniciativa do autor, vinculando-se seu aumento a pedido do ru, baseado em algum fundamento prprio, a exemplo do que acontece na reconveno (art. 343) e em algumas formas de interveno de terceiros (v.g., denunciao da lide). Essa tese incorreta: ao alegar prescrio, v.g., o ru amplia o objeto do processo, recaindo a auctoristas rei judicate sobre essa questo principal (art. 487, II, c/c art. 503, caput). O pormenor secundrio na linha de raciocnio aqui desenvolvida.

    Deixando de lado a identificao das partes, porque tambm secundria no tema tratado, a anlise cingiu-se, at o presente passo, na configurao simples dos elementos objetivos. Todavia, eles podem ser multiplicados, in simultaneo processu, gerando processo cumulativo. a primeira manifestao, e relevante, dos nexos admissveis das aes.

    Quanto causa de pedir, de ordinrio o autor alega fato e fundamento jurdico nicos. Em tal hiptese, diz-se simples a causa de pedir. No entanto, o autor poder expor vrias causas de pedir, a saber: (a) vrios fatos heterogneos (p. ex., o marido alega adultrio e embriaguez da mulher); (b) vrios fatos homogneos (p. ex., o marido alega adultrio da mulher com dois indivduos diferentes); (c) vrios fundamentos jurdicos (p. ex., os encontros clandestinos da mulher tanto configuram adultrio quanto injria grave); e, por fim, (d) a incidncia do mesmo conjunto de fatos em duas ou mais regras (p. ex., o adultrio da mulher infringe os deveres do casamento e caracteriza ilcito absoluto, ao efeito do art. 186 do CC de 2002). Existe causa de pedir composta quando os vrios fatos individualizam um s efeito jurdico: nos exemplos arrolados sob a, b e c, os fatos e os fundamentos alegados provocam a dissoluo da sociedade conjugal; e h causa de pedir complexa quando os fatos ensejam efeitos jurdicos diferentes, capacitando o autor a formular dois ou mais pedidos.40

    Em decorrncia do princpio dispositivo (arts. 2. e 312), nenhuma restrio prvia h alegao de vrias causae petendi; porm, por vezes a lei, sumarizando a cognio judicial, impede o juiz de julg-las, reservando sua resoluo para processo ulterior.41

    Alm de exprimir pedido nico na demanda, mostra-se lcito ao autor cumul-los. O fenmeno inclui as hipteses de o autor formular dois ou mais pedidos, ou um pedido com dois ou mais objetos mediatos, para obter apenas um deles. O cmulo de pedidos classifica-se em simples, sucessivo ou

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  • eventual.42 Na cumulao de forma simples, cada pedido, individualmente considerado, ostenta aptido para formar um objeto autnomo da relao processual o caso de o autor pleitear, no mesmo processo, as dvidas oriundas de contrato de mtuo e de compra e venda. No cmulo sucessivo, o acolhimento do segundo pedido depende da procedncia do primeiro por exemplo, o direito herana pressupe a constituio da filiao. Por fim, na cumulao eventual sucede o inverso: o juiz s examinar o pedido posterior se desacolher o anterior por exemplo, o autor pede a restituio da coisa esbulhada ou, caso impossvel, porque deteriorada, exige prestao substitutiva em dinheiro.

    Duas outras situaes, respeitantes ao processo cumulativo, merecem breves observaes, travando a imagem desse panorama. O concurso de normas, bem representado no clssico exemplo do vcio oculto da coisa, objeto de contrato comutativo, ensejando ao figurante lesado a ao redibitria, enjeitando a coisa, ou a ao para reduzir o preo (quanti minoris), a toda evidncia visando a finalidades diferentes e inconciliveis,43 harmonizam-se mediante cmulo eventual44 ou simples (por exemplo, o marido trado pede a separao e a reparao do dano moral provocado pelo adultrio). E o concurso de aes, no caso de algum, fundado no domnio ou no esbulho posse, reclamar a restituio da coisa, resolve-se em cmulo de causas de pedir.45

    Da disciplina legal vigorante no direito brasileiro, insculpida no art. 327, verifica-se a necessidade de identidade de competncia, de compatibilidade recproca de pedidos e de procedimento e, principalmente, de conexo subjetiva para viabilizar o cmulo de pedidos. Fundamentalmente, a pluralidade de pedidos exige a conexo subjetiva ou identidade de partes em relao a qualquer um deles.46

    Expostos os elementos objetivos em suas mltiplas facetas, retorna-se ao marco inicial: o entrelaamento dos trs elementos partes, causa e pedido. Esses laos representam um dos temas mais complexos do processo civil,47 em geral agrupados sob o rtulo esquivo de conexo.48Importa sublinhar que nada impede a convivncia, em simultaneo processu ou em processos separados, de aes contendo elementos em comum e outros dspares. O formulador da teoria da trplice identidade bem explicava a situao: se todos os elementos so comuns, h identidade absoluta (e, conseguintemente, litispendncia ou coisa julgada); se todos os elementos se ostentam diferentes, inexistem vnculos discernveis e relevantes entre aes,49 causas ou processos, conforme se queira designar o fenmeno. Por outro lado, basta que se diferencie um elemento, no todo ou em parte, para ensejar semelhante convivncia.

    Pois bem. Figure-se uma causa trivial: a autora A imputa adultrio ao marido B e, insistindo que a infrao ao dever conjugal tornou a vida em comum insuportvel, pede a separao. A sentena rejeita o pedido. Funda-se na inexistncia de prova do fato alegado. Na apelao, qual acausa petendi da pretenso recursal? O vcio de juzo contido na sentena. A autora A alegar que o juiz, por esta ou aquela razo, avaliou mal a prova, e, por isso, julgou a causa a favor do ru B. O material de fato o mesmo; porm, a apelante A, mourejando no cotejo da prova com suas afirmaes anteriores, outorga-lhe outra constituio: a de error in iudicando (vcio de juzo). O fato constitutivo

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  • o episdio da vida da pretenso recursal, o erro do juiz, bem diferente do fato constitutivo da pretenso originria, o adultrio, embora trabalhado com os mesmos materiais. E qual o pedido na apelao? O pedido imediato o de nova deciso, ou reforma da sentena, cuja fora invariavelmente constitutiva;50 o pedido mediato, separao (acidentalmente constitutivo; porm, poderia ser condenatrio, tratando-se de reparao de dano verificado em acidente de trnsito, e assim por diante). Idnticas diferenas se percebem na hiptese de a sentena acolher o pedido e o ru B apelar. Apesar dos liames e, repita-se, nada h de estranho nesses vnculos e aproximaes , no se confundem.

    digno de registro o lhano reconhecimento de que, deduzido agravo contra o indeferimento de alguma prova no curso do processo o exemplo do direito anterior, mas pode ser adaptado para a distribuio do nus da prova (art. 357, III), passvel de agravo no direito em vigor (art. 1.015, XI) , o mrito do recurso nenhuma semelhana tem com o objeto litigioso. Neste caso, o mrito a reforma da deciso, para que o recorrente possa produzir a prova pretendida.51 E, no tocante ao recurso do terceiro prejudicado (Ministrio Pblico e terceiros), explica-se que o recorrente exerce por essa via abreviada o direito de ao, que no quis, ou no pde exercer pela forma normal.52 Ora, neste caso h (nova) ao, porque deduzida por pessoa diferente do autor. Falsificada a teoria para um recurso que seja, ou num caso especfico, a metodologia cientfica exige que outra mais abrangente seja elaborada, substituindo a primeira, vencida e superada no teste proposto.

    Resta examinar a objeo de que, na apelao, podem ocorrer renncia ao direito (e no ao recurso) e reconhecimento do pedido original.53 Fato inconteste. J se explicou, convincentemente, que no h reconhecimento do pedido, mas aquiescncia sentena de procedncia neste caso.54 No entanto, a objeo no faz o menor sentido no sistema processual brasileiro, admitida a premissa j refutada de que o recurso criou nova relao processual, em que se afigura lcito aos litigantes realizarem negcios jurdicos processuais, a exemplo da transao, versando relao jurdica que no tenha sido deduzida em juzo (art. 515, 2.). Eis a explicao mais do que satisfatria para os fenmenos apontados. E, de resto, o processo o mesmo, mas tornado complexo pela introduo de uma nova pretenso.

    Enfim, a anlise dos elementos da pretenso recursal revela que o recurso constitui pretenso autnoma, porque diferente da primitiva, exercitada em simultaneo processu. No h necessidade de nenhum malabarismo hermenutico para defender a ideia.55

    2.3. Condio jurdica do provimento sujeito a

    recurso

    Os provimentos judiciais produzem efeitos ao ingressarem na rbita das relaes sociais. avano j consolidado na dogmtica processual a diferena entre a indiscutibilidade do provimento, resultante da autoridade da coisa julgada, e os efeitos que derivam do pronunciamento do juiz, com ou sem a blindagem produzida por aquele atributo.

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  • Nenhuma resoluo judicial, por outro lado, ostenta eficcia nica na realidade, o ato engloba um feixe de eficcias e de efeitos.56 Do exame emprico dos provimentos, em tese, tanto resultou a identificao de cinco elementos, todos intrnsecos, quanto se evidenciaram os mltiplos efeitos correlatos, mas exteriores, avultando a fora ou carga principal do ato. Esgotados os recursos, aos provimentos que julgam o mrito (art. 487) acrescentar-se- o efeito da certeza, produzida pela declarao contida no julgamento (Festellungswirkung),57 tornando o pronunciamento indiscutvel ou incontestvel no presente e no futuro. Eis a coisa julgada material, nos termos prescritos no art. 502.

    A notria e prestigiosa objeo de que a resoluo do mrito surge no mundo jurdico com sua eficcia prpria e, exauridos os meios de impugnao, todo o ato adquire qualidade especial, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato tambm em seu contedo e faz assim imutveis, alm do ato em sua existncia formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do prprio ato,58 no tem maior relevo nessa ordem de ideias. E isso porque os efeitos se ostentam mutveis, e, nesta ou naquela condio, s vezes operam no mundo jurdico nos casos em que, embora pendente o recurso, a lei ou o rgo judicirio autoriza a produo de efeitos.

    O momento exato em que os efeitos ingressam na vida social depende da opo legislativa. De ordinrio, no parecer prudente e razovel outorgar ao vitorioso o bem da vida desde logo, sem lhe propiciar o uso de alguns ou de todos os meios de impugnao concebveis. Eventualmente, o ordenamento tolera que os efeitos se produzam na sua inteireza, ou apenas parcialmente, evitando maiores delongas, sem embargo do sacrifcio imposto ao vencido por um ato sujeito modificao. O art. 995, caput, declara no impedirem os recursos a eficcia da deciso, salvo disposio legal ou deciso judicial em sentido diverso, mas, no final das contas, e no que interessa, ordinariamente a apelao (no, porm, do julgamento antecipado parcial de mrito, da qual cabe agravo, a teor do art. 356, 5.), recurso prprio contra as decises de mrito (art. 487), exibe efeito suspensivo ope legis (art. 1.012, caput), salvo as hipteses do art. 1.012, 1., e as da legislao extravagante.

    Nesse quadro, surge a indagao: qual a natureza do provimento do juiz sujeito a recurso, em particular o que julga o mrito em primeiro grau, tradicionalmente chamado de sentena? atitude prpria da doutrina italiana ocupar-se desse assunto.59 Observou-se, no sem ironia, serem os juristas peninsulares muito dados semelhante especulao.60Nmero aprecivel de autores abordou o tema da sentena sujeita a recurso,61 aviventando a utilidade prtica do estudo, do que h exemplos expressivos.62 Por exemplo: o imvel adquirido por um dos cnjuges, aps a sentena que aclarou a partilha de bens, todavia objeto de apelao da contraparte, integra ou no o acervo comum, porque casados pelo regime da comunho? O interesse frutificou em algumas teorias. Logo se perceber, no sumrio dessas concepes, que o inqurito acompanhar o destino dos efeitos do pronunciamento at o trnsito em julgado.

    Segundo o primeiro ponto de vista, a sentena tem congenitamente sua prpria autoridade legtima, nascendo com a garantia ou presuno de exata conformidade lei. O evento da posterior reforma funciona como condio resolutiva, no suspensiva da autoridade da sentena.63Ficaria tolhida a

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  • eficcia do provimento por acontecimento futuro e incerto a substituio, no todo ou em parte, por outra resoluo. E tal acontece por decorrncia da obra fiscalizadora e corretiva do segundo grau de jurisdio, ao perlongar as razes do apelo.

    Ao primeiro contato com essa tese, todavia, acodem as seguintes objees: (a) o ato decisrio assume carter condicional somente com a interposio do recurso; (b) nada impede o provimento substituto exibir idntico contedo do substitudo, e, portanto, nenhuma interferncia produzir no conjunto dos efeitos.64 Resoluo propriamente dita acontecer se o provimento substituto exibir contedo diverso ou oposto ao do substitudo.

    Para outra viso, a sentena recorrvel constitui ato estatal, emanado do terceiro indiferente aos interesses contrapostos, e, nesta qualidade, revestido de autoridade prpria. Porm, sujeitando-se a recurso, semelhante pronunciamento carece de efeitos apreciveis, porquanto presumvel e naturalmente sujeito alterao. o transcurso do prazo recursal ou a aquiescncia do vencido que transforma a sentena no ato que a ordem jurdica riconosce come formulazione della propria volont.65 A sentena sobre a qual pende recurso representa simples elemento que, conjugado a outro fato (decurso do prazo ou aquiescncia), chegar ao estgio da formulao da regra jurdica concreta. Trata-se, pois, de uma situao jurdica, elemento que acrescido de outros ensejar determinado efeito.66 De condio resolutiva cogitar-se- na hiptese de a lei permitir a execuo provisria, baseada no provimento submetido impugnao; mas, tal adiantamento prescinde da existncia efetiva do direito.67

    De acordo com outra opinio, a teoria da condio induz a caminho errneo, porque abrange os efeitos do ato e, no caso de provimento do recurso, o rgo ad quem trocar o contedo do ato do rgo a quo, e, assim, desaparecer o provimento inicial. Realmente, provido o recurso, a sentena sujeita apelao deixa de existir. Todavia, desprovido o recurso, o ato confirmado. Nessa linha de raciocnio, a sentena sujeita a recurso constitui ato revogvel, a revogao atinge a existncia do ato, e no a sua eficcia.68 A sentena de primeiro grau ato jurdico perfeito; porm, podendo ser suprimida, tem efeitos limitados e parciais, motivo por que se sujeita revogao pelo rgo competente para conhecer da causa ulteriormente.69

    Finalmente, vislumbrou-se a sentena sujeita a recurso como ato condicional, mas de natureza suspensiva o evento futuro. E, na verdade, tal evento representaria uma conditio juris, assim considerado o fato que a lei exige para a eficcia de negcio que, por si mesmo, j contm todos os respectivos elementos de existncia.70 A conditio juris distingue-se da j aludida situao jurdica em razo do grau de certeza. No primeiro caso, revela-se possvel identificar os eventos que completaro o ato ou o negcio, possibilidade negada na situao jurdica. Por essa razo, a sentena impugnvel subsiste desde o incio como ato enquadrado nos elementos que lhe presidem a formao, mas imperfeita na eficcia, submetida a uma condio legal negativa: a ausncia do novo pronunciamento emitido pelo rgo ad quem. Verifica-se, ento, peculiar a conditio juris da sentena quando se mostrar inadmissvel que outra deciso seja proferida.71

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  • Nenhuma dessas teorias, sucintamente explicadas, revela-se imune a crticas convincentes. A primeira tentativa fracassou de sada, suscitando objees imediatas. E no explica por que a deciso (condenatria) no produz, como consequncia normal, seno apenas excepcionalmente, efeito executrio.72 O carter excepcional do efeito executivo, na pendncia do recurso desprovido de efeito suspensivo, no fornece crtica procedente.73 possvel afirmar que tal sucede por fora do temor em entregar a prestao jurisdicional sem o carter definitivo da sentena. A respeito, os critrios variam de ordenamento para ordenamento.

    Evidentemente, a pedra de toque das objees, revelada j na primeira crtica, arranca da distino entre a eficcia natural, ou prpria da sentena, e a autoridade que o provimento assumir com a coisa julgada. A sentena sujeita a recurso constitui simples apresentao da tutela solicitada pelas partes ao rgo judicirio. A entrega irretratvel do bem da vida ocorrer com a eficcia de coisa julgada. Ora, pouco crvel passando teoria da situao jurdica que a sentena impugnada seja mero elemento, ou projeto, qui desprovido de maior relevo, salvo se agregado o transcurso do prazo recursal. Sentena sujeita a recurso ato decisrio anterior formao da coisa julgada e, nada obstante eficaz em algumas situaes suspensivo que seja o recurso, h efeitos secundrios que sempre se produziro, como a hipoteca judiciria do art. 495 , tambm mutvel. E o recurso, por suposto, no integra os elementos de existncia da sentena.74

    verdade, por outro lado, que os eventos futuros, tratados como condio resolutiva ou suspensiva, operam no plano da eficcia, e no no da existncia. Errado soar, porm, olvidar o desaparecimento do ato, na prtica, em virtude da resoluo de toda a eficcia. Deixa de ser o ato atingido por condio resolutiva total, no em virtude da condio em si, mas porque restar inerme.75 Alm disso, ideia de revogao opem-se dois argumentos: (a) a teoria parcial, no explicando a condio da sentena no caso de desprovimento do recurso; (b) a sentena comporta impugnao parcial (art. 1.002), hiptese em que s o objeto do recurso acabar substitudo (art. 1.008). Seja como for, no direito brasileiro, o provimento superior apresentar efeito substitutivo, quer confirme, quer reforme a sentena.76

    Tambm no parece consentneo ao fenmeno vislumbrar conditio juris. E isso porque conditio juris condio imprpria, elemento embutido no comando legal, aluso ao que a regra jurdica considerou pressuposto para o negcio jurdico.77 Neste sentido, o julgamento do recurso respeita futura estabilidade da sentena, quer dizer, coisa julgada, nada informando acerca da sua condio antes disso.

    Na realidade, o problema exige soluo flexvel e, alm da distino entre as eficcias naturais da sentena e a coisa julgada, importa considerar o instrumento conferido aos interessados para impugnar o provimento. energia obrigatria da resoluo judicial,78 naturalmente modificvel, por definio alheia coisa julgada, o recurso contrape dois efeitos: o devolutivo, ou remessa da matria impugnada a reexame; e o suspensivo, privando a sentena da sua eficcia.79 Entre ns, o recurso cabvel contra a sentena, a apelao (art. 1.009), em regra tem ambos os efeitos (art. 1.012, caput). Entretanto, recebido o apelo s no efeito devolutivo, a sentena passa a emanar sua eficcia completa. Recurso suspensivo recurso de cuja interposio

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  • resultaria no se atribuir sentena, que apresentada, a eficcia que teria, se entregue (fora formal da coisa julgada).80 A suspenso inibe as transformaes jurdicas e fticas concebveis a partir do provimento.

    Desafiada por apelo dotado de efeito suspensivo, a sentena ato sob condio suspensiva desde a publicao. Se a apelao for total, o provimento do rgo ad quem liberar a eficcia, modificando ou no o contedo; se parcial, a parte intocada se torna imune, em princpio, a ulteriores modificaes, ressalva feita ao chamado efeito expansivo (infra, 39.1.4.2). Recebida a apelao sem efeito suspensivo, os efeitos da sentena sujeitar-se-o condio resolutiva. Eventual reforma da sentena implicar a cessao dos efeitos e o retorno ao estado anterior (art. 520, II).

    O duplo critrio resolve os inconvenientes identificados nas explicaes parciais. A sentena sujeita a recurso um ato em si mesmo perfeito, ou seja, existente, e em princpio apto a representar a regra jurdica concreta. No entanto, cuida-se de ato sub conditione suspensiva ou resolutiva, porque as partes e demais legitimados podem impugn-la, inibindo-lhe ou no a eficcia prpria. Por bvio, a explicao pressupe o duplo grau inerente ao apelo, mas nele no se localiza a resposta.81 A mudana de ngulo, passando do provimento judicial para o meio de impugnao, altera o panorama, esclarecendo o problema. E a razo simples: a pendncia do recurso, no fim das contas, impede que a sentena de mrito adquira autoridade de coisa julgada, a (nova) eficcia prevista no art. 502, paralisando ou no a eficcia natural do ato.

    3. Classificao dos recursos no processo civil

    A distribuio de objetos em conjuntos parciais coordenados e subordinados, ou a ordenao de conceitos entre si, h de basear-se em determinado critrio. Os mais comuns estabelecem relaes como a de gnero e espcie, a do todo com a parte, dentre outras. A formulao do critrio descansa na intuio e no arbtrio do classificador, mas h uma exigncia constante: a coerncia intrnseca do arranjo proposto. Em qualquer esquema, h vcios sumamente reprovveis, a exemplo da tautologia.

    Toda classificao visa melhor compreenso dos fenmenos examinados. A sistematizao indiferente a esse propsito torna-se incua e, principalmente, destituda de proveito. preciso atender regra de ouro, a chamada lei da parcimnia entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem , objeto de extensos estudos em outros domnios, sem a qual perde-se o rumo e edifica-se inutilmente.

    Essas consideraes preliminares alinham, salvo engano, os materiais necessrios para elaborar critrios idneos a agrupar os recursos arrolados no art. 994 em classes comuns. Entre ns, j se afirmou, no direito anterior, que o direito positivo ptrio no favorece a juno das espcies recursais cveis em classes distintas.82 Ecoou-se, de certo modo, a manifestao similar no direito italiano que atribui carter escolstico s classificaes.83 No entanto, o absentesmo pouco auxilia na compreenso e na viso sistemtica dos meios de impugnao s resolues judiciais. Relativas que sejam, as classificaes desses meios clareiam o quadro geral e, nas questes especficas, orientam

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  • solues. Talvez o problema resida, realmente, na fragilidade de algum esquema concreto.

    Um dos critrios mais verberados, e, de modo excessivamente exaltado, alimentando a relutncia h pouco identificada, distingue os recursos ordinrios e extraordinrios. Segundo a viso mais radical, a classificao merece ser arquivada para todo o sempre, alm do mais, pelos equvocos que capaz de gerar, e de fato tem gerado, merc da constante e notvel flutuao dos critrios doutrinariamente sugeridos para fund-la.84 Ora, ningum ficar prejudicado e, muito menos, injuriado ao se anunciar e endossar classificao mal vista por outros. E o grupamento dos recursos extraordinrios no interfere, absolutamente, nos aspectos prticos ou operacionais dos remdios porventura inseridos na respectiva classe, no se atinando, nesta contingncia, os terrveis malefcios derivados da heterogeneidade de critrios inspiradores dessa diviso. E, de resto, pouco adianta imprecar esta ou aquela classificao. Todas repousam na intuio e no arbtrio do agente classificador. Em particular, a referida distino jamais poder ser totalmente olvidada, ou sepultada em lugar ignorado para evitar peregrinaes dos seus adeptos ocultos, porque era a nica enunciada em termos expressos: o art. 467, in fine, do CPC de 1973 marcava o nascimento da coisa julgada no momento em que a sentena no se sujeita mais a recurso ordinrio ou extraordinrio.

    Por outro lado, rejeitada a distino dos recursos em ordinrios e extraordinrios, incorre em vcio comum nessas empreitadas, a tautologia, classificao que reparta os recursos em totais e parciais.85 O provimento judicial pode ser impugnado no todo ou em parte. o que afirma, relativamente aos atos decisrios, em geral, o art. 1.002. Ento, considera-se total o recurso que abrange todo o contedo impugnvel da deciso recorrida, porque toda ela pode no ser impugnvel; e parcial o recurso que, por absteno exclusiva do recorrente, no compreenda a totalidade do contedo impugnvel da deciso.86 Ora, o fato de o recorrente no se insurgir contra todo o ato no permite agrupar alguns recursos na classe da impugnao total, e outros na parcial, porque todos se transformam totais ou parciais, conforme a livre opo do recorrente. No h elemento ou caracterstica que rena alguns numa classe, os demais na outra.87

    Variam os critrios classificadores utilizados na doutrina brasileira e na estrangeira. Entre ns, empregam-se os seguintes dados: (a) mbito (recurso total e parcial); (b) momento da interposio (recurso independente e adesivo); (c) fundamentao (recurso livre e vinculado); (d) objeto (recurso ordinrio e extraordinrio); (e) efeitos (recurso suspensivo e no suspensivo).88 exceo do primeiro e do ltimo, os demais critrios parecem adequados. Em relao ao efeito suspensivo, h recursos que tm efeito suspensivo unicamente ope iudicis (agravo de instrumento), outros que o tm ope judicis e ope legis (apelao, a teor do art. 1.012, 1. c/c 3.), esterilizando a utilidade do critrio. Tambm se aponta a titularidade da iniciativa do ato de recorrer como critrio hbil a criar classes autnomas (recurso voluntrio e necessrio);89 porm, o conceito de recurso pr-exclui tal princpio. Outra possibilidade de classificao reponta nos efeitos do julgamento do recurso. De ordinrio, o provimento do recurso produzir a substituio do provimento (infra, 26); todavia, em alguns casos importar a resciso, a cassao do ato impugnado. Da diferena imprimida aos efeitos do julgamento no se retirar, porm, um critrio idneo para separar, no direito ptrio, os recursos consoante

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  • hipotticas funes rescisria e substitutiva. No h, entre ns, recurso no qual a funo rescisria seja peculiar. Acontece de o mesmo recurso por exemplo, a apelao, o recurso extraordinrio , conforme a espcie de vcio alegado (vcio de juzo ou vcio de atividade), assumir ora a funo substitutiva, no caso deerror in iudicando, ora a rescisria, configurando-se o error in procedendo.90 verdade que, em nosso sistema, a possibilidade de o rgo ad quem, decretados determinados vcios, passar ao julgamento do mrito, alterou em parte a diferena quanto s consequncias extradas dessas espcies de vcio. O art. 1.013, 3., II, III e IV, autoriza o prprio rgo ad quem, reputando existente o vcio de atividade alegado no recurso, atinente inobservncia do princpio da congruncia, a omisso do julgamento de um dos pedidos ou falta ou insuficincia da motivao, prosseguir no julgamento da apelao, subentendendo-se que, nesta contingncia, apreciar eventual error in iudicando tambm alegado. Porm, permanece impossvel atribuir, apelao, unicamente a funo substitutiva, porque h nulidades insanveis que importaro a resciso do julgado (infra, 34.4).

    Um quadro mais amplo das vias de impugnao distingue as seguintes categorias: recursos extraordinrios operam em outra relao processual (v.g., mandado de segurana), mas reformam ou invalidam o provimento atacado; recursos ordinrios tramitam no mesmo processo, divididos em ilimitados (v.g., a apelao) ou limitados (v.g., o recurso extraordinrio), haja ou no restries cognio do rgo ad quem.91

    Na empreitada classificatria, necessrio ter em mente unicamente o ordenamento de cada pas para organizar classificaes correspondentes aos dados do ius positum; do contrrio, contaminar a exposio o incmodo risco da generalizao excessiva, logrando-se resultados imprecisos.92 Todavia, h certa vantagem em compilar algumas vises do direito estrangeiro, sem a preocupao de exaurir a sinopse, mas apreendendo as categorias mais corriqueiras e prestigiadas, qui aproveitveis no direito ptrio. Empregam-se as seguintes classificaes, por exemplo, no direito portugus,93 largamente inspiradas em ideias italianas: (a) recursos ordinrios, porque visam reforma do ato antes da aquisio da eficcia de coisa julgada, e recursos extraordinrios, que impugnam decises j transitadas em julgado;94 (b) recursos de renovao, em que a preocupao recai na reforma do provimento, e recursos de reparao, em que a tnica reside na invalidao do provimento;95 (c) recursos de reexame, nos quais o fim do remdio a avaliao da questo decidida, e recursos de reviso, cuja finalidade consiste em rever o ato em si, porque viciado; (d) recursos substitutivos, nos quais o julgamento do recurso substitui, no todo ou em parte, o ato impugnado, e recursos rescindentes, nos quais o ato desfeito, mas o processo remetido para novo julgamento, de meritis, conforme a tese jurdica fixada;96 (e) recursos mistos, em que o rgo a quo pode reformar o ato, sem embargo de anloga prerrogativa do rgo ad quem, e recursos puros, em que somente o rgo ad quempoder rever o ato.97 As classificaes tradicionais, na Espanha, divisam os seguintes recursos: (a) devolutivos e no devolutivos no ltimo caso, o prprio rgo que proferiu o ato julga o recurso; (b) recursos ordinrios e extraordinrios no ltimo caso, o recurso h de se fundar em motivo predeterminado na lei; (c) recursos de forma e recurso de fundo no ltimo caso, a impugnao versa a controvrsia, e no o processo.98 Em Frana, basicamente distingue-se entre recursos ordinrios e extraordinrios; recursos de retratao (perante o rgo que emitiu o provimento) e de

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  • reforma.99 Exposio muito utilizada, no direito italiano, arrola as seguintes classes: (a) recursos ordinrios e extraordinrios; (b) recursos de motivao livre e de motivao vinculada; (c) recursos substitutivos e rescindentes; (d) recursos devolutivos e no devolutivos; (e) recursos perante o rgo que proferiu a deciso e perante rgo diferente.100 Finalmente, a doutrina alem costuma realar o controle das questes de fato e das questes de direito como decisivo.101

    Embora incompleta e breve, a resenha evidencia as tendncias mais expressivas. Assim, a diviso dos recursos em ordinrios e extraordinrios, a despeito de se considerar redundante o critrio no direito italiano,102 por exemplo, surge de modo invarivel. Parece aproveitvel no direito brasileiro, num primeiro momento, a classe dos recursos mistos e puros: na primeira categoria entraria o agravo (art. 1.018, 1.) e, sob certas condies, a apelao (art. 331, caput, e art. 332, 3.). No entanto, nada de til se esclareceria com semelhante classificao. Rejeitadas, por razes variadas e j expostas, as categorias principais, e considerando a arbitrariedade de toda classificao, h uma linha segura que pode ser utilizada, iluminando o sistema recursal: a utilidade operacional.

    luz desse conjunto de proposies to heterogneas, distinguir-se-o, aqui, em razo da intrnseca utilidade, as seguintes classes recursais: (a) recursos ordinrios e extraordinrios; (b) recursos de motivao livre (ou simples) e de motivao vinculada; (c) recursos independentes e subordinados.

    3.1. Recursos ordinrios e extraordinrios

    O art. 467, in fine, do CPC de 1973 mencionava a classe dos recursos ordinrios e extraordinrios. Essa expressa previso legal impedia o simples descarte da categoria, no direito anterior, limpando o cenrio do personagem incmodo e esdrxulo, porque supostamente irrelevante e imprestvel. O desaparecimento dessa meno classe no direito vigente no elimina residual interesse em identificar, sendo possvel, a espcie recursal.

    Nada importavam, no direito anterior, as semelhanas mais ou menos acentuadas com os recursos extraordinrios de feio europeia. Tais remdios atacam provimentos passados em julgado, porque no poderiam ser subordinados a um termo fixo.103 Exemplo de recurso extraordinrio desse feitio a requte civile belga, cabvel contra pronunciamentos transitados em julgado, nos casos previstos em lei, que repousam em erro de fato no imputvel ao rgo judicirio e descoberto posteriormente autoridade de coisa julgada.104 Entre ns, conforme a disposio mencionada, o recurso extraordinrio impede, por definio, o trnsito em julgado. E, tratando-se de recurso, o grupo extraordinrio jamais equivaler ao das aes impugnativas autnomas (v.g., o mandado de segurana),105 cuja admissibilidade contra provimentos transitados em julgado no comporta maiores generalizaes (Smula do STF, n. 268).106

    Entre ns, a identificao de um critrio seguro, distinguindo recursos ordinrios e extraordinrios como meios que obstam a aquisio da autoridade de coisa julgada, representa desafio difcil e da maior responsabilidade. Sob trs aspectos, na vigncia do CPC de 1939, concebeu-se a diferena,

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  • adaptando-se os exemplos sistemtica do estatuto em vigor: (a) no tocante ao cabimento, porque o recurso extraordinrio se subordinaria a pressuposto especial, diverso da simples sucumbncia, como o valor da causa nos embargos infringentes do art. 34 da Lei 6.830/1980 ou o voto vencido nos antigos embargos infringentes, desaparecidos na disciplina do CPC de 2015; (b) no que tange ao objetivo, hiptese em que o recurso extraordinrio envolve pontos restritos, como acontece com os embargos de divergncia (art. 1.043 do CPC de 2015), fundado na divergncia e visando uniformizao da jurisprudncia interna do tribunal superior; (c) no que respeita natureza do rgo ad quem, hiptese que abrange o recurso extraordinrio em sentido estrito (art. 102, III, da CF/1988), porque endereado a tribunal superior.107 Em qualquer caso, h objees plausveis, convindo no misturar, por exemplo, o recurso extraordinrio e o de motivao vinculada, classe mais ampla, como periga se verificar com a aluso a requisitos especiais.108

    A tnica do objetivo imediato da pretenso recursal inspira a orientao preferida para localizar o carter extraordinrio do recurso. O recurso extraordinrio tutela imediatamente o direito objetivo. O interesse particular do recorrente secundrio ou objetivo mediato. Tais recursos visam a averiguar se o rgo judicirio aplicou corretamente a lei (no sentido mais geral) espcie.109 Integram a classe, por conseguinte, o recurso extraordinrio (art. 994, VII) e o recurso especial (art. 994, VI).

    Esse intuitivo critrio no contentava crticos muito credenciados, mas excessivamente relutantes em extrair alguma consequncia explcita da antiga aluso legislativa. Rejeitam-no por trs fundamentos: primeiro, no se percebe como e por que permite ele compreender as diversas modalidades recursais;110 segundo, legitima-se o Ministrio Pblico, na condio de fiscal da lei (art. 178), no emprego de todos os recursos do art. 994, e, nesta hiptese, a respectiva atuao visa proteo do direito objetivo; terceiro, no h segurana na posio ocupada pelo agravo do art. 1.042.111 Ora, pode-se dizer que, diferena de todos os demais recursos, o extraordinrio e o especial visam exclusivamente tutela do direito objetivo ou, como quer o art. 8. do CPC de 2015, do ordenamento jurdico. duvidoso, ademais, que o recurso interposto pelo Ministrio Pblico exiba idntica finalidade, porque a tnica do julgamento recai no interesse concreto defendido pelo recorrente, no se abrindo quelas perspectivas amplas de preservao da integridade do direito constitucional e infraconstitucional. E a classe dos recursos extraordinrios denota a funo constitucional inerente aos recursos extraordinrio (infra, 79) e especial (infra, 89). Este ltimo elemento empresta a necessria utilidade ao critrio classificatrio.

    3.2. Recursos de motivao livre (ou simples) e

    vinculada

    Os recursos de motivao vinculada se baseiam obrigatoriamente em motivos predeterminados. Em outras palavras, a tipicidade do erro passvel de alegao pelo recorrente, ou a crtica feita ao provimento impugnado, integra o cabimento do recurso, e, por conseguinte, a respectiva admissibilidade. Por exemplo: nos embargos de declarao, o embargante alegar a existncia de omisso (art. 1.022, II); no recurso extraordinrio, a contrariedade CF/1988. Abstendo-se o recorrente de alegar o tipo, fundamentando o recurso de acordo

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  • com a crtica exigida pelo respectivo permissivo, e as razes do recurso nele no se fundarem, conforme exige o princpio da congruncia (infra, 20.2.3), o rgo ad quem no conhecer do recurso; alegado o tipo, se no houver o erro, o rgo ad quem desprover o recurso.112 o que acontece com os embargos de declarao (art. 1.022), o recurso extraordinrio (art. 102, III, da CF/1988) e o recurso especial (art. 105, III, da CF/1988).

    Ao contrrio, nos recursos de motivao livre, a exemplo da apelao e do agravo, o recorrente poder tecer qualquer crtica ao provimento impugnado, observando to s a congruncia entre a fundamentao do ato decisrio e as razes do recurso. So recursos de motivao livre (ou simples): apelao, agravo de instrumento, agravo interno, recurso ordinrio e embargos de divergncia.

    A utilidade dessa classificao transparece em dois aspectos. Em primeiro lugar, importa sobremodo correta distino entre admissibilidade e mrito dos recursos especial e extraordinrio calcados na letra a dos arts. 102, III, e 105, III, da CF/1988.113 O tema receber anlise posteriormente (infra, 82.2.1). Ademais, a motivao vinculada restringe a extenso e a profundidade do efeito devolutivo do recurso, impedindo que o rgo ad quem julgue alm ou fora do erro tpico que torna admissvel o remdio. Tal caracterstica impede que o STF e o STJ, ao aplicarem o direito espcie, transmudem-se em indesejvel terceira instncia, conquanto jungida ao reexame das questes de direito (infra, 94.2).

    3.3. Recursos independentes e subordinados

    Pode acontecer de as partes no obterem xito completo na resoluo final do processo: de um lado, o autor pediu as providncias xe y, mas a sentena acolheu apenas x, negando y; de seu turno, o ru livrou-se de y, mas suportar x. Esse resultado, to mais frequente e banal quanto menor o receio de o autor sofrer consequncias econmicas derivadas da rejeio do seu pedido a generalizao da gratuidade, beno dos necessitados, tambm ampara os inescrupulosos , recebe o nome de sucumbncia recproca (ou mtua): a deciso gera gravame a interesses opostos de duas partes.114 Dela cogitou, para o efeito da distribuio dos nus do processo, o art. 86 (Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido...).115

    Uma variante ocorre no processo cumulativo. Formalmente nica, para efeitos de impugnao, a sentena julga improcedentes a ao e a reconveno deduzida pelo ru,116 materialmente dividida em captulos (ou partes) autnomos.

    Em situaes tais, perscrutando as perspectivas de provimento do apelo contra a parte desfavorvel, talvez as partes concluam que j obtiveram o resultado mximo concebvel, mais valendo acatar o desfecho do que suportar maiores incmodos e despesas. Todavia, a possibilidade de o adversrio recorrer, assim agravando a situao, induzia todos os litigantes a apelarem autonomamente, contrapondo vantagem reclamada no apelo do adversrio o risco de sucumbncia total. Inversamente, cada qual permaneceria omisso, permitindo a passagem em julgado da sentena, se tivesse certeza que o adversrio adotaria atitude idntica. claro que tal comportamento pode ser

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  • ajustado, como ainda hoje, mediante confabulao dos advogados das partes, culminada com petio conjunta de renncia ao recurso de apelao, ou por meio de conveno processual (art. 190). Nem sempre, porm, h disposio ou oportunidade para contato com essa finalidade.

    No h base emprica para pressupor o conformismo recproco nesta conjuntura. Faltam dados concretos a apoiar a tese. E fatores culturais atuam poderosamente nesta rea, aumentando ou diminuindo a inclinao racional a reconhecer os limites do prprio direito.

    Nada obstante, o CPC de 1973, inspirando-se em figuras similares de outros ordenamentos, e nas anlises que apontavam a inferioridade do regime nacional,117 estimou oportuno criar ambiente propcio expectativa do conformismo recproco, incentivando as partes a permanecerem inertes. Objetivou o legislador, introduzindo o instituto sofisticado do recurso adesivo, influenciar na psicologia do litigante.118 A receita manteve-se no art. 997, 1., do CPC de 2015.

    Inclinando-se uma das partes parcialmente vencida a aceitar o provimento, mostrar-se- possvel aguardar o prazo final do recurso cabvel, chamado de principal ou independente (art. 997, caput: Cada parte interpor o recurso independentemente, no prazo e com observncia das exigncias legais), sem sobressaltos, concebendo-se, encerrado o interregno, dois termos de alternativa: no recorrendo o adversrio, o provimento transitar em julgado, respeitada a atitude inicial; interposta a apelao pela outra parte, a qual assumir o papel de recurso independente, principal ou autnomo, abrir-se- oportunidade suplementar, no prazo de resposta, para o litigante inicialmente omisso recorrer por sua vez, visando melhorar a prpria situao. o que dispe, em sntese larga, o mecanismo consagrado no art. 997, 1. e 2..

    Essa modalidade recursal h de se chamar, considerando sua natureza, de recurso subordinado (infra, 3.3.1), a despeito da preferncia legal pelo epteto de recurso adesivo, e a respectiva essncia bem apreendida no seguinte juzo: O recurso adesivo nada mais do que recurso contraposto ao da parte adversa, por aquela que se dispunha a no impugnar a deciso, e s veio a impugn-la porque o fizera o outro litigante.119 Evidentemente, nada obsta que a parte, configurada a sucumbncia recproca, delibere interpor seu recurso de modo independente, pouco importando se o adversrio recorrer ou no.

    semelhana de outros mecanismos de relativa complexidade e sofisticao, o recurso subordinado recebe louvores, destacando-se a importncia sistemtica da figura,120 mas seu uso escasso...

    3.3.1. Designao do recurso subordinado

    Levantamento extremamente minucioso e exato evidenciou que h imprecises terminolgicas, e, neste terreno, todo cuidado pouco.121

    Em primeiro lugar, impe-se distinguir, a bem da clareza, a situao da parte que contrape seu recurso ao da outra, e a do litisconsorte que rene seu recurso ao do parceiro. O direito italiano abriga, sob o rtulo de impugnazione incidentale, tais figuras essencialmente heterogneas.122 Em ambos os casos, a via incidental assegura a unidade do procedimento no segundo grau, o que

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  • no direito brasileiro no assume relevo particular, pois inexiste a simetria verificada em outros ordenamentos (infra, 28).

    Por idntico motivo, o emprego do verbo aderir (e das palavras cognatas) com relao a hipteses em que uma das partes recorre e o litigante adverso, em razo disso, vem pleitear por sua vez, do rgo ad quem, resultado mais favorvel ao seu prprio interesse,123 presta-se a inmeras dvidas. Embora no implique a abertura da segunda instncia, a adhesin espanhola um recurso autnomo, porque no fica subordinada sorte da apelao principal; porm, como o recurso do art. 997, 1., serve para contrarrestar la expectativa de reforma favorable de la sentencia de instancia, respecto al apelante principal, permitiendo al tribunal dictar una resolucin conforme a las pretensiones del apelado convertido en apelante adhesivo.124 apenas apelao interposta posteriormente, derivada da primeira, mas no h propriamente adeso, nem subordinao.125 A diferena entre a autntica adeso, verificada nos casos de sucumbncia paralela, suportada pelos litisconsortes, e o recurso subordinado evidencia-se no preciso regime portugus.126 tambm bastante similar o regime do Anschliessung ouAnschlussberufung.127 A esse propsito, todavia, h observaes discrepantes e no poucos autores equiparam a disciplina tedesca italiana.128

    Essas distines recomendam que, figura prevista no art. 997, 1., seja designada como recurso subordinado,129 evitando-se a ambgua frmula recurso adesivo. O nico sentido razovel da ltima o de adio vontade de recorrer do recorrente principal.130 A palavra imprpria, porm consagrada no uso corrente (e nos regimentos internos dos tribunais), nenhum prejuzo traz ao recorrente.131

    3.3.2. Natureza jurdica do recurso subordinado

    A figura contemplada no art. 997, 1., no recurso per se, substancialmente diverso do recurso interposto em carter principal, mas modalidade ou forma de interposio deste ltimo.132 No se trata derecurso novo, mas de simples modalidade de processamento de recursos existentes, varivel quando se manifesta a dupla sucumbncia.133 Tal caracterstica at inspirou recusa em conferir-lhe tratamento autnomo.134

    O recurso subordinado submete-se s mesmas condies de admissibilidade, conforme reza o art. 997, 2., processamento e efeitos do recurso principal, salvo disposio em contrrio. Ele se distingue por uma circunstncia extrnseca e formal, de ordem temporal: a interposio posterior.135 E, naturalmente, fica subordinado ao recurso independente, consoante o art. 997, 2., III.

    Nem sempre a disciplina interna dos tribunais apreendeu a natureza do recurso subordinado. O protocolo deveria anotar apelao subordinada, recurso extraordinrio subordinado e recurso especial subordinado nos registros. Na melhor das hipteses, admitir-se- a troca do subordinado pela expresso adesivo, empregada no art. 997, 2.. Como quer que seja, no tem sentido a subordinao sem o liame ao principal (apelao, recurso extraordinrio, e assim por diante). Infelizmente, o protocolo teima em

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  • configur-lo de modo autnomo, designando-o de recurso adesivo, tout court, frmula inexpressiva e imprpria.

    3.3.3. Condies de admissibilidade do recurso subordinado

    Segundo o art. 997, 2., ao recurso subordinado se aplicam as mesmas requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposio legal diversa. Essa proposio genrica exige explicitaes, relativamente s condies (ou requisitos) de admissibilidade.

    3.3.3.1. Cabimento do recurso subordinado

    Lcito se afigura interpor recurso subordinado em oposio apelao, ao recurso extraordinrio e ao recurso especial deduzidos de forma independente (art. 997, 2., II). No cabe, portanto, aderir ao agravo regimental (rectius: agravo interno) interposto pela contraparte.136E, relativamente ao direito anterior, desapareceu a hiptese de adeso aos embargos infringentes, por sua vez eliminados do catlogo do art. 994, substitudos pela tcnica de integrao do julgamento da apelao e da ao rescisria prevista no art. 942, ampliando-se o qurum da deliberao no caso de voto vencido, oportunamente analisada (infra, 34.7).

    Por bvio, tal cabimento reclama a concorrncia do cabimento especfico desses recursos, quanto ao provimento impugnado; por exemplo, no tocante a recurso especial, impe-se a presena no acrdo da questo federal, resolvida desfavoravelmente ao recorrido (infra, 91.2.1). E, ainda, a forma subordinada baseia-se na mtua sucumbncia, j explicada (retro, 3.3). O objeto do recurso subordinado se relaciona, na verdade, com o captulo desfavorvel ao recorrente no provimento impugnado.137 Eis a razo pela qual no cabe recurso subordinado contra a sentena do art. 330,138 exceto no que tange a algum captulo acessrio (v.g., a sentena fixou honorrios advocatcios).

    Dos exemplos j ministrados resulta ntida a desnecessidade de vnculo substancial estreito e profundo entre os objetos da impugnao no recurso independente e no subordinado.139 o que acontece quando o recorrente principal reclama de pedido rejeitado e o recorrente adesivo da verba da sucumbncia,140 ou, ainda, da ausncia de reconhecimento do dolo processual do autor.141 Tambm se admitiu recproca sucumbncia na hiptese de extino da ao e da reconveno.142Nesses casos, o vnculo puramente instrumental, derivado do mesmo processo. firme a jurisprudncia do STJ ao dispensar a correlao temtica entre o recurso subordinante e o subordinado.143

    Frise-se que, em regra, existir vnculo, no plano material, entre as pretenses recursais contrapostas, porque liame similar justificou, originariamente, a cumulao de pretenses in simultaneo processu por exemplo, ao e reconveno exigem o liame da conexo (art. 343), no sentido mais elstico possvel, mas, ainda assim, um nexo qualquer a relacionar os interesses envolvidos.144 A facilitao do recurso subordinado situa-se neste plano ralo e distante. O precedente antes invocado, lavrado pelo Ministro Luis Felipe Salomo, percebeu agudamente a tese correta. E soaria excessivo

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  • negar a utilidade do recurso adesivo para elevar os honorrios, um pequeno acrscimo de atividade judicante, mas idneo para aumentar os resultados do processo.

    3.3.3.1.1 Preexistncia do recurso independente preciso que, no momento da interposio do recurso subordinado, a outra parte haja interposto recurso independente. De acordo com o art. 997, 1., ocorrer adeso ao recurso interposto por qualquer deles, e, por esse motivo, a interposio dos recursos mencionados no art. 997, 2., II, antes disso, outorga carter autnomo ao recurso. No importa a vontade do recorrente em jungir seu recurso ao regime do art. 997, 1., interpondo-o como subordinado antes do recurso dito principal.145

    Revela-se indispensvel, por outro lado, que o recurso principal subsista na data da interposio do subordinado. Se o recurso independente no foi admitido, porque deserto, ou o recorrente dele desistiu, antes de escoado o prazo de resposta, j no mais poder recorrer seu adversrio.

    3.3.3.1.2 Inadmissibilidade de ampliao das hipteses de recurso subordinado Os recursos que comportam a interposio subordinada se encontram mencionados no art. 997, 2., II: apelao, recurso extraordinrio e recurso especial. O rol taxativo.146 No cabe ampli-lo em virtude de consideraes teleolgicas.147 Por exemplo, no cabem embargos de declarao adesivos.148 E, ainda, no agravo de instrumento cujo objeto seja questo de mrito (art. 1.015, II).149

    Por vezes, razes inconsistentes recomendam a ampliao das hipteses de cabimento. Os embargos de divergncia (art. 994, IX), espcie recursal prpria, e o recurso ordinrio (art. 994, V), que outrora recebeu o epteto de apelao (infra, 68), so recursos diferentes dos contemplados na regra, e, por conseguinte, insuscetveis modalidade adesiva.150 Nesta linha de raciocnio, a Corte Especial do STJ rejeitou embargos de divergncia adesivos.151 E, quanto ao recurso ordinrio, o respectivo cabimento, secundum eventum litis, unicamente das decises denegatrias em mandado de segurana, por exemplo, erige obstculo insupervel,152 alm de outras consideraes de ordem sistemtica (infra, 73.1).153

    falta de previso legal explcita, tampouco caber adeso no recurso inominado do art. 41, caput, da Lei 9.099/1995.154 O recurso subordinado mostrar-se- admissvel, entretanto, no recurso extraordinrio contra o julgado final produzido nos juizados.155

    Por fim, no reexame necessrio (art. 496) inexiste adeso concebvel, porque nenhum dos litigantes espera o comportamento do outro.156

    3.3.3.2. Legitimidade para interpor recurso subordinado

    Legitima-se a interpor recurso subordinado a pessoa que figurar como recorrida no recurso independente. S tal pessoa sofrer as consequncias do provimento do recurso principal, e, conseguintemente, pode a ele se contrapor. Da a singular importncia da delimitao subjetiva do recurso (infra, 19.2.1).

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  • Da regra genrica se retiram solues adequadas para problemas especficos. Interposto o recurso principal perante um dos litisconsortes, ressalva feita hiptese de litisconsrcio unitrio, os preteridos no se legitimam a recorrer de modo subordinado.157 E isso porque s cabe o subordinado em contraposio aos interesses da parte que impugnou a deciso, e nos limites do conflito de interesses entre recorrente e recorrido.158 Se um nico litisconsorte passivo foi derrotado, no pode aderir ao recurso do autor, deduzido perante os demais.159 O opoente, litigando contra ambas as partes originrias, poder aderir ao recurso formulado por qualquer delas, porque o provimento desse recurso pr-exclui o direito alegado na oposio. No entanto, julgada improcedente a oposio, incumbe-lhe apelar independentemente. Vale o exemplo pela escorreita aplicao dos princpios que regem a matria. A oposio tem escassa incidncia na prtica.

    O art. 997, 1., pressupe a sucumbncia do(s) autor(es) ou do(s) ru(s) e a adeso do recorrido ao recurso interposto por qualquer deles. Legitimados que sejam a recorrer principalmente, o Ministrio Pblico,160 atuando no processo como fiscal da lei (art. 178), e o terceiro prejudicado161 no podem recorrer de modo subordinado.162 O inverso no verdadeiro, porm: autor e ru podem recorrer pela via subordinada, contrapondo-se ao recurso independente do terceiro prejudicado e do Ministrio Pblico.163

    Legitima-se, passivamente, o litigante que